Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2020-T
Data da decisão: 2021-08-25  IVA  
Valor do pedido: € 12.445,12
Tema: CIVA – (direito de dedução): (i) Artigo 21.º n.º1 al. a (viatura de turismo); (ii) Artigo 19.º n.º 2 e n.º 6 (descritivo da fatura); e (iii) Artigo 78.º n.º 5 (regularização do IVA – conhecimento da retificação).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 18 de dezembro de 2020.

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede em ..., ...-... ... (doravante, Requerente), apresentou no dia 28 de setembro de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede a anulação dos seguintes atos tributários (doravante, ato impugnado):

(a) do despacho proferido pela Exma. Senhora Diretora de Serviços do IVA em 22.06.2020, que indeferiu o recurso hierárquico n.º ...2019..., apresentado contra o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018...;

(b) dos atos de liquidação de IVA n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e respetivas demonstrações de acerto de contas n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., que apuraram um valor a pagar no montante global de EUR 12.445,12, todas respeitantes ao período de tributação de 2013, com todas as consequências legais.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 29 de setembro de 2020, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 13 de novembro de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 16 de novembro de 2020, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 18 de dezembro de 2020.

 

6. Em 18 de dezembro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta e juntar o processo administrativo em 13 de abril de 2021 (tempestivamente, considerando a suspensão geral dos prazos judiciais que esteve em vigor entre o dia 22 de Janeiro e o dia 6 de Abril de 2021, em consequência da aplicação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, determinadas pela Lei 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril).

 

8. Em 15 de abril de 2021, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor: “Por aplicação do princípio da celeridade processual, uma vez que não foram alegadas exceções na Resposta da AT, notifica-se a Requerente para: (i) informar os autos se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral; e, em caso afirmativo, (ii) indicar quais os factos que, em seu entender, deverão ser objeto desse meio de prova. Prazo: 10 dias”.

 

9. Em 30 de abril de 2021, em resposta ao despacho identificado, a Requerente veio “manifestar a manutenção de interesse na produção de prova testemunhal. Em cumprimento do despacho mencionado, requer-se ainda que as testemunhas indicadas sejam ouvidas sobre os factos constantes dos artigos 3.º a 17.º, 19.º, 43.º a 45.º, 49.º a 51.º, 71.º, 72.º e 108.º a 110.º da p.i.”.

 

10. Em 04 de maio de 2021, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:

“Por se perspetivar útil ao apuramento da verdade material, determina-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT no próximo dia 1 de junho de 2021 (terça-feira) às 15h00, através de meios telemáticos (sistema de videoconferência Cisco Webex, utilizado pelo CAAD, e de subscrição livre). As testemunhas, a apresentar pela Requerente, serão ouvidas presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa. Os Mandatários das partes deverão informar o CAAD até ao dia útil anterior à reunião, se pretendem estar presentes nas instalações do CAAD em Lisboa, ou se pretendem estar presentes através dos referidos meios telemáticos. Notifiquem-se as partes (i) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 151.º do CPC, aplicável ex. vi. artigo 29.º do RJAT; e (ii) do presente despacho”.

 

11. Em 01 de junho de 2021, pelas 15 horas, teve lugar na sede do CAAD em Lisboa, a reunião do tribunal arbitral, tendo a Signatária participado na reunião via CISCO WEBEX MEETINGS — os representantes da Requerente e da Requerida concordaram (i) com a realização desta diligência pelos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS e (ii) com a gravação desta diligência. A Requerente declarou prescindir da inquirição da testemunha B... por si arrolada. Foi inquirida a testemunha, arrolada pela Requerente, C..., melhor identificada na Ata da diligência.

O Tribunal:

(i) notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido;

(ii) designou o dia 18-06-2021 para o efeito de prolação da decisão arbitral em cumprimento do disposto no artigo 18.º n.º 2.º do RJAT; e

(iii) advertiu a Requerente que até 10 dias antes da data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

12. Em 8 de junho de 2021, a Requerente juntou aos autos a taxa arbitral subsequente e em 14 de junho de 2021 a Requerente juntou aos autos as suas alegações escritas.

 

13. Em 16 de junho de 2021, o Tribunal prorrogou o prazo para que fosse proferida decisão arbitral por um período de dois meses, uma vez que em 16 de junho de 2021 ainda decorria o prazo para a Requerida apresentar as respetivas alegações. Uma vez que a prorrogação terminará em férias judiciais, fixou-se o termo do prazo para que seja proferida decisão arbitral no dia 1 de setembro de 2021. As alegações finais da Requerida apenas vieram a ser juntas aos autos no dia 21 de junho de 2021.

14. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente fundamenta o seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

(i) Dedutibilidade do IVA suportado na locação de viatura ..., com a matrícula ... o valor de € 1.797,60, alegadamente utilizada pela Requerente para o transporte de mercadorias e também para o transporte de trabalhadores da ..., onde a Requerente tem a sua sede. Em defesa da sua posição, a Requerente invoca a sentença proferida em 26.04.2017 no processo n.º 2346/07.8BELSB, que correu termos junto do Tribunal Tributário, que segue a jurisprudência vertida na sentença de 07.04.2008, tirada no processo n.º 1495/06.4BELSB (cfr. documento n.º 9), e conclui, uma vez que: “a viatura em causa foi utilizada pela ora Requerente exclusivamente no âmbito da sua atividade e em prossecução do respetivo objeto social, deve ser aceite a dedutibilidade do IVA relativo às despesas com o aluguer e serviços de gestão do veículo ..., com a matrícula ..., no valor de € 1.797,60”;

(ii) Dedutibilidade do IVA suportado nas faturas por serviços prestados à requerente pela D..., Unipessoal, Lda. (D... Unipessoal) no valor de EUR 9679,52 (cfr. Artigo 19.º, n.º 2 e n.º 6 do CIVA). Defende a Requerente que o descritivo constante das faturas emitidas pela D... Unipessoal à Requerente ("Prestação de serviços de Consultoria nas áreas de: Agro-Pecuária e Viticultura”) é suficiente para que possa ser exercido pela Requerente o direito à dedução do IVA suportado, por permitir compreender a extensão e a natureza dos serviços prestados (ou seja, por cumprir os requisitos substantivos da Diretiva do IVA). Defende ainda que o Código Civil não exige a redução a escrito de um contrato de prestação de serviços (contrato esse que a AT pediu que fosse apresentado), e que a AT pretendia uma descrição detalhada e pormenorizada de cada trabalho efetuado, o que não é consentâneo, nem com a lógica do IVA, nem com as regras de emissão de faturas e, menos ainda, com a emissão regular de faturas por sociedades de atividades correntes;

(iii) Regularização do IVA constante das notas de crédito respeitantes à sociedade E... no valor de EUR 2830,46 (cfr. artigo 78.º do CIVA). A Requerente defende que “o único requisito de regularização do ponto de vista da Requerente encontra-se vertido no n.º 5 do artigo 78.º do CIVA e traduz-se na existência de prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto. In casu, tal requisito encontra-se verificado na medida em que a E... assinou as notas de crédito emitidas pela Requerente”.

 

15. Na sua Resposta, sumariamente, a Requerida alega:

a) No que respeita à primeira questão (dedutibilidade do IVA suportado na locação de viatura ..., com a matrícula...), a Requerida defende que “O art.  21.º, n.º 1, al. a) do CIVA exclui do direito à dedução o imposto contido em "Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor". Uma vez que o veículo matrícula ... é ligeiro de passageiros que não tem mais de nove lugares, o IVA contido nas faturas relativas às despesas com o seu aluguer está excluído do direito à dedução”. Conclui ainda a Requerida “Mesmo quando tais bens ou serviços se destinem a fins empresariais, e a solução equitativa seja a regra geral, como é particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com intuito de evitar divergências e polémicas, o legislador entendeu afastar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria e consagrou, no n.º 1 do art.º 21.º, um conjunto de bens excluídos do direito à dedução independentemente da sua utilização. Finalmente, como reforço de toda a argumentação anteriormente expendida, transcreve-se parte do acórdão do TCA do Sul de 2014-07-10, processo n.º 7558/2014”.

b) No que respeita à segunda questão (dedutibilidade do IVA suportado nas faturas por serviços prestados à requerente pela D... Unipessoal), a Requerida defende que “As faturas relevam as seguintes operações: "Prestação de serviços de Consultoria nas áreas de Agro-Pecuária e Viticultura" realizadas pela sociedade D... Unipessoal, Lda à F..., sendo que, à data da emissão das faturas não havia nenhum contrato que permitisse a devida qualificação e quantificação dos serviços prestados, uma vez que foi elaborado à posteriori. Acresce que, não se alcança quais os serviços realmente executados, quais os estudos efetuados, quais as máquinas e as pessoas envolvidas e o número de horas de efetivo trabalho prestado, o que impede saber se os mesmos foram efetivamente necessários à realização de operações tributadas na esfera da Requerente. Por outro lado, após consulta à base de dados afere-se que a sociedade prestadora dos serviços (D... Unipessoal, Lda) não está registada na atividade de consultoria, e na DNIES do ano 2013, apenas apresenta atividade na área de "agricultura e produção animal combinadas” (CAE 1500). Ademais, sem conceder, as prestações de serviços relacionados com a viticultura e agropecuária são, de acordo com a verba 4 da Lista I anexa ao CIVA, sujeitos a taxa reduzida do IVA, sendo apenas possível a dedução do IVA (6%) sobre a base tributável dos serviços efetivamente prestados. O que também não foi possível relacionar com o tipo de menção abstracta contida nas facturas e no contrato apresentado”.

c) No que respeita à terceira questão (regularização do IVA constante das notas de crédito respeitantes à sociedade E...), a Requerida defende que “No que respeita ao incumprimento da previsão do art.º 78.º, n.º 5 do CIVA quanto aos requisitos de regularização do IVA de notas de crédito emitidas, verificou-se com referência às notas de crédito emitidas à E..., S.A., NIF..., que nas declarações periódicas de IVA desta sociedade, com referência ao período em que foram emitidas as notas de crédito e ao período seguinte (201307 e 201308), não consta a regularização a favor do Estado do imposto nelas contido. (...) a par da regularização de IVA efetuada a favor do sujeito passivo (transmitente ou prestador), nos casos em que o adquirente já tenha procedido ao registo contabilístico, este último, por sua vez, fica obrigado a corrigir a dedução do IVA inicialmente efetuada, procedendo a regularização a favor do Estado do correspondente montante de imposto, até ao fim do período seguinte ao da receção do documento retificativo. Se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem que ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respetivas normas (n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 78.º do CIVA), sob pena de não poder ser efetuada. Ora, no caso sub judice, essa prova não foi feita pela Requerente aquando da regularização do imposto, pois as notas de crédito emitidas apenas foram assinadas e datadas pelos representantes da sociedade E... S.A., em 05 ou 06 de fevereiro de 2018. Por outro lado, não se conhece que o fornecedor ou adquirente dos serviços tenha regularizado o imposto a favor do Estado. Destarte, resulta evidente, que não foi cumprido o estabelecido no n.º 5 do art.º 78.º do CIVA, até porque a prova a que esta norma alude tem de ser feita em momento anterior (ou, no máximo, ser-lhe contemporânea) ao do exercício do direito à regularização e não em momento posterior”.

 

II.            SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

III.1        FACTOS PROVADOS

 

1.            A Requerente é uma sociedade anónima — com sede em território nacional, e com início de atividade em 8 de outubro de 1943 — cujo objeto social compreende a exploração agrícola de propriedades, quer suas quer alheias, e todas as operações que lhe respeitem ou a completem, exploração pecuária, exploração de caça e fomento de atividades e recursos cinegéticos, seu aproveitamento turístico, estudos, consultoria e promoção de investimentos na área imobiliária, administração de quaisquer bens ou investimentos próprios ou alheios (cfr. informação disponível em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx);

2.            A Requerente encontra-se registada para o exercício das seguintes atividades: Viticultura (CAE 01210); Agricultura e produção animal combinadas (CAE 01500); Caça e repovoamento cinegético (CAE 01701); Exploração florestal (CAE 02200); Extração de cortiça, resina e apanha de outros produtos florestais, exceto madeira (CAE 02300); Produção de vinhos comuns e licorosos (CAE 11021); Produção de vinhos espumantes e espumosos (CAE 11022); Turismo no espaço rural (CAE 55202); e outras atividades de consultadoria para os negócios e a gestão (CAE 70220);

3.            No que respeita a enquadramentos verifica-se que se encontrava no exercício em análise, enquadrada no regime geral de tributação, em sede de IRC, e no regime normal de periodicidade mensal por opção, em sede de IVA.

4.            O procedimento inspetivo que originou as liquidações objeto de impugnação foi aberto para análise dos valores declarados em sede de IVA e IRC ao exercício de 2013, da Requerente, tendo culminado com correções aritméticas, as quais foram objeto de reclamação graciosa e recurso hierárquico;

5.            No âmbito da sua atividade, a Requerente dispõe de mais de 20 trabalhadores que desempenham as suas atividades profissionais no ..., sede da Requerente, local onde também circulam diversas mercadorias, entre as quais os vinhos produzidos nesta propriedade;

6.            O ..., sede da Requerente, é uma herdade com 3.000 hectares de terreno e diversos espaços dedicados às várias atividades desenvolvidas pela Requerente, incluindo as vinhas, locais de exploração agrícola, uma adega, um picadeiro, vários espaços para reuniões e eventos, um museu particular de atrelagens, entre outros (cfr. informação disponível em https://www... /);

7.            Desde a constituição da Requerente e até 24.10.2005, integrou o conselho de administração da Requerente C... (“C...”), tendo cessado funções como administrador na data acima indicada por renúncia;

8.            Posteriormente, em 15.05.2006, C... voltou a ser designado administrador da Requerente, até ao final do mandato então em curso (2003/2006), tendo ainda sido novamente designado administrador para os mandatos do quadriénio 2007/2010 e 2011/2014 (cfr. deliberações de 30.03.2007 e de 24.03.2011);

9.            Em 28.09.2012, C... voltou a cessar, por renúncia, funções enquanto administrador;

10.          Em setembro de 2012, C..., tendo profundos conhecimentos técnicos sobre o setor da agropecuária e da vinicultura, constituiu a D.., Unipessoal, Lda. (“D...Unipessoal”), que tem por objeto a “Exploração e administração de propriedades agrícolas e outras ( prédios rústicos ou outros), tanto próprios como alheios, neste caso, mediante os adequados contratos”, e com o CAE Principal: 01500-R3 (Agricultura e produção animal combinadas); CAE Secundário (1): 02200-R3 (Exploração Florestal) e CAE Secundário (2): 68200-R3 (Arrendamento de bens imobiliários);

11.          Entre o final de novembro de 2012 e abril de 2013, foi estabelecida (verbalmente) uma avença entre a Requerente e a D... Unipessoal, nos termos da qual esta última sociedade prestou serviços, através do respetivo sócio único e gerente, C..., serviços de consultoria e assistência técnica nas áreas agropecuária, de viticultura e de floresta — o preço dos serviços era determinado de acordo com o volume de trabalho que existia e das deslocações realizadas;

12.          Estes serviços compreenderam a realização de atividades de consultoria e assistência técnica, serviços faturados à taxa geral de IVA (23%);

13.          No período em referência, os serviços de consultoria incluíram também uma componente de apoio à gestão da Requerente;

14.          Em 02.01.2014, a Requerente voltou a contratar a D... Unipessoal para continuar a prestar serviços de consultoria e assistência técnica, os mesmos que tinham sido prestados entre final de novembro de 2012 e abril de 2013, agora já sem a componente de apoio à gestão;

15.          Pelos serviços prestados à Requerente, a sociedade D... Unipessoal emitiu faturas à Requerente com a descrição “Prestação de serviços de Consultoria nas áreas de: Agropecuária e Viticultura”;

16.          Em 23.01.2018, a ora Requerente foi notificada do Projeto de Relatório, no qual os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... (“SIT”) propuseram correções à matéria tributável em sede de IVA, no valor de € 30.319,86, relativas ao período de tributação de 2013;

17.          No Projeto de Relatório os SIT propuseram as seguintes correções em sede de IVA: (i) Correção respeitante a IVA alegadamente liquidado e não entregue referente a Adiantamentos de Clientes à sociedade G..., Lda., no valor de € 3.000; (ii) Correção respeitante a IVA alegadamente não dedutível nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CÓDIGO DO IVA referente a despesas com o aluguer e serviços de gestão do veículo ..., com a matrícula..., no valor de € 1.797,60; (iii) Correção respeitante a IVA alegadamente não dedutível nos termos dos n.ºs 2 e 6 do artigo 19.º do CÓDIGO DO IVA referente a faturas emitidas pela sociedade D... Unipessoal pela prestação de serviços de consultoria à ora Requerente, no valor de € 9.679,52; (iv) Correção respeitante a uma regularização alegadamente indevida de IVA constante de notas de crédito emitidas pela ora Requerente às sociedades H..., Lda. (“H...”) e E..., S.A. (“E...”), nos valores de € 13.012,28 e de € 2.830,46, respetivamente, perfazendo o valor global de € 15.842,74;

18.          Na sequência da notificação do Projeto de Relatório, a Requerente apresentou, em 07.02.2018, o competente direito de audição prévia;

19.          Em 09.02.2018, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (doravante, RIT), no qual os SIT: a) aceitaram na totalidade a justificação apresentada pela ora Requerente para a correção acima identificada em (i); b) aceitaram parcialmente a justificação apresentada pela ora Requerente para as correções acima identificadas em (iv); e c) mantiveram as correções acima identificadas em (ii) e (iii);

20.          A Requerida apresentou como fundamentação da prática do ato impugnado os seguintes argumentos expostos no ponto IX do RIT:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

21.          A Requerente instaurou um processo de impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa (processo n.º .../07...BELSB), com fundamento na ilegalidade das liquidações adicionais de IVA (períodos de 2005/03 a 2005/08), por a AT ter excluído do direito à dedução de IVA as despesas em que a Requerente incorreu com a utilização, na sua atividade, da viatura ligeira de mercadorias com a matrícula ... (por a AT entender que o veículo não se destinava única e exclusivamente ao uso agrícola);

22.          Em 26 de abril de 2017 foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa que deu provimento à pretensão da Requerente com os seguintes fundamentos: (i) cabe à AT identificar no caso concreto, quais as características de construção e do equipamento em apreço que permitem classifica-lo como veículo turístico (e que obstam a que o mesmo se destine exclusivamente ao transporte de mercadorias ou a utilização agrícola) e excluir assim a dedução das despesas — a AT não pode limitar-se a afirmar que pelo facto de o veículo possuir 5 lugares se presume que o mesmo não se destina exclusivamente à exploração agrícola; (ii) o transporte de trabalhadores não é um transporte de mercadorias, mas os trabalhadores da herdade e as mercadorias inserem-se no processo produtivo da Requerente que tem como objeto social a “exploração agrícola de propriedades, quer suas quer alheias, e todas as operações que lhe respeitem ou completem, a exploração pecuária, de caça e fomento de atividades e recursos cinegéticos”; (iii) a afirmação de que a utilização da viatura “podia ser desviável para fins não empresariais” constitui uma mera conjectura e não decorre do facto de os trabalhadores da Requerente utilizarem o veículo no exercício das suas funções; (iv) a sua classificação como veículo de mercadorias torna inaplicável a parte final da a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA que se refere a veículos mistos ou de transporte de passageiros; em suma, o facto da viatura possuir 5 lugares ou o facto dos trabalhadores da Impugnante utilizarem a mesma, no exercício das suas funções e na prossecução do objeto social da empresa, não permite excluir a sua utilização com caráter agrícola nem afastar a sua classificação de veículo de mercadorias; — esta sentença já transitou em julgado;

23.          A Requerente instaurou um processo de impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa (processo n.º .../06....BELSB), com fundamento na ilegalidade das liquidações adicionais de IVA (2003, 2004 e 2005), por a AT ter excluído do direito à dedução de IVA as despesas em que a Requerente incorreu com a utilização, na sua atividade, de uma viatura ligeira de mercadorias (por a AT entender que o veículo não se destinava única e exclusivamente ao uso agrícola);

24.          Em 7 de abril de 2008 foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário, que também julgou procedente a impugnação judicial instaurada com fundamentos similares aos fundamentos expostos na sentença de 26 de abril de 2017 — esta sentença também já transitou em julgado;

25.          Em 5 de fevereiro de 2018 (já no decurso do procedimento de inspeção) a Requerente celebrou um Contrato de prestação de serviços com a D... Unipessoal com os seguintes considerandos (c) a (e):

 

26.          De acordo com as cláusulas primeira e segunda do Contrato de Prestação de Serviços:

 

 

27.          Resulta ainda do texto do Contrato de Prestação de Serviços:

 

28.          A Requerente é proprietária de um veículo ligeiro de passageiros de nove lugares, da marca ... e com a matrícula ..., que é utilizado para transportar mercadorias agrícolas e os trabalhadores rurais da Requerente, num contexto profissional, e dentro da propriedade;

29.          Em 20.02.2018, a Requerente foi notificada das liquidações de IVA n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., e respetivas demonstrações de acerto de contas n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., que apuraram valor a pagar em sede de IVA no montante global de € 12.445,12, todas referentes a 2013;

30.          Por não poder concordar com as correções realizadas, que estiveram na origem das liquidações acima mencionadas, em 24.07.2018, a Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2018..., que veio a ser indeferida por despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de ... em 20.05.2019;

31.          Contra o indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente interpôs, em 24.06.2019, o competente recurso hierárquico;

32.          Este recurso hierárquico foi indeferido por despacho proferido pela Exma. Senhora Diretora de Serviços do IVA em 22.06.2020;

33.          Por não poder a Requerente concordar com a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, nem com os atos de liquidação de IVA e demonstrações de aceto de contas melhor identificados acima, porque ilegais, deduz o PPA.

 

III.2        FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

III.3        FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base (i) nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, (ii) no processo administrativo e (iii) no depoimento da única testemunha que foi ouvida nos autos, que falou de forma clara demonstrando ter conhecimento direto e pessoal da matéria de facto que lhe foi perguntada.

 

IV.          DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

Seguindo a mesma ordem da PI, são três as questões de fundo que são colocadas nos presentes autos, e que iremos analisar individualmente:

 

1ª Questão: Dedutibilidade do IVA suportado na locação de viatura ..., com a matrícula ...;

2ª Questão: Dedutibilidade do IVA suportado nas faturas por serviços prestados à Requerente pela Sociedade D... Unipessoal; e

3ª Questão: Regularização do IVA constante das notas de crédito respeitantes à sociedade E... .

 

1ª Questão: Dedutibilidade do IVA suportado na locação de viatura ..., com a matrícula ... (doravante, ...);

 

À data a que respeitam os factos (2013) a letra do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea (a) do CIVA era a seguinte:

 

“a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;”

 

No caso concreto, uma vez que:

(i)           a ... é um veículo ligeiro de passageiros de nove lugares (enquadrando-se na noção de viatura de turismo prevista na parte final da al. (a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA); e

(ii)          a exploração da ... (enquanto viatura de turismo) não constitui o objeto da atividade da Requerente (nos termos da alínea (a) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA);

Conclui a Requerida que o IVA suportado pela Requerente nas faturas relativas às despesas com o aluguer da ... não é dedutível.

 

A tese apresentada pela Requerida tem efetivamente suporte na jurisprudência, sendo exemplo de tal posição o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/Fevereiro/2021, proferido no processo nº 0353/11.5BECTB 01017/17 (disponível in http://www.dgsi.pt), que proferiu decisão no seguinte sentido:

 

“3.2.2. Vejamos, então, agora, se assiste razão à Recorrente quando afirma que o Tribunal a quo errou ao julgar a presente Impugnação Judicial improcedente por resultar do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA que não integra o conceito de viatura de turismo aquela que é utilizada exclusivamente no exercício da actividade empresaria, independentemente de, no caso, a viatura ser um ligeiro de mercadorias dotado de cinco (5) lugares para transporte de passageiros.

 

Começamos por sublinhar que, como é sabido, o direito à dedução do imposto suportado por qualquer sujeito passivo de IVA nas aquisições de bens e serviços destinados ao desenvolvimento da sua actividade constitui um elemento essencial do funcionamento do imposto sobre o valor acrescentado. Ou seja, essa dedução constitui, na particular mecânica deste imposto, que se pretende neutral e sem qualquer efeito cumulativo indevido que se repercuta no preço final do consumidor, uma etapa fundamental ao seu apuramento.

 

Na ordem jurídica nacional, a regulamentação atinente a essa dedução encontra-se especialmente prevista nos artigos 19.º a 26.º do CIVA, relevando sobremaneira para o caso particular que enfrentamos o que dispõe os artigos 19.º a 21.º do referido diploma legal.

 

Neste contexto, importa antes de mais salientar que não sendo questionável, por força do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, que os sujeitos passivos, para apuramento do imposto devido, deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, é também igualmente seguro afirmar-se, atenta a remissão operada naquele normativo para os artigos subsequentes, que essa dedução tem necessariamente que realizar-se nos termos previstos nos artigos 20.º e 21.º do mesmo diploma legal.

 

Ora, da análise dos artigos em último citados conclui-se com facilidade que o direito à dedução do IVA se encontra dependente do preenchimento de dois requisitos. Por um lado, requisito positivo, que o imposto tenha incidido sobre qualquer uma das operações descritas no artigo 20.º do CIVA (operações relativas a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo e que sejam pertinentes para o fim da actividade prosseguida); por outro, requisito negativo, que a dedução pretendida não se mostre excluída por o imposto se encontrar contido em qualquer uma das despesas identificadas no artigo 21.º do mesmo Código.

 

Antes de nos debruçarmos sobre o âmbito de aplicação do artigo em último citado, importa salientar dois aspectos que são relevantes na análise do caso em apreço, por, por um lado, atestarem a conformidade legal da norma de exclusão do direito à dedução do IVA vigente no ordenamento jurídico nacional com o direito da União Europeia e, por outro, por nos facultarem as razões que estão subjacentes à forma como o nosso legislador delimitou a exclusão e a legitimam.

 

Quanto ao primeiro aspecto, sublinha-se que, como a doutrina vem sistematicamente reafirmando, embora o direito à dedução não possa “em princípio, ser limitado, ressalvadas as excepções previstas de forma expressa pela DIVA, que exclui esse direito relativamente “às despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação” (Código do IVA e RITI – , Coordenação e Organização: Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Ed. Almedina, 2014, Comentário 1. Ao artigo 21.), a própria DIVA consagrou algumas excepções constituindo uma delas precisamente a possibilidade de os Estados Membros manterem no seu ordenamento jurídico exclusões do direito à dedução vigentes no ordenamento jurídico nacional à data de 1 de Janeiro de 1979 ou que nele tivesse sido introduzidas em data anterior à data de adesão do respectivo país à Comunidade (cláusula de standstill consagrada no artigo 176.º da DIVA).

 

Foi, pois, a existência da referida cláusula que permitiu que o Estado português mantivesse na ordem jurídica nacional as restrições ao direito de dedução do IVA consagradas no artigo 21.º do CIVA [que entrou em vigor a 1-1-1986, ou seja, antes da entrada em vigor em Portugal da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio) que só ocorreu em Portugal, que, em conformidade com o Tratado de Adesão, apenas ocorreu a 1-1-1989), designadamente a exclusão do imposto relativo a despesas com viaturas de turismo consagrada na al. a) do artigo e Código citados.

 

No que respeita ao segundo, é sabido que subjacente à disciplina legal relativa à exclusão do direito à dedução consagrada no citado artigo 21.º está, como a jurisprudência dos Tribunais Centrais (Cfr., Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10-7-2014 (processo n.º 7558/14) e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13-10-2016 (processo n.º 89/11.7BEBRG), ambos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt e a doutrina aí citada (Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág. 91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, páginas 295 e seguintes), guiada pela doutrina que cita, vem adiantando, a circunstância de “muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais”.

 

Em suma, o legislador, ciente de que os bens ou serviços identificados na norma são susceptíveis de ser utilizados no desenvolvimento de uma actividade empresarial mas consciente da dificuldade de controlar essa relação causal, imprescindível para obstar à fraude e evasão fiscal, optou por impor expressamente a exclusão do direito à dedução do IVA relativo a determinados bens ou serviços, independentemente da utilização concreta que lhes esteja associada.

 

De que vimos exposto resulta claro que a discussão nos presentes autos se cinge precisamente com a interpretação da al. a) do artigo 21.º do CIVA e com o dissídio entre a Recorrente e a Recorrida quanto a, no caso concreto, estarem ou não verificados os pressupostos de que o referido normativo faz depender a exclusão do direito à dedução.

 

Para a Recorrente, sendo o veículo marca ..., exclusivamente utilizado no exercício da sua actividade empresarial e estando a mesma, não obstante ter uma lotação de cinco lugares, descrita no certificado de matrícula como “ligeiro de mercadorias”, deve, face à disciplina legal contida no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, ser-lhe reconhecido o direito de dedução do IVA, convocando em abono da sua pretensão interpretativa uma sentença e um acórdão proferidos, respectivamente, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2 (Loures) e por este Supremo Tribunal Administrativo, ambos no processo n.º 1137/06.

 

Em suma, na tese da Recorrente a exclusão da dedução do IVA emergente da inclusão da mesma na categoria de viatura de turismo está depende de não se verificar, em alternativa, uma de duas situações: a) a viatura adquirida pelo seu tipo de construção e equipamento não ser unicamente destinada ao transporte de mercadorias; b) a viatura não ser unicamente utilizada no exercício de actividade empresarial de carácter agrícola, comercial ou industrial.

 

Para a Fazenda Pública, o fim a que seja afecta a viatura é indiferente para efeitos da sua exclusão do direito à dedução prevista no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA e, no caso, sempre seria absolutamente inútil aferir do destino ou fim a que a viatura concretamente se encontra afecta uma vez que, sendo uma viatura de uso misto (susceptível de ser utilizada simultaneamente para transporte de mercadorias e/ou de passageiros) sempre teria que se entender como integrando o conceito de viatura de turismo consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 21,º do CIVA, que inclui nele qualquer viatura de uso misto que não possua mais de 9 lugares, como é o caso.

 

A razão está do lado da Recorrente.

 

Explicitemos.

 

O artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA, sob a epígrafe de “Exclusões do direito à dedução”, dispõe o seguinte:

 

«1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor» (negrito de nossa autoria).

 

Resulta, assim, deste preceito, em conjugação com os artigos 19.º e 20.º já mencionados, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, salvo se a dedução desse imposto, mesmo que relativo a aquisições de bens ou serviços conexos com o exercício da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, não for permitida por força da norma de exclusão contida no preceito transcrito. E que está excluído o direito de dedução de IVA relativo a aquisição de viaturas de turismo, sendo como tal consideradas as viaturas que, independentemente do fim para que sejam efectivamente utilizadas, são susceptíveis de serem utilizadas para um fim diferente dos mencionados na norma.

 

Dito de outro modo: no conceito de viatura de turismo imposto pelo legislador fiscal são o tipo de construção e o equipamento da viatura, e não o fim a que é afectado pelo adquirente, que constituem o elemento determinante da exclusão do direito de dedução suportado na respectiva aquisição. Só estão excluídos desse conceito os veículos automóveis que, face ao tipo de construção e ao equipamento que possuem (i) se destinem unicamente ao transporte de mercadorias ou a ser exclusivamente utilizados no desenvolvimento de uma actividade agrícola, comercial ou industrial ou que (ii) sendo misto, não tenha mas do que nove lugares incluindo o condutor.

 

Da densificação que realizamos do conceito de viatura de turismo ínsito no normativo legal em apreço duas conclusões se devem ainda retirar, que, pelo seu relevo, face à argumentação da Recorrente, importa destacar.

 

A primeira é a de que ao conceito de viatura de turismo tal como consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, é absolutamente alheia a classificação que a determinada viatura, cujo IVA se pretende deduzir, seja dada pelo legislador estradal. O conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA constitui um conceito ou “categoria autónoma” relativamente às especiais classificações previstas no Código da Estrada ou regulamentação conexa.

 

Como muito bem se realçou na jurisprudência dos Tribunais Centrais a que já fizemos expressa referência, o conceito de viatura de turismo não foi construído a partir dessas especiais classificações, como o demonstra, desde logo, o facto de o conceito de viatura de turismo do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA abranger simultaneamente os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial e os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, ou seja, que foi intenção do legislador fiscal abarcar pela exclusão consagrada também as viaturas de mercadorias a que seja possível dar outro destinado ou serem utilizadas para outro fim para além do transporte de mercadorias. Aliás, como igualmente aí se realçou “se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido”.

 

A segunda é que para efeitos de se decidir pela existência ou não do direito à dedução do imposto é indiferente que o sujeito passivo desenvolva efectivamente uma actividade (agrícola, comercial ou industrial) e que a actividade que desenvolve exija que possua viaturas, incluindo de transporte de mercadorias ou de mercadorias e também de passageiros, como a que foi adquirida e cujo IVA a Recorrente deduziu. O que releva é, tão só, saber se a viatura adquirida pela Recorrente se integra no conceito objectivo de viatura de turismo tal como ficou definido pelo legislador fiscal na al. a), do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.

 

Neste contexto, fácil se torna compreender porque chegámos à conclusão de que a Recorrente não tem razão quando afirma que a viatura que adquiriu, pelo tipo de construção e equipamento, não se integra no conceito de viatura de turismo definido pelo legislador e, consequentemente, que não é legítima a dedução do IVA que realizou.

 

É que tendo resultado provado que a viatura possui cinco lugares reservados a passageiros não se logra encontrar fundamento para afastar a afirmação da Administração Tributária de que a viatura não se destina, pela sua construção e equipamento, apenas ao transporte de mercadorias ou como único destino possível uma utilização de carácter agrícola (comercial ou industrial). Ou seja, pela sua construção e equipamento a viatura ... (4x4), dotada de cinco lugares para passageiros e com caixa aberta, tanto pode ser utilizada para o transporte de mercadorias, no e para o desenvolvimento de uma daquelas actividades como uma utilização particular, sendo, de resto, como a realidade vem demonstrando, cada vez comum a aquisição deste tipo de viaturas precisamente pela multiplicidade de utilizações que o seu tipo de construção e equipamento possibilita.

 

Acresce que, como os factos nos revelam, independentemente do fim ou destino que a Recorrente efectivamente lhe dê – e é nesta alegação que a Recorrente essencialmente suporta o seu inconformismo, como se vê do facto de sistematicamente invocar que ficou provada essa utilização apenas à actividade que desenvolve -, só possui cinco lugares de passageiros, pelo que, podendo ser utilizada quer para o transporte de mercadorias quer para a actividade agrícola quer para o transporte de passageiros (mista) nunca podia ser excluída do âmbito de aplicação do conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, por o legislador ter feito depender a exclusão de uma viatura nessas circunstâncias do facto de ter mais de nove lugares.

 

Recorda-se, mais uma vez, que as restrições ao direito de dedução do IVA no caso das viaturas automóveis resultou da necessidade de controlar aquisições formais de viaturas por empresas (supostamente para o desenvolvimento da sua actividade empresarial), mas que, na verdade, se destinavam a ser utilizadas exclusiva, primacial ou concomitantemente para fins totalmente alheios aos objectivos empresarias ou às actividades desenvolvidas pelas sociedades adquirentes, ou seja, em benefício pessoal de terceiros à pessoa da adquirente.

 

E que o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), chamado a pronunciar-se precisamente sobre a exclusão do direito de dedução do IVA suportado na aquisição de viaturas consagrada por alguns Estados-Membros, firmou há muito um entendimento muito permissivo na existência deste tipo de limitação ao dizer, à luz da Directiva então em vigor (Segunda Directiva 67/228), mas cujo alcance não fica comprometido pelas posteriores alterações do direito da União Europeia (que, nesta matéria, e distintamente do objectivo por si delineado, não introduziu ainda na ordem jurídica da União Europeia normas harmonizadoras), que nada obsta a que os Estados-Membros estabeleçam exclusões gerais do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago na compra de veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis, mesmo que estes veículos constituam um instrumento indispensável ao exercício da actividade exercida pelo sujeito passivo em causa ou que, no caso concreto, nem possam ser utilizados para fins privados pelo respectivo sujeito passivo [“1. O artigo 11.º, nº 4, da Segunda Directiva 67/228 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios autorizava os Estados-Membros a introduzir ou a manter e o artigo 17, n.º 6, da Sexta Directiva 77/388 autoriza estes a manter exclusões gerais do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago na compra de veículos automóveis utilizados pelo sujeito passivo para as necessidades das suas operações tributáveis, mesmo se estes veículos constituem um instrumento indispensável ao exercício da actividade exercida pelo sujeito passivo em causa ou se estes veículos não podem, num caso concreto, ser utilizados para fins privados pelo sujeito passivo respectivo. 2. O artigo 17, nº 6, da Sexta Directiva 77/388 relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, que prevê que, o mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da directiva, o Conselho determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado e que, até à entrada em vigor das disposições para este efeito, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva, deve ser interpretado no sentido de que os Estados-Membros podem manter as exclusões do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não obstante o Conselho não ter determinado, antes da expiração do prazo referido, as despesas que não dão direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. (…)”. (Acórdão RYSCOT Leasing Ltd, proferido no processo n.º C-305/97, de 5 de Outubro de 1999.)

 

Jurisprudência que posteriormente veio reafirmando, como se denota das respostas dadas em diversos pedidos de reenvio prejudicial que têm vindo a ser colocados por diversos Estados membros, incluindo Portugal, na medida em que aí manteve a posição que no já citado aresto assumira (“47. o artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA visa a manutenção de manter «todas as exclusões» anteriores a 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido após essa data, na data da respetiva adesão. Ora, importa recordar que o Tribunal de Justiça afirmou explicitamente no Acórdão de 5 de outubro de 1999, Royscot e o. (C-305/97, EU:C:1999:481, n.º 20), a respeito de uma exclusão do direito à dedução do IVA que incidia na compra de veículos automóveis, que a expressão «todas as exclusões», enunciada no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, inclui, atendendo à letra e à génese do referido artigo, igualmente as despesas que têm caráter estritamente profissional. 48. Por conseguinte, a cláusula de standstill, prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a excluir do direito à dedução do IVA as categorias de despesas que têm caráter estritamente profissional, desde que estas sejam definidas de modo suficientemente preciso, na aceção da jurisprudência referida no n.º 40 do presente acórdão. (Acórdão do TJUE, de 2 de Maio de 2019, proferido no processo n.º C-225/18) “31. Quanto ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, é certo que este permite, como alega o Governo neerlandês, que um Estado-Membro mantenha um regime nacional que existia antes da entrada em vigor desta directiva. Todavia, esta disposição pressupõe que as exclusões que os Estados-Membros podem manter ao abrigo dela fossem legais nos termos da Segunda Directiva, que é anterior à Sexta Directiva (v. acórdão de 5 de Outubro de 1999, Royscot, C-305/97, Colect, p. I-6671, n.º 21).” (Acórdão do TJUE, de 14 de Julho de 2005, proferido no processo n.º 434/03.)

 

Aliás, se perante esta jurisprudência ainda pudessem subsistir dúvidas quanto à compatibilidade das limitações ao direito de dedução de IVA consagradas no artigo 21.º, n.º 1 do CIVA, as mesmas tinham de ter-se por definitivamente ultrapassadas face ao teor do despacho proferido ao abrigo do artigo 99.º do seu próprio Regulamento, (Nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça da União Europeia, quando uma resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão submetida não suscite nenhuma dúvida razoável, pode decidir, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, mecanismo que foi utilizado no caso concreto, o que demonstra claramente que para o TJUE é hoje isenta de dúvida a interpretação da norma cuja apreciação é questionada nestes autos.) na sequência de pedido de reenvio prejudicial formulado no processo arbitral n.º 207/2019-T (que correu termos no CAAD), (Despacho de 17-09-2020, proferido no processo C-837/19, Super Bock Bebida,consultávelemhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=231562&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=1706482) que aqui não prescindimos de transcrever, uma vez que, não obstante ter na sua origem em pedido arbitral que tinha por objecto as despesas a que se reportam as als. c) e d) do citado preceito, inclui em si uma análise geral da norma que permite a sua integral transposição para o caso concreto:

«21 - Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado Membro, entrada em vigor na data da adesão deste à União, segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.

 

22 - A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto no artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°25 e jurisprudência referida).

 

23 - De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°26 e jurisprudência referida).

 

24 -Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°27 e jurisprudência referida).

 

25 - Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito a dedução do IVA nos casos expressamente previstos pelas disposições das diretivas que regem esse imposto (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°28 e jurisprudência referida).

 

26 - Entre essas derrogações figura o artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve influência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°29 e jurisprudência referida).

 

27 - À semelhança do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill.

 

28 - Por força da primeira dessas disposições, os Estados Membros estavam autorizados a manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito a dedução na data da entrada em vigor da Sexta Diretiva até que o Conselho aprove as disposições previstas no artigo 17.°, n.°6, primeiro parágrafo, desta. Nenhuma das propostas que foram apresentadas pela Comissão ao Conselho ao abrigo desta disposição foi adotada por este último (v., neste sentido, Acórdão de 15-04-2010, X Holding e Oracle Nederland, C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.º38 e 39).

 

29 - Em conformidade com a segunda das referidas disposições, os Estados Membros que tenham aderido à União depois de 1 de janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões do direito a dedução do IVA previstas pela sua legislação nacional na data da sua adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo deste artigo 176.° Até à data, o Conselho ainda não adotou tais disposições (v., neste sentido, Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°30).

 

30 - Em terceiro lugar, a faculdade residual dos Estados Membros em questão de manterem exclusões nacionais do direito a dedução do IVA, em aplicação do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, todavia, absoluta. Com efeito, o TJUE declarou que uma regulamentação nacional não constitui uma derrogação permitida pela cláusula de standstill prevista por estas disposições se tiver por efeito alargar, após a entrada em vigor da Sexta Diretiva ou após a adesão do Estado Membro em questão, o âmbito das exclusões existentes, afastando se assim do objetivo destas diretivas (v., neste sentido, Acórdãos de 22-12- 2008, Magoora, C 414/07, EU:C:2008:766, n.°37, e de 18-07-2013, AES 3C Maritza East 1, C 124/12, EU:C:2013:488, n.°45).

 

31 - Diversamente sucede quando, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Diretiva ou à adesão à União, a regulamentação do Estado Membro em questão reduz o âmbito das exclusões previstas pela sua legislação nacional à data da sua adesão e se aproxima do objetivo das referidas diretivas. Nesta situação, o Tribunal de Justiça admitiu que tal regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e jurisprudência referida).

 

32 - Além disso, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado Membro em causa e averiguar se essa legislação teve ou não por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após essa adesão (Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°30 e jurisprudência referida).

 

33 - No caso vertente, importa, em primeiro lugar, precisar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu à União em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 08-03-2012, Comissão/Portugal, C 524/10, EU:C:2012:129, n.°13).

 

34 - Por outro lado, embora na data da adesão da República Portuguesa à União o artigo 21.° do Código do IVA excluísse totalmente do direito a dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes a alojamento, alimentação e bebidas, bem como sobre as despesas em transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo portagens, uma alteração ao referido artigo efetuada no ano de 2005 teve por efeito, sob certas condições, admitir o direito a dedução do IVA para este tipo de despesas, até ao limite de 50 %. Afigura se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência desta alteração, despesas que estavam totalmente excluídas desse direito passaram a conferir, sob certas condições, um direito a dedução parcial deste imposto (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 32 e 33).

 

35 - Há, portanto, que constatar, em segundo lugar, que, por um lado, resulta da leitura conjugada do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, que as exclusões do direito a dedução previstas no artigo 21.° do Código do IVA na data da adesão da República Portuguesa à União estavam abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva. Além disso, resulta da jurisprudência recordada nos n.ºs 30 e 31 do presente despacho que, após a alteração do artigo 2.° do Código do IVA efetuada no decurso do ano de 2005, que reduziu o âmbito das despesas excluídas deste direito, essas exclusões continuaram abrangidas por essa cláusula.

 

36 - Por outro lado, as exclusões previstas no referido artigo 21.° do Código do IVA, conforme assim alterado, continuam abrangidas pela cláusula de standstill referida no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

 

37 - Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.°26 do presente despacho, sendo o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância, idêntico ao artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, a jurisprudência relativa à interpretação da segunda disposição é pertinente para a interpretação da primeira disposição. Daqui resulta que esta deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional em matéria de exclusão do direito a dedução do IVA que não era contrária à referida disposição da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e 39).

 

38 - Além disso, qualquer outra interpretação seria contrária ao artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, por força do qual, conforme foi recordado no n.°33 do presente despacho, este último Estado Membro pôde diferir a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA até 1 de janeiro de 1989. Ora, tanto um ato de adesão como os protocolos e os anexos desse ato de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o ato de adesão disponha em sentido diferente, só podem ser suspensas, alteradas ou revogadas segundo os procedimentos previstos para a revisão dos Tratados originários (v., neste sentido, Acórdão de 11-09-2003, Áustria/Conselho, C 445/00, EU:C:2003:445, n.°62).

 

39 - Em terceiro lugar, importa apreciar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal prevê de maneira suficientemente precisa a natureza ou o objeto dos bens ou dos serviços para os quais o direito a dedução do IVA é excluído, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados Membros não seja utilizada para prever exclusões gerais desse regime (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°40 e jurisprudência referida).

 

40 - A este propósito, no que respeita, por um lado, às despesas relativas a alojamento, alimentação e bebidas, cumpre salientar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 50 e 51), o Tribunal de Justiça considerou, tratando se da lei neerlandesa sobre o IVA, que as categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas assim como à disponibilização de alojamento ao pessoal de um sujeito passivo estavam definidas por esta lei de modo suficientemente preciso, pelo que a exclusão do direito a dedução prevista pela referida lei estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill. Além disso, no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C 225/18, EU:C:2019:349, n.°42), o Tribunal de Justiça considerou que a categoria de despesas relativas aos «serviços de alojamento e de restauração», conforme definida pela legislação polaca, na medida em que se referia à natureza dos referidos serviços, estava definida de forma suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 35 e 36).

 

41 - Do mesmo modo, no que respeita, por outro lado, às despesas relativas ao aluguer de viaturas, ao combustível e à portagem, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 46 e 47), que a categoria de despesas relativas à aquisição dos bens ou serviços utilizados pelo empresário com o objetivo de fornecer ao seu pessoal «um meio de transporte individual», na medida em que visava uma categoria particular de operações com características específicas, era, também ela, conforme com as referidas exigências.

 

42 - Nestas condições, há que considerar que categorias de despesas como as previstas no artigo 21.°, n.°1, alíneas c) e d), do Código do IVA, respeitantes, designadamente, aos transportes e às viagens de negócios, ao alojamento, à alimentação e às bebidas, estão definidas de maneira suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência e recordadas no n.°39 do presente despacho (v., por analogia, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°37).

 

43 - A circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que essas despesas possam ser efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo não afeta o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese desta cláusula, esta autoriza os Estados Membros a excluir do direito a dedução do IVA categorias de despesas que têm um caráter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na aceção da jurisprudência referida no n.°39 do presente despacho (v., neste sentido, Despacho de 26 -02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°38 e jurisprudência referida).

 

44 - Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”

 

Considerando que o legislador fiscal nacional não excluiu a dedução de IVA contido nas despesas relativas a toda e qualquer viatura adquirida pelo sujeito passivo mas que apenas excluiu essa dedução quando incluído nas despesas relativas à aquisição de viaturas que pelo seu tipo de construção e equipamento sejam susceptíveis de ter uma utilização que extravase os fins próprios da actividade empresarial e que essa limitação, como vimos já, o direito da União Europeia consente desde que a norma limitadora recorte com precisão as concretas situações a que essa exclusão se reporte, o que, como está bem de ver, a norma nacional respeita, não há qualquer fundamento, para que se julgue que artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA - interpretado no sentido de que fica excluída o direito à dedução independentemente da alegação e prova que o sujeito passivo faça de que, não obstante as razões subjacentes à consagração daquele comando, utiliza exclusivamente a viatura automóvel adquirida no exercício da sua actividade empresarial - padece de inconstitucionalidade ou é desconforme o Direito da União.

 

Em suma, o que se deve extrair da evolução das Directivas, à luz da jurisprudência do TJUE citada, especialmente da “omissão” na concretização de alguns comandos a que há muito se comprometeu, é que o legislador comunitário, apesar de consciente das exigências inerentes ao desenvolvimento da actividade empresarial e que a neutralidade constitui um elemento estrutural do IVA, continua a aceitar a existência de regimes jurídicos nacionais distintos em matéria de exclusão do direito à dedução, revelando ser mais sensível à necessidade dos Estados Membros consagrarem regimes jurídicos que lhes permitam, de forma mais eficaz, controlar e combater a evasão e a fraude fiscal, domínio em que, como bem sabemos, quer a União Europeia quer os Estados-Membros, dentro da permeabilidade que a harmonização das Directivas ainda vai permitindo, investem cada vez mais do ponto de vista jurídico”. No mesmo sentido, vide entre muitos outros o Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 13/Outubro/2016, proferido no processo n.º 00089/11.7BEBRG e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/Julho/2014, proferido no processo n.º 07558/14, (disponíveis in http://www.dgsi.pt).

 

Ainda no mesmo sentido:

“Coloca-se a questão de saber se este regime de exclusão do direito à dedução subsiste mesmo que respeite a bens insuscetíveis de utilização privada ou o sujeito passivo demonstre, de modo inequívoco, que as despesas têm caráter estritamente profissional.

Apesar de a Comissão Europeia já se ter manifestado no sentido de a exclusão do direito à dedução apenas poder respeitar a despesas que não tenham caráter estritamente profissional não devendo, por isso, abranger os instrumentos essenciais à atividade do sujeito passivo (Acd. de 05-10-1999 do TJCE, Proc. C-305/97, Royscot e o.), o entendimento consolidado da jurisprudência comunitária é divergente.

De acordo com o tribunal europeu (Acd. de 05-10-1999 do TJCE, Proc. C-305/97, Royscot e o.; Acd. de 14-06-2001 do TJCE, Proc. C-40/00, Comissão contra França; Acd. de 08-01-2002 do TJCE, Proc. C-409/99, Metropol):

 

•             As exclusões podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm caráter estritamente profissional, as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da atividade e as que não são suscetíveis de, no caso concreto, serem utilizadas para fins privados;

•             No entanto, não podem ser excluídos bens e serviços de tal modo que resulte esvaziado o conteúdo do direito, atingindo o sistema geral do direito à dedução (não se afigura ser o caso do art. 21.º); e

•             Não pode ser alargado o âmbito das exclusões após adesão (cláusula de standstill), aplicando-se um princípio de não retrocesso, segundo o qual alterações ulteriores dessa natureza (ampliação das exclusões) infringem o direito comunitário.”

 

Resulta assim claramente da jurisprudência e da doutrina expostas supra, as quais acompanhamos, que é a lei (o artigo 21.º n.º 1 alínea (a) do CIVA) que define, para efeitos de exclusão do direito à dedução, o que constitui uma “viatura de turismo” — a ... enquadra-se no conceito de viatura de turismo por constituir uma viatura de transporte de passageiros, que não tem mais de nove lugares, com inclusão do condutor (características que são assumidas pela própria Requerente no PPA).

 

Conforme defende o STA, “O conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA constitui um conceito ou “categoria autónoma” relativamente às especiais classificações previstas no Código da Estrada ou regulamentação conexa”. O enquadramento da ... como viatura de turismo é independente quer (i) do facto de a Requerente utilizar a ... como instrumento indispensável ao exercício da sua atividade, quer (ii) do facto de a ... não ser utilizada pela Requerente para fins turísticos — o que dispensa qualquer atividade probatória da Requerida no âmbito do RIT, no sentido de demonstrar a efetiva utilização da viatura pela Requerente como viatura de turismo.

 

No que respeita às duas sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário juntas aos autos pela Requerente, note-se que, quer no processo que seguiu termos com o número .../07....BELSB, quer no processo que seguiu termos com o número .../06...BELSB, o IVA foi deduzido relativamente a encargos com viaturas de mercadorias.

 

As viaturas destinadas únicamente ao transporte de mercadorias são excluídas da noção de viatura de turismo prevista no disposto no artigo 21.º n.º 1 al. (a) do CIVA — ao contrário das viatura ligeira de passageiros de nove lugares em causa nos autos — pelo que, a factualidade e o enquadramento jurídico que foi julgado nas duas sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário (designadamente a atividade probatória que é exigida à Requerida no âmbito de um procedimento de inspeção) não é aplicável à situação em causa nos presentes autos (em que o enquadramento na parte final do artigo 21.º n.º 1 al. (a) do CIVA é objetivo), não podendo, por conseguinte, este Tribunal relevar o teor das referidas sentenças na decisão arbitral em causa nos autos.

 

Termos em que, relativamente à primeira questão, o PPA improcede.

 

2ª Questão: Dedutibilidade do IVA suportado nas faturas por serviços prestados à Requerente pela Sociedade D... Unipessoal

 

No que respeita a esta segunda questão, a Requerida entende que o IVA contido nas quatro faturas emitidas pela D... Unipessoal com o descritivo “Prestação de serviços de Consultoria nas áreas de: Agropecuária e Vitivinícola” não é dedutível porque não se alcança quais os serviços realmente executados, quais os estudos efetuados, quais as máquinas e as pessoas envolvidas e o número de horas de efetivo trabalho prestado (o que segundo a Requerida impede saber se os mesmos foram efetivamente necessários à realização das operações tributadas na esfera da Requerente).

 

No que respeita a esta questão, vamos acompanhar a posição assumida pela Decisão Arbitral proferida em 30/Outubro/2018 pelo Tribunal Coletivo presidido pela Dra. Alexandra Martins, que proferiu decisão no seguinte sentido:

 

“2.3. Sobre a relevância dos requisitos formais na jurisprudência do TJ e consequências do seu incumprimento

 

A primeira questão que se suscita prende-se com a suficiência do discriminativo constante das faturas emitidas à Requerente, cuja dedução foi rejeitada pela AT, mais concretamente com saber se aquele observa as condições mínimas de detalhe estabelecidas pelo artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA, acima transcrito, segundo o qual as faturas devem obrigatoriamente mencionar “a extensão e natureza dos serviços prestados”.

 

Sobre esta questão, o TJ, num caso relativamente recente, considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente”, por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva. Para o TJ “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva IVA – cf. Acórdão do TJ, de 15 de setembro de 2016, Barlis, C-516/14, n.ºs 26, 27 e 28. De notar que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219.º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (Acórdão Barlis, n.º 34).

 

No entanto, o TJ não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA.

 

Para o Tribunal Europeu, “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. Acórdão Barlis, n.º 42.

 

Assim, o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

 

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos” – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38).

 

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

 

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.

 

O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

 

De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo.

 

Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das “exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas”, o TJ confirma a admissibilidade, à luz do direito europeu, da recusa do direito à dedução. Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo “não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” – cf. Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, n.º 42 e ponto 2 do dispositivo.

 

A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, “[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado” – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341).

 

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo” – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

 

Também Cidália Lança refere que “de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais” – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340.

 

2.4. Análise concreta

 

A efetiva prestação de serviços por parte da B..., S.A. à Requerente não vai questionada nos autos, nem nas liquidações controvertidas. Também não se manifestaram, ou foram sequer alegados quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte destas entidades.

 

É, portanto, no quadro do normal desenvolvimento das atividades e relações económicas entre a B..., S.A. e a Requerente, conforme ressalta da matéria de facto fixada, que se inserem as faturas cujo IVA foi considerado não dedutível pela AT, com base no argumento de que não estão cumpridos os respetivos requisitos formais relativos à descrição dos serviços prestados e no facto deste incumprimento constituir um obstáculo ao controlo dos pressupostos materiais do exercício do direito à dedução, impedindo a determinação da natureza e quantidade dos serviços e do imposto que lhes está subjacente.

 

As referidas faturas contêm, para além do descritivo genérico de “Serviços Administrativos” e “Serviços de Marketing”, uma nota, em campo autónomo, onde concretizam em maior detalhe a natureza desses serviços que correspondem, no primeiro caso, aos que usualmente são prestados por sociedades especializadas na prestação de serviços partilhados intra-grupo, nomeadamente serviços de contabilidade, de gestão financeira, informática, cobranças, gestão de fornecedores e gestão de recursos humanos e, relativamente aos serviços de marketing, precisa que respeitam a gestão de registo de marcas, design de rotulagem, packaging e catálogos, preparação de feiras e concursos de comunicação.

 

Este descritivo é repetido em todas as faturas emitidas mensalmente e, segundo a AT, não só não dá indicação da concreta natureza e quantidade dos serviços, como teria de variar pois o valor faturado diverge de mês para mês.

 

Cabe a este respeito relembrar que, conforme salienta o TJ, o descritivo das faturas não tem de ser exaustivo e não constitui um fim em si mesmo. Ele é instrumental à finalidade de controlo das operações, do pagamento devido (v.g., taxas, isenções) e da existência do direito à dedução.

 

Tendo em conta as notas complementares que constam das faturas afigura-se ser claramente percetível a natureza dos serviços prestados pela B..., S.A. à Requerente e o respetivo valor, pelo que se encontram acauteladas as finalidades de controlo do pagamento do imposto, desde logo no que se refere a taxas e isenções, tendo sido sempre aplicada a taxa máxima e liquidado o correspondente IVA. Estas faturas permitem “reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo”, nos moldes preconizados pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 4 de outubro de 2017, no processo n.º 1141/16.

 

Ao contrário do afirmado pela AT, não se estranha que o descritivo seja o mesmo, pois estamos perante serviços tipificados prestados de forma sucessiva e continuada, com periodicidade mensal, o que sucede em inúmeras outras situações de conhecimento geral.

 

No que se refere à diferente terminologia empregue pelo Código do IVA e pela Diretiva, no primeiro caso, apelando à “quantidade e denominação usual dos serviços prestados” e, no segundo, à “extensão e natureza dos serviços prestados”, não se identifica, como aponta a Requerente, uma discordância de significação. Está em causa aferir a natureza dos serviços que deve ser indicada pela denominação normal dos mesmos e a sua extensão ou medida, tendo sempre em vista o objetivo a que se destina: permitir o controlo pelas autoridades tributárias. Caso essa discordância se verificasse, teria de prevalecer o direito europeu, sobre cujo sentido o TJ já se pronunciou nos termos acima descritos.

 

Sem prejuízo do exposto, caso se entendesse, por apelo a um critério restritivo, suscitarem-se algumas dúvidas quanto à extensão (ou “quantidade”, na terminologia do Código do IVA) dos serviços prestados, pela variação mensal dos valores faturados que resulta da metodologia de cálculo prevista nos contratos, estaríamos perante uma insuficiência parcial do descritivo das faturas em análise, relativamente à extensão dos serviços prestados.

 

No entanto, nestas circunstâncias, tal insuficiência formal (parcial) relativa à extensão dos serviços prestados não é de molde a, conforme pretende a AT, impedir o controlo dos pressupostos substantivos das operações e do direito à dedução.

 

Antes de mais, interessa concretizar que pressupostos substantivos são estes, pois a AT faz uma errónea conexão do IVA incorrido (nos serviços adquiridos) com a obtenção de rendimentos por parte da Requerente, que se compreenderia se estivesse em discussão uma questão de imposto sobre o rendimento, o que não é o caso.

 

Para efeitos de IVA, o direito à dedução depende materialmente:

 

a.            Da efetiva realização das operações; e

b.            Da conexão – direta e imediata – dos bens e serviços adquiridos (onerados com IVA) com a intenção (confirmada por elementos objetivos) de realização de operações de transmissões de bens e prestações de serviços que confiram tal direito (artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA), independentemente de estas se realizarem e de serem ou não lucrativas (Acórdãos do TJ  de 21 de março de 2000, Gabalfrisa, C-110/98, nºs 45 a 47; de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, n.ºs 19 a 24, e de 29 de fevereiro de 1996, INZO, C-110/94, n.ºs 16, 23 e 24).

 

No caso concreto, a atividade da Requerente é inteiramente tributável e confere o direito à dedução. Deste modo, para se concluir sobre a dedutibilidade do IVA incorrido nos serviços adquiridos à B..., S.A., é necessário, mas também suficiente, determinar se esses serviços foram efetivamente prestados, em que medida, e se se relacionam com a atividade da Requerente.

 

Não se pode concordar com a asserção liminar da AT de que a insuficiência meramente parcial do descritivo das faturas em causa, relativa à extensão dos serviços prestados, impossibilita o controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução, i.e., a determinação dessa extensão através de outros meios e a aferição de que os serviços em causa apresentam, ou não, a conexão indispensável à atividade desenvolvida pela Requerente.

 

A Requerente demonstrou nos autos, de forma contextual e circunstanciada, que no quadro do desenvolvimento normal da sua atividade, contratou com a sociedade de serviços partilhados do grupo societário em que se integra – a B..., S.A. – a prestação dos serviços relativos às funções de suporte e auxiliares à sua atividade, como é comum na generalidade dos grupos empresariais com alguma dimensão, por razões de racionalidade económica e eficiência na gestão dos recursos humanos dedicados a essas funções, designadamente a contabilidade, a gestão e reporte financeiros, as cobranças, o suporte informático, a gestão de fornecedores, a gestão de recursos humanos, o design e teor da rotulagem das garrafas e embalagens para os diversos mercados, o registo e gestão das marcas próprias, a preparação de concursos internacionais, entre outros.

 

Com efeito, e a título de exemplo, ao invés de cada sociedade (operacional) dispor de colaboradores afetos à preparação e execução da contabilidade, à gestão dos recursos humanos ou ao marketing, essas funções foram “externalizadas” numa sociedade do grupo, especializada nessas atividades e dotada das necessárias competências (a B..., S.A.), minimizando o número de colaboradores indispensáveis para a realização dessas funções e assegurando, em simultâneo, a qualidade do serviço prestados.

 

Resultou de igual modo evidente o procedimento de mensuração dos serviços prestados e do seu preço. Tendo em conta a finalidade de racionalização que estava subjacente à entidade prestadora de serviços partilhados, a remuneração dos serviços prestados às outras sociedades do Grupo obedeceu a uma lógica de partilha de custos.

 

Assim, os gastos mensalmente registados na contabilidade da B..., S.A., constituídos na sua quase totalidade por encargos com salários e demais gastos conexos com os trabalhadores ao seu serviço, como por exemplo os associados às viaturas por eles utilizadas (como o Imposto Único de Circulação e as rendas de locação), eram repercutidos, a custo, ou seja, em regra, sem adição de qualquer margem, às sociedades adquirentes dos serviços.

 

A B..., S.A. dispõe de informação de gestão, organizada por centros de custo, que imputa os gastos contabilísticos incorridos às diversas áreas ou funções, sabendo-se, com periodicidade mensal, os gastos incorridos com o marketing, a contabilidade, etc. Estes gastos eram proporcionalmente repartidos pelas sociedades adquirentes dos serviços, todas parte integrante do mesmo Grupo societário, na percentagem definida anualmente, tendo por base uma decisão da administração baseada em determinados critérios que atendiam ao peso relativo que se estimava no consumo de recursos da B..., S.A. que cada uma iria reclamar nas diversas áreas. Acresce referir que as faturas emitidas por esta contêm em anexo os mapas com os gastos do mês, a sua repartição por áreas (centros de custo) e a imputação proporcional às entidades respetivas.

 

Quando o fecho da contabilidade se atrasava e/ou os gastos eram estimados provisoriamente, as faturas eram emitidas pelo valor provisório e mais tarde corrigidas pelos consumos reais de recursos, relevados na contabilidade da Requerente.

 

Nestes termos, a monitorização dos valores faturados é direta e relativamente simples, pois corresponde às percentagens pré-definidas aplicadas sobre os gastos mensais apurados e registados na contabilidade e repartidos por centros de custo. Esta informação (que consta dos autos) estava disponível nos documentos arquivados pela Requerente, juntamente com as faturas, e nos seus sistemas de informação. Interessa, neste âmbito, assinalar que não foi alegada pela AT qualquer violação do princípio da colaboração.

 

Deste modo, a Requerente logrou complementar a informação das faturas dos serviços adquiridos à B..., S.A. no que se refere aos respetivos procedimentos e métodos/critérios de quantificação[1], ressaltando com clareza a natureza dos serviços adquiridos e a sua conexão direta e imediata com a atividade da Requerente, por consubstanciarem serviços de suporte essenciais ao desenvolvimento da mesma, não existindo fundamento atendível para que lhe seja vedado o direito à dedução do respetivo IVA.

 

À face do exposto, os atos tributários de liquidação de IVA, relativos aos anos 2013 e 2014, enfermam de vício substantivo e devem ser anulados, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).””

 

Na situação em causa nos autos, à semelhança da situação em causa na Decisão Arbitral referenciada, a efetiva prestação de serviços por parte da D... Unipessoal à Requerente não foi questionada nos autos pela Requerida, e também não se manifestaram, ou foram sequer alegados, quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte destas entidades.

 

A atividade da Requerente é inteiramente tributável em sede de IVA e confere o direito à dedução (à semelhança da situação em causa na Decisão Arbitral em referência). Deste modo, para se concluir sobre a dedutibilidade do IVA incorrido nos serviços adquiridos à D... Unipessoal é necessário (e suficiente) determinar os seguintes pontos: (i) se esses serviços foram efetivamente prestados, (ii) em que medida esses serviços foram efetivamente prestados, e (iii) se se relacionam com a atividade da Requerente.

 

No que respeita ao primeiro ponto, este Tribunal chegou à conclusão que deve ser dada uma resposta positiva atendendo aos elementos trazidos aos autos:

 

(i) em primeiro lugar, porque a própria Requerida não põe em causa que os serviços tenham sido efetivamente prestados, nem alega ou apresenta prova suficiente de qualquer indício de fraude ou abuso, e

(ii) em segundo lugar, atendendo ao depoimento da testemunha arrolada nos autos (que confirmou a prestação dos serviços, e foi capaz de explicar ao Tribunal que nos períodos em que não estava a exercer funções nos órgãos de gestão da Requerente, os seus serviços eram requisitados através de contrato de prestação de serviços, em consequência do know how único que esta testemunha tinha em relação à atividade desenvolvida pela Requerente — nos períodos em que estava a exercer funções nos órgãos de gestão da Requerente, a transmissão do seu know how fazia parte do exercício normal das suas funções de gestão).

 

No que respeita ao segundo ponto, a Requerida entende que do descritivo das faturas não se alcança quais os serviços realmente executados, quais os estudos efetuados, quais as máquinas e as pessoas envolvidas e o número de horas de efetivo trabalho prestado (o que segundo a Requerida impede saber se os mesmos foram efetivamente necessários à realização das operações tributadas na esfera da Requerente).

 

Como refere a Decisão Arbitral supra, as dúvidas da Requerida “quanto à extensão (ou “quantidade”, na terminologia do Código do IVA) dos serviços prestados, pela variação mensal dos valores faturados” constitui uma insuficiência parcial do descritivo das faturas em análise, relativamente à extensão dos serviços prestados, que não impede o controlo dos pressupostos substantivos das operações e do direito à dedução.

 

No que respeita à identificação dos serviços realmente executados (estudos efetuados, máquinas, pessoas envolvidas e número de horas do efetivo trabalho prestado), reitere-se que “o descritivo das faturas não tem de ser exaustivo e não constitui um fim em si mesmo. Ele é instrumental à finalidade de controlo das operações, do pagamento devido (v.g., taxas, isenções) e da existência do direito à dedução”.

 

No caso concreto, a informação exposta na fatura é complementada pela informação que consta do contrato de prestação de serviços (ainda que junto à posteriori) que permite identificar na cláusula segunda número 1 o tipo de serviços que foi prestado e a sujeição à taxa de IVA aplicada paga pela Requerente — a taxa normal.

 

Note-se que, se se admite que a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões) produza efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas (vide Acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo), por maioria de razão, deverá ser relevada também com efeitos retroativos o contrato de prestação de serviços apresentado pela Requerente durante o procedimento de inspeção, cujo valor probatório foi reforçado através do depoimento da testemunha arrolada nos autos.

 

O contrato de prestação de serviços também nos dá informações relativamente ao volume de horas contratado (pelo menos, cinco horas semanais) tendo a testemunha confirmado de forma clara que os seus serviços eram pagos em função do volume de horas despendido na execução dos seus serviços, que ficou claro que se traduziam no aconselhamento relativamente à atividade concretamente desenvolvida pela Requerente (e não no trabalho agrícola, com emprego de máquinas ou funcionários), que era dado na medida das necessidades da Requerente, ou seja.

 

Assim, entendemos também que “Não se pode concordar com a asserção liminar da AT de que a insuficiência meramente parcial do descritivo das faturas em causa, relativa à extensão dos serviços prestados, impossibilita o controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução, i.e., a determinação dessa extensão através de outros meios e a aferição de que os serviços em causa apresentam, ou não, a conexão indispensável à atividade desenvolvida pela Requerente.”

 

No caso concreto, com a informação disponível nos autos é possível identificar os serviços que foram prestados e o período temporal em que os mesmos foram prestados. No que respeita à quantificação das horas trabalhadas, no exercício do inquisitório a Requerida nada demonstrou relativamente à suficiência/insuficiência da contabilidade da D... Unipessoal (entidade emitente da fatura) para demonstrar tal factualidade.

 

Relativamente ao terceiro ponto, a Requerida não questiona que os serviços prestados pela D... Unipessoal são relacionados com a atividade da Requerente. Ademais, resulta do descritivo das faturas consideradas, do depoimento da testemunha arrolada, e da documentação junta aos autos, que os serviços prestados pela D... Unipessoal constituem efetivamente serviços relacionados com a atividade da Requerente, na medida em que constituem serviços de consultoria conexos com a atividade agrícola e vitivinícola (a experiência profissional do sócio e gerente da D... Unipessoal e o CAE desta (tanto o CAE à data em 2013 (1500) como os CAE’s atuais) enquadram-se no âmbito da atividade da Requerente — a atividade agrícola e vitivinícola).

 

Desta forma, relativamente a estes 3 pontos, resulta assim do exposto que está demonstrado o cumprimento pela D... Unipessoal dos pressupostos substantivos das faturas, designadamente que é percetível a natureza dos serviços prestados pela D... Unipessoal à Requerente e o respetivo valor (pelo que, “se encontram acauteladas as finalidades de controlo do pagamento do imposto, desde logo no que se refere a taxas e isenções, tendo sido sempre aplicada a taxa máxima e liquidado o correspondente IVA. Estas faturas permitem “reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo””).

 

No que respeita à taxa de IVA aplicável, a Requerida não tem razão quando pretende aplicar a taxa reduzida de IVA aos serviços prestados pela D... Unipessoal, de acordo com a verba 4 da Lista I anexa ao IVA. Ora vejamos:

 

A verba 4 da Lista I do CIVA, em vigor à data dos factos, determinava que as prestações de serviços no âmbito das atividades de produção agrícola listados na verba 5 estão sujeitos à taxa reduzida de IVA. Contudo, os serviços listados na verba 5 respeitam a serviços concretos de agricultura e viticultura (como o plantio, ou a sementeira), estando os serviços de consultoria fora do âmbito de aplicação desta verba 5. Note-se que os serviços de consultoria prestados pela D... Unipessoal, estariam fora do âmbito de aplicação mesmo da verba 4.2 alínea (f) da Lista I do CIVA, conforme entendeu a própria Requerida na Informação Vinculativa emitida no processo nº 15916, por despacho de 2019-08-26, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação).

 

Resulta da referida Informação Vinculativa:

“8. Em todo o caso, a aplicabilidade da taxa reduzida não abrange todos e quaisquer serviços, ainda que contribuam de algum modo para a globalidade da "atividade agrícola" do sujeito passivo, e ainda que, eventualmente, sejam considerados por este de assistência técnica, sendo necessário que os referidos serviços sejam normalmente utilizados na produção agrícola e contribuam diretamente e de forma inequívoca para a produção agrícola.

9. Neste âmbito, tem sido entendimento da Área de Gestão Tributária-IVA, que os serviços prestados de consultadoria, gestão, administração, entre outros, não se enquadram na alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA nem em quaisquer outras verbas das Listas anexas ao CIVA.

10. Os serviços de consultoria (análise de projetos, estudos e planeamentos, acompanhamento de projetos de investimento, etc) são transversais a todas as áreas económicas, não se afigurando que, pelo facto de, no caso, a sua aplicação ocorrer em concreto na área da produção agrícola, se possam constituir imediatamente como um tipo de serviço, que pela sua natureza, seja normalmente utilizado na produção agrícola ou que para ela contribua, de forma direta e inequívoca.

11. No caso, a Requerente presta serviços de consultoria (efetua estudos, planeamentos e estratégias para a produção agro-silvipastoril), situando, como refere, os serviços na fase da análise do potencial agro-silvipastoril, maioritariamente para sujeitos passivos com atividade agrícola ou silvícola”, mas também para particulares (sem atividade), que se encontram em fase de recolha de informação para apoio à decisão quanto à sua implementação como operadores económicos nessas áreas.

12. Estes serviços, assim genericamente descritos, não têm enquadramento na alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, uma vez que não se tratam de serviços normalmente utilizados na produção agrícola, não contribuindo diretamente e de forma inequívoca para a produção agrícola.

III - Conclusão

13. Nos termos da verba 4.2 da lista I anexa ao CIVA, são tributadas, à taxa reduzida a que se refere a alínea a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 18.º do citado diploma legal, as "Prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e aquícola".

A própria norma elenca um conjunto de operações, a título exemplificativo, entre as quais se destaca, para o caso em apreço, a da alínea f): "A assistência técnica".

14. No Ofício-Circulado n.º 30202/2018, de 22/05, da Área de Gestão Tributária - IVA, já se esclareceu que a aplicação referida verba não deve depender do enquadramento ou da qualidade do adquirente dos serviços.

15. Contudo, não se encontram abrangidos todos e quaisquer serviços, ainda que contribuam de algum modo para a globalidade da "atividade agrícola" do sujeito passivo e, ainda que sejam, eventualmente, considerados por este como sendo de assistência técnica, sendo necessário que os referidos serviços sejam normalmente utilizados na produção agrícola e contribuam diretamente e de forma inequívoca para a produção agrícola.

16. Neste âmbito, tem sido entendimento da Área de Gestão Tributária-IVA, que os serviços prestados de consultadoria, gestão, administração, entre outros, não se enquadram na alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA.

17. No caso, os serviços de consultoria prestados pela Requerente (estudos, planeamentos e estratégias relacionados com a produção agro-silvipastoril), relacionados com a análise do potencial agro-silvipastoril e, eventual, acompanhamento do projeto, não têm enquadramento na alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, uma vez que não se tratam de serviços normalmente utilizados na produção agrícola e que contribuam de forma direta e inequívoca para a produção agrícola”.

 

A Requerida defende que a taxa de IVA aplicável aos serviços prestados pela D... Unipessoal é a taxa reduzida. Contudo, não enquadra os serviços prestados pela D... Unipessoal numa das alíneas da verba 4 ou da verba 5 da lista I do CIVA, e não demonstra que os serviços prestados pela D... Unipessoal: (i) sejam de assistência técnica, (ii) sejam normalmente utilizados na produção agrícola, e (iii) contribuem diretamente e de forma inequívoca para a produção agrícola da Requerente. Pelo que, dados os elementos constantes dos autos, o Tribunal terá de entender que a taxa de IVA aplicável pela Requerente (a taxa geral — 23%) foi corretamente aplicada, devendo o PPA ser julgado procedente no que respeita ao conhecimento desta questão.

 

3ª Questão: Regularização do IVA constante das notas de crédito respeitantes à sociedade E... .

 

No que respeita a esta última questão, a Requerida entende:

“No que respeita ao incumprimento da previsão do art.º 78.º, n.º 5 do CIVA quanto aos requisitos de regularização do IVA de notas de crédito emitidas, verificou-se com referência às notas de crédito emitidas à E..., S.A., NIF..., que nas declarações periódicas de IVA desta sociedade, com referência ao período em que foram emitidas as notas de crédito e ao período seguinte (201307 e 201308), não consta a regularização a favor do Estado do imposto nelas contido”.

 

Entende ainda a Requerida:

“(...) o exercício dessa prerrogativa encontra-se condicionado pela verificação do pressuposto constante do n.º 5 do mesmo artigo, isto é, no momento em que o transmitente do bem ou prestador de serviço exerce a opção de regularizar a seu favor o imposto tem, obrigatoriamente, de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da redução para menos ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de não ser admitido o direito à respetiva dedução”.

 

Desta forma, a Requerida defende que, uma vez que

(i) as notas de crédito foram emitidas à E... com a data de 19/Julho/2013 (o que nos termos do artigo 78.º n.º 2 do CIVA significa que a regularização do IVA deveria ter sido efetuada até ao final do período de imposto seguinte (“201308”, considerando que a Requerente em sede de IVA estava enquadrada no regime normal de periodicidade mensal por opção));

(ii) as notas de crédito foram assinadas pela E... com a data de 5/Fevereiro/2018 (ou seja, quase quatro anos após o termo do prazo para exercício do direito à regularização); e

(iii) não se conhece que o fornecedor ou adquirente dos serviços (a E...) tenha regularizado o imposto a favor do Estado;

não foi cumprido o ónus previsto no n.º 5 do art. 78.º do CIVA, que determina que “Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução”; até porque a prova a que esta norma alude tem de ser feita em momento anterior (ou, no máximo, ser-lhe contemporânea) ao do exercício do direito à regularização.

 

No caso concreto, as Notas de Crédito juntas aos autos pela Requerente como Doc. 13 estão efetivamente carimbadas e assinadas pela E... (alegando a Requerente no artigo 123.º do PPA que estas correspondem a uma segunda via das Notas de Crédito na medida em que o original se extraviou), constando das mesmas um carimbo com a data de 5/Fevereiro/2018 — data do recebimento da “segunda via” das Notas de Crédito.

Entende a Requerente que o Tribunal deve considerar como provado que a E... tomou conhecimento da retificação do IVA, uma vez que a E... assinou as Notas de Crédito (embora a E... não tenha efetivamente registado na sua contabilidade as faturas, nem as Notas de Crédito que anularam as faturas).

 

Note-se que a letra do número 5 do artigo 78.º é clara ao prever que a Requerente só pode efetuar a regularização do IVA quando tiver na sua posse “prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto”. O que significa que nos termos do artigo 78.º do CIVA, conforme refere a Requerida, a Requerente tem o ónus da prova de que o adquirente (in casu a E...) tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do IVA antes (ou pelo menos em simultâneo) do momento em que o IVA foi regularizado pela Requerente.

 

Tendo em consideração o exposto (ao que acresce o facto de no RIT a Requerida dizer que a primeira via das Notas de Crédito que lhes foi entregue não estar assinada), o Tribunal terá de entender que o exposto pela Requerente no PPA deverá improceder, uma vez que a Requerente não demonstrou que respeitou o disposto no artigo 78.º n.º 5 do CIVA — ou seja, a Requerente não provou que quando exerceu o direito de regularização do IVA (em 2013) a E... tomou conhecimento da retificação ou de que nesse momento (no momento da retificação em 2013), a E... já tivesse sido reembolsada do IVA.

 

Assim, ao contrário do que entende a Requerente, a correção efetuada pela Requerida não decorre do facto de a E... ter ou não ter registado as faturas e as Notas de Crédito (o que é deveras estranho), mas sim do facto de a Requerente não ter demonstrado que no momento em que regularizou o IVA (em 2013), a E... já tinha conhecimento das Notas de Crédito para retificação do IVA — o que nos termos da parte final do artigo 78.º n.º 5 do CIVA determina que é indevida a dedução.

“Para que a regularização prevista no n.º 1 seja aceite, estabelece-se a obrigatoriedade de o adquirente dos serviços — que já tenha procedido contabilização de fatura que venha a ser anulada, retificada ou cujo valor venha a ser reduzido para menos pelo seu fornecedor — dever, concomitantemente, corrigir a dedução de imposto efetuada até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento de retificação.

Quanto ao fornecedor dos bens ou prestador de serviços, o nº 5 determina que o sujeito passivo só pode proceder à regularização do imposto a seu favor quando disponha de prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, ou de que foi reembolsado do imposto. Não prevendo a norma qualquer formalidade específica, é aceite qualquer meio idóneo de prova. (...) nos termos gerais do direito, é admitida como prova qualquer formalidade ad probationem, nomeadamente a carta registada enviada pelo fornecedor ou prestador de serviços: “O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do art. 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário” (Ac. STA 16/05/2012, Proc. 01181/11)”  .

 

Na Decisão Arbitral do CAAD proferida em 3/Agosto/2015 no processo nº 698/2014-T pelo Tribunal Coletivo composto por José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Miguel Patrício, e Clotilde Celorico Palma, o Tribunal entendeu que a prova prevista no artigo 78.º n.º 5 do CIVA deverá ser prova documental:

 

“Quanto a esta matéria diga-se que a norma em causa não faz referência expressa a qualquer meio de prova, como começa por referir a Requerente. Contudo, uma leitura menos superficial do texto normativo, denota que, efectivamente, o mesmo se reporta à prova documental. Com efeito, ao utilizar-se a expressão “tiver na sua posse prova de que...”, a norma estará, inquestionavelmente, julga-se, a reportar à prova documental, dado que esse será o único meio de prova que, por ser, por natureza, objectivado, é possível de ser tido em posse.

O que a norma em questão não faz, todavia, é exigir um tipo específico de documento para prova das circunstâncias a que se refere. Ou seja: se, efectivamente, a norma em causa impõe que o sujeito passivo possua prova documental “de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”, já não impõe um tipo de documento específico para essa prova.

Tendo em conta o teor da norma, em especial ao dispor, expressamente, que na falta de posse da prova em questão “se considera indevida a (...) dedução.”, assim como a matéria por aquela regulada, não se pode deixar de concordar com o Acórdão do TCA-S citado pela AT[2], no sentido de que, sem prejuízo do que infra se verá, a prova em questão terá de ser documental e não poderá ser substituída por qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal.

Tal exigência, de resto, justificar-se-á, não por uma qualquer devoção formalista do tipo de imposto em causa, ou da respectiva regulamentação, mas pela essencialidade de que a comunicação em causa (ou a devolução material do imposto) se reveste para que se crie na esfera jurídica do adquirente do bem ou serviço vendido pelo sujeito passivo, a obrigação de não deduzir o imposto regularizado por aquele, ou de, tendo-o entretanto deduzido, entregá-lo ao Estado.

Assim, em suma, a prova que o sujeito passivo que proceda a uma regularização de IVA deve possuir terá de ser documental, podendo, todavia, consistir em qualquer documento idóneo a demonstrar “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”.

O que vem de se dizer – relativamente à exclusividade do meio documental como prova do conhecimento, pelo adquirente, da rectificação – não quer dizer que a prova testemunhal seja de todo inadmissível ou irrelevante na matéria em questão. Com efeito, como decorre, desde logo, do artigo 393.º/3 do Código Civil, as regras relativas à prova legal “não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”.

 

Ainda relativamente a este tema, nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24/Janeiro/2020, proferido no processo 1916/15.5BEALM (disponível in http://www.dgsi.pt):

 

“No exercício da pretensão de restituição do imposto liquidado em excesso por parte do sujeito passivo, fornecedor do bem ou serviço, a necessidade da prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação é sublinhada pela jurisprudência fiscal. Assim, afirma-se, por exemplo, que «[a] obrigatoriedade de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação é um requisito essencial para efectuar a regularização do IVA deduzido. // E ter na sua posse não significa outra coisa senão ter o documento devidamente arquivado na contabilidade, junto com as respectivas facturas, ou notas de crédito»(1). «[A] regularização do imposto a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto. Sem esta prova, na posse do sujeito passivo, a regularização é indevida»(2).«[P]rova esta que se entende poder ser feita através de qualquer suporte documental idóneo»(3)” (...)

 

“Em face do exposto, impõe-se concluir que a regra segundo a qual a prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto deve ser efetuada junto da Administração Fiscal até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável não ofende nenhum princípio de direito europeu, nem contende com o regime do direito à dedução do imposto suportado, designadamente, com o prazo de caducidade do direito à dedução de tal imposto”.

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, o PPA é julgado improcedente no que respeita ao conhecimento desta 3.ª questão, uma vez que não ficou demonstrado nos autos que, no momento em que foi efetuada a regularização do IVA em consequência da emissão das Notas de Crédito à E... (2013), a Requerente tivesse na sua posse prova de que a E... tomou conhecimento da retificação ou de que o imposto tivesse sido efetivamente reembolsado à E..., mostrando-se assim incumprido o disposto no artigo 78.º n.º 5 do CIVA.

 

V.           DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

 

a)            Anular parcialmente o ato impugnado (relativamente à correção referente à dedutibilidade do IVA suportado nas faturas por serviços prestados à Requerente pela Sociedade D... Unipessoal — 2ª Questão), mantendo-se o ato impugnado no que respeita às duas correções remanescentes; e

b)           Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do processo na proporção do respetivo decaimento (ou seja, a Requerente é condenada ao pagamento do valor correspondente a 32% das custas do processo, e a Requerida é condenada ao pagamento do valor remanescente).

 

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A                     n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 12.445,12.

 

VII.         CUSTAS

 

O montante das custas — a cargo da Requerente (32%) e da Requerida (remanescente) na proporção do respetivo decaimento — é fixado em EUR 918,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de agosto de 2021.

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)