Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 488/2021-T
Data da decisão: 2021-12-30  ISV  
Valor do pedido: € 1.378,60
Tema: ISV – admissão em território nacional de veículos automóveis usados provenientes de outro Estado membro da EU – artigo 11º do Código do ISV.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de Outubro de 2021, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., contribuinte nº..., com residência em ..., nº ..., em ... (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 11 de Agosto de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        O Requerente “(…) vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral [na sequência] do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Alfândega do Freixieiro a 18 de dezembro de 2020 (…)” dos actos tributários de ISV que identifica, por entender que “(…) tais liquidações encontram-se feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, visto a AT não ter contemplado a (…) dedução na determinação do quantum referente àquela componente (AMBIENTAL)”, requerendo que este Tribunal decida “(…) pela anulação do ato tributário ora posto em crise, impondo-se a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, tudo com as demais consequências legais”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de Agosto de 2021 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 06 de Outubro de 2021, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Em 26 de Outubro de 2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.        A Requerida apresentou a sua Resposta em 25 de Novembro de 2021, na qual se defendeu por impugnação, concluindo que “(…) deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente ou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios ser julgado totalmente improcedente”.

 

1.9.        Na mesma data, a Requerida remeteu ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Por despacho arbitral de 26 de Novembro de 2021, proferido “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, decidiu o Tribunal Arbitral (i) dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, (ii) determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar da notificação daquele despacho e (iii) designar o dia 30 de Dezembro de 2021 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.11.      Adicionalmente, no despacho referido no ponto anterior, foi ainda o Requerente advertido que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.12.      O Requerente não apresentou alegações escritas.

 

1.13.      A Requerida apresentou, em 09 de Dezembro de 2021, as suas alegações escritas, concluindo como na Resposta.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        O Requerente começa por referir que “(…) efetuou várias aquisições intracomunitárias de viaturas no estado de USADAS entre os anos de 2017 a 2019”, “identificadas nas declarações aduaneiras de veículo (DAV)” anexadas ao processo, tendo o Requerente pago ISV no montante “(…) total de 7.659,22€ (…)” mas entende que seria devido ISV no montante total de “(…) 6.280,61€ (…)”, concluindo assim que lhe foi indevidamente cobrado ISV no montante total de “(…) 1.378,00€” (letras maiúsculas do Requerente).

 

2.2.        Refere o Requerente que “a 18 de dezembro de 2020, (…) deu entrada na ALFÂNDEGA do Freixieiro de um pedido de REVISÃO OFICIOSA, pedindo a correção da liquidação de ISV resultante da apresentação das DAV (…) aqui juntas (…)”, “invocando a ilegalidade da liquidação, no que respeita ao cálculo da componente ambiental, uma vez que o artigo 11º do Código do ISV, que está na base da liquidação, viola o artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE)”, sendo que “a 13 de maio de 2021 recebeu a notificação de indeferimento do pedido de revisão oficiosa” (letras maiúsculas do Requerente).

 

2.3.        Contudo, reitera o Requerente que “(…) tais liquidações encontram-se feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, visto a AT não ter contemplado a referida dedução na determinação do quantum referente àquela componente (AMBIENTAL), quando deveria ter considerado a dedução no cálculo de ambas as componentes”, “conforme ao acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em matéria tributária do Centro de Arbitragem Administrativa (…), no âmbito do processo n.º 572/2018-T, de 30 de abril de 2019” (letras maiúsculas do Requerente).

 

2.4.        Assim, conclui o Requerente que “face ao exposto, (…) tem direito a reaver a quantia de € 1.378,60 (…) acrescida de juros indemnizatórios desde a data de pagamento” requerendo que este Tribunal Arbitral decida pela “(…) anulação do ato tributário (…) posto em crise, impondo-se a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios (…)”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida na sua Resposta reitera que “(…) aos factos em causa na presente impugnação arbitral, consubstanciados nos procedimentos atinentes à introdução no consumo dos veículos declarados através das DAV supra identificadas, e liquidações decorrentes das mesmas declarações, se aplica o direito (…) vigente à data das liquidações impugnadas”, as quais “(…) foram efetuadas nos termos das normas do Código do Imposto sobre Veículos, então em vigor, tendo sido aplicadas as percentagens de redução previstas na Tabela A do artigo 7.º e na Tabela D do n.º 1 do artigo 11.º, na redação desta norma que resultou da Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016 (Lei do Orçamento de Estado para 2017), não se encontrando prevista neste dispositivo qualquer redução, em função dos anos de uso, para a componente ambiental”.

 

3.2.        Esclarece a Requerida que não pode “(…) a AT, por força do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), afastar norma de direito nacional, desaplicando-a com fundamento na sua desconformidade com norma do Direito da União, mormente com o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia”, “não lhe incumbindo, sob pena de violação do artigo 2.º da CRP, relativo ao princípio da separação de poderes, invocar e declarar a ilegalidade de normas do direito interno por as mesmas se revelarem incompatíveis com quaisquer normas ou princípios do Direito da União”.

 

3.3.        “Assim, estando a Requerida obrigada a aplicar a lei em vigor, em obediência ao princípio da legalidade, não poderia ter aplicado uma percentagem de redução à componente ambiental, não prevista na tabela D do n.º 1 do artigo 11.º do CISV”.

 

3.4.        No que diz respeito ao pedido de restituição do imposto alegadamente suportado em excesso pelo Requerente, refere a Requerida que “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV”, “pelo que, incumbindo às alfândegas efetuar a liquidação do imposto, compete-lhes igualmente realizar as diligências necessárias ao cumprimento da decisão arbitral, determinando, em concreto, os montantes que, em caso de procedência da ação, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo”.

 

3.5.        No que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, defende a Requerida que “(…) atendendo a que, no caso concreto, foi apresentado pedido de revisão, efetuado em 18.12.2020, junto da alfândega competente, só há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após aquele pedido, data em que, face ao estabelecido na lei, o contribuinte adquire o direito ao seu pagamento/recebimento”, concluindo a Requerida que “(…) só haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios (…)” “(…) depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (…)”, concluindo pela improcedência dos pedidos.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.4.        Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.        Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente, à data a que se reportam os actos tributários objecto do pedido, era uma sociedade unipessoal por quotas com sede e direção efectiva em território nacional, que tinha por objecto “a compra e venda de automóveis. Importação e exportação” (em conformidade com doc. nº 7 anexado pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

5.4.        Em 2017, no âmbito da sua actividade, o Requerente introduziu no consumo, em Portugal, os seguintes veículos automóveis usados ligeiros de passageiros, apresentando para o efeito, junto da Alfândega do Freixieiro, as respectivas Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) (em conformidade com docs. nº 2 a 5 anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

MARCA MODELO             ORIGEM              DAV Nº DATA ENTRADA EM TN  TERMO PRAZO APRESENTAÇÃO DAV

...            ...            FR           2017/... 24-04-2017         24-05-2017

...            ...            FR           2017/... 24-04-2017         24-05-2017

...            ...            FR           2017/... 08-05-2017         06-06-2017

...            ...            FR           2017/... 15-05-2017         13-06-2017

 

5.5.        No Quadro T das DAV identificadas no ponto anterior identificam-se as liquidações de ISV que incidiram sobre cada uma das viaturas nelas referidas, como a seguir se indicam (em conformidade com docs. nº 2 a 5 anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

DAV Nº LIQUIDAÇÃO ISV              DATA LIQUIDAÇÃO         MONTANTE       DATA PAGAMENTO

2017/... 2017/... 23-05-2017          1.796,56               24-05-2017

2017/... 2017/... 02-06-2017          2.983,37               07-06-2017

2017/... 2017/... 13-06-2017          1.382,35               13-06-2017

2017/... 2017/... 04-07-2017          1.497,83               06-07-2017

TOTAL   7.660,11              

 

5.6.        No Quadro R de cada uma das DAV identificadas no ponto anterior, está identificado o ISV que incidiu sobre a “Componente Cilindrada” (num total de EUR 8.549,39), a respectiva redução devida pelo número de anos de uso aplicável sobre aquela componente (num total de EUR 3.919,24) e o ISV que incidiu sobre a “Componente Ambiental”, sem qualquer redução (num total de EUR 3.029,06) (em conformidade com docs. nº 2 a 5 anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.7.        O Requerente pagou a totalidade do imposto de ISV nas datas indicadas no ponto 5.5., supra, em conformidade com o evidenciado no Quadro T de cada uma das referias DAV (em conformidade com docs. nº 2 a 5 anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.8.        A cada um dos veículos acima identificados foi atribuída uma matrícula nacional, pelo Instituto Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital Viação de Viana do Castelo, em conformidade com o evidenciado no Quadro M de cada uma das DAV acima identificadas nos pontos 5.4. e 5.5. (em conformidade com docs. nº 2 a 5 anexados pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida):

 

MARCA MODELO             ORIGEM              DAV Nº MATRÍCULA ATRIBUÍDA

...            ...            FR           2017/... ...

...            ...            FR           2017/... ...

...            ...            FR           2017/... ...

...            ...            FR           2017/... ...

 

5.9.        O Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, nas datas evidenciadas em cada uma das DAV, mas considera que as liquidações de ISV identificadas estão feridas de um vício de ilegalidade no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, por não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto naquela componente, em função da antiguidade do veículo, o que o Requerente calcula em

EUR 1.378,60.

 

5.10.      O Requerente apresentou, em 18-12-2020, junto da Alfândega do Freixieiro, um pedido de Revisão Oficiosa dos actos de liquidação de ISV identificados no ponto 5.5., supra, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT). requerendo a revisão das liquidações de ISV identificadas nos pontos anteriores, com fundamento em “(…) vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, visto a AT não contemplar a referida dedução [correspondente ao nº de anos de uso dos veículos] na determinação do quantum referente àquela componente”, requerendo “(…) a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT (…)” (em conformidade com doc. nº 7 anexado pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.11.      O mandatário do Requerente foi notificado, em 17-02-2021 (registo nº RF ... PT), do Ofício nº 2021..., de 12-02-2021, relativo ao projecto de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa apresentado, com base nos seguintes argumentos (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida):

 

5.12.      Através do mesmo Ofício foi o mandatário do Requerente notificado para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de audição (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.13.      O Requerente não apresentou qualquer direito de audição.

 

5.14.      O mandatário do Requerente foi notificado, em 21-05-2021 (registo nº RF ... PT), do Ofício nº 2021..., de 10-05-2021, relativo ao despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de ISV identificados, proferido pelo Senhor Director da Alfândega do Freixieiro, em 04-05-2021 (em conformidade com doc. nº 6 apresentado pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida), com base na seguinte proposta de conversão do Projecto de Decisão em Decisão Final:

 

5.15.      O Requerente apresentou, em 11-08-2021, o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas e o reembolso do montante de ISV que considera ter pago em excesso (EUR 1.378,60), acrescido de juros indemnizatórios.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.16.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

Dos factos não provados

 

5.17.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente veio peticionar que se proceda á anulação parcial dos actos de liquidação de ISV objecto do pedido porquanto entende que “(…) tais liquidações encontram-se feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, visto a AT não ter contemplado a (…) dedução na determinação do quantum referente àquela componente (AMBIENTAL)”, requerendo que este Tribunal decida “(…) pela anulação do ato tributário ora posto em crise, impondo-se a restituição do imposto indevidamente pago [no montante de EUR 1.378,60], acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT (…)”.

 

6.3.        Com efeito, no caso em análise, em resultado da apresentação das DAV para admissão em território nacional dos quatro veículos ligeiros de passageiros identificados no ponto 5.4., supra, foi liquidado ao Requerente, entre 23-05-2017 e 04-07-2017, o respectivo ISV no montante total de EUR 7.660,11, em conformidade com o acima detalhado no ponto 5.5.

 

6.4.        E, apesar do Requerente ter atempadamente pago o valor total do imposto liquidado pela Alfândega do Freixieiro, o Requerente não concordou com os valores de ISV respeitantes à componente ambiental que incidiram sobre cada uma das viaturas identificadas porquanto entende que deveria ter sido também aplicada, àquela componente ambiental, uma redução resultante do número de anos do veículo, à semelhança do que sucedeu com a componente cilindrada.

 

6.5.        Pela razão evidenciada no ponto anterior, o Requerente apresentou, em 18-12-2020, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV identificadas e, posteriormente, face ao indeferimento daquele pedido de revisão, apresentou este pedido de pronúncia arbitral, por entender que que se verifica “(…) a ilegalidade da liquidação, no que respeita ao cálculo da componente ambiental, uma vez que o artigo 11º do Código do ISV, que está na base da liquidação, viola o artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE)”.

 

6.6.        Nesta conformidade, cumpre analisar os pedidos formulados pelo Requerente no sentido de obter (i) a declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV identificados e a sua consequente anulação parcial, bem como a (ii) a restituição do total de imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios calculados, à taxa legal em vigor.

 

6.7.        A Requerida, na defesa por impugnação apresentada na Resposta alega os argumentos que haviam sido já apresentados em matéria de indeferimento do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado, de que as liquidações impugnadas “(…) foram efetuadas nos termos das normas do Código do Imposto sobre Veículos (…) tendo sido aplicadas as percentagens de redução previstas na Tabela A do artigo 7.º e na Tabela D do n.º 1 do artigo 11.º (…), não se encontrando prevista neste dispositivo qualquer redução, em função dos anos de uso, para a componente ambiental”, não podendo a Requerida “(…) por força do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), afastar norma de direito nacional, desaplicando-a com fundamento na sua desconformidade com norma do Direito da União, mormente com o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia”, “não lhe incumbindo, sob pena de violação do artigo 2.º da CRP, relativo ao princípio da separação de poderes, invocar e declarar a ilegalidade de normas do direito interno por as mesmas se revelarem incompatíveis com quaisquer normas ou princípios do Direito da União”, concluindo que “(…) estando (…) obrigada a aplicar a lei em vigor, em obediência ao princípio da legalidade, não poderia ter aplicado uma percentagem de redução à componente ambiental, não prevista na tabela D do n.º 1 do artigo 11.º do CISV”.

 

6.8.        E, no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, defende a Requerida que “(…) só haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios (…) depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (…)”, concluindo pela improcedência de ambos os pedidos.

 

6.9.        Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente de modo a decidir, face à posição da Requerida, a qual das Partes assiste razão sendo que, para este efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se as liquidações de ISV relativas às quatro viaturas usadas identificadas nos autos (ponto 5.4., supra) padecem ou não de ilegalidade parcial devendo, em caso afirmativo, mandar-se anular parcialmente aqueles actos tributários (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, deverão tais actos de liquidação de ISV ser integralmente mantidos na ordem jurídica, por não enfermarem da ilegalidade apontada pela Requerente.

 

6.10.      Face ao acima exposto, para apreciar a legalidade das liquidações efectuadas, em sede de ISV, importa dar resposta à questão de se saber se a legislação portuguesa vertida na redação do artigo 11º do Código do ISV, em vigor à data das liquidações de ISV aqui impugnadas (2017), está ou não em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE?

 

6.11.      Na análise que este Tribunal Arbitral irá efectuar será seguido, de muito perto, em tudo o que aqui seja aplicável, o teor das Decisões Arbitrais prolatadas no âmbito dos processos nº 572/2018-T, de 30-04-2019, nº 309/2020, de 30-11-2020 e nº 289/2021, de 02-11-2021, todas da signatária desta decisão.

 

Enquadramento prévio

 

6.12.      Em 2007, a tributação automóvel foi objecto de uma profunda reforma em Portugal, com a Lei n° 22-A/2007, de 29 de Junho, a abolir o Imposto Automóvel, o Imposto Municipal Sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem, dando lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e ao Imposto Único de Circulação (IUC), alterações que foram promovidas ao encontro das preocupações da União Europeia, tendo por objetivo a clarificação e a simplificação do sistema fiscal, reduzindo a carga fiscal aquando da aquisição do veículo e inserindo preocupações ambientais na graduação das taxas dos impostos em função das emissões de CO2.  

 

6.13.      Com efeito, com a introdução do ISV e do IUC, foi possível introduzir um elemento ambiental no cálculo do montante fiscal a pagar, em função, nomeadamente, do nível de emissões de CO2 emitidas pelo veículo e da cilindrada.

 

6.14.      Como é sabido, o ISV e o IUC regem-se pelo princípio da equivalência ou do poluidor-pagador, ou seja, é atribuído ao contribuinte a responsabilidade principal pelos custos ambientais causados, tendo como objectivo compensar os custos ambientais, em vez de fazer recair esta responsabilidade sobre os construtores de automóveis, que são os que responsáveis originários da poluição atmosférica, podendo afirmar-se que, em geral, a tributação automóvel inclui critérios de cariz ambiental nas diversas categorias de impostos, sendo que os impostos que incidem sobre os automóveis integram na sua base tributável aspectos ecológicos (tais como o fator de emissão de CO2 e o tipo de combustível), destinados a influenciar o consumo das pessoas e a serem mais selectivos nas suas escolhas.    

 

6.15.      Em termos gerais, e tendo em consideração que as liquidações em crise ocorreram entre Maio e Julho de 2017, de acordo com o disposto no Código do ISV (na versão em vigor à data das liquidações em crise):

 

6.15.1.  Estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1);

6.15.2.  “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” (artigo 5º do Código do ISV), sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional” (sublinhado nosso);

6.15.3.  “O imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos; (b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares” [artigo 6º, nº 1, alíneas a) e b)], sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3) (sublinhado nosso);

6.15.4.  “A introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)” (artigo 17º, nº 1), sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV” (sublinhado nosso);

6.15.5.  “Os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos (artigo 20º, nº 1), sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar;

6.15.6.  As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados (artigos 7º a 11º).

 

6.16.      Assim, e no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

 

6.17.      Ao que a este caso interessa, ou seja, o cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV na redação em vigor à data das liquidações aqui parcialmente impugnadas (2017) dispunha que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)” (sublinhado nosso).

 

6.18.      E, a tabela D constante do artigo 11º referido no ponto anterior dispunha as seguintes percentagens de redução aplicáveis à componente cilindrada:

TABELA D

 

Direito Nacional e Direito da União Europeia - Breve resenha histórica

 

6.19.      Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados, tendo essa legalidade sido, desde muito cedo, questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entidade entendia que as normas portuguesas, então vigentes, não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma.

 

6.20.      Ora, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.  

 

6.21.      Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso.

 

6.22.      Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

 

6.23.      Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um Estado membro aplicar aos veículos usados importados de outro Estado membro um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.24.      Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência têm entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.25.      Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um Estado membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.26.      Mais se considerou que, quando um Estado membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.27.      Assim, pode afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso “Gomes Valente” abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.

 

6.28.      Por outro lado, refira-se ainda que, em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia porquanto, o referido Acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.29.      Adicionalmente, considerou-se que os Estados membros têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se, por outro, as formas que vierem a revestir sejam de modo a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das “importações” provenientes dos outros Estado membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

 

6.30.      Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros Estado membros do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um Estado membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado membro é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

 

6.31.      Recorde-se que em 2009, o TJUE em processo que opôs a Comissão Europeia à Finlândia, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.32.      Ora, no caso nacional, tendo em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem era considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016.

 

6.33.      Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).

 

6.34.      Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum Estado membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.

 

6.35.      Em matéria de interpretação deste artigo, face aos direitos nacionais, já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão, nos mercados nacionais, de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.

 

6.36.      Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além do entendimento da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que vai sendo produzida pelo TJUE.

 

6.37.      E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV (em concreto, o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de (sublinhado nosso):

 

“O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

 

6.38.      Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro Estado membro, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016, visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.39.      E, nestes termos, foi o legislador nacional forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, tendo o artigo 11º do Código do ISV passado a ter a redação acima já transcrita, a qual estava em vigor no período em que ocorreram as liquidações de ISV objecto do pedido.

 

6.40.      Assim, foi de novo excluída da redação do referido artigo 11º do Código do ISV a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental daquele imposto.

 

6.41.      Nestes termos, à data a que as liquidações foram efectuadas (entre 23-05-2017 e 04-07-2017) os contornos da legislação nacional ignoravam, na Tabela D do nº 1 do artigo 11º do Código do ISV, o previsto no artigo 110º do TFUE, bem como a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este normativo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo a que possa ter, em caso algum, efeitos discriminatórios.

 

6.42.      Adicionalmente, e em conformidade com o acima analisado, refira-se que com a alteração legislativa verificada em 2016 (com a Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro), com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017, e à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental.

 

6.43.      Ora, a situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados admitidos em território nacional, provenientes de outros Estados membros, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.

 

6.44.      Neste âmbito, a Comissão voltou a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados admitidos em território nacional, provenientes de outros Estados membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional e, nessa medida, instaurou junto do TJUE, em 23-04-2020, uma acção contra o Estado Português, requerendo àquele Tribunal de Justiça “(…) que declare que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.45.      Face ao peticionado pela Comissão, o TJUE já se pronunciou em 02-09-2021, no âmbito do referido processo, tendo aquele Tribunal apreciado a matéria no sentido de “43. (…) recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 59). 44. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57). 45. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 60). 46. Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º TFUE. 47. Em seguida, a República Portuguesa alega, em substância, que a componente ambiental do imposto em causa constitui, na realidade, um imposto autónomo, distinto da componente deste imposto calculada em função da cilindrada do veículo em causa. 48. A este respeito, importa observar que, no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, e em qualquer caso, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional. 49. Por outro lado, importa salientar que, embora, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 34)” (sublinhado nosso).

 

6.46.      E, em consequência, conclui o TJUE que “51. (…) ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.47.      Assim, entende este Tribunal Arbitral que o disposto no artigo 11º do Código do ISV, nas datas em que se efectuaram as liquidações de ISV aqui impugnadas, estava em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE, pelos motivos acima expostos.

 

6.48.      Nestes termos, reitera-se a conclusão de que as liquidações de ISV objecto do presente pedido arbitral padecem de ilegalidade, na parte em que não foi considerada a redução de imposto sobre a componente ambiental, impondo-se a sua anulação parcial.

 

6.49.      Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.9., porquanto se entende que a legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV, na redação em vigor nas datas em que as liquidações aqui impugnadas foram efectuadas (em 2017), não está em conformidade com o disposto no direito da União Europeia, designadamente no artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente os actos tributários de ISV objecto do pedido arbitral, em conformidade com a posição defendida pelo Requerente, porquanto os mesmos padecem de ilegalidade na parte em que não foi considerada aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, de acordo com o disposto naquele artigo 110º do TFUE.

 

6.50.      Em consequência, será também de anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISV agora parcialmente anuladas.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.51.      Nos casos em que “(…) a decisão a proferir não admitir recurso judicial ordinário no respectivo direito interno (e a questão for necessária e pertinente para a solução do caso concreto), então o órgão jurisdicional nacional é obrigado a submeter a questão prejudicial ao TJUE”, podendo esta obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

 

6.52.      Ora, analisadas as matérias em presença e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, porquanto, no caso concreto, estão preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE.

 

6.53.      Com efeito, por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro e, por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada nos pontos anteriores) que não deixa dúvidas de interpretação do alcance do normativo da UE com o qual o normativo nacional deverá ser concordante.

 

6.54.      Nestes termos, entendeu este Tribunal Arbitral que não haver fundamento para, oficiosamente, proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.55.      A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial das liquidações de ISV identificadas no processo, o Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de ISV cobrado em excesso (EUR 1.378,60), calculados desde a data do pagamento deste imposto.

 

6.56.      Neste âmbito, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.57.      Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).  

 

6.58.      Nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1 da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.59.      Nos processos arbitrais tributários pode, nos termos do disposto nos artigos 43º, nº 1 da LGT, haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, “(…) quando se determine, em (…) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” sem que neste número seja definido o momento a partir do qual são os mesmos devidos.

 

6.60.      Contudo, o nº 3, alínea c) do referido artigo 43º da LGT consagra que também são devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.

 

6.61.      Ora, em casos como o aqui em análise (pedido de revisão oficiosa seguido de impugnação judicial), a orientação jurisprudencial consolidada pelo STA, tem sido a que a seguir se transcreve (e que, em parte, a Requerida refere no sua Resposta):

 

“(…) dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3, que são também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em (…) nada fez (…) até que (…) apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário. Entre (…)e (…) decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação. O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir. (…). É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte (…)” concluindo que “pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (…) e vindo o acto a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido (…)” (sublinhado nosso).

 

6.62.      Nestes termos, face ao acima exposto, no caso em análise, dado que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pelo Requerente em 18-12-2020 e decidido (desfavoravelmente) por despacho datado de 04-05-2021, não tendo assim decorrido mais de um ano após a apresentação do mesmo, verifica-se que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, indeferindo-se o respectivo pedido de pagamento de juros.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.63.      Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito sendo que, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.64.      Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas no processo, bem como o reembolso ao Requerente da quantia total de ISV suportada em excesso, no montante de

EUR 1.378,60;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.3.     Determinar a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV agora parcialmente mandadas anular;

7.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo;

7.1.5.     Mandar notificar o Ministério Público, nos termos e âmbito do disposto no artigo 280º da CRP e do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do teor desta decisão arbitral.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 1.378,60.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Dezembro de 2021

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira