Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 485/2021-T
Data da decisão: 2022-01-17  IRS  
Valor do pedido: € 45.394,44
Tema: IRS - Inutilidade Superveniente da lide
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SUMÁRIO:

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, na pendência da instância, ocorra a satisfação voluntária, por parte da Requerida, das pretensões da Requerente.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

1. A…, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal em Lisboa, na Avenida …., vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020 …, relativo ao período de tributação de 2019, no valor de € 45.394,44, e contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que contra ela apresentou, bem como à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) no pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 11 de Agosto de 2021 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

3. A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 6 de Outubro de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 26 de Outubro de 2021.

6. Em 26 de Outubro de 2021 foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

7. A Requerida não apresentou resposta, mas em 15 de Novembro de 2021, mediante requerimento, veio informar que o acto objecto de impugnação havia sido revogado através de despacho de 4 de Novembro de 2021, da Direcção de Serviços do IRS, junto aos autos.

8. Em 30 de Novembro de 2021 veio a Requerente requerer a extinção da instância em virtude de inutilidade superveniente da lide, bem como a condenação da Requerida nas custas do processo.

 

II. SANEAMENTO

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

11. O processo não enferma de nulidades.

 

III. DO MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

12. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a) Em 12 de Agosto de 2021 a AT foi notificada por e-mail da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

b) Em 26 de Outubro de 2021 o Tribunal Arbitral ficou constituído;

c) Em 4 de Novembro de 2021 foi revogado o acto de liquidação n.º 2020 …, por despacho proferido pela Direcção de Serviços do IRS;

d) A AT deu conhecimento da revogação do acto mediante requerimento apresentado em 15 de Novembro de 2021.

 

III.1.2. Factos não provados

13. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

14. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Da inutilidade superveniente da lide

15. Tendo sido revogado o acto de liquidação impugnado pela Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

16. A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

17. É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

18. Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o acto tributário impugnado pela Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação, a Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, já que a AT reconheceu no acto de revogação anulatória o direito aos juros indemnizatórios que aquela havia peticionado.

19. Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa impugnados pela Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 45.394,44 (quarenta e cinco mil, trezentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Janeiro de 2022,

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Cristina Aragão Seia