Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 492/2020-T
Data da decisão: 2021-07-27  IRS  
Valor do pedido: € 22.167,32
Tema: IRS — mais-valias imobiliárias; caducidade do direito de ação.
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O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

A.

1.            No dia 25 de setembro de 2020, A..., com residência em ... ..., França, contribuinte n.º..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), pedindo i) a anulação do despacho proferido em 3/4/2020 pelo Diretor de Finanças adjunto da Direção de Finanças de Lisboa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IRS n.º 2018... referente ao ano de 2014, do valor de 22.167,32 €, emanado da Divisão de Justiça de Lisboa, e, bem assim, a anulação do próprio ato de liquidação do imposto referido; ii) subsidiariamente, a anulação do excesso de imposto liquidado correspondente à diferença entre aquele valor e o montante que, no máximo, seria liquidável, de 21.036,55 € (22.167,32 € - 1.130,77 €); iii) e ainda juros indemnizatórios até à data do reembolso efetivo.

2.            No dia 28 de setembro de 2020 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerente e à AT.

3.            Por despacho de 30 de outubro de 2020, com oficio n.º 9104, datado de 6 de novembro de 2020, a Sub-Diretora Geral, ao abrigo do disposto no art. 13.º, 1, RJAT, veio revogar parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2018..., pois não se tinha considerado que o valor de aquisição do imóvel tinha sido de 8.000.000$00 (39.903,83€), e não o seu valor patrimonial tributário.

4.            Por comunicação datada de 4 de novembro de 2020 foi o Requerente notificado no dia seguinte pelo Presidente do CAAD nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT.

5.            O Requerente não se pronunciou sobre o prosseguimento do procedimento arbitral no prazo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT.

1.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

2.            Em 13 de novembro de 2020 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

3.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 18 de dezembro de 2020.

4.            No dia 22 de fevereiro de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

5.            A 24 de março de 2021 foi proferido despacho arbitral no sentido de o Requerente se pronunciar, querendo, sobre a exceção de caducidade do direito de interpor o presente PPA alegada pela AT, nada tendo dito.

6.            Por despacho de 20 de julho de 2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no art. 18.º do RJAT e alegações.

1.            Foi indicado que a prolação da decisão final ocorreria até ao dia 28 de julho de 2021.

 

B. Posição das partes

                Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que tem nacionalidade portuguesa e reside em França. Em 1994 o Requerente comprou pelo preço 8.000.000$00 (escudos) correspondentes a € 39.993,83, um prédio urbano destinado a habitação própria e permanente sito na freguesia e concelho de ... . Em 11 de abril de 2014 o referido imóvel foi vendido pelo preço de € 80.000,00. Só em 12 de dezembro de 2018 tiveram conhecimento que teriam de pagar € 22.167,32 a título de IRS. Inconformados, o requerente e mulher deduziram perante o Serviço de Finanças de Lisboa ... pedido de revisão de ato tributário, não tendo merecido provimento.

                Alega o Requerente que o ato em causa deve ser anulado pois não rececionaram o ofício da AT que notificava para a necessidade de entrega da declaração modelo 3 de IRS assim como a segunda notificação de idêntico conteúdo. Inclusive, quando a AT se recusa a facultar os referidos documentos, constata-se uma ilegalidade por preterição de formalidades legais no procedimento respetivo, já que foi omitida a notificação imposta pelo art. 76.º, n.º 3, do CIRS. Além do mais, ilegal também por "enfermar de irregularidades, seja na sua expedição, seja na identificação do destinatário, seja no endereço para onde a mesma foi dirigida, seja por não ter sido entregue ao Requerente nem por ele recepcionada, seja por ele seja pelo seu cônjuge, seja por não ter sido cumprido o prazo de 30 dias referido no art. 39.º, n.º 5, do CPPT, seja por não ter sido concedida a dilação do prazo prevista no art. 88.º, n.º 1, al. c), do CPA, aplicável ao caso".

                Acresce ainda que ocorre falta de fundamentação da liquidação (art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 268.o, n.º 3, da CRP), foi preterido o exercício do direito de audição antes da liquidação (arts. 267.º, n.º 5, da CRP e 60.º, ns 1, al. a), e 4 a 7 do art. 60.º da LGT), verifica-se ilegalidade substancial por erro nos pressupostos de facto e de direito e de quantificação por excesso da matéria tributável, porquanto a AT tinha na sua posse elementos que lhe permitiam uma correta liquidação do imposto, alegadamente, devido, nomeadamente, a que o valor de aquisição foi de € 39.903,83 e que o coeficiente da desvalorização da moeda aplicável era de 1,60 (cfr. Portaria n.º 281/2014, de 30.12.2014), pelo que o valor de aquisição corrigido (sem despesas nem encargos) seria de 63.846,13 €, o que originaria uma mais valia de € 16.153,87. Por aplicação do disposto no art. 43.º, n.º 2, al. b), do CIRS, a mais valia de € 16.153,87 seria reduzida a 50% ou seja (16.153,87 € : 2) € 8.076,94. O imposto a liquidar seria no máximo de € 1.130,77, uma vez que deve prevalecer o regime do art. 72.º, n.º 1, al. a) conjugado com o art. 43.º, n.º 2, al. b) do CIRS, considerando o entendimento da jurisprudência do TJUE (a aplicar a não residentes em território português).

                Além disso, o pedido de revisão oficiosa deveria ter sido admitido pois não se verifica comportamento negligente do Requerente bem como as notificações alegadamente efetuadas nunca chegaram ao poder ou conhecimento do Requerente e ou seu cônjuge por culpa exclusiva dos serviços da AT. Ocorre também, como já se verificou, injustiça grave ou notória prevista nos ns 4 e 5 do art. 78.º do CIRS. Ademais, a decisão de indeferimento está inquinada de ilegalidade por violação do dever de pronúncia consistente no facto de se ter abstido de apreciar e de decidir as questões suscitadas pelo Requerente e seu cônjuge bem como de não se ter pronunciado sobre os factos novos levados pelo Requerente ao procedimento bem como a decisão definitiva não terem sido notificados à mulher do requerente, B..., também ela subscritora do pedido de revisão e dos demais atos subsequentes praticados em conjunto com o  Requerente no procedimento violando desta feita o disposto nos arts. 506.º e 60.º da LGT.

                Conclui o Requerente que o ato de liquidação em causa é ilegal.

                Por sua vez, a AT veio defender-se por exceção e por impugnação.

                Por exceção, pois caducou o direito de interpor o presente PPA, já que o mandatário do R. foi notificado da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa por ofício registado rececionado no dia 23/06/2020 e o presente PPA foi aceite no dia 28/09/2010 (registo na plataforma do CAAD). Como mediaram mais de 90 dias, o direito de interpor o presente PPA caducou (art. 10.º, 1, RJAT). Ocorre assim a exceção de caducidade do direito de ação, devendo, assim, a AT ser absolvida da instância, nos termos dos arts. 89.º ns. 2 e 3, al. k), do CPTA, e 278.º, no 1, al. e), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

                Por impugnação, rejeita a violação de qualquer formalidade legal, pois a prova do seu cumprimento quanto às notificações referidas encontra-se manifestada nos autos. Quanto ao alegado erro nos pressupostos de facto e de direito (a AT, por um lado, não considerou o correto valor de aquisição e, por outro lado, não perfilhou o regime previsto no art. 72.º, no 1 alínea a) conjugada com o da alínea b) do no 2 do art. 43.º, ambos do CIRS), dá de barato o primeiro motivo, que obteve deferimento com a revogação parcial do ato de liquidação de IRS n.º 2018..., pois não se considerou, como se devia, que o valor de aquisição do imóvel foi de 8.000.000$00 (39.903,83€), e não o seu valor patrimonial tributário; quanto ao segundo motivo, o quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do acórdão do TJCE, de 2007OUT11, tendo em conta que foi efetuada uma alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (nos 9 e 10) ao artigo 72 ° do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, isto é, em síntese, "a alteração operada por via da introdução dos atuais n.º 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2 (consideração do saldo da mais-valia em apenas 50% do seu valor), do mesmo Código, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.", o que não foi o caso nos presentes autos.

                Pede ainda a suspensão da instância i) até decisão do TJCE no âmbito do mencionado reenvio prejudicial — Proc 598/2018 —, ou, se assim não se entender, (ii) a suspensão da instância, se o Tribunal entender que, nos presentes autos, se justifica um novo reenvio prejudicial.

                Conclui pedindo que seja julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

II. SANEAMENTO

 

                Em face da exceção invocada pela Requerida na sua resposta, por despacho de 24 de março de 2021 foi o Requerente notificada para se pronunciar, querendo, sobre a exceção de caducidade do direito de interpor o presente PPA. O Requerente nada disse.

                O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º e 6.º, 1, do RJAT.

                As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

                O processo não enferma de nulidades.

                Tendo sido alegada a exceção de caducidade do direito de interpor o presente PPA iremos apreciá-la prioritariamente e, depois, sendo oportuno, o mérito da causa.

 

III. MÉRITO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A.           O Requerente é casado com B... e reside em ..., ..., França.

B.            Por escritura pública de 26/09/1994 o R. e mulher adquiriam um prédio urbano destinado a habitação própria e permanente sito na freguesia de ... do mesmo concelho, inscrito ao tempo na matriz predial respetiva sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 4.218,73 €, atualmente inscrito na matriz respetiva da União de Freguesias de ..., ...-U..., U..., ... e ..., do concelho de ... sob o artigo ..., pelo preço de 8 milhões de escudos (39.903,83€).

C.            Por escritura publica de 11/04/2014 o R. e mulher venderam o referido imóvel pelo preço de € 80.000,00.

D.           O R. não apresentou a declaração Modelo 3 - IRS referente ao ano de 2014.

E.            Resulta do sistema informático da central de notificações da AT que foi remetido ao R. a “Notificação sobre faltosos/Modelo 3”, com o n.º de registo RY...PT, com a indicação "devolvido", data de emissão 26/10/2015, e data da situação 04/12/2015.

F.            Resulta do PA que foi enviado do endereço eletrónico info@at.gov.pt para o destinatário ...@net.vodafone-pt os seguintes alertas: — 25/10/2015, com o assunto "declaração modelo 3 do ano de 2014" relativo à falta de entrega de declaração de IRS/Modelo 3 IRS, ano de 2014; — 08/12/2015, com o assunto "declaração modelo 3 do ano de 2014" relativo à falta de entrega de declaração de IRS/Modelo 3 IRS, ano de 2014; 26/01/2016, com o assunto "conclusão da divergência no âmbito do modelo 3 de 2014" relativo à conclusão da divergência / declaração oficiosa.

G.           Foi emitida liquidação com base no Documento Único de Correcção (DCU), constando as seguintes inscrições: Motivo do Preenchimento: Faltosos (art. 76.º, n.º 1, al. b) e c)); Campo 4: - 401- Realização (04/2014) – 80.000,00 - 401 – Aquisição (01/1994) – 5.042,25. Identificação matricial dos bens:

Freguesia ...; Tipo U; Arto ...; Quota-Parte 100%.

H.           Constam ainda, com relação a 2018, os seguintes registos:

 

I.             Em 08/05/2019 o R. apresentou pedido de revisão oficiosa contra o mencionado ato de liquidação.

J.             Por substabelecimento sem reserva datado de 18 de fevereiro de 2020, outorgado por C..., solicitador, procurador forense com poderes para o ato concedidos pelos Requerente e mulher, foi mandatado o Dr. D..., advogado, titular da CP ...p, com domicílio profissional em Rua ..., ..., ... .

K.            Através do ofício registado RH ...PT, de 22/06/2020, o Dr. D..., advogado, na qualidade de mandatário do Requerente, foi o destinatário da notificação da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa.

L.            Resulta da pesquisa junto dos CTT que o RH ... PT se encontra no estado "objeto entregue" a 23/06/2020.

M.          Deu entrada no CAAD, a 25/09/2020, o presente PPA.

N.           Por despacho de 30 de outubro de 2020, oficio n.º..., datado de 6 de novembro de 2020, a Sub-Diretora Geral veio revogar parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2018..., alterando-o no sentido de passar a considerar o valor de aquisição do imóvel por parte do Requerente — 8.000.000$00 (€ 39.903,83) — e não o valor patrimonial constante da matriz (€ 5.042,25).

O.           O Requerente não se pronunciou sobre esta decisão.

 

A.2. Factos dados como não provados

                Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

                Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

                Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

                Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, do CPPT, os depoimentos prestados e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

                Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

               

                Da tempestividade do pedido arbitral

                O tema em apreciação deve iniciar-se pela exceção invocada pela AT, isto é, o da caducidade ou não do direito de interpor o presente PPA por parte do Requerente.

                Sobre esse ponto importa ter presente que a pretensão formulada pelo Requerente, como já foi dito, tem por objeto a anulação do despacho proferido em 03/04/2020 pelo Diretor de Finanças adjunto da Direção de Finanças de Lisboa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IRS n.º 2018... referente ao ano de 2014, do valor de 22.167,32 €, e, consequentemente, a anulação do próprio ato de liquidação do imposto referido, sendo a causa de pedir a ausência da receção por parte do SP das várias notificações que a AT alega como tendo sido expedidas, o preço de aquisição do imóvel e, ainda, o facto de o SP residir em país da União Europeia.

                No entanto, como se viu, por despacho de 30 de outubro de 2020, a Sub-Diretora Geral veio revogar parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2018..., alterando-o no sentido de passar a considerar o valor de aquisição do imóvel por parte do Requerente — 8.000.000$00 (€ 39.903,83) — e não o valor patrimonial constante da matriz (€ 5.042,25).

                O Requerente não se pronunciou sobre o prosseguimento do procedimento arbitral, o que significa que mantém o pedido inicial no sentido de o ato de liquidação ser anulado.

                Dispõe o n.º 2 do artigo 13.º do RJAT: “Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.”

                Daqui resulta que, sendo o ato de substituição praticado dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o processo arbitral só se extingue se o sujeito passivo declarar que não pretende o seu prosseguimento.

                Deste modo, face à ausência de qualquer declaração do Requerente relativamente à notificação pela Requerida da revogação parcial do ato de liquidação de IRS objeto do presente processo arbitral, não se verifica uma situação de extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, mas apenas uma situação de modificação objetiva da instância, que prosseguirá os seus termos, mas com relação a este último ato.

                Ora, determina o art. 10.º, 1, RJAT, com relação ao pedido de pronúncia arbitral relativo a atos de liquidação de tributos (cfr. art. 2.º, n.º 1, al. a), RJAT), o seguinte: “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

                Por sua vez, o ali citado art. 102.º, n.º 1, do CPPT, quanto aos factos determinativos do início da contagem do prazo, prescreve: “1 — A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte; b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação; c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal; d) Formação da presunção de indeferimento tácito; e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código; f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores”.

                Atento ao disposto no art. 102.º, 1, para que seja tempestivo o pedido de constituição do tribunal arbitral relativo à impugnação de indeferimento de pedido de revisão oficiosa é necessária a respetiva apresentação no prazo de 90 dias contados da respetiva notificação de indeferimento.

                Por sua vez, determina o art. 40.º, 1, CPPT, que "As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário são feitas na pessoa deste da seguinte forma: a) Nos procedimentos tributários, por carta registada, dirigida para o seu escritório ou por transmissão eletrónica de dados na respetiva área reservada do Portal das Finanças".

                Nos termos do disposto no art. 20.º, n.º 1, CPPT, (ex vi art. 29.º do RJAT), para a contagem dos prazos é aplicável o disposto no art. 279.º do CCiv., contando-se de forma contínua com termo inicial no dia seguinte ao da notificação e não se suspendendo em férias judiciais.

                Nos termos do art. 17.º-A, do RJAT não se está, neste âmbito, perante um prazo processual e, só a esses, se refere esta norma, mas antes perante um prazo para requerer a pronúncia arbitral pelo que, e conforme já vem sendo decidido — conforme, por exemplo, na decisão proferida no âmbito do processo n.º 9/2014-T do CAAD — as férias não prorrogam o prazo para requerer a pronúncia arbitral.

                Face ao exposto, considerando que a notificação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa ocorreu a 23/06/2020, o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido apresentado até 21/09/2020.

                No entanto, considerando o disposto no art. 39.º, 1, CPPT, o último dia do prazo é 24/09/2021.

                Ora, como vimos, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD a 25/09/2020, conforme resulta do próprio sistema de gestação processual.

                Com efeito, a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se realizada na data em que é recebida na secretaria do CAAD o PPA (art. 259.º, 1, CPC, ex vi, art. 29.º, 1, RJAT)

                Assim, não tendo o Requerente deduzido atempadamente o pedido de pronúncia arbitral gerou-se a consolidação definitiva na ordem jurídica da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IRS n.º 2018... referente ao ano de 2014, do valor de € 22.167,32, e, consequentemente, da liquidação que lhe subjaz, não obstante, obviamente, considerando a revogação parcial do ato, efetuado pela AT nos termos do art. 13.º, 1, RJAT.            

                Face ao exposto, fica agora vedada ao Requerente a possibilidade de ver sindicada a legalidade do ato por si colocado em crise.

                A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral constitui uma exceção perentória que, nos termos dos art. 576.º, n.º 3, e 579.º do CPC, decorre da ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico pretendido pelo Requerente, extinguindo o respetivo direito potestativo a pedir judicialmente o direito de que se arroga e que importa a absolvição total do pedido (ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

                Verificando-se a aludida exceção, que conduz à improcedência total do pedido do Requerente, fica prejudicado o conhecimento de outras questões [arts. 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

* * *

 

C. DECISÃO

                Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:           

a)            Julgar improcedente o pedido arbitral formulado;

b)           Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €  22.167,32, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 euros nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT,

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de julho de 2021

 

O Árbitro Singular

(Ricardo Marques Candeias)