Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 487/2017-T
Data da decisão: 2018-09-06  IRC  
Valor do pedido: € 2.476.120,02
Tema: IRC - menos-valias; cobertura de prejuízos; renúncia a suprimentos; vendas a partes em situação de relações especiais.
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Decisão Arbitral

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), João Taborda da Gama e Luís M. S. Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

  1. Relatório

1. A..., SA, NIPC ..., atualmente com sede na ..., ..., ..., ..., ..., ...-... – ... vem, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, em cumulação de pedidos, tendo por objecto imediato o indeferimento de duas reclamações graciosas (uma referente ao ano de 2012 e outra aos anos de 2013 e 2014) e objecto mediato as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, no montante total de € 2.476.120,02, a seguir indicadas:

  1. Liquidação adicional n.º 2016..., referente ao exercício de 2012, no montante total de € 1.284.652,65, sendo € 1.155.604,84 de imposto e € 129.047,81 de juros compensatórios;
  2. Liquidação adicional n.º 2016..., referente ao exercício de 2013, no montante total de € 900.686,68, sendo € 817.718,07 de imposto e € 82.968,61 de juros compensatórios;
  3. Liquidação adicional n.º 2016..., referente ao exercício de 2014, no montante total de € 290.780,69, sendo € 279.117,11 de imposto e € 11.663,58 de juros compensatórios;

2. O Requerente apresentou, em 01/09/2017, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 identificadas, no montante total de € 2.476.120,02, com as demais consequências legais.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. As partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23 de Novembro de 2017.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese:

A- Quanto à operação de venda das acções da B...

  1. Que a AT não apresenta um único facto que permita sustentar que a renúncia ao recebimento dos suprimentos por parte da A... visou objectivos estranhos ao seu próprio interesse empresarial em termos que permitam sustentar a pretendida não verificação do requisito da indispensabilidade do gasto previsto no artigo 23.º do CIRC;
  2. Para a Requerente, esta operação, incluindo a renúncia ao crédito, não teve nem poderia ter subjacente qualquer intuito de liberalidade ou de beneficiar gratuitamente fosse quem fosse, nem foram intuitos meramente fiscais que a justificaram, sendo que se a AT pretendia desconsiderar a operação teria a possibilidade de utilizar o mecanismo anti-abuso previsto no artigo 38.º n.º 2 da Lei Geral Tributária, o que manifestamente não lhe interessou fazer;
  3. Argumenta em sua defesa a situação de crise instalada no tecido empresarial, mormente no se referiu à actividade imobiliária, a partir de 2009/2010, com elevados prejuízos acumulados e consequente dificuldades de acesso ao crédito e com o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais a impor medidas de injecção de crédito, pelo que tudo conjugado levou a que a A... só tivesse como saída alienar a sua participada B... e, para esse efeito, teve que utilizar os meios que tinha ao seu dispor entre os quais a utilização do crédito de suprimentos que detinha sobre a mesma;
  4. Segundo a Requerente, a alternativa era seguramente a perda desse crédito e a perda da própria empresa sem qualquer contrapartida, termos em que uma opção deste tipo não pode deixar de ser qualificada como uma decisão aceitável do ponto de vista empresarial e, como consequência, absolutamente justificável e enquadrável no conceito de “custo” a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC;
  5. Argumenta a Requerente que a alienação das acções da B... foi precedida de duas avaliações por peritos independentes registados na CMVM, que fixaram o valor médio da empresa em cerca de 16 Milhões de euros, sendo que neste valor estava considerada a cobertura de prejuízos;
  6. Quanto ao fundamento invocado no RI para sustentar as correcções com base no duplo aproveitamento dos mesmos prejuízos, invocando a jurisprudência, mormente o Acórdão do STA de 18.06.2013, proc. 01265/12, uma vez que a A... deduziu os custos das menos-valias e a B..., além de beneficiar da renúncia aos suprimentos, teria ainda direito a deduzir os prejuízos fiscais de anos anteriores cobertos pela A..., a Requerente argumenta que a situação dos autos é diferente na visada no referido acórdão, porquanto o n.º 8 do invocado artigo 52.º do CIRC, redacção em vigor em 2012, impedia que a B... deduzisse os prejuízos fiscais de anos anteriores uma vez que se verificou a alteração da titularidade de mais de 50% do seu capital social;
  7. A Requerente contesta ainda o entendimento defendido pela Requerida quanto ao sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC, invocando a seu favor designadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 13.09.2013, processo 00595/06.5BEPNF, que versou uma situação tributária muito semelhante à que constitui o objeto da presente impugnação, onde se consignou que “é ilegal e deve ser anulada a parte da liquidação adicional resultante da não admissão do custo correspondente à menos valia contabilizada na cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados (no caso versado neste acórdão a renuncia tinha sido parcial), se dos seus fundamentos resulta que não levou em conta nem a relação entre o negócio subjacente e o escopo societário nem indagou e avaliou as circunstâncias que o determinaram”;

B- Quanto à operação de venda aos administradores da ora impugnante das suas participações no capital social da C...

Contesta a argumentação do RI, uma vez que toda a fundamentação para suportar as correcções propostas na situação em análise se reconduz à invocação de manobras de planeamento fiscal, afastando completamente a análise dos requisitos da indispensabilidade dos custos a que se refere o artigo 23.º do CIRC e que a propósito de outra situação já havia invocado;

  1. Ao contrário do sugerido ou afirmado pela AT, as operações desenvolvidas antes e depois de 2005 pela sociedade “D..., SA” ao ter adquirido património imobiliário, pela C... depois desse ano alienando esse património e mais recentemente pela A... com a alienação em 2012 das acções de que era detentora, foram, na tese da Requerente, operações normais de empresas cujo objecto social é a obtenção do lucro e cujos deveres passam, entre outros, pela gestão adequada do seu património;
  2. Argumenta que a AT não vai além de suposições de que tudo não passou de uma operação de planeamento fiscal abusivo mas não apresenta qualquer facto que sequer permita instalar a dúvida fundada de que se está perante um caso de obtenção indevida de vantagens fiscais, insurgindo-se, designadamente, contra as conclusões que a AT pretende extrair do RI, mormente sobre a formação artificial do preço de venda das acções;
  3. Contesta o apelo feito no RI ao mecanismo antiabuso resultante da conjugação do artigo 23.º n.º 5 com a alínea c) do n.º 4 do artigo 63.º, igualmente do CIRC (redacção em vigor em 2012), sendo que o relatório de inspeção não indagou, nem apresentou, nem provou os pressupostos para que a referida norma antiabuso pudesse ser aplicada à situação em apreço.
  4. Segundo a Requerente, a lei fiscal não impede nem poderia impedir, sob pena de grave intromissão, de entrave ao desenvolvimento económico e de inaceitável discriminação entre operadores económicos, que haja relações económicas entre entidades ligadas pelas ditas “relações especiais", mormente entre as próprias sociedades comerciais e os detentores do seu capital, com os membros dos seus órgãos sociais e respetivos familiares, entre grupos económicos, entre as variadas situações tipificadas no citado n.º 4 do artigo 63.º do CIRC;
  5. O que se pretende evitar com a referida norma antiabuso – o que é totalmente justificável para proteger a sã concorrência entre operadores, seja no plano económico seja no plano tributário – é que nas relações económicas a que haja lugar não sejam acordadas condições diferentes daquelas que se praticariam no mercado entre operadores independentes e que nada têm a ver uns com os outros;
  6. Argui a inconstitucionalidade da presunção estabelecida na alínea c) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC quando, conjugada com o n.º 5 do artigo 23.º do mesmo Código, determine que a alienação de acções aos membros dos órgãos sociais da alienante envolve sempre uma situação fiscal abusiva dispensando a AT de efectuar qualquer prova nesse sentido e impedindo os interessados de provarem o contrário, porque conducente a uma presunção inilidível violadora do princípio da legalidade e também da capacidade contributiva;
  7. Invoca a seu favor sobre o conceito de “relações especiais” como é o caso, por exemplo, do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 17.03.2016, proc. 04412/10 e o recente Acórdão n.º 211/2017, de 2 de Maio, do Tribunal Constitucional, que veio reafirmar a inconstitucionalidade material das presunções legais absolutas ou inilidíveis, por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CR e do seu corolário da capacidade contributiva.

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese:

A- Quanto à alienação ao Fundo de investimento imobiliário (fechado) E... da participação representativa da totalidade do capital social da B... dividido em 200.000 acções:

  1. Que “a Requerente apurou, em resultado das operações de alienação das acções da B... e da renúncia aos suprimentos, uma menos-valia contabilística de € 14.227.622,89 e uma menos-valia fiscal de € 15.311.604,39, tendo influenciado a determinação do lucro tributável em 50% do seu valor, i.e., em € 7.655.802,20, por força do disposto no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC.
  2. “(…) A Requerente procedeu ao cálculo da menos-valia, como se o custo de aquisição das acções integrasse, além do seu valor originário, o valor suprimentos prestados e anulados anteriormente à alienação, que ascendiam a € 13.413.685,39 (incluindo juros vencidos), tendo, deste modo, apurado uma perda global de € 14.227.622,89.
  3. “Todavia (…), previamente à alienação das acções, a Requerente renunciou ao reembolso dos suprimentos, nos termos da deliberação da Assembleia Geral da B..., o que significa que anulou o valor do crédito inscrito no activo, portanto, não poderia ter adicionado tal valor ao custo de aquisição originário das acções alienadas.
  4. “Por isso, a IT entendeu que houve duas operações distintas, ainda que interrelacionadas, cujos efeitos tributários impõem uma análise dissociada: por um lado, a perda patrimonial provocada pela decisão de renúncia aos suprimentos deve ser sujeita ao crivo do requisito da indispensabilidade exigido pelo corpo do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC; e, por outro, a menos-valia apurada na transmissão onerosa das acções deve ser subsumida no regime aplicável às mais-valias e menos- valias realizadas previsto nos artigos 46.º a 48.º e 45.º, n.º 3, do mesmo Código.”
  5. Contesta a opção da Requerente “de renunciar ao reembolso dos suprimentos e proceder concomitantemente à anulação do crédito sobre a B..., o que redundou, em substância, num perdão de dívida, porquanto, não se verificou a conversão do crédito em entrada adicional para o capital próprio e, portanto, não se alterou o montante do investimento financeiro constituído pelo custo de aquisição originário das acções.” 
  6. “Em contrapartida, na sociedade B... operou-se a anulação de uma dívida (passivo) e o reconhecimento de um rendimento ou de uma variação patrimonial positiva correspondente ao perdão de dívida, que compensou os prejuízos acumulados na conta de Resultados Transitados”. 
  7. Contesta ainda a alegação da Requerente de que o valor da B... foi único e resultou da valorização efectiva por peritos independentes e que as partes se limitaram a acomodar os dados ao seu dispor para concretizar a operação. Não só o preço efectivamente praticado e pago pelo Fundo Imobiliário Fechado E..., de € 10.640.000, respeita unicamente às acções, como apresenta um elevado desvio relativamente ao valor médio de €16.120.500, resultante das duas avaliações, tendo a parte vendedora ainda assumido a perda dos suprimentos.
  8. “Tal como é afirmado no RIT ”É necessário ter presente que os suprimentos constituem para a A... um activo, e renunciar ao seu reembolso equivale, na prática, a abdicar de um direito, com o mesmo efeito que teria a renúncia a qualquer outro bem do activo, e que se traduz numa perda patrimonial. Uma situação é o destino que lhes foi dado pela B... (cobertura de prejuízos); outra situação é o impacto que esta decisão tomada pela A..., que é accionista única, provocou nas suas próprias demonstrações financeiras, e se traduziu numa perda, com reflexos na diminuição dos resultados contabilístico e fiscal (em 50%).”
  9. “Assim sendo, a perda provocada pela renúncia ao reembolso dos suprimentos não preenche os requisitos legais para a sua dedutibilidade enunciados no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, designadamente o da indispensabilidade, pois que a mesma foi suportada em benefício de terceiros – o adquirente das acções e a B...”.

 

B- Quanto à Venda pela Requerente da participação detida na C...:

  1. Alega a Requerida que “Os cinco contratos de compra e venda das acções representativas da totalidade do capital social (dividido em 10.000 acções) da C... foram celebrados em 30.11.2012, tendo como adquirentes os administradores da Requerente, sendo que um deles adquiriu 89,98% das acções por € 31.493,00, dois adquiriram 5%, por € 1.750,00 e os restantes dois 1 acção cada um por € 3,50.
  2. “As operações efectuadas entre a sociedade – a Requerente – e os seus administradores revela que quem decidiu a sua realização actuou na dupla qualidade de vendedor e de comprador, situação que denuncia a falta de independência da fixação dos termos e condições em negociação, daí que o n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC considere a existência de relações especiais entre “Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes”.
  3. Segundo a Requerida “esta operação gerou, na esfera da Requerente, uma menos-valia contabilística de € 6.306.062,67 (€ 6.341.062,67 – € 35.000,00) e uma menos-valia fiscal de € 7.130.400,82, tendo influenciado a determinação do lucro tributável em 50%, i.e., em € 3.565.200,41, por força do disposto no n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC.
  4. Ora a norma do n.º 5 do artigo 23.º, na redacção à data dos factos, dispunha que: “Não são, igualmente, aceites como gastos do período de tributação, os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, bem como as menos-valias resultantes de mudanças no modelo de valorização relevantes opara efeitos fiscais, nos termos do n.º 9 do artigo 18.º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) dl n.º 9 deste artigo.”
  5. A seu favor, invoca a Requerida o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 08/01/2014, proc.º n.º 0437/13 e na linha de anterior jurisprudência (cf. acórdão do STA de 11/02/2009, Processo n.º 862/08) que decidiu que:

«II - Na aplicação do então n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC ao caso dos autos não há que ponderar se as condições observadas nas transmissões onerosas que deram lugar às variações patrimoniais negativas eram idênticas ou diversas das que seriam praticadas entre entidades independentes, pois que «(…) para a aplicação da norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, é inócua ou irrelevante a circunstância, «de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes», pois que esta norma não inclui na sua previsão «essas condições», antes, estatui, sem mais, a não-aceitação «como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de capital social» para entidades com as quais haja “relações especiais”.

III - Tal aplicação do então n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não se afigura violadora da Lei Fundamental ou dos princípios da proporcionalidade e da necessidade.»

  • Contra a argumentação da Requerente no sentido de se tratar de presunção inilidível violadora do princípio da legalidade e também da capacidade contributiva e consequentemente afastada quer pela CRP quer pelo art.º 73.º da LGT, a Requerida invoca a jurisprudência do Tribunal Constitucional – Acórdão N.º 753/2014.

6. Por não haver razões que o justificassem, o Tribunal, por despacho de 4 de Fevereiro de 2018, dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo.

7. Na mesma data foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:

“1. Na sequência do requerido no final do pedido arbitral sobre a prova testemunhal veio o SP, além da já nomeada, indicar as testemunhas F..., NIF ... e G..., NIF ... .

2. Em contraditório veio a Entidade requerida opor-se por no artigo 552.º, n.º 2, do CPC se exigir a apresentação do rol de testemunhas com a Petição.

3. Para além de o mesmo preceito admitir a alteração do requerimento probatório, após a apresentação da contestação,  nos termos do disposto no artigo 598.º, n.º 2, do mesmo normativo, "o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final".

4. Termos em que se defere o requerimento do SP.               

Deste despacho notifiquem-se ambas as partes.”  

8. A audiência de julgamento teve lugar no dia 23 de Fevereiro pelas 10 horas, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.

O Tribunal notificou ambas as partes para alegações escritas e sucessivas no prazo de 15 dias e designou o dia 23 de Maio de 2018 para prolação da decisão arbitral.

A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, reiterando, no essencial, os argumentos de direito apresentados nas anteriores peças processuais. 

9. No dia 19 de Maio de 2018, foi proferido despacho a fixar como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 23 de Julho de 2018.

No dia 21 de Julho de 2018, foi proferido novo despacho, fixando como data limite para ser proferida a decisão o dia 23 de Setembro de 2018. 

  1. Saneamento

10.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

10.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

10.3. Admite-se a cumulação de pedidos relativamente às liquidações adicionais indicadas, não obstante a presente impugnação ter por objeto imediato duas reclamações graciosas, uma vez que o seu objecto mediato são liquidações adicionais de IRC lançadas com base na mesma fundamentação. Em suma a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

10.4. O processo não enferma de nulidades.

10.5. Não foram suscitadas exceções.

10.6. Não se verificam circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

  1. Mérito

III.1. Matéria de facto

11. Factos provados

11.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A- Quanto à operação de venda das acções da B...

Em cumprimento da Ordem de serviço n.º OI2015..., de 2015/08/12, com despacho de 2015/08/13 e nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º1 e n.º 2, alínea a) e 12.º, n.º 1, ambos do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira (RCIPTA), foi accionado um procedimento de inspecção externo ao sujeito passivo A..., SA., (A...);    

  1. A A... encontra-se descrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa-... seção, e tem por objeto a “compra, venda ou arrendamento de bens imóveis e a realização, promoção e gestão de urbanizações, bem como a construção, promoção, comercialização e gestão de edifícios ou parte deles e ainda atividades de consulta e planeamento urbanístico e direção e fiscalização de obras e empreitadas. A sociedade poderá ainda dedicar-se à revenda de bens imóveis adquiridos para esse fim e à compra e venda de participações sociais em sociedades com igual ou diferente objeto”;    
  2. A liquidação adicional referente ao exercício de 2012 resulta de uma correcção à matéria colectável declarada deste exercício no montante de € 9.256.994,74;
  3. Este acréscimo da matéria colectável teve por base os seguintes valores (em euros) (Vd. RI mormente o quadro resumo apresentado na sua página 78):

Lucro tributável declarado ……………………………….. 26.755.935,85

A acrescer:

  1. De menos valias fiscais – suprimentos B... : 6.706.842,70
  2. De menos valias fiscais – participações C...: 3.565.200,41

Total a corrigir ……………………………………………. 10.272.043,11

Lucro tributável corrigido ………………………………... 37.027.978,96

Prejuízos fiscais permitidos deduzir ……………………… 27.770.984,22

Matéria colectável corrigida ……………………………. 9.256.994,74

  1. Estas correcções tiveram repercussão nos exercícios de 2013 e 2014 (…), tendo sido desconsiderados prejuízos fiscais que tinham sido deduzidos pela ora impugnante que deram origem a correcções de, respectivamente, € 4.675.875,52 e € 1.733.646,65;
  2. Na página 14 do RI os números da compra e venda das acções da B... e como se apurou a menos valia, são os seguintes:

Custo de aquisição das acções em 2005: € 11.453.937,50;

Preço de venda das acções em 2012: € 10.640,000,00

Valor dos suprimentos que a A... detinha na B... : € 13.413.685,39;

Menos-valia contabilística: €-14.227.622,89;

  1. Em 27 de julho de 2012, foi celebrado um contrato de compra e venda de acções entre a A... e a B..., enquanto primeiras outorgantes, e o Fundo de Investimento E..., segundo outorgante, através do qual, entre outras operações, a A... vende ao E..., pelo preço de € 10.640.000,00, as 200.000 acções de que era detentora e que representavam 100% do capital social da dita B...;
  2. Por força desta operação o E... ficou a ser o detentor da totalidade da capital social da B...;
  3. No âmbito de operação da venda foi deliberado um aumento de capital reservado ao novo accionista E... e mais foi deliberado renunciar ao reembolso dos suprimentos a fim de cobrir os prejuízos acumulados;
  4. Do contrato de compra e venda das acções e da acta n.º 22 da ora impugnante, documentos 29 e 30 anexos ao RI (Juntos à PI como doc n.º 4), resulta que a B... tinha um prejuízo acumulado de € 14.507.395,97 e que a participante A... decidiu reduzir esse prejuízo para € 1.093.710,58 através da renúncia aos suprimentos de que era detentora no montante de € 13.413.685,39;
  5. Como consequência das operações descritas, foi gerada uma menos-valia contabilística de € 14.227.622,89 e uma menos-valia fiscal de € 15.311.604,39 (justificando a diferença de valores com a aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária), valor este que influenciou o resultado tributável declarado em € 7.655.802,20, isto é, em 50% do referido quantitativo da menos-valia fiscal (RI);
  6. A renúncia aos suprimentos foi deliberada por assembleia geral da B..., com a presença da accionista única, a ora impugnante A..., devidamente representada, que teve lugar no dia 18 de Julho de 2012, conforme a acta n.º 22 da mesma data, convocada, conforme a respetiva ordem do dia, para: i) “decidir sobre a cobertura dos prejuízos (resultados transitados negativos) da Sociedade; ii) “decidir sobre o aumento de capital de um milhão de euros para sessenta e um milhões de euros mediante entradas em dinheiro de até sessenta milhões de euros e subscrição de até doze milhões de novas ações ordinárias ao valor nominal de cinco euros cada uma”; e iii) “decidir sobre a alteração do artigo quinto do Contrato de Sociedade”;
  7. Resulta igualmente da referida acta (Vd. ponto um da ordem de trabalhos) que a accionista única, verificando das últimas Demonstrações Financeiras aprovadas a existência de € 14.507.395,97 de prejuízos sociais acumulados / resultados transitados negativos, decidiu proceder à redução dos mesmos para € 1.093.710,58 mediante a respectiva cobertura pelo montante de € 13.413.685,39, valor este que a accionista única detinha como crédito sobre a B... a título de suprimentos;
  8. A alienação das acções da B... foi precedida de duas avaliações por peritos independentes registados na CMVM (doc n.º junto pela Requerente);
  9. A A... vendeu 200.000 acções que representavam 100% do Capital Social da Participada, pelo Preço de €. 10.640.000,00, estando prevista no Contrato a revisão do Preço, no valor de € 5.490.000,00, logo que o Projecto de Loteamento, respeitante a toda a área do Núcleo de Desenvolvimento Turístico Nascente da ..., seja aprovado pela Câmara Municipal de ...;

B- Quanto à operação de venda da C... aos administradores da Requerente

  1. Alega a Requerente que a AT não apresenta um único facto que permita sustentar que a renúncia ao recebimento dos suprimentos por parte da A... visou objectivos estranhos ao seu próprio interesse empresarial em termos que permitam sustentar a pretendida não verificação do requisito da indispensabilidade do gasto previsto no artigo 23.º do CIRC;
  2. Para a Requerente esta operação, incluindo a renúncia ao crédito, não teve nem poderia ter subjacente qualquer intuito de liberalidade ou de beneficiar gratuitamente fosse quem fosse, nem foram intuitos meramente fiscais que a justificaram, sendo que se a AT pretendia desconsiderar a operação teria a possibilidade de utilizar o mecanismo anti-abuso previsto no artigo 38.º n.º 2 da Lei Geral Tributária, o que manifestamente não lhe interessou fazer;
  3. A Requerente argumenta em sua defesa a situação de crise instalada no tecido empresarial, mormente no se referiu à actividade imobiliária, a partir de 2009/2010, com elevados prejuízos acumulados e consequente dificuldades de acesso ao crédito e com o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais a impor medidas de injecção de crédito, pelo que tudo conjugado levou a que a A... só tivesse como saída alienar a sua participada B... e, para esse efeito, teve que utilizar os meios que tinha ao seu dispor entre os quais a utilização do crédito de suprimentos que detinha sobre a mesma;
  4. Segundo a Requerente a alternativa era seguramente a perda desse crédito e a perda da própria empresa sem qualquer contrapartida, termos em que uma opção deste tipo não pode deixar de ser qualificada como uma decisão aceitável do ponto de vista empresarial e, como consequência, absolutamente justificável e enquadrável no conceito de “custo” a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC;
  5. Argumenta a Requerente que a alienação das acções da B... foi precedida de duas avaliações por peritos independentes registados na CMVM, que fixaram o valor médio da empresa em cerca de 16 Milhões de euros, sendo que neste valor estava considerada a cobertura de prejuízos;
  6. Quanto ao fundamento invocado no RI para sustentar as correcções com base no duplo aproveitamento dos mesmos prejuízos, invocando a jurisprudência, mormente o Acórdão do STA de 18.06.2013, proc. 01265/12, uma vez que a A... deduziu os custos das menos valias e a B..., além de beneficiar da renúncia aos suprimentos, teria ainda direito a deduzir os prejuízos fiscais de anos anteriores cobertos pela A..., a Requerente argumenta que a situação dos autos é diferente na visada no referido acórdão, porquanto o n.º 8 do invocado artigo 52.º do CIRC, redacção em vigor em 2012, impedia que a B... deduzisse os prejuízos fiscais de anos anteriores uma vez que se verificou a alteração da titularidade de mais de 50% do seu capital social;
  7. A Requerente contesta ainda o entendimento defendido pela Requerida quanto ao sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC invocando a seu favor designadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 13.09.2013, processo 00595/06.5BEPNF, que versou uma situação tributária muito semelhante à que constitui o objeto da presente impugnação, onde se consignou que “é ilegal e deve ser anulada a parte da liquidação adicional resultante da não admissão do custo correspondente à menos valia contabilizada na cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados (no caso versado neste acórdão a renuncia tinha sido parcial), se dos seus fundamentos resulta que não levou em conta nem a relação entre o negócio subjacente e o escopo societário nem indagou e avaliou as circunstâncias que o determinaram”;
  • A A... adquiriu, entre 2005 e 2007, pelo preço de € 6.341.062,67, as acções da sociedade comercial “D..., SA”, sociedade esta que em 2007 passou a ter a designação de “C..., SA (RI);
  • Em 31 de Dezembro de 2005 a antecedente da C..., a dita D..., prometeu alienar a totalidade do seu património imobiliário ao E..., pelo preço de € 6.350.000,00, tendo o contrato definitivo sido celebrado em 31 de Janeiro de 2006 (RI);
  • Integravam o conselho de administração da A..., no quadriénio 2011-2014, conforme certidão permanente:
  • H...;
  • I...;
  • J...;
  • K...;
  • L... .
  1. Através de contratos celebrados em 30 de Novembro de 2012, a A... vendeu aos seus administradores, pelo preço total de € 35.000,00, as 10.000 acções representativas da totalidade do capital social da referida C..., a saber:
  • Um lote de 8.998 acções a H... pelo preço de € 31.493,00;
  • Um lote de 500 acções a I..., pelo preço de € 1.750,00;
  • Um lote de 500 acções a J..., pelo preço de € 1.750,00;
  • Uma acção a K..., pelo preço de € 3.50 e
  • Uma acção a L..., pelo preço de € 3,50;
  1. Segundo o RI, na sequência desta alienação gerou-se uma menos-valia contabilística de € 6.306.062,67 e uma menos-valia fiscal de € 7.130.400,82 (este valor está corrigido pelos coeficientes de correcção monetária) que foi deduzida em 50% na linha 769 do quadro 07 da declaração modelo 22, isto é, por € 3.565.200,41, menos valia esta que foi desconsiderada ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º em conjugação com a alínea c) do n.º 4 do artigo 63.º, ambos do CIRC, e objecto de correcção na matéria tributável de 2012, com consequências em 2013 e 2014.

11.2. Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base a análise crítica da posição assumida pelas partes, os documentos juntos pela Requerente e não contestados e o Processo instrutor.

A prova testemunhal produzida na audiência não alterou a convicção do tribunal formada pela análise do Relatório de Inspeção e documentos juntos pela Requerente.

 12. Inexistem factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

III.2. Matéria de Direito

III.2.1. Existem duas questões a dilucidar no presente processo:

(A) o tratamento tributário das menos-valias geradas na operação de venda da totalidade das acções da B... ao Fundo E...;

(B) o tratamento tributário das menos-valias geradas na operação de venda da totalidade das acções da C... aos administradores da Requerente.

  • O tratamento das menos-valias geradas na operação de venda da totalidade das acções da B... ao Fundo E...

Como acima se referiu, a Requerida entende que a menos-valia realizada com a venda das ações da B... não é dedutível. Sustenta que “houve duas operações distintas, ainda que interrelacionadas, cujos efeitos tributários impõem uma análise dissociada: por um lado, a perda patrimonial provocada pela decisão de renúncia aos suprimentos deve ser sujeita ao crivo do requisito da indispensabilidade exigido pelo corpo do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC; e, por outro, a menos-valia apurada na transmissão onerosa das acções deve ser subsumida no regime aplicável às mais-valias e menos- valias realizadas previsto nos artigos 46.º a 48.º e 45.º, n.º 3, do mesmo Código”. A Requerida contesta a opção da Requerente “de renunciar ao reembolso dos suprimentos e proceder concomitantemente à anulação do crédito sobre a B..., o que redundou, em substância, num perdão de dívida, porquanto, não se verificou a conversão do crédito em entrada adicional para o capital próprio e, portanto, não se alterou o montante do investimento financeiro constituído pelo custo de aquisição originário das acções.” Concluindo que “assim sendo, a perda provocada pela renúncia ao reembolso dos suprimentos não preenche os requisitos legais para a sua dedutibilidade enunciados no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, designadamente o da indispensabilidade, pois que a mesma foi suportada em benefício de terceiros – o adquirente das acções e a B...”.

A questão em apreço – no fundo sobre a dedutibilidade de uma menos-valia - pode ser abordada através da sua divisão nas seguintes sub-questões:

  1. Deve a renúncia aos suprimentos ser considerada uma liberalidade?
  2. Deve considerar-se que existiram duas operações distintas: (a) a renúncia aos suprimentos e (b) a alienação das acções da B...?
  3. Deve o valor dos suprimentos prestados e anulados anteriormente à alienação das acções da B... que ascendiam a € 13.413.685,39, ser considerado para efeitos de cálculo da menos-valia, acrescendo ao custo de aquisição das acções, na sequência da anulação do respetivo crédito?
  4. Deve ser relevado o facto de a venda das acções ter sido efetuada por um valor inferior ao das avaliações, bem como o desenho da operação (i.e., ter sido feita uma cobertura de prejuízos através de uma renúncia a suprimentos, seguida de uma venda das participações sociais)?

Quanto à primeira questão – sobre se deve a renúncia aos suprimentos ser considerada uma liberalidade.

Importa começar por destacar, que nem todas as transações onde não existe um sinalagma discernível ou imediato configuram uma liberalidade. O perdão de suprimentos pode, ou não, ser uma liberalidade, consoante a contrapartida se integre, ou não, no negócio de alienação das participações sociais e seja, ou não, uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente.

Com efeito, a jurisprudência faz corresponder a existência de liberalidades à verificação de animus donandi e ao benefício de terceiros. Neste sentido, veja-se, desde logo, a jurisprudência de um Tribunal Arbitral no âmbito do CAAD, no processo 37/2016-T, da qual resulta que o “animus donandi” é “inerente às liberalidades”. Neste sentido, também o TCA-N, no processo 00595/06.5BEPNF, de 13/09/2013, refere que a “menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que constituam uma liberalidade não é reconhecida como um custo para efeitos de I.R.C. – artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas; Mas a cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados e que, nos termos acordados, integre a contrapartida no negócio de alienação de participações social e uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente, não é uma liberalidade (...). A menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que não seja uma liberalidade só constitui um custo dedutível para efeitos fiscais se, além do mais, se revelar indispensável para à realização de proveitos ou a manutenção da fonte produtora – artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas; 1.5. No juízo a formular sobre a indispensabilidade desse custo, não compete à administração tributária avaliar a bondade ou a oportunidade da decisão de gestão que determinou a cessão dos suprimentos por valor inferior ao real, mas apenas formular um juízo externo, de tipo cognoscitivo, sobre a provável inserção dessas decisões no seu escopo lucrativo, com referência ao momento em que foram tomadas e às circunstâncias do negócio global em que foram inseridas;” Concluindo que (…) “É ilegal e deve ser anulada a parte da liquidação adicional resultante da não admissão do custo correspondente à menos-valia contabilizada na cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados, se dos seus fundamentos resulta que não levou em conta nem a relação entre o negócio subjacente e o escopo societário nem indagou e avaliou as circunstâncias que o determinaram”. Resulta ainda do referido Acórdão que a “renúncia a parte do valor dos mesmos suprimentos não foi efetuada com espírito de liberalidade porque não se tratou de um ato de vontade unilateral do renunciante, com o intuito de beneficiar outrem. O que resulta impressivamente dos autos é que tal ato foi inserido num processo negocial complexo que envolveu cedências de parte a parte com vista à salvaguarda dos interesses próprios de cada contraente”.

É uma situação em tudo próxima daquela dos presentes autos.

Desta feita, a existência, ou não, de uma liberalidade, implica uma análise coordenada de toda a operação e não apenas da renúncia ao crédito resultante dos suprimentos, i.e., implica responder à segunda questão sobre estamos, do ponto de vista sistemático perante duas operações com relevância jus-tributária distinta (a renúncia aos suprimentos e a alienação das acções da B...) ou se existiu apenas uma operação que deve ser tratada na sua globalidade quanto aos seus efeitos tributários.

Relativamente a esta segunda questão, importa começar por destacar que a atividade das empresas deve ser, tanto quanto possível, analisada holisticamente. Esta continuidade na análise (que desta forma não deve ser feita contrato a contrato, transação a transação, acto a acto) é uma decorrência do princípio da capacidade contributiva que implica uma análise de toda atividade dos sujeitos passivos nas suas vertentes com expressão aritmética positiva e negativa.

Tem sido essa, também, a tendência jurisprudencial no que respeita à dedutibilidade de custos. Com efeito, não será, assim, por uma decisão de gestão não resultar num lucro imediato que esta deixará de ser dedutível. O mesmo se refira relativamente a opções que pretendem minorar o prejuízo.

A doutrina tem vindo a reforçar, no caso específico da renúncia ao crédito resultante de suprimentos, a necessidade de olhar para a totalidade da operação. Neste sentido, Tomás Cantista Tavares reforça que a “problemática, face à legislação nacional, da bondade das operações financeiras intra-grupo cinge-se aos casos de abandono de créditos detidos pela dominante sobre a dominada. Esta situação constitui, sem sombra de dúvidas, o caso mais melindroso e complexo da aplicação da teoria do acto anormal de gestão, dadas as drásticas consequências que incidem ao nível fiscal. De facto, o credor regista um custo, pelo montante do perdão e o devedor, por sua via, incorre num proveito de igual valor. Ora destes contornos decorre uma enorme cautela na admissibilidade geral desta figura, dado o risco de ilícita modelação do rendimento tributável de cada um dos intervenientes (por transferência de proveitos para sociedades deficitárias e assunção de custos por organizações lucrativas). Note-se, em primeiro lugar, que o abandono de créditos, mesmo em favor de terceiros não constitui, ipso facto, um acto anormal de gestão. Na verdade, nas relações entre parceiros comerciais não enlaçados num mesmo grupo de empresas, o perdão subsume-se no interesse da sociedade credora, desde que o terceiro-devedor se encontre numa difícil situação financeira. Com, efeito, a preservação do intercâmbio comercial, (muitas vezes imprescindível à prossecução da actividade do credor) legitima a inserção dessa acto de perdão de crédito no interesse empresarial focado a longo prazo.” (Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, outubro-dezembro, 1999, pp. 150-151).

Entende este Tribunal que a operação deve ser considerada no seu todo, i.e. não deve ser abstratamente segmentada em duas operações sucessivas.

Olhando a venda da participação social como um todo, compreende-se sem margem de dúvida qual a razão pela qual a Requerente prescindiu dos seus suprimentos, na medida em que esta renúncia está intimamente relacionada com as condições de venda das acções – renunciou aos suprimentos para que lhe comprassem a participada, o que, de resto, é um passo comum no giro comercial.

A Requerente não pretendeu liberar a B... da sua obrigação de pagamento com o objetivo de a enriquecer à custa do seu património – continuando tudo o resto igual. Pretendeu, apenas, reduzir o passivo da sua participada como condição contratual prévia para proceder à venda das respetivas acções pelo preço acordado o com Fundo E... .

Assim, a perda provocada pela renúncia ao reembolso dos suprimentos não foi suportada em benefício de terceiros, mas em benefício próprio da Requerente, já que tinha sido condição de venda das acções. Não se tratou, assim, e respondendo diretamente à questão primeiramente colocada, de uma liberalidade, mas de um negócio jurídico causal, de uma condição comercial com influência no contrato de venda das ações, na sua ocorrência e nos seus termos, nomeadamente, no preço das acções.

Relativamente à terceira – sobre a inclusão do valor suprimentos no cálculo da menos-valia - salienta-se que tanto a jurisprudência como a doutrina têm vindo a considerar que a cobertura de prejuízos não deve ser tratada como um custo, para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mas acrescer ao valor de aquisição da participação social. Por outro lado, a forma como é efetuada a cobertura de prejuízos não releva para efeitos do cálculo da mais/menos-valia.

Neste sentido se pronunciou o STA, que, no processo n.º 01265/12 de 06/18/2013, decidiu que a “cobertura de prejuízos de uma sociedade participada por parte de uma SGPS não se integra no conceito de custos fiscais desta, quer porque as entregas dos sócios para cobertura de perdas da sociedade não são de considerar como componentes negativas, face ao disposto nos arts. 23.º e 24.º do CIRC, nem componentes positivas do lucro tributável nos termos do art. 21.º do mesmo Código, quer ainda porque a sociedade participada não perde o direito ao reporte dos prejuízos referido no art. 46.º do CIRC.

Acrescenta o referido acórdão que “os custos a que se refere o artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, em si mesma considerada, à SGPS, pois, e não às suas participadas, e que a aceitar-se a cobertura de prejuízos da participada pela SGPS conduziria a uma situação de dupla consideração dos mesmos valores em causa, fosse a título de custos na SGPS, fosse por dedução dos prejuízos de anos anteriores, na esfera da (…) sociedade dominada. Acresce ainda que o facto de a SGPS ter coberto os prejuízos da sua participada traduz-se numa forma de financiamento que, em termos económicos, é substancialmente idêntica a um aumento de capital, devendo, pois, ter o mesmo tratamento fiscal das entradas adicionais de sócios à sociedade”.

No mesmo sentido, decorre do Acórdão do TCA-N, processo n.º 00958/11.4BEAVR, que podem “enquadrar-se no valor de aquisição das partes sociais, para efeitos de cálculo das menos-valias resultantes da liquidação e partilha da sociedade nos termos do artº.75, nº.2, alínea b), do CIRC, as coberturas de prejuízos efectuadas pela sociedade dominante na sociedade participada em momento anterior à dissolução desta última, independentemente da forma legal ou do instrumento de recapitalização em causa.”.

O TCA-S, no processo n.º 4783/01, de 06/26/2001, determina, no mesmo sentido, que a “cobertura de prejuízos de uma sociedade participada por parte de uma SGPS não se integra no conceito de custos fiscais desta, quer porque as entregas dos sócios para cobertura de perdas da sociedade não são de considerar como componentes negativas, face ao disposto nos artºs. 23º e 24º do CIRC, nem componentes positivas do lucro tributável nos termos do artº 21º do mesmo Código, quer ainda porque a sociedade participada não perde o direito ao reporte dos prejuízos referido no artº 46º do CIRC.”. Acresce, nos termos do mesmo Acórdão, que no “sistema do C.I.R.C., a cobertura de prejuízos (entradas de capital a qualquer título), são fiscalmente neutras no momento da sua realização, quer para a empresa que a realiza, quer para a empresa que a recebe. Nesse sentido vai o artº.21, nº.1, al.a), do C.I.R.C., ao consagrar que as coberturas de prejuízos não concorrem para a determinação do lucro tributável, ou seja, não aumentam o valor da dívida de imposto da sociedade que os recebe, o mesmo se passando na esfera da entidade que efectua a cobertura de prejuízos, ou seja, a cobertura de prejuízos não tem qualquer relevância fiscal e, portanto, trata-se de uma variação patrimonial negativa não reflectida nos resultados mas apenas em capital e excluída de relevância tributária. O sócio efectuou um certo desembolso, mas a saída de fundos foi compensada pela entrada na sua esfera jurídica de direitos, mais precisamente de um direito de crédito (se for um suprimento) ou do reforço da sua participação social (se for uma qualquer forma de aumento de capital) sobre a sociedade participada e que recebe a cobertura de prejuízos (M. H. de Freitas Pereira, A base tributável do I.R.C., C.T.F. nº.360, pág.115 e seg.; J. L. Saldanha Sanches e Outros, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pág.188 e seg.).”.

O TCA-S no referido processo n.º 4783/01, de 06/26/2001, defende ainda que a “irrelevância tributária da cobertura de prejuízos mantém-se desde que a sociedade participada e que os recebe continue a existir. Pelo contrário, verificando-se a liquidação e partilha da sociedade participada, este momento deve ser registado como aquele em que o sócio abdica da possibilidade de vir a ser reembolsado da cobertura de prejuízos efectuada. Aquilo que era um prejuízo ou uma menos-valia latente torna-se num prejuízo ou menos-valia real, sendo por isso dedutível. Existem, tipicamente, dois sistemas opostos para dar relevância fiscal às coberturas de prejuízos. Um primeiro que aceita a sua dedução no momento em que são realizadas, tributando-as na esfera de quem as recebe. O segundo, o vigente no ordenamento jurídico-fiscal português, apenas admite a sua dedutibilidade no momento da transmissão ou extinção das partes sociais. Pelo que, a desconsideração fiscal das coberturas de prejuízos em ambos os momentos mencionados viola frontalmente o princípio da tributação segundo o lucro real previsto constitucionalmente no art.º 104, n.º 2, da C.R.Portuguesa. Concluindo, as coberturas de prejuízos devem ter relevo fiscal no momento da extinção das participações sociais, integrando o custo histórico de aquisição das mesmas partes sociais. A não ser assim, estaríamos perante um custo que jamais seria dedutível, sem que nenhuma norma o previsse, o que contrariaria frontalmente o dito princípio da tributação segundo o lucro real previsto constitucionalmente (cfr. J. L. Saldanha Sanches e Outros, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pág. 195 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág. 219 e 220).”

Como em tempos escreveu um dos árbitros vogais no presente processo, “perspectiva do custo de aquisição para efeitos fiscais como um conceito que abrange quer o preço pago no momento da aquisição (o custo de aquisição originário), quer os custos de aquisição subsequentes não só é a que resulta do nosso POC – e que não é afastada por qualquer norma fiscal -, como também tem sido amplamente desenvolvida na doutrina alemã, na qual se cimentou o conceito de nachträgliche Anschaffugskosten. Nos custos subsequentes, que se contrapõem aos custos de aquisição originários (ursprüngliche Aschafungskosten), encontramos sempre incluídas uma série de realidades, de entre as quais destacamos as importâncias despendidas a título de cobertura de prejuízos.” (João Taborda da Gama, “Cobertura de Prejuízos, Valor da Participação Social e Dedutibilidade de Menos-Valias”, in J.L. Saldanha Sanches, Francisco Sousa da Câmara e João Taborda da Gama, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pp. 197-198).

Acrescentando que “o sócio tem uma plena liberdade de escolha quanto à forma como vai financiar as suas participadas. No entanto, seja qual for a forma escolhida (aumento de capital, prestações suplementares e acessórias de capital, cobertura de prejuízos através de entrega de dinheiro), tudo isso vai ter substancialmente os mesmos efeitos: no património da sociedade beneficiária, melhoria da situação líquida e aumento de fundos disponíveis; na sociedade participante, aumento do custo da participação e saída de fundos. Ou seja, considerar fiscalmente irrelevantes as coberturas de prejuízos no momento da alienação leva a que o princípio da liberdade de forma de financiamento seja atropelado e, levado às últimas consequências, faria com que um normal aumento de capital não fosse tido em conta para a determinação das mais e menos-valias no momento da alienação.” (idem, pp. 200-201).

Relativamente à quarta questão - sobre se deve ser relevado o facto de a venda das acções ter sido efetuada por um valor inferior ao das avaliações, bem como o desenho da operação (i.e., cobertura de prejuízos através de uma renúncia a suprimentos, seguida de uma venda das participações sociais), salienta-se que não cumpre a este Tribunal aferir sobre a razoabilidade do valor de venda das acções da B..., já que não foram carreados para os autos factos demonstrem a existência de abuso.

Com efeito, tendo as acções sido adquiridas por entidades não relacionadas, o valor é necessariamente de mercado: o valor que o mercado esteve disposto a pagar, naquele momento e naquelas condições, pelas participações sociais. Mas mais, a aquisição abaixo do fair market value não deve levar à desconsideração do custo, a menos que a operação seja considerada abusiva, o que implicaria fundamentar a correção não no artigo 23.º do Código do IRC, mas, porventura, no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária – o que não foi sequer tentado pela Requerida.

Como resulta do Acórdão do STA proferido no processo n.º 0627/16, de 06/28/2017 “[p]oderia questionar-se a realidade do valores por que foram efectuadas a aquisição e a alienação das participações e os motivos subjacentes a estas operações perante as relações entre as duas sociedades, mas não foi esse o caminho seguido pela AT, que, como ficou dito na sentença, invocou um único motivo para afastar a relevância fiscal da menos-valia: a falta de demonstração da indispensabilidade da mesma «para os proveitos ou ganhos para a empresa», «na medida em que não identificou em que se traduziu o “suposto” proveito obtido». Salvo o devido respeito, não é possível esgrimir a indispensabilidade, assim entendida, para desconsiderar a relevância fiscal da menos-valia. Desde logo, afigura-se-nos que, a sustentar-se tal tese, nunca uma menos-valia realizada poderia relevar negativamente na determinação do lucro tributável pois é da sua natureza a falta de relação directa com proveitos. Como bem salientou a Recorrente, a venda de um bem do activo imobilizado «não é, por definição, instrumental relativamente à realização de quaisquer proveitos no futuro, é tão só a troca de um bem pelo seu valor de mercado». Aliás, foi o próprio legislador que fez constar da lista exemplificativa de custos ou perdas fiscalmente relevantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC as «menos-valias realizadas», o que deita por terra a argumentação ensaiada na sentença.

Salvo o devido respeito, é absurdo pretender estabelecer uma ligação directa entre uma menos-valia e quaisquer proveitos ou ganhos, não fazendo sentido a indagação sobre «o nexo de causalidade entre a menos valia realizada e os proveitos a alcançar pela Impugnante», que a sentença – depois de expressamente reconhecer que a alienação das participações sociais constitui um acto de gestão, uma escolha da gestão da sociedade em que a AT «não se pode intrometer» – erigiu em “segundo patamar da análise” da indispensabilidade.

Por outro lado, o entendimento da indispensabilidade perfilhado pela sentença reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência (Para além da doutrina e jurisprudência já citadas, o acórdão de 24 de Setembro de 2014 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 779/12, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6c3dfbcbec2b7f7f80257d5f005091ec?.), como acima deixámos dito.

(…)

Não importa, sequer, averiguar sobre quem incumbe o ónus da demonstração da indispensabilidade, pois esta, tal como a entendemos (decorrente de um acto normal de gestão, determinada por um propósito empresarial), não é questionada nos autos.

(…)

Em jeito de nota final, diremos que, se a AT tinha algum motivo para suspeitar de que os valores reais por que foram celebrados os referidos negócios de aquisição e alienação das participações sociais não são os declarados ou que algum destes foi efectuado com o intuito de manipular ilegitimamente a matéria tributável, designadamente em função das relações especiais entre as sociedades, deveria ter escolhido outro caminho que não o da desconsideração da menos-valia realizada com fundamento na falta de verificação da indispensabilidade exigida pelo art. 23.º do CIRC.”

Em segundo lugar, conforme resulta igualmente da jurisprudência citada, não deve a AT substituir-se aos sujeitos passivos nas suas decisões de gestão. Assim, a concordância ou discordância da AT quando ao conteúdo de operações levadas a cabo pelos sujeitos passivos deve-se liminar a situações abusivas ou ilegais. Com efeito, não será, assim, diferente vender uma empresa por 100 quando esta tem prejuízos de 50 ou por 50 quando esta não tem prejuízos. Por outro lado, os sujeitos passivos podem optar pela operação que seja fiscalmente mais eficiente desde que não caiam no âmbito de normas antiabuso específicas ou da cláusula-geral antiabuso.

Neste sentido, resulta ainda do processo 37/2016-T que “não pode ser fundamento do afastamento da dedutibilidade à face do artigo 23.º do CIRC, um juízo crítico da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre as opções de gestão da Requerente” sendo “às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses. Na verdade, não há qualquer suporte legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar a dedutibilidade de gastos por considerar que as opções de natureza empresarial das empresas não correspondem aos actos de gestão que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera preferíveis”.

Desta feita, e concluindo, considera este Tribunal ter sido correto o tratamento dado pela Requerente às menos-valias resultantes da venda das acções da B... .

 

B- O tratamento das menos-valias geradas na operação de venda da totalidade das acções da C... aos administradores da Requerente

Como resulta da matéria de facto dada como provada, a alienação pela Requerente, a favor dos membros do respectivo Conselho de Administração, da totalidade das acções da C... (ex- D...), gerou para a Requerente, no exercício de 2012, uma menos-valia fiscal de EUR 7.130.400,82, aplicando os coeficientes de correção monetária a uma menos-valia contabilística de EUR 6.306.062,67. A referida menos-valia fiscal foi deduzida pela Requerente em 50%, isto é, em EUR 3.565.200,41, sendo desconsiderada pela AT, ao abrigo do que, conjugadamente, vem estatuído nos artigos 23.º 5 e 63.º 4 c) do CIRC, e objeto de correção na matéria tributável de 2012, com consequências em 2013 e 2014.

De substância e em síntese, no Requerimento Arbitral a Requerente argui a inconstitucionalidade do que qualifica como uma presunção inilidível estabelecida nas referidas disposições, em cujos termos a alienação de acções a membros dos órgãos sociais envolve sempre uma situação fiscal abusiva, tendente a diminuir a receita fiscal, e dispensando a respectiva consagração legal a AT de efectuar prova de que ocorreu efectiva diminuição de receita em razão de terem sido acordadas condições e alcançados resultados em termos diferentes daqueles que se verificariam se o acordo tivesse sido celebrado em mercado aberto entre entidades independentes, e impedindo os interessados de provarem o contrário. A referida inconstitucionalidade resulta, na formulação da Requerente, da violação dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva consagrados mormente nos artigos 13.º e 103.º 3 da Constituição (quer ainda pelo artigo 73.º da LGT).

Desenvolve, alegando que a figura tributária das “relações especiais” tem em vista fazer com que sejam contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente são contratados entre entidades independentes em operações comparáveis, mas não visa impedir, “sob pena de grave intromissão no direito de iniciativa económica e inaceitável discriminação entre operadores económicos”, que haja relações económicas normais entre entidades ligadas pelas ditas “relações especiais", mormente entre as sociedades comerciais e os membros dos seus órgãos sociais. Se o que se pretende evitar com a referida norma antiabuso é que sejam acordadas condições diferentes daquelas que se praticariam no mercado entre operadores independentes – é o que postula a Requerente –,isso leva à conclusão de que, para que seja aplicável e se desconsiderem as consequências tributárias de determinado contrato, não basta que os outorgantes estejam ligados entre si por relações especiais, antes é necessário que simultaneamente se possa verificar que foram acordadas condições e alcançados resultados que vieram a beneficiar algum ou ambos os intervenientes em termos diferentes daqueles que se verificariam se o acordo tivesse sido celebrado em mercado aberto entre entidades independentes, que houve, portanto, um planeamento fiscal abusivo.

Entende que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014 não teve por objecto situação idêntica à que é objecto da correcção em apreço: na do Acórdão do TC não foram apresentados os critérios de fixação do preço das participações alienadas, ao contrário da situação sub iudice, em que foi apresentada toda a informação para justificar a sua fixação. Traz à colação ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.03.2016, proc. 04412/10, bem como o Acórdão n.º 211/2017, do Tribunal Constitucional, aquele a “refletir sobre a interpretação do conceito de ‘relações especiais’”, este a reafirmar a inconstitucionalidade material das presunções legais absolutas ou inilidíveis, por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CR e do seu corolário da capacidade contributiva.

Nas Alegações, retoma a argumentação, aprofundando o que entende ser a linha jurisprudencial constitucional ínsita no Acórdão n.º 211/2017 do Tribunal Constitucional, sem deixar de referir que o Tribunal analisa um preceito tributário diverso dos que aqui estão em causa. Transcreve a Requerente trechos do Acórdão, de que respigamos um, por provocar a necessidade de uma referência exegética particularmente cuidada por parte deste Tribunal: “O Tribunal Constitucional pronunciou-se diversas vezes sobre a conformidade constitucional do recurso a presunções como forma de determinação da matéria coletável, face ao princípio da capacidade contributiva, tomando por elemento determinante do juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção (vd., designadamente, os Acórdãos n.ºs 26/92, 348/97, 84/2003, 211/2003 e 452/2003 […] O mesmo critério serviu o julgamento de inconstitucionalidade de normas de incidência tributária com o recurso a presunções inilidíveis. Com efeito, em dois momentos, a jurisprudência constitucional tomou o princípio citado (enquanto concretização do princípio da igualdade fiscal e de outros princípios fundantes da justiça fiscal material) como fonte de desvalor constitucional de normas de tributação que estabeleciam presunções absolutas. A essa jurisprudência se refere o Acórdão n.º 753/2014”.

Por sua parte, a Requerida AT reafirma o vertido no RI e salienta, em primeiro lugar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão de Direito controvertida. Neste quadro, refere que a questão que se prende com a exclusão da dedução das menos-valias foi já objecto de recurso para aquele tribunal superior, o qual, no Acórdão de 08/01/2014 no proc.º n.º 0437/13 e na linha de anterior jurisprudência (acórdão do STA de 11/02/2009, Processo n.º 862/08) decidiu que «II - Na aplicação do então n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC ao caso dos autos não há que ponderar se as condições observadas nas transmissões onerosas que deram lugar às variações patrimoniais negativas eram idênticas ou diversas das que seriam praticadas entre entidades independentes, pois que «(…) para a aplicação da norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, é inócua ou irrelevante a circunstância, «de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes», pois que esta norma não inclui na sua previsão «essas condições», antes, estatui, sem mais, a não-aceitação «como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de capital social» para entidades com as quais haja “relações especiais”. III - Tal aplicação do então n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não se afigura violadora da Lei Fundamental ou dos princípios da proporcionalidade e da necessidade. […] Julgamos que tal faculdade não está vedada ao legislador nem pela Lei Fundamental (artigo 104.º da Constituição) nem pelos princípios do Direito Europeu, designadamente o da proporcionalidade e da necessidade, pois que, não sendo embora essa a regra, admite-se que normas anti-abuso específicas possam legitimamente traduzir-se - em casos que oferecem especial risco do ponto de vista da erosão das bases tributáveis -, na indedutibilidade de determinadas componentes negativas do lucro, ou seja, na sua irrelevância para efeitos fiscais.»

Assim, segundo a AT, no entendimento do STA a desconsideração fiscal das menos-valias resultantes da transmissão onerosa de partes de capital entre entidades relacionadas foi o remédio encontrado pelo legislador para prevenir práticas evasivas conhecidas e recorrentes tendentes à diminuição artificial do lucro tributável das entidades dominadas, e que, precisamente porque tais práticas são conhecidas e recorrentes, optou pura e simplesmente por lhes retirar qualquer relevo fiscal, independentemente da ponderação das concretas condições da operação.

Em segundo lugar, a AT busca suporte nos Acórdãos n.ºs 753/2014 e 139/2016 do Tribunal Constitucional, dos quais extrai o reconhecimento de que o propósito de não submissão destas operações ao escrutínio do princípio de plena concorrência pelo qual se devem pautar as operações vinculadas, nos termos do n.º 1 do art.º 63.º do Código do IRC radica em que, embora ambas as disposições tenham por objecto operações realizadas entre entidades relacionadas, a do n.º 5 do art.º 23.º, constitui «uma norma especial em relação àquela outra disposição: por um lado, respeita apenas a transacções sobre participações sociais e possui, por isso, um âmbito de aplicação mais restrito; por outro lado, comina uma consequência mais gravosa no ponto em que determina a não aceitação fiscal, pura e simples, das menos-valias realizadas, em contraposição com o disposto no artigo 58.º que estabelece um princípio geral de correcção, pela Administração Fiscal, do preço de transferência quando este não corresponda ao que seria normalmente acordado entre entidades independentes.” e também na decisão no processo arbitral n.º 727/2016.

Nas Alegações, a AT reproduz, sintetizando-as as considerações e invocações jurisprudenciais apresentadas na Resposta, sem lhes acrescentar vertentes que hajam de ser consideradas.

Feita esta excursio, cumpre apreciar e decidir.

A boa exegese dos preceitos de cuja interpretação e aplicação se trata e a melhor dogmática em torno da ratio legis imanente ao regime de desconsideração de menos-valias derivadas de transmissão onerosa de partes de capital a entidades com as quais existam relações especiais, em particular a apreciação da respetiva conformidade constitucional – designadamente, face aos princípios da legalidade e da capacidade contributiva – encontram-se condensadas no Acórdão n.º 753/2014 do Tribunal Constitucional, em termos que merecem plena adesão deste Tribunal Arbitral.

Para a construção jurídica realizada no referido aresto se remete, portanto, sem que se afigure necessário ou curial proceder de imediato a transcrições do mesmo, sem prejuízo de se mostrarem necessárias mais adiante.

Importa, como é de boa metodologia, proceder a duas verificações. A primeira tem por objeto apreender se a dogmática a que se adere é de aplicação sustentada e justa no caso em análise. A segunda escrutina se tem razão de ser, e é pertinente para a decisão do caso, a afirmação da Requerente de que o Tribunal Constitucional se afastou daquela linha jurisprudencial no Acórdão n.º 211/2017, que traz à colação com a afirmação de que representa uma recuperação relevante de uma linha interpretativa que reafirma a inconstitucionalidade material das presunções legais absolutas ou inilidíveis, por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CR e do seu corolário da capacidade contributiva.

Começamos pela primeira verificação: o Tribunal Constitucional desenvolveu o seguinte iter de determinação e aplicação do Direito: “A norma tem […] como alvo a transação em si mesma, e não o preço praticado pelas partes, e serve para reprimir as operações de venda de participações sociais que são realizadas com uma finalidade exclusivamente fiscal, visando obter um custo dedutível. Daí que tivesse havido necessidade de instituir esse regime especial que não poderá ser consumido por outras disposições já existentes, como a relativa aos preços de transferência (artigo 58.º), que apenas visam permitir meras correções administrativas do valor das transações. Por outro lado, e por identidade de razão, não tem relevo a consideração de que o fim visado pelo legislador poderia ser obtido por meios menos onerosos para o contribuinte mediante o recurso à cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. […] Poderia, no entanto, ainda dizer-se que a norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, na medida em que impõe a irrelevância fiscal das variações patrimoniais negativas resultantes da transmissão de partes do capital entre sociedades relacionadas, não deixa de constituir uma presunção sujeita a não admissão de prova, que, como tal, poderia violar o princípio da capacidade contributiva. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já no sentido da inconstitucionalidade de disposições fiscais que estabeleciam presunções inilidíveis […] No entanto, no caso vertente, é, desde logo, discutível que a norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC configure uma presunção para efeitos fiscais. […] Não há aqui uma presunção em sentido próprio. A norma não permite presumir um qualquer facto tributário, a partir da ocorrência de transacções de partes de capital entre empresas em relação de grupo, que o sujeito passivo pudesse contraditar através de um procedimento de prova. Limita-se a desqualificar como custo os resultados negativos que provenham dessas transações. Certo é que essa desqualificação pode determinar um aumento do imposto a liquidar por virtude de não ser possível refletir na matéria coletável as perdas imputáveis à operação. Mas essa é a necessária decorrência de um mecanismo legal de funcionamento automático que incide sobre os critérios de dedutibilidade dos custos ou perdas. Tratando-se de um critério legal de apuramento da matéria coletável, e não de um facto tributário presumível que seja imputável ao sujeito passivo, não tem cabimento a admissão da prova em contrário. A questão que se coloca é a de saber se a não dedutibilidade dos custos, nos termos previstos, não constitui uma restrição inaceitável ao direito de ser tributado segundo o lucro real. […] Ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – como admite a doutrina - «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 521). O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa. Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623). No que se refere à situação regulada no artigo 23.º, n.º 7, o que o legislador parece ter considerado é que as perdas resultantes de transmissão de partes de capital entre empresas relacionadas não são normalmente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, permitindo-se prevenir, do mesmo passo, o risco de criação artificiosa de menos-valias, com o consequente efeito de evasão fiscal, e prover ainda à dificuldade de verificação, por parte da Administração Tributária, da existência de um efetivo interesse económico na transação (para o que não bastaria a mera demonstração de que foram praticados os valores de mercado). […] O artigo 104.º n.º 2 [da CRP] não institui um critério absoluto e rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos, sem excluir o recurso a rendimentos presumidos e a métodos indiciários. Além disso, como vimos, a dedução de custos e perdas está estritamente associada à sua indispensabilidade para a atividade económica da empresa. Perante o efetivo risco de regulação tributária nos grupos societários por efeito de uma estratégia de transferência de capital social entre empresas, a não dedutibilidade dos gastos apurados nessas transações mostra-se justificada pela relevância dos interesses que determinam a restrição.”

Ora, este iter de determinação e aplicação do Direito, profundamente lógico e axiológico, teve por objecto uma situação de factualidade mais impressiva que aquela que nos ocupa para o juízo de se desligar – ou não – a sua subsunção à norma anti-abuso especial de uma indagação sobre a formação, mais ou menos independente, do preço de venda, portanto sobre a existência em concreto de uma distorção económica explicável pelas relações especiais.

Com efeito, no caso cuja constitucionalidade foi escrutinada no Acórdão n.º 753/2014, o preço da transmissão relevante foi formado sobre acções de um capital disperso em bolsa, no âmbito da aquisição potestativa pela Sociedade-mãe (portanto em relações especiais), na sequência de uma OPA bem-sucedida, e a transmissão das acções no âmbito dessa aquisição potestativa foi concluída pelo mesmo preço que resultou da OPA.

Sobre aquela factualidade, caracterizada por um preço formado em bolsa, o Tribunal Constitucional julgou como acima se transcreveu. Ora, no caso que nos ocupa, a venda foi acordada entre a Requerente, cuja vontade societária foi formada pelos membros da Administração, e estes mesmos. Seria um raciocínio insustentado, lógica e axiologicamente, para não dizer espúrio, o que afirmasse que a jurisprudência fixada no Acórdão n.º 753/2014 deveria valer para preços em relações especiais mas formados em mercado (em bolsa, no contexto de uma OPA) – portanto, sem variação auto-demonstrada do preço entre entidades independentes – mas já não para preços em relações especiais como as que estão bastamente caracterizadas no presente processo.

Passamos à segunda verificação, a que visa escrutinar se tem razão de ser a afirmação da Requerente de que o Tribunal Constitucional se afastou daquela linha jurisprudencial no Acórdão n.º 211/2017. Isto apesar de nos parecer indiciariamente que podemos estar perante uma petição de princípio: se a pertinência para a avaliação e decisão do caso decorrer, como o a afirma a Requerente, de o Tribunal Constitucional se haver afastado daquela linha jurisprudencial no Acórdão n.º 211/2017 e de este representar uma recuperação relevante de uma linha interpretativa que reafirma a inconstitucionalidade material das presunções legais absolutas ou inilidíveis, por violação, nomeadamente, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CR e do seu corolário da capacidade contributiva, então tal pertinência assenta sobre dar-se por adquirido, conceptualmente, que, no caso que nos ocupa, a norma que se retira das disposições conjugadas dos artigos 23.º 5 e 63.º 4 c) do CIRC deva ser qualificada como fixadora de uma presunção inilidível. 

O objeto do recurso de constitucionalidade no processo em que foi extraído o Acórdão n.º 211/2017, incide sobre “a assinalada dimensão interpretativa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, segundo a qual (para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS com a transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis relativos a mais-valias) – ali se consagra uma «presunção inilidível» […] As presunções legais (como releva para o caso) são normas criadas pelo legislador que estabelecem uma relação entre um facto conhecido (provado) e um facto desconhecido ou incerto, inferindo este último a partir daquele (isto, tendo presente a noção legal de presunção contida no artigo 349.º do Código Civil: presunções são as ilações que a lei (…) tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido), ou seja, a presunção assenta numa relação lógica estabelecida pelo legislador entre o facto-base ou facto indiciário e o facto presumido. A presunção legal opera uma inversão do ónus da prova, desonerando da mesma aqueles que a têm a seu favor (artigo 350.º, n.º 1, também do CC). Assim também quanto às presunções em matéria fiscal (cfr. Acórdão n.º 753/2014) […]. Em todo o caso, não cabendo ao Tribunal Constitucional sindicar a qualificação da norma em questão, deve tomar-se como a ‘norma do caso’ (e objeto do presente recurso, supra delimitado em II – 9-12.) – que se apresenta como um dado a este Tribunal – a dimensão normativa do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS desaplicada nos autos, que o juiz a quo entende encerrar uma presunção inilidível ou absoluta – presunção iuris et iure. […] Tivemos oportunidade de enquadrar constitucionalmente o princípio da capacidade contributiva (cfr. supra, 17.2), enquanto concretização do princípio da igualdade (fiscal) e expressão de outros valores fundantes da Constituição fiscal (plasmados nos artigos 103.º e 104.º, CRP), não alheios à ideia de realização da justiça fiscal, pese embora o princípio não encontre formulação expressa na Constituição portuguesa. É neste princípio que a sentença recorrida funda a sua decisão de não aplicação da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS – interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível ou absoluta em matéria de apuramento das mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis (tomando por referência o VPT do imóvel quando superior ao valor da contraprestação devida pela compra) – por inconstitucionalidade. […] tratando-se de apuramento de um rendimento presumido, a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, com a interpretação desaplicada nos autos, afasta-se da regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), a qual não admite o estabelecimento de presunções absolutas nas normas de incidência tributária. Não derivando deste comando um juízo de invalidade das demais normas legais – a LGT não assume no ordenamento jurídico português o estatuto de lei de valor reforçado (artigo 112.º, CRP) –, cumpre assinalar que o regime consagrado no artigo 73.º da LGT corresponde, na sua finalidade, a uma concretização dos valores jurídico-constitucionais relevantes em matéria fiscal, especificamente quanto à incidência do imposto. […] No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte. Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. […] Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa. Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado. 24. Pelo que fica exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».

Fica patente, ad abundantiam, que o Acórdão n.º 211/2017, que reafirma a inconstitucionalidade material das presunções legais absolutas ou inilidíveis, em nada diverge do Acórdão n.º 753/2014. Neste último – extraído sobre um caso em que os normativos legais cuja interpretação é sujeita a fiscalização de inconstitucionalidade são precisamente aqueles também aplicáveis ao caso sub iudice – afirma-se (volta a transcrever-se) que “[…] Não há aqui uma presunção em sentido próprio. A norma não permite presumir um qualquer facto tributário, a partir da ocorrência de transacções de partes de capital entre empresas em relação de grupo, que o sujeito passivo pudesse contraditar através de um procedimento de prova. Limita-se a desqualificar como custo os resultados negativos que provenham dessas transações. […] Tratando-se de um critério legal de apuramento da matéria coletável, e não de um facto tributário presumível que seja imputável ao sujeito passivo, não tem cabimento a admissão da prova em contrário.”

Assim, pelas mesmas razões apontadas no Acórdão n.º 753/2014 e sobre a base do mesmo entendimento quanto à natureza da figura consagrada nos referidos normativos, este Tribunal não os considera inconstitucionais e não os desaplica, pelo que não anula a liquidação de IRC do exercício de 2012 na parte em que esta desconsidera as menos-valias geradas na alienação aos Administradores da Requerente das acções representativas do capital da C... . Como corolário, também não anula as liquidações de IRC dos exercícios de 2013 e 2014 na parte em que estas corrigem, em decorrência da referida desconsideração, o reporte de prejuízos.

  

  1. Decisão

Termos em que acorda o presente Tribunal em julgar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente:

  1. anulando as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 na parte em que decorrem da correcção de € 6.706.842,70, correspondente à alienação das acções da B...;
  2. não anulando as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 na parte em que decorrem da correcção de € 3.565.200,41, correspondente à alienação das acções da C... .

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.476.120,02.

 

  1. Custas

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 32.130,00, a cargo (a) da Requerente: € 11.152,32; (b) da Requerida: € 20.977,68 (percentagens de decaimento de 34,71% e 65,29%, respectivamente).

 

 

Lisboa, 6 de setembro de 2018

 

 

Os árbitros:

 

Fernanda Maçãs (presidente):

 

 

João Taborda da Gama (vogal):

 

 

Luís M. S. Oliveira (vogal):