Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 484/2021-T
Data da decisão: 2022-01-24  IRS  
Valor do pedido: € 23.728,84
Tema: IRS - Inutilidade superveniente da lide – anulação administrativa de ato tributário de IRS; indemnização por prestação de garantia indevida; responsabilidade por custas.
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SUMÁRIO:

I – A anulação administrativa do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios gera a inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão de anulação desse ato e do ato de indeferimento da reclamação graciosa, sendo causa de extinção da instância [cfr. artigo 277.º, alínea e) do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi pela alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT].

II – Tendo a Requerente formulado, ainda, pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, a inutilidade superveniente da lide quanto à pretensão principal não prejudica a apreciação desse pedido.

III - A anulação administrativa do ato de liquidação impugnado tem ínsito o reconhecimento de um vício de violação de lei, que tem de considerar-se imputável aos serviços, pois foram estes que emitiram a liquidação objeto de anulação administrativa.

IV - As custas são da responsabilidade da Requerida, por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide (artigos 527.º e 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

DECISÃO ARBITRAL

               

I.             RELATÓRIO

1.            A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Cascais (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 140.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a  constituição de Tribunal Arbitral.

2.            A Requerente pretende: (a) a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., relativa ao período de tributação de 2015, no montante global de EUR 90.221,56 (EUR 86.107,49 de imposto; EUR 3.567,85 de sobretaxa e EUR 546,22 de juros compensatórios), de cuja nota de cobrança resulta o montante global a pagar de EUR 23.728,84; (b) a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa; e (c) a condenação da AT no pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

3.            A Requerente invoca, para tanto, o vício de violação de lei:

a.            por preterição do disposto nos artigos 128.º, n.º 1, do CIRS, 50.º do CPPT, 72.º da LGT e 268.º, n.º 4, da CRP, em virtude de a AT ter considerado que a Requerente não cumpriu o seu ónus de comprovação da retenção na fonte das importâncias inscritas no anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2015, por entender, em síntese, que tal comprovação só poderia ser efetuada através da apresentação de documentos emitidos ou certificados pelas autoridades fiscais dos Estados em causa (Itália e Reino Unido);

b.            por preterição dos artigos 8.º da LGT, 103.º, n.ºs 2 e 3, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, por a AT ter entendido que os elementos apresentados pela Requerente não configuram documentos idóneos a comprovar as importâncias retidas na fonte nesses países, na medida em que não cumprem os requisitos elencados nas instruções de preenchimento do anexo J – contidas na Portaria n.º 404/2015, de 16 de novembro – e, bem assim, no Ofício-Circulado n.º 20.124, de 9 de maio de 2007, da Direção de Serviços das Relações Internacionais;

c.            por preterição do primado do Direito Internacional Convencional, consagrado no artigo 8.º, n.º 2, da CRP;

d.            por preterição dos princípios do inquisitório e da verdade material, enquanto desdobramentos dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade, consagrados, respetivamente, no artigo 103.º, n.º 3, e nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP;

e.            por preterição do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP;

f.             por falta de preenchimento dos pressupostos legais, previstos no artigo 35.º da LGT, para a liquidação de juros compensatórios.

4.            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

5.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 12 de agosto de 2021 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 23 de agosto de 2021.

6.            De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

7.            Em 06 de outubro de 2021, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo oposto recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

8.            O Tribunal Arbitral foi constituído em 26 de outubro de 2021, conforme comunicação do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

9.            Após notificação da Requerida para apresentar resposta, a mesma veio informar os autos, em 25 de novembro de 2021, da “revogação” do ato de liquidação impugnado, que constitui o objeto desta ação, juntando os seguintes documentos:

a.            cópia do Despacho de “revogação do ato contestado”, da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - IR, de 21 de outubro de 2021, nos termos da informação n.º I202100..., de 14 de outubro de 2021, elaborada pelos Serviços da AT;

b.            comprovativo de anulação da certidão de dívida n.º 2020..., no montante de EUR 23.728,84, e de consequente extinção do processo de execução fiscal n.º ...2020..., com data de 18 de novembro de 2021;

c.            documento com o histórico de tramitação do processo de execução fiscal identificado supra, do qual consta a “Anulação n.º...”, de 18 de novembro de 2021, no valor de EUR 23.728,84;

d.            comprovativo da demonstração de liquidação n.º 2021 ..., de 18 de novembro de 2021, relativa ao IRS de 2015, onde consta a dedução à coleta, por dupla tributação internacional, do montante de EUR 23.182,64.

10.          A Requerida requereu, ainda, na mesma data, a notificação da “Requerente para esta declarar se pretende a extinção da instância por ver satisfeito o seu pedido”.

11.          Em 26 de novembro de 2021, este Tribunal proferiu Despacho arbitral através do qual determinou a notificação da Requerente para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre o mencionado requerimento apresentado pela Requerida e respetivos documentos anexos.

12.          A Requerente não se pronunciou.

13.          Em 21 de dezembro de 2021, este Tribunal proferiu Despacho determinando:

a.            a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT;

b.            a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide [artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT], e sobre os respetivos efeitos quanto ao pedido acessório de pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia e quanto a responsabilidade por custas;

c.            a dispensa da produção de alegações.

14.          A Requerente pronunciou-se em 30 de dezembro de 2021, assumindo, em síntese, a seguinte posição:

a.            Na sequência da notificação do Tribunal Arbitral, a Requerente tomou conhecimento da revogação do ato tributário objeto do presente pedido de pronúncia arbitral;

b.            No âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicita não apenas a anulação do mencionado ato tributário, mas também o reconhecimento do erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, com consequente condenação no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia nos termos do artigo 53.º da LGT;

c.            Não tendo havido reconhecimento expresso, na decisão de “revogação”, do erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, torna-se necessária uma pronúncia do Tribunal Arbitral que assegure a plena reconstituição da situação atual hipotética, o que inclui uma compensação que coloque a Requerente na posição em que estaria se nunca tivesse sido forçada a assegurar a suspensão da cobrança coerciva da dívida tributária sub judice, já oficiosamente reconhecida como ilegal;

d.            A Requerente requer, assim, que este Tribunal profira uma decisão que expressamente reconheça o erro imputável aos serviços na prolação do ato tributário ilegal, condenando a Entidade Requerida no pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia nos termos do artigo 53.º da LGT e, em consequência, e na medida em que a ilegalidade do ato tributário na origem destes autos foi expressamente reconhecida pela Requerida, que esta seja condenada na totalidade das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.

15.          A Requerida não se pronunciou.

 

II.            SANEAMENTO

16.          O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

17.          O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

18.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

§1.         Factos provados

19.          Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)            No ano de 2015, a Requerente foi residente para efeitos fiscais em território nacional;

b)           Durante esse ano, a Requerente percecionou rendimentos de capitais, de origem estrangeira, no montante global de EUR 280.274,64;

c)            Entre esses rendimentos identificam-se os seguintes:

i.) Rendimentos com origem em Itália, no montante global de EUR 154.020,00, colocados à sua disposição pelo intermediário financeiro B... C.; ii.) Rendimentos com origem no Reino Unido, no montante global de EUR 796,35, colocados à sua disposição pelo intermediário financeiro C... LIMITED;

d)           No dia 30 de maio de 2016, a Requerente apresentou a sua declaração periódica de rendimentos relativa ao ano de 2015, tendo submetido eletronicamente a Modelo 3 de IRS e o respetivo anexo J (referente a rendimentos obtidos no estrangeiro);

e)           Esta declaração deu origem à emissão da liquidação de imposto n.º 2016..., no montante voluntariamente pago de EUR 66.492,72;

f)            No anexo J da Modelo 3 de IRS, a Requerente declarou os «rendimentos obtidos no estrangeiro», nomeadamente os «rendimentos de capitais (categoria E)» [dividendos] por si percecionados, bem como o respetivo «imposto pago no estrangeiro»;

g)            Os montantes declarados pela Requerente coincidem integralmente com os quantitativos percecionados (a título de dividendos) e retidos (a título de imposto), ambos refletidos nos documentos – certificado e extrato bancário – emitidos pelos respetivos intermediários financeiros [B..../ ESTADO DA FONTE: ITÁLIA (380); C... LIMITED / ESTADO DA FONTE: REINO UNIDO (826)];

h)           Os intermediários financeiros comunicaram às respetivas autoridades fiscais os montantes retidos na fonte e procederam à sua entrega aos respetivos Estados;

i)             Por Ofício n.º..., de 2 de julho de 2018, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada, «nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações), para remeter a esta Direção de Finanças, no prazo de 15 dias, os seguintes documentos originais ou cópias autenticadas [...]: a) Declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal do(s) respetivo(s) Estado(s), contendo discriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse(s) Estado(s), bem como do montante de imposto total e final pago para o ano de 2015. b) Liquidação final de imposto obtida no outro Estado, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final [...]»;

j)             Em resposta ao referido, a Requerente apresentou o certificado de retenções e o extrato emitido pela instituição financeira C... LIMITED, ambos atestando os rendimentos de capitais de fonte estrangeira (dividendos) por si auferidos e o imposto suportado nos respetivos países da fonte (Itália e Reino Unido);

k)            Por Ofício n.º ..., de 9 de janeiro de 2019, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada para «exercer, querendo, o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de alterações à sua declaração de rendimento Mod. 3 de IRS do ano de 2015»;

l)             A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia;

m)          Por ofício n.º..., de 19 de novembro de 2019, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada de que, ao abrigo do n.º 4 do art.º 65.º do Código do IRS, a AT iria proceder à alteração aos elementos declarados na DR mod 3 do IRS/2015, por não reconhecimento do imposto pago no estrangeiro, retirando o valor do imposto pago em Itália, de € 23.103,00, e no Reino Unido, no valor de € 79,64, declarados no anexo J;

n)           Em consequência, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS n.º 2019..., relativa ao período de tributação de 2015, no montante global de EUR 90.221,56 (EUR 86.107,49 de imposto; EUR 3.567,85 de sobretaxa e EUR 546,22 de juros compensatórios) e, bem assim, da respetiva nota de cobrança no montante global de EUR 23.728,84;

o)           Não tendo efetuado o pagamento voluntário da alegada dívida tributária em referência, a Requerente foi citada da instauração contra si do processo de execução fiscal n.º ...2020...;

p)           Para obstar à cobrança coerciva de tal alegada dívida tributária, a Requerente apresentou, a 22 de maio de 2020, junto do Serviço de Finanças de Cascais..., a garantia bancária n.º MD2014..., emitida pelo D..., S.A. (cfr. cópia da garantia bancária, junto aos autos com o ppa);

q)           Em 12 de junho de 2020, a Requerente apresentou junto da Direção de Finanças de Lisboa reclamação graciosa desse ato tributário;

r)            Através do Ofício n.º..., de 20 de janeiro de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

s)            Em 13 de maio de 2021, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa;

t)            Em 11 de agosto de 2021, a Requerente apresentou, junto do CAAD, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral;

u)           Em 26 de outubro de 2021, ficou constituído o Tribunal Arbitral;

v)            Em 25 de novembro de 2021, a Requerida veio informar os autos da “revogação” do ato de liquidação impugnado, em 21 de outubro de 2021, por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - IR (por delegação), nos termos da informação n.º I2021..., de 14 de outubro de 2021, elaborada pelos Serviços da AT, a qual se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos, e onde se conclui que “[a]pós apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser revogado o ato impugnado referente ao IRS do ano 2015”.

 

§2. Factos não provados

20.          Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

21.          Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

22.          Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

23.          Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos de anulação

24.          O n.º 1 do artigo 13.º do RJAT prevê o seguinte:

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.”

 

25.          À luz da terminologia do atual Código do Procedimento Administrativo (CPA), a destruição de atos com fundamento em invalidade não configura uma “revogação”, mas sim uma “anulação administrativa”, conforme resulta do artigo 165.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT:

 

 

 

“Artigo 165.º

Revogação e anulação administrativas

                1 - A revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.

                2 - A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.”

 

26.          A anulação administrativa produz efeitos retroativos, nos termos do artigo 163.º, n.º 2, do CPA.

27.          Findo o prazo definido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, a AT fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos (n.º 3 do artigo 13.º do RJAT).

28.          No caso sub judice, o ato tributário que constitui o objeto principal do litígio, reportado a IRS e juros compensatórios do exercício de 2015, foi objeto de anulação administrativa pela Requerida, ainda em momento anterior à constituição deste Tribunal, embora só tenha sido dada a conhecer aos autos em momento posterior, como se pode constatar da matéria de facto fixada.

29.          Está, assim, satisfeita a pretensão formulada pela Requerente quanto à anulação do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnado, bem como quanto à anulação da decisão de indeferimento da relação graciosa, pois não pode ser praticado novo ato, o que gera inutilidade superveniente da lide quanto à referida pretensão (inutilidade superveniente da lide parcial), a qual é causa de extinção da instância.

30.          Verifica-se, consequentemente, uma exceção dilatória que é causa de extinção parcial da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, na parte respetiva, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

§2. Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

31.          O artigo 172.º, n.º 1, do CPA determina que “… a anulação administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado …”.

32.          A Requerente pede a condenação da AT no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT, tendo em vista a restituição dos custos suportados pela Requerente com a constituição e manutenção da garantia bancária prestada.

33.          O artigo 171.º do CPPT estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

34.          O processo de impugnação judicial abrange, assim, a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por razões de economia processual, pois o direito a indemnização por prestação de garantia indevida depende da decisão sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

35.          Deste modo, e conforme resulta do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, é o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

36.          O regime do direito a indemnização por prestação de garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, cujo texto é o seguinte:

“Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

37.          No caso sub judice, ocorreu a anulação administrativa do ato de liquidação impugnado, o que tem ínsito o reconhecimento de um vício de violação de lei, que tem de considerar-se imputável aos serviços, pois foram estes que emitiram a liquidação objeto de anulação administrativa.

38.          A Requerente tem, por isso, direito a indemnização pela garantia prestada.

39.          Considerando que não há elementos que permitam determinar o montante exato da indemnização, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em sede de execução da presente sentença arbitral, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

§3. Responsabilidade por custas do processo

40.          O n.º 4 do artigo 22.º do RJAT determina que “[d]a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º ”.

41.          No caso em apreço, a causa de extinção da instância quanto aos pedidos de anulação é imputável à Requerida, pois o ato de anulação administrativa é posterior à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral e a Requerida não comunicou essa anulação nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º do RJAT.

42.          Para além disso, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

43.          O n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil estabelece que “[a] decisão […] condena em custas a parte que a elas houver dado causa …”, e o n.º 2 do mesmo artigo prevê que “… dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.

44.          No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Requerida, pelo que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, lhe é imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo.

 

IV.          DECISÃO

Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            julgar extinta a instância quanto aos pedidos de anulação do ato de liquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e absolver da instância a Requerida quanto a estes pedidos;

b)           julgar procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida e condenar a Requerida a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser determinada em sede de execução da presente sentença arbitral;

c)            condenar a Requerida ao pagamento das custas do presente processo.

 

 

V.           VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de € 23.728,84, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VI.          CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de janeiro de 2022

 

O árbitro,

Paulo Nogueira da Costa