Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 477/2019-T
Data da decisão: 2019-11-14  IVA  
Valor do pedido: € 756.486,02
Tema: IVA - Direito à dedução; Pro rata; Locação financeira; Circular.
* Decisão anulada pelo Ac. STA de 20-01-2021, Processo n.º 101/19.1BALSB
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Ramos Alexandre e Dr. Álvaro Caneira (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-09-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., doravante abreviadamente designada por "Requerente", anteriormente denominada B..., com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, vem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a pronúncia sobre a (i) legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao mês de Dezembro de 2014, no montante de € 753.487,02, e a consequente declaração de (i) legalidade daquele acto de (auto)liquidação de IVA

A Requerente pede ainda a restituição da quantia que considera indevidamente paga e juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, a Requerente pede reenvio prejudicial para o TJUE.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-07-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-09-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-09-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos e suscitando uma excepção de incompetência.

Por despacho de 05-11-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

Foi notificado o sujeito passivo para se pronunciar sobre a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não são suscitados obstáculos à apreciação do mérito da causa, mas apenas quanto à competência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na devolução do montante de € 756.486,02.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

A.           A Requerente é uma instituição de crédito do tipo caixa económica bancária, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;

B.            No âmbito da sua actividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito de dedução deste imposto, como é o caso das operações de financiamento/concessão de crédito;

C.            Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente operações de locação financeira mobiliária e custódia de títulos;

D.           Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA;

E.            Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA;

F.            Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível / grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático - ("TPA's");

G.           A Requerente não considerou viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real, nas aquisições de recursos de utilização mista;

H.           Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de "utilização mista"), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA;

I.             A referida percentagem de dedução foi determinada com cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2014, em estrita consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;

J.             Em 09-02-2015, a Requerente apresentou a autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2014, com a declaração periódica n.º... que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

K.            Com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente não incluiu no cálculo da referida percentagem de dedução os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing;

L.            A Requerente verificou que, se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 8% (oito por cento) em lugar de 3% (três por cento);

M.          Em 21-12-2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2014, solicitando a anulação parcial daquele acto de autoliquidação na parte que, no entender da Requerente, resultou na entrega de prestação tributária de IVA em excesso, por ter aplicado uma percentagem de dedução definitiva de 3% ao IVA suportado com os custos comuns incorridos naquele exercício, calculado nos termos do artigo 23.º n.º 4 do CIVA, quando, em seu entender, deveria ter considerado a percentagem de 8% (pedido de revisão oficiosa que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

N.           O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 17-04-2019, proferido pelo senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação de competências, com os fundamentos de uma informação que consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:

 

IV.1. Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

12. A Requerente constitui-se como uma sociedade que se enquadrada para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.

13. A questão em análise nos presentes autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA efetuada pela sociedade Requerente, relativa ao período de dezembro de 2014.

14. A A... é uma instituição de crédito, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro1

15. No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza, por um lado, operações financeiras que se encontram enquadradas no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, nomeadamente, financiamento/concessão de crédito, operações que configuram isenções simples ou incompletas pois não conferem direito à dedução do IVA suportado.

16. Por outro lado, pratica, simultaneamente, outro tipo de operações financeiras, como a celebração de contratos de locação financeira mobiliária, que conferem direito à dedução (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).

17. Nestes termos, tendo em consideração a natureza das atividades praticadas, a Requerente qualifica-se como um sujeito passivo "misto".

18. Relativamente às operações afetas à aquisição de bens e serviços de utilização mista, operações de locação financeira (Leasing e ALD), a A... recorreu ao método do coeficiente de imputação especifico constante no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 (da Área de Gestão Tributária do IVA) que determina que apenas deve ser considerado, no cálculo da percentagem de dedução, o montante anual correspondente aos juros e outros encargos, excluindo-se a componente de amortização de capital contida nas rendas da locação financeira.

19. Nessa medida, afirma ter apurado uma percentagem de dedução definitiva de 3% que determinou um valor a deduzir de € 453.891,62 - ponto 26.º da petição de Revisão Oficiosa.

20. Sucede que, no entendimento da Requerente, a solução preconizada pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 é ilegal, uma vez que, não só impõe a aplicação do método da afetação real quando não se encontram preenchidos os pressuposto legalmente previstos para tal "imposição autoritária" (cf. ponto 83.º da petição de Revisão Oficiosa), como, também, expurga do cálculo da referida percentagem o valor das amortizações financeiras, violando o disposto no n.º A e 5 do artigo 23.º do CIVA, conjugado com o artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA (cf. pontos 84.º a 86.º da petição em análise).

21. Se assim não fosse, a percentagem de dedução seria de 8% (contra os 3% referidos), o que determinaria um valor a deduzir de € 1.210.377,64, constatando a Requerente uma diferença, em seu prejuízo, de € 756.486,02 (cf. ponto 27.º a 29.º da petição de Revisão Oficiosa).

22. Não se conformando, por entender que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, veio interpor o presente Revisão Oficiosa, pugnando pela anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA efetuada pelo sujeito passivo, relativamente ao período de dezembro de 2014, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro na determinação da percentagem de dedução do pró rata

E em consequência, pugna pela (o)

a) Anulação parcial da autoliquidação de IVA que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 3% aos "custos" comuns e residuais, percentagem essa que foi determinada de acordo com as instruções (alegadamente ilegais) constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, quando a percentagem de dedução (no entender da Requerente) deveria corresponder a 8%, por aplicação dos n.º 1 a 4 do artigo 23.º do CIVA e do artigo 174.º da Diretiva IVA e, consequentemente, defende ser devida a restituição à Requerente do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de € 756.486,02;

b) Direito a juros indemnizatórios, por entender (no caso de deferimento da presente Revisão Oficiosa) estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.

 

IV.2. Síntese das Alegações da Requerente

23. A Requerente começa a sua exposição por referir que se verificam todos os requisitos cumulativos para aplicação do previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e n.º 1 e 2 do artigo 98.º do Código do IVA, pelo que, entende "...que desde a data de apresentação da declaração periódica de IVA (. .) ato à presente data ainda não decorreram 4 anos, o presente pedido de Revisão Oficiosa é tempestivo."

24. Tratando-se o IVA de um imposto harmonizado pelo sistema comunitário, a Requerente enquadra as operações de Leasing, na designada "Diretiva IVA" (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006), mais precisamente no artigo 73.º, que define o valor das operações como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas.

25. Na sua perspetiva no caso da locação financeira, a contraprestação consubstancia-se na renda, assumindo esta uma natureza unitária, face à inutilidade de se cindir as suas diversas componentes para efeitos de determinação do valor tributável sobre o qual recai a incidência de IVA, devendo esse valor corresponder à renda recebida ou a receber do locatário, nos termos dispostos na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA".

26. Assim, desde que não esteja em causa qualquer isenção legalmente prevista, as rendas de contratos de locação financeira são integralmente sujeitas a IVA - tributação unitária - quer na parte que respeita à amortização financeira do capital, quer na parte correspondente às componentes que constituem ganhos do locador, como sejam os juros e a remuneração de outros encargos.

27. Todavia, no que concerne à aplicação do regime de dedução parcial, a Requerente alega que a posição preconizada pela Administração Fiscal não é concordante com as normas comunitárias transpostas para o normativo nacional aplicável (CIVA).

28. Isto porque, o método da percentagem de dedução - pró rata - respeitante ao IVA dos bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, ou seja, com utilização mista, se encontra formulado nos artigos 173 º a 175.º da "Diretiva IVA", e tem caráter imperativo para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível, traduzindo-se no cálculo que resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:

- no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução; e

- no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

29. O sujeito passivo defende, por outro lado, o afastamento da aplicabilidade do único método estabelecido no normativo nacional como alternativo ao pró rata, e que encontra acolhimento expresso no artigo 23.º do CIVA, o da dedução parcial do IVA com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos (cf. ponto 75.º e 76.º da petição de Revisão Oficiosa).

30. E fá-lo por inobservância (segundo a Requerente) dos respetivos pressupostos de aplicação, definidos nos termos dos n.ºs 2 e 3 da mesma norma, uma vez que a Requerente não só não optou pelo método da afetação real, como apenas exerce uma única atividade. Ainda que se verificasse esta última condição, era necessário que, cumulativamente, a aplicação do método pró rata conduzisse a distorções significativas na tributação, o que não sucede no presente caso,

31. Pelo que, não se verificando os pressupostos preceituados no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, referentes ao exercício de atividades económicas distintas, bem como à ocorrência de distorções na tributação, a Requerente defende que a AT não pode impor a adoção do método da afetação real.

32. Ainda assim, ressalva a Requerente, a aplicação do método alternativo à aplicação do pró rata, se enquadrável no caso em apreço, consistiria na afetação (utilização efetiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações ativas, em função da utilização efetiva dos mesmos e não na utilização de quaisquer fórmulas de cálculo da percentagem de dedução "a medida" das Autoridades Tributárias e divergente das instituídas quer no normativo comunitário, quer no nacional (cf. ponto 81º da petição de Revisão Oficiosa).

33. E, deste modo, entende que as normas regulamentares do Ofício-Circulado n.º 30108 são inválidas, por padecerem de ilegalidade sustentada na imposição do método da afetação real quando não se verificam os pressupostos legalmente determinados e que legitimam tal imposição (cf. ponto 82.º e 83 º da petição de Revisão Oficiosa).

34. Conclui, assim, que a exclusão imposta pelas normas regulamentares constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, que determinaram a desconsideração de uma componente do montante de uma operação (no caso, a exclusão do capital/amortização financeira enquanto parte integrante das rendas), constitui uma objeção à letra e espírito do mecanismo de dedução previsto na "Diretiva IVA", na medida em que restringe o direito à dedução para além dos casos nela previstos e do artigo 23.º do CIVA, configurando uma violação tanto da legislação nacional como comunitária (cf. ponto 92.º e seguintes da petição de Revisão Oficiosa).

35. Por fim, e no sentido de sustentar a sua posição, vem invocar as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 309/2017-T, 311/2017-T e 312/2017-T do CAAD, referindo que na mesma está em causa uma situação de facto em tudo semelhante à presente, tendo a referida instância decidido em sentido diverso que havia sido o entendimento do TJUE, constante do Acórdão de 10.07.2014, processo n.º C-183/13, acolhido posteriormente, pelo STA, nomeadamente, no Acórdão de 29.10.2014, proferido no processo n.º 0175/13 (cf. ponto 95.º e seguintes da petição de Revisão Oficiosa).

 

IV.3. Apreciação

IV.3.1- Questão prévia: Tempestividade e adequação como meio processual do Pedido de Revisão Oficiosa

36. No que se refere à suscetibilidade e tempestividade do recurso ao procedimento de Revisão Oficiosa, muito embora a Requerente vagueie longamente sobre o erro na autoliquidação e a sua imputabilidade à Administração Tributária, por força do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 98.º do CIVA não se afigura assistir razão para o invocado.

37. A Revisão Oficiosa constitui uma garantia dos administrados/contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, com fundamento em erro imputável aos serviços injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, de acordo com o previsto no artigo 78.º da LGT,

38. Tal mecanismo é igualmente aplicável quando estejam em causa atos tributários em IVA, conforme decorre do disposto no artigo 98.º do CIVA, onde se estatui que "Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78. º da lei geral tributária."

39. Ora, no que concerne à suscetibilidade de aplicação, ao caso concreto, do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, onde se determina que "Sem prejuízo de disposições especiais, o direito a dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente", importa esclarecer que estamos aqui no âmbito do direito à dedução e não do direito à regularização do IVA.

40. De facto, o direito à dedução tem reflexos no apuramento e pagamento do imposto do período a que se refere a declaração periódica tendo por base, o registo contabilístico dos documentos que lhe serviram de suporte. A partir desse momento, qualquer correção à dedução (seja decorrente dos registos contabilísticos, declaração periódica, faturas, etc.) que venha a realizar-se, constituirá uma regularização do imposto.

41. Conforme refere João Canelhas Duro, "(...) também o n.º 2 do art.º 98.º institui um prazo de dedução de imposto, sendo aplicável àquelas situações pouco comuns em que o registo das operações não ocorre no momento previsto no nº 1 do artigo 43.º ou em que há uma grande dilação temporal entre a data das operações e a receção da fatura, permitindo-se que venha a ser efetuado o registo e se proceda à dedução no prazo de quatro anos. Estão em causa situações em que, por exemplo, por facto imputável ao prestador, vendedor ou terceiro, os documentos de suporte da dedução não são atempadamente disponibilizados ao sujeito passivo, podendo ser exercido o direito à dedução no prazo de quatro anos. Nestes termos, o prazo de quatro anos aí previsto não é manifestamente aplicável às pretensões de regularização de imposto, salvaguardando-se apenas as situações de dedução tardia de imposto por motivo da também tardia receção do documento que titula o direito ou por inadvertida omissão no registo contabilístico, não se encontrando, em qualquer caso, o encargo registado aquando da realização da autoliquidação de imposto." (negrito e sublinhado nossos)

42. Aliás, tal entendimento, quanto ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 98.º CIVA e à distinção entre direito à dedução e à regularização, decorre do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, emitido pela Direção de Serviços do IVA, em concreto do seu ponto 8.º e, bem assim, decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0966/10, de 18 de maio de 2011, que embora não verse diretamente sobre a questão em causa nos autos, determina qual a correia interpretação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.

43. O CIVA preceitua o instituto da regularização do imposto no n.º 6 do artigo 23.º, nos artigos 24 º a 26.º e 78.º a 78.º-D.

44. Ora, face à realidade dos factos descrita pela Requerente, pode concluir-se que estamos perante uma eventual situação de erro no apuramento do pró rata de dedução.

45. De acordo com o Ofício-circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, os casos como o presente não são suscetíveis de serem enquadrados nos casos de regularização previstos no artigo 78.º do CIVA, identificando o n.º 8 da mencionada instrução administrativa as situações que se encontram excluídas do respetivo âmbito, não porque não se pudessem aí incluir, mas porque a sua disciplina está regulamentada noutros normativos legais, como sejam os artigos 23.º a 25.º do CIVA.

46. O mesmo entendimento foi veiculado no parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) n.º 41/2013, de 2013-10-04. da autoria da Dr.ª Cidália Lança, com despacho concordante do Diretor do OEF de 2013-10-08, onde se refere expressamente que: "(...) as correções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (...)" não sendo possível, "(...) proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA."

47. Com efeito, estando em causa o apuramento na percentagem de dedução, os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam devem ser regularizáveis, exclusivamente, através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, ou seja, na última declaração do período a que respeita.

48. Não obstante, nestas circunstâncias, não está afastada a possibilidade de correção do referido erro através da apresentação de reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, ou mediante apresentação de impugnação judicial, contando-se o prazo a partir da data da apresentação da declaração periódica.

49. Este regime resulta do disposto no n.º 2 e 5 do artigo 97.º do CIVA, o qual embora refira apenas o artigo 78.º do CIVA, deve ser interpretado no sentido de abranger todos os tipos de regularizações, incluindo a prevista no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

50. Decorre do artigo 184.º da Diretiva IVA e da jurisprudência comunitária, a consagração de um direito geral dos sujeitos passivos à regularização do imposto inicialmente realizada, a qual ficando sujeita à disciplina consagrada por cada Estado-Membro, não pode deixar de ser efetuada dentro de um prazo razoável, entendendo-se que com o regime acima definido fica salvaguardada esta garantia.

51. O direito à regularização, tal como o direito à dedução, não são absolutos encontrando-se sujeitos a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que têm de ser exercidos nos prazos previsto na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.

52. Nessa medida, a aplicação do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA às regularizações do pró rata, consubstancia uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, afastando a aplicação do prazo de 4 anos.

53. Pelo que, ainda que se considerasse que o mencionado artigo era aplicável, dado que existe uma regra especial a definir o limite temporal para a correção dos erros deste tipo, é essa a regra que se deve considerar, sem prejuízo, de como já referido, haver a possibilidade de os sujeitos passivos apresentarem reclamação graciosa ou impugnação judicial.

54. De facto, tratando-se de preceitos especiais e imperativos constantes do CIVA que consignam regras específicas para o exercício do direito à dedução e respetiva regularização, tal significa que as mesmas devem prevalecer sobre as normas com carácter geral, sob pena daquelas ficarem despojadas de conteúdo prático, pois haveria sempre lugar à aplicação do prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º do CIVA.

55. Sucede que, não se mostrando que a situação em análise seja passível de enquadramento no disposto no artigo 98.º do CIVA, por maioria de razão, não se mostra aplicável o disposto no artigo 78.º da LGT para o qual aquele remete.

56. Acresce que, na situação em análise, o que se constata é que o sujeito passivo pretende alterar os critérios que teve presentes aquando da seleção das verbas a incluir no denominador e numerador da fração que compõe o pró rata, considerando na mesma, o valor das amortizações financeiras correspondentes aos contratos de locação financeira, o que por opção sua não foi considerado

57. Não obstante, a Requerente ter observado o entendimento constante do Ofício-circulado n.º 30082/2009, de 30 de janeiro ao preencher a declaração periódica, a verdade é que, por si só não se pode falar da adoção de tal procedimento como um erro imputável aos serviços, pois estamos perante um erro de autoliquidação de imposto, voluntário por definição.

58. Lembre-se que o legislador, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, revogou o então n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que equiparava a erro imputável aos serviços, e por tal sujeito ao prazo de quatro anos, o erro na autoliquidação de imposto.

59. Nestes termos, passou a ser perentório ao sujeito passivo solicitar a revisão do ato tributário da sua iniciativa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, no prazo da revisão administrativa, ou seja, e conforme disposto n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, no prazo de dois anos.

60. De facto, qualquer outro entendimento faria este comportamento inócuo e redundante continuando-se a aplicar o prazo de 4 anos na revisão de atos tributários praticados pelo sujeito passivo, sem qualquer suporte legal para o fazer.

61. Termos em que se julga improcedente por intempestividade o presente pedido de revisão do ato tributário.

 

V. Juros Indemnizatórios

62. A Requerente, nos pontos 167.º a 169.º da sua petição, requer indemnização a título de juros indemnizatórios, por pagamento de prestação tributária indevida, considerando que se encontram preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 43.º da LGT, em especial no artigo 61 º do CPPT, bem como, no Acórdão de 13 de julho de 2016, do Tribunal Central Administrativo do Sul, juros esses contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a dezembro de 2014 até à restituição do imposto pago em excesso.

63. Nos termos do artigo 100.º da LGT "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações (...), à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei."

64. Os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelos prejuízos causados pelo pagamento indevido de uma prestação tributária - quer esta seja efetuada no âmbito da cobrança coerciva, quer seja efetuada de forma voluntária - ou pelo atraso na restituição Oficiosa de tributos por parte da AT.

65. Assim, os pressupostos de verificação do direito a juros indemnizatórios, bem como as situações que o legislador considerou serem suscetíveis de justificar uma reparação pelos danos decorrentes do pagamento indevido de prestação tributária, e que, portanto, constituem causa de exigibilidade deste tipo de juros, encontram-se previstos no artigo 43.º da LGT, que sob a epígrafe "Pagamento indevido de prestação tributária" determina que:

" 1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição Oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30 º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditado pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro)

66. Nestes termos, torna-se necessário que se determine em sede de Revisão Oficiosa ou impugnação judicial, que um ato de liquidação de um tributo se encontra ferido de erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito), sendo o mesmo imputável aos serviços e que daí resulte o pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido.

67. Ora da análise da presente Revisão Oficiosa resulta que é entendimento da AT que não há erro nos pressupostos de facto e de direito no enquadramento do IVA, dado que a Requerente na autoliquidação de IVA em causa, teve em consideração o entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor- Geral da Área de Gestão Tributária de IVA, o qual como ficou devidamente explicitado nos pontos antecedentes, esta de acordo com as normas de direito interno e comunitário que regulam a matéria em análise.

68. Nesse sentido, ao contrário do alegado pela Requerente, não se encontram preenchidos os pressupostos legais para que seja concedida indemnização a título de juros indemnizatórios, que, por conseguinte, não são devidos.

 

VI. Exercício do Direito de Audição

69. Analisado o mérito do peticionado, procedeu-se à elaboração do Projeto de Decisão, o qual foi notificado à Requerente em 14 de março de 2019, conforme entrega de documento na caixa postal eletrónica do viaCTT, remetido para os termos e efeitos preceituados na alínea b) do n.º 1 do artº 60.º da Lei Geral Tributária.

70. Decorrido o prazo legalmente concedido para o exercício do direito de participação (15 dias), constata-se que a Reclamante não fez uso dessa garantia para acrescentar aos autos quaisquer outros elementos suscetíveis de colocarem em causa as conclusões referidas no Projeto de Decisão

VII. Decisão Final

Face ao exposto, mantêm-se as conclusões de facto e de direito constantes do referido Projeto de Decisão, pelo que se convertem as mesmas na Decisão Final de Indeferimento do pedido formulado nos autos, com todas as consequências legais:

a) INDEFERIMENTO do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos processuais para a sua apreciação.

b) INDEFERIMENTO do pedido de indemnização a título de juros indemnizatórios, por não se encontrarem preenchidos os requisitos constantes do artigo 43.º da LGT, conforme ponto V da presente Informação.

 

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, deve ser promovida a notificação da Requerente, de acordo com as normas constantes nos artigos 35.º a 41.º, todos do CPPT, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias, recorrer hierarquicamente, ao abrigo do disposto no artigo 80.º da LGT, conjugado com o artigo 66.º do CPPT, ou, no prazo de três meses, deduzir Impugnação Judicial, nos termos do artigo 102.º também do CPPT, ou ainda, fazer uso da faculdade prevista no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

O.           Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

P.            Em 17-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo e no alegado pela Requerente que é confirmado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no parecer em que se baseia a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

 

                3. Questão da incompetência para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 756.486,02

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento da quantia de € 756.486,02, como é peticionado.

As razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita esta questão são as seguintes, em suma:

 

– não pode o Tribunal condenar a AT na concreta anulação do montante de imposto indicado pela Requerente, mas tão só na anulação parcial da liquidação de IVA correspondente à correcção contestada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, sendo o concreto valor de imposto a anular apurado em sede de execução de julgados;

– de acordo com o artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

– uma interpretação em sentido diferente seria materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP e por violar o princípio da legalidade;

– a letra da lei é clara, limitando-se a decisão à apreciação da legalidade da liquidação e cabendo a quantificação das consequências à Autoridade Tributária, até porque, em sede de IVA, está-se perante um sistema de conta corrente em que vários outros elementos têm de ser ponderados na medida em que se reflectem em declarações de outros períodos para além do que aqui está em causa.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

 Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

 Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.

Diferente desta questão da competência é a de saber se no processo arbitral existem todos os elementos necessários para quantificar o montante a reembolsar na sequência da anulação do acto impugnado, que, no caso de resposta negativa, impede o tribunal arbitral de proferir uma condenação em quantia certa.

Quanto à violação do princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13.º e 20.º da CRP, não se vislumbra como possam ser afectados por esta interpretação, já que os princípios acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, são assegurados, precisamente, com a possibilidade de os Tribunais proferirem condenações e o princípio da igualdade impõe que aqueles que preferem recorrer à justiça arbitral sejam tratados de forma idêntica àqueles que preferem apresentar as suas pretensões aos Tribunais estaduais.

Quanto ao princípio da legalidade, não se vê que seja violado, pois não exige que a interpretação se cinja ao teor literal (como é princípio basilar da interpretação jurídica enunciado no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), e a interpretação correcta das normas aplicáveis é a que acima se adoptou.

Improcede, assim, esta excepção.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Interpretação do pedido de revisão oficiosa e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa

 

O itinerário valorativo da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não é perfeitamente coerente, pelo que importa, ante de mais, precisar qual o seu conteúdo decisório, à luz do que foi pedido pela ora Requerente.

A Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, que, para cálculo do pro rata de dedução definitivo respeitante ao ano 2014, relativo a bens e serviços de utilização mista, não considerou os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrou, em sintonia com a orientação que consta do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

A Requerente entende que, com a aplicação desta orientação, deduziu menos IVA do que aquele a que tinha direito, havendo entrega de um valor de prestação tributária em excesso e, em 21-12-2018, apresentou um pedido de revisão oficiosa.

No pedido de revisão oficiosa, a Requerente defendeu que a autoliquidação que efectuou, seguindo as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira, enfermava de erro imputável aos serviços, por esta incorrido em erro de direito ao emitir o Ofício Circulado n.º 30108.

                Na verdade, a Requerente referiu no pedido de revisão oficiosa, o seguinte:

3.º

E, estabelece o n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA que "Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária" (...) Ademais, estatui o n.º 2 do supra referido artigo que "Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente".

(...)

5.º

Em concreto, decorre da letra da norma vertida no n.º 1 do artigo 78.° da LGT que a Revisão Oficiosa dos atos tributários pode ser levada a cabo:

1. pela entidade que os praticou, por sua própria iniciativa, "(...) no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (...)"; ou, alternativamente,

2. pela Autoridade Tributária e Aduaneira, "(...) no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".

 

8.º

Neste contexto, afirma o Douto Tribunal que "É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).

(...)

10.º

A face do exposto, rematou o Tribunal que, relativamente ao processo dos autos, "é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta".

11.º

De resto, afirmou também o STA, no Acórdão de 12 de setembro de 2012, proferido no processo n.º 0476/12 que a conclusão de que o sujeito passivo dispõe do prazo de quatro anos para convidar a AT a despoletar a Revisão Oficiosa de atos tributários " (...) resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade -art. 266°, n.°2 da CRP (...) Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código".

12.°

Pelo que, decorre do supra explanado que, sob pena de violação dos princípios constitucionais da legalidade, justiça e igualdade, deverá a Revisão Oficiosa, a par de outros, ser considerada o meio procedimental adequado à impugnação dos atos tributários de liquidação de tributos.

(..)

16.º

Cumpre referir que a declaração de IVA do período de dezembro de 2014, na qual a Requerente procedeu ao ajustamento/regularização das deduções operadas com base na percentagem de dedução aplicada provisoriamente, foi entregue dentro do prazo legal previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código deste imposto.

17.º

Logo, uma vez que desde a data de apresentação da declaração periódica de IVA acima referida, até à presente data ainda não decorreram 4 anos, o presente Pedido de Revisão Oficiosa é tempestivo.

18.º

Pelo que, uma vez que se verificam todos os requisitos cumulativos, previstos no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 98.º do Código do IVA, para a apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa, peticiona-se, nesta sede, a Revisão Oficiosa da auto-liquidação de IVA efetuada pela Requerente no ano 2014, materializada na entrega das declarações periódicas de imposto relativas aos meses de janeiro a dezembro daquele ano. (todos os negritos são nossos)

 

Como se vê, a Requerente referiu reiteradamente que pretendia a revisão oficiosa de um acto de autoliquidação, invocando o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, aplicável por remissão do n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, e não uma pretensão de regularização ou de exercício do direito à dedução que não tivesse exercido tempestivamente, como se conclui quando diz que quanto a «esse ajustamento/regularização das deduções operadas com base na percentagem de dedução aplicada provisoriamente, foi entregue dentro do prazo legal previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código deste imposto» (artigo 16.º do pedido de revisão oficiosa)

Neste contexto, a referência ao n.º 2 do artigo 98.º é supérflua, sendo utilizada como reforço da pretensão formulada ao abrigo do n.º 1, como se conclui da referência que a ora Requerente faz no artigo 3.º do seu pedido (“Ademais...”), limitando-se a expressar que não, foi excedido o prazo aí previsto.

Mas, é inequívoco que a pretensão da ora Requerente foi de pedir a revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 1, da LGT, aplicável por expressa remissão do n.º 1 do artigo 98.º do CIVA e não uma regularização de imposto ou de novo exercício do direito à dedução, com base em novos factos.

 Neste contexto, afiguram-se desfasadas da realidade do pedido de revisão oficiosa as considerações que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz na decisão de indeferimento sobre o alcance do n.º 2 do artigo 98.º, sobre o que considera ser a «distinção entre direito à dedução e à regularização» que entende «que decorre do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro», e sobre o mecanismo do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA.

Aliás, revelando que, por fim, até terá percebido a pretensão da ora Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, depois de tudo o que referiu sobre o alcance do n.º 2 do artigo 98.º e o dever de efectuar a regularização nos termos do artigo 23º, n.º 6 , do CIVA como obstáculos à pretensão da ora Requerente, acaba por concluir que, afinal, «não está afastada a possibilidade de correção do referido erro através da apresentação de reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, ou mediante apresentação de impugnação judicial, contando-se o prazo a partir da data da apresentação da declaração periódica» (n.º 48 da informação em que se baseou a decisão de indeferimento).

Na verdade, o direito à impugnação contenciosa de actos lesivos é constitucionalmente reconhecido no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, pelo que qualquer interpretação que se reconduzisse à inimpugnabilidade de actos de autoliquidação, equiparáveis aos actos de liquidação, seria materialmente inconstitucional.

Mas, continuando a sua apreciação, a Autoridade Tributária e Aduaneira acaba por excluir a possibilidade de revisão oficiosa apenas pelo facto de «que o legislador, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, revogou o então n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que equiparava a erro imputável aos serviços, e por tal sujeito ao prazo de quatro anos, o erro na autoliquidação de imposto» e, «nestes termos, passou a ser perentório ao sujeito passivo solicitar a revisão do ato tributário da sua iniciativa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, no prazo da revisão administrativa, ou seja, e conforme disposto n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, no prazo de dois anos», pelo que «se julga improcedente por intempestividade o presente pedido de revisão do ato tributário» (pontos 58, 59 e 61 da informação referida).

Para além disso, embora a propósito do pedido de juros indemnizatórios que a ora Requerente apresentara, a Autoridade Tributária e Aduaneira acaba por se pronunciar sobre a legalidade substantiva da situação criada com o cálculo do pro rata dizendo que «é entendimento da AT que não há erro nos pressupostos de facto e de direito no enquadramento do IVA, dado que a Requerente na autoliquidação de IVA em causa, teve em consideração o entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor- Geral da Área de Gestão Tributária de IVA, o qual como ficou devidamente explicitado nos pontos antecedentes, está de acordo com as normas de direito interno e comunitário que regulam a matéria em análise».

Ponderando toda a fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, afigura-se que é de concluir que a decisão de indeferimento se baseou:

– em primeira linha, no que denominou como «intempestividade», que resulta da aplicação do prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, não poder ser aplicado o prazo de quatro anos invocado pela ora Requerente;

– em segundo lugar, seria fundamento de indeferimento a inexistência de «erro nos pressupostos de facto e de direito no enquadramento do IVA, dado que a Requerente na autoliquidação de IVA em causa, teve em consideração o entendimento constante do Ofício-Circulado n.º 30108».

 

Embora estas afirmações tenham sido feitas a propósito do pedido de juros indemnizatórios, elas configuram um juízo no sentido de a autoliquidação não enfermar de erro, nem haver erro imputável aos serviços, sedo perceptível que só não foi o fundamento decisivo por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter concluído que o fundamento que denominou como «intempestividade» justificava o indeferimento.

Em situações deste tipo em que o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa inclui um juízo afirmativo da legalidade da liquidação que dele é objecto, mas acaba por decidir o indeferimento com base noutro fundamento, deverá entender-se que se está perante uma cumulação de fundamentos de indeferimento, já que ambos o justificam.

Neste contexto, é de interpretar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa como tendo ínsito também este segundo fundamento de indeferimento, que será de aplicação subsidiária em relação ao primeiro.

 Afigura-se que foi com este alcance de a decisão de indeferimento ter este duplo fundamento que as Partes a interpretaram, pois as alegações de ambas têm por objecto, primacialmente, este segundo fundamento.

 

                4.2. Questão da «intempestividade» do pedido de revisão oficiosa

               

A Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, que, para cálculo do pro rata de dedução definitivo respeitante ao ano 2014, relativo a bens e serviços de utilização mista, não considerou os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrou, em sintonia com a orientação que consta do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

A Requerente entende que, com a aplicação desta orientação, deduziu menos IVA do que aquele a que tinha direito, havendo entrega de um valor de prestação tributária em excesso e, em 21-12-2018, apresentou um pedido de revisão oficiosa.

No pedido de revisão oficiosa a Requerente defendeu que devia ser anulada «parcialmente a autoliquidação de IVA efetuada nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2014, que resultou da aplicação da percentagem de dedução de 3% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções ilegais do Ofício-Circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 8%.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa, abordando, previamente, a questão da «tempestividade e adequação como meio processual do Pedido de Revisão Oficiosa» e concluindo que o pedido foi apresentado intempestivamente.

                O artigo 98.º do CIVA estabelece o regime da revisão oficiosa e do prazo para exercício do direito à dedução.

                Quanto à revisão oficiosa, o n.º 1 do artigo 98.º estabelece que «quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária».

                O artigo 78.º da LGT estabelecia nos seus n.ºs 1 e 2, na redacção vigente em 2014, o seguinte:

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

 

                Este n.º 2 do artigo 78.º veio a ser revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

               

                4.2.1. Posições das Partes          

 

                O fundamento do indeferimento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para o indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi o de ele ter sido apresentado intempestivamente, designadamente por não ser aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, nem o mesmo prazo previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (aplicável por remissão do artigo 98.º, n.º 1, do CIVA) para os casos de erro imputável aos serviços, mas sim o prazo de dois anos previsto para a reclamação administrativa, a que alude a parte inicial do mesmo n.º 1, com remissão para o prazo para reclamação graciosa de actos de autoliquidação, previsto no artigo 131.º do CPPT.

                No essencial, é esta a argumentação utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa:

 

51. O direito à regularização, tal como o direito à dedução, não são absolutos encontrando-se sujeitos a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que têm de ser exercidos nos prazos previsto na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.

52.Nessa medida, a aplicação do nº 6 do artigo 23º do CIVA às regularizações do pro rata, consubstancia uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, afastando a aplicação do prazo de 4 anos.

(...)

56. Acresce que, na situação em análise, o que se constata é que o sujeito passivo pretende alterar os critérios que teve presentes aquando da seleção das verbas a incluir no denominador e numerador da fração que compõe o pró rata, considerando na mesma, o valor das amortizações financeiras correspondentes aos contratos de locação financeira, o que por opção sua não foi considerado

57. Não obstante, a Requerente ter observado o entendimento constante do Ofício-circulado n.º 30082/2009, de 30 de janeiro ao preencher a declaração periódica, a verdade é que, por si só não se pode falar da adoção de tal procedimento como um erro imputável aos serviços, pois estamos perante um erro de autoliquidação de imposto, voluntário por definição.

58. Lembre-se que o legislador, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, revogou o então n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que equiparava a erro imputável aos serviços, e por tal sujeito ao prazo de quatro anos, o erro na autoliquidação de imposto.

59. Nestes termos, passou a ser perentório ao sujeito passivo solicitar a revisão do ato tributário da sua iniciativa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, no prazo da revisão administrativa, ou seja, e conforme disposto n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, no prazo de dois anos.

 

                A Requerente defende o seguinte sobre esta questão da intempestividade (artigos 204.º a 212.º do pedido de pronúncia arbitral), em suma:

– o erro decorrente da aplicação do regime jurídico da dedução do IVA “não se enquadra no conceito de erro material ou de cálculo mas diversamente no conceito de erro de direito”;

– o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA;

– no que concerne ao exercício do direito à dedução (em concreto: regularização) do IVA de um sujeito passivo que, por motivo de erro de enquadramento das suas operações tributáveis, não deduziu o imposto nos termos legalmente estabelecidos “(...) não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-05-2011, proferida no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso”;

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, limita-se a reafirmar sobre esta questão parte do que foi dito na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

                4.2.2. Apreciação da questão da intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

               

                O artigo 98.º do CIVA prevê situações distintas:

 

– no n.º 1, para os casos em que tenha sido liquidado impostos superior ao devido por erro imputável aos serviços, remete-se para o regime da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT;

– no n.º 2 prevê-se o prazo máximo para exercício do direito à dedução ou reembolso do imposto entregue em excesso, que não é aplicável quando existirem regimes especiais.

 

                A ora Requerente, apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira um pedido de revisão oficiosa, defendendo que a autoliquidação efectuada enfermava de erro imputável aos serviços, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter incorrido em erro ao emitir o Ofício Circulado n.º 30108.

                Na verdade, a Requerente referiu no pedido de revisão oficiosa, o seguinte:

17.º

Logo, uma vez que desde a data de apresentação da declaração periódica de IVA acima referida, até à presente data ainda não decorreram 4 anos, o presente Pedido de Revisão Oficiosa é tempestivo.

18.º

Pelo que, uma vez que se verificam todos os requisitos cumulativos, previstos no n.º 1 do artigo 78.º da LGT e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 98.º do Código do IVA, para a apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa, peticiona-se, nesta sede, a Revisão Oficiosa da auto-liquidação de IVA efetuada pela Requerente no ano 2014, materializada na entrega das declarações periódicas de imposto relativas aos meses de janeiro a dezembro daquele ano.

 

                Por outro lado, a Requerente imputou à Autoridade Tributária e Aduaneira o erro que entendia afectar a autoliquidação, por ter cometido um erro ao emitir o Ofício Circulado n.º 30108 (artigo 169.º do pedido de revisão oficiosa), erro este que entendeu ser fundamento do pagamento de juros indemnizatórios.

                Assim, neste contexto, é de interpretar o pedido de revisão oficiosa como formulado ao abrigo do n.º 1 do artigo 98.º do CIVA, com remissão para o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, tendo a referência ao seu n.º 2 sido efectuada para manifestar que não estava excedido o prazo de quatro anos aí indicado.

                Por isso, a questão de intempestividade a apreciar reduz-se a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

                O n.º 1 do artigo 78.º da LGT permite a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade dentro do prazo da reclamação administrativa (1.ª parte daquele n.º 1) e, se o tributo foi pago, no prazo de quatro anos, apenas com fundamento em erro imputável aos serviços (2.ª parte daquele n.º 1).

                No caso de actos de autoliquidação o prazo da reclamação administrativa é de dois anos a contar da data da declaração, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

                A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em Dezembro de 2018, mais de três anos após a apresentação da declaração de IVA impugnada, apresentada em Fevereiro de 2015, pelo que a revisão apenas não era admissível ao abrigo da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º, mas apenas ao abrigo da sua 2.ª parte, com fundamento em erro imputável a0s serviços.

                Apesar de a autoliquidação não ser efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira os erros que a afectam consideravam-se a ela imputáveis, por força da ficção estabelecida no n.º 2 daquele artigo 78.º que, na redacção da LGT vigente em até 2016, estabelecia que «sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação».

                Este n.º 2 estava em vigor quando foi efectuada a autoliquidação, em Fevereiro de 2015, mas foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a autoliquidação não lhe é imputável, por não ser praticada pelos seus serviços, e que este n.º 2 não era aplicável, por ter sido revogado, pelo que o pedido de revisão oficiosa não podia ser atendido uma vez que foi apresentado para alem do prazo de dois anos previsto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º .

                Porém, este entendimento sobre os efeitos da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT não é correcto.

                Na verdade, no momento da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, estava em curso o prazo de quatro anos para a Requerente pedir a revisão da autoliquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

                Assim, tendo a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT potencialidade para influenciar aquela situação em curso, há que atender às regras gerais sobre a aplicação no tempo das normas tributárias, designadamente as que constam do artigo 12.º da LGT.

                Entre estas normas inclui-se a do n.º 3 do artigo 12.º que estabelece que as normas sobre procedimento tributário «são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes» (artigo 12.º, n.º 3, da LGT).

                A possibilidade de formular pedidos de revisão oficiosa é, manifestamente, uma garantia dos contribuintes, pelo que a sua aplicação no tempo está sujeita à aplicação desta regra geral sobre a aplicação da lei fiscal no tempo.

                À face do regime de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT em 2015, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, com a prática de um acto de liquidação o contribuinte adquiria imediatamente os direitos impugnação previstos na lei, com os condicionalismos temporais e requisitos respectivos, quer através de reclamação graciosa, quer por meio de impugnação judicial, quer por via de apresentação de um pedido de revisão oficiosa.

                E, quanto à possibilidade de pedir a revisão oficiosa (   ), o contribuinte, com a prática do acto de autoliquidação, adquiria o direito de a pedir no prazo de dois anos com fundamento em qualquer ilegalidade e no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços, pois o referido n.º 2 do artigo 78.º equiparava qualquer erro da autoliquidação a erro imputável aos serviços.

                Quando dispõe de um prazo para uso de uma faculdade, como pedir a ver de um acto, o contribuinte tem o direito de utilizar essa faculdade em qualquer momento do período abrangido por esse prazo, pelo que, desde o seu início se constitui na sua esfera jurídica o direito de utilizar esse prazo e de escolher o momento em que pretende utilizá-lo.

                A esta luz, é claro que a revogação deste n.º 2 veio suprimir uma garantia dos contribuintes que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 tinham praticado um acto de autoliquidação e estavam em tempo para pedir a revisão oficiosa.

                Neste caso, em 31-03-2016, quando entrou em vigor a Lei n.º 7-A/2016 (artigo 218.º), a Requerente tinha adquirido o direito de pedir a revisão oficiosa da autoliquidação, que efectuara em 09-02-2015, no prazo de dois anos, com fundamento em qualquer ilegalidade, e também o de a pedir no prazo de quatro anos (até 09-02-2019), com fundamento em qualquer erro, já que todos os erros se consideravam imputáveis à Administração Tributária.

                Por isso, em 28-12-2018, quando apresentou o pedido de revisão oficiosa, a Requerente estava em tempo para apresentar o pedido com fundamento em qualquer erro, independentemente de ele lhe ser imputável, pois, para este efeito, qualquer erro da autoliquidação se ficciona como sendo imputável aos serviços.

                Pelo exposto, a decisão do pedido de revisão oficiosa enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito, ao invocar a sua intempestividade como fundamento de indeferimento.

 

                4.3. Questão da (i)legalidade do Ofício Circulado n.º 30108

                              

                Na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «não há erro nos pressupostos de facto e de direito no enquadramento do IVA, dado que a Requerente na autoliquidação de IVA em causa, teve em consideração o entendimento constante do Ofício-Circulado nº 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária de IVA».

Como se referiu, a Requerente é uma instituição financeira, sujeito passivo de IVA, que, para cálculo do pro rata de dedução definitivo respeitante ao ano 2014, relativo a bens e serviços de utilização mista, não considerou os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrou, em sintonia com a orientação que consta do ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, que estabelece que deve ser aplicado «um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

                A questão que a Requerente coloca é a de existir erro na autoliquidação por desconsideração do montante do capital das rendas facturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, no apuramento do pro rata definitivo de dedução

 

4.3.1. Enquadramento da questão e posições das Partes

 

Os artigos 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:

 

Artigo 173.º

1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

               

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

 

Artigo 174.º

1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.

2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.

3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

O artigo 23.º do CIVA estabelece o seguinte, no que está em causa no presente processo:

 

Artigo 23.º

 

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

 

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

 

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

 

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

 

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

 

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve concomitantemente actividade de locação financeira e ALD.

É um sujeito misto para efeitos de IVA, desenvolvendo operações sujeitas – designadamente as relativas à locação financeira mobiliária (leasing e ALD) - e operações isentas – nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.

O Ofício Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente estes tipos de actividades, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).

Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».

Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».

Em suma, regime especial previsto no Ofício Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:

– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;

– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».

 

A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2014 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.

Posteriormente, a Requerente verificou que, se tivesse incluído as amortizações financeiras do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 8%, em vez de 3%.

A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação relativa ao último período de 2014, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.

O pedido de revisão oficiosa foi indeferido.

No presente processo, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

– a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2014, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;

– tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso;

– a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2014 de 3% (três por cento), que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 15.129.720,50), se materializou no valor de € 453.891,62 de IVA dedutível;

– se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referida supra, esta reportar-se-ia a 8% (oito por cento), ao invés de 3% (três por cento);

– aplicando a percentagem de dedução de 8% (oito por cento) ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista (no montante de € 15.129.720,50), constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 1.210.377,64;

– o artigo 73.º da Directiva IVA e o artigo 16.º, n.º 1 e 2, alínea h), do CIVA definem o valor das operações em IVA como o montante da contraprestação a receber em relação às mesmas (ou seja, no caso da locação financeira, a renda);

– são integralmente sujeitas a IVA as rendas de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção, como ocorre nas operações imobiliárias), quer na parte correspondente à consideração da amortização financeira ou do capital, quer na parte correspondente aos juros e remuneração de outros encargos (ou ganhos);

– a Directiva IVA fixa uma fórmula de cálculo imperativa para efeitos de determinação do IVA proporcionalmente dedutível (cf. artigo 174.º da Directiva IVA);

– a percentagem de dedução resulta, pois, de uma fracção cuja composição ou fórmula de cálculo está pré-definida sem quaisquer concessões a uma margem de livre decisão dos Estados-Membros (e muito menos pela via administrativa! ), conforme se extrai do n.º 1 do artigo 174.º do diploma comunitário;

– a Directiva IVA não confere qualquer margem de discricionariedade quanto à fórmula de cálculo do mesmo, que se encontra prefigurada com carácter taxativo no supra referido n.º 2 do artigo 174.º da Directiva IVA;

– relativamente a métodos alternativos à percentagem de dedução ou pro rata, a Directiva IVA (cf. nº 2 do artigo 173.º) apenas prevê a possibilidade de os Estados-Membros:

(a) permitirem ou obrigarem os sujeitos passivos “mistos” a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade (no pressuposto, naturalmente, de que os sujeitos passivos em causa exercem diversas actividades) — cf. alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA; e,

(b) permitirem ou abrigarem os sujeitos passivos “mistos" a deduzir o IVA com base na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos — cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA.

– a Requerente não exerce diversas actividades, mas tão-só a actividade financeira, pelo que fica desde logo afastada a hipótese teórica de aplicação do pro rata sectorial (da alínea (a) do ponto que precede), que aliás nem sequer parece ter acolhimento expresso na legislação nacional;

– no que se refere à segunda alternativa — possibilidade de dedução do IVA com base na afectação (real) dos bens ou serviços adquiridos – que o Código do IVA somente a prevê nos seguintes condicionalismos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, a saber:

(a) se o sujeito passivo optar pelo método da afectação (real);

(b) por imposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, se a aplicação do método do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação;

– não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção;

– não tendo a Requerente optado pela dedução do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista de acordo com o método da afectação real, nem tão pouco se verificando quaisquer distorções significativas na tributação invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira – requisitos essenciais para a imposição do critério da afectação real, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA — não pode o critério da afectação real ser imposto in casu;

– o referido método alternativo ao pro rata, a ser aplicável consistiria na afectação (utilização efectiva) dos bens ou serviços adquiridos pelas diversas operações activas (cf. o n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, por remissão para o nº 2 do mesmo preceito) e não na utilização de fórmulas de cálculo da percentagem de dedução ”à medida” das Autoridades Tributárias, diferentes da (única) que consta do artigo 174.º da Directiva IVA;

– a primeira ilegalidade do Ofício-Circulado n.º 30108 reside na imposição do método da afectação real quando não se verificam os pressupostos que a legislação Portuguesa elege como determinantes para que tal imposição autoritária possa verificar-se (conforme previstos no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA: serem exercidas actividades económicas distintas e o pro rata conduzir a distorções significativas na tributação);

– a segunda ilegalidade do supra referido Ofício-Circulado prende-se com o facto de, perante a impossibilidade de aplicação concreta do método da afectação (real) aos recursos de utilização mista (dado que, como atrás referido, é inviável identificar critérios objectivos que com um mínimo de rigor e segurança conduzam a uma correcta concretização da mencionada afectação ou utilização efectiva), determinar a aplicação de uma percentagem de dedução calculada com exclusão de uma parte do valor (relevante) das operações de locação financeira para efeitos de IVA, contraria a fórmula única e injuntiva prevista no artigo 174.º da Directiva IVA e nos n.ºs 4 e 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– a solução preconizada pelo Ofício-Circulado n.º 30108, para além de constituir um paradoxo, não tem, acima de tudo, fundamento legal face ao disposto nos n.ºs 1 a 5 do artigo 23.º do Código do IVA;

– esta criação, no domínio da incidência tributária, violaria ainda o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

– a solução do ofício circulado sempre seria inválida por colidir e ser incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e ilegal por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente processo, defende o seguinte, em suma, sobre esta matéria:

 

– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;

– o objeto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;

– um dos objetivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;

– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos;

– a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada”; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador;

– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;

– no momento da aquisição desse mesmo input, a Requerente (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;

– por assim ser, deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem;

– à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;

– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;

– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;

– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;

– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;

– a decisão do TJUE tem valor de caso julgado e é obrigatória.

 

4.3.2. Apreciação da questão

 

Antes de mais, importa notar que não existe qualquer caso julgado, pois este tem limites subjectivos, exigindo identidade de sujeitos (artigos 581.º, n.º 2, e 619.º, n.º 1, do CPC).

Não tendo a Requerente sido parte no processo em que interveio o Banco Mais, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, está afastada a possibilidade de se lhe estender o caso julgado formado sobre a sua decisão.

A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).

Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].

No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).

Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).

Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).

Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). (   )

A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».

Através do referido Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).

Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:

 

– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);

– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.

 

No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.

No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira, o TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira, que conferem direito à dedução, e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.

No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

                As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) (   ).

                Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».

                Como já se entendeu no acórdão proferido no processo arbitral n.º 309/2017-T, o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-183/13, assenta num erro de interpretação do direito interno português.

                Desde logo, é de explicitar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE (   ), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade.

                Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

                Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

                Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4];

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

 

                Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

                Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

                Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

                É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

                Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

                 Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.

                Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

                 E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

                Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

                E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

                Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

                À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». (   )

                Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

                No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

                Pelo contrário, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, citado no acórdão do processo n.º 309/2017-T, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».

                Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP].

                Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). (   ) É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

                A isto acresce que, como decidiu o TJUE, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

                Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo ao entender que decorre daquela decisão do TJUE «que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (   ).

                A isto acresce que jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente o entendimento adoptado no processo C-183/13, veio esclarecer que «os Estados‑Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C‑153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

                Assim, o método previsto no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

                Por outro lado, resulta dos próprios termos dos pontos 8. e 9. do Ofício-Circulado que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretendeu impor aos contribuintes que actuassem em sintonia com o aí preceituado (como revelam as expressões «os sujeitos passivos ... devem utilizar», «deve ser utilizado um coeficiente» , «devendo ser considerado»).                  

                Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do CIVA, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.

                Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período de 2014 (única apresentada pela Requerente), em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão do pedido de revisão oficiosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                5. Restituição de quantia paga em excesso

 

                A Requerente pede a restituição do valor do IVA pago em excesso, no montante global de € 756.486,021.

                Não é claro que seja aquele o valor a restituir como consequência da anulação parcial da autoliquidação relativa ao último período de 2014.

                Na verdade, a Requerente, na formulação do pedido, até refere que aquele valor não se reporta à declaração do último período de 2014, mas às «declarações periódicas de imposto relativas a 2014», mas apenas juntou aos autos a referente ao último período de 2014.

                Por isso, sendo seguro que haverá uma importância a restituir, mas não sendo certo o seu montante, esse deverá ser liquidado em execução de julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 95.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 609.º, n. 2, do CPC, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e), do RJAT.

 

                6. Juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

                O regime do direito a juros indemnizatórios consta do artigo 43.º da LGT que estabelece o seguinte, nos seus n.ºs 1, 2 e 3:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

                Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a juros indemnizatórios como consequência da anulação de actos de liquidação quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

                No caso em apreço, a autoliquidação enferma de vício de violação de lei, que é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, já que a Requerente seguiu orientações genéricas que aquela publicou.

                Mas, a Requerente não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial das liquidações, tendo apresentando, antes, pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT.

                O pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação graciosa, a que alude o n.º 1 do artigo 78.º da LGT é equivalente a esta, como se entendeu nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo n.º 0402/06, e de 15-04-2009, processo n.º 065/09.

                Mas, a Requerente não apresentou o pedido de revisão oficiosa no prazo da reclamação graciosa, pois a autoliquidação foi apresentada em Fevereiro de 2015 e a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em Dezembro de 2018.

                Para as situações em que o pedido de revisão oficiosa não é apresentado no prazo da reclamação graciosa, apenas se prevê direito a juros indemnizatórios na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste».

                Neste sentido, tem vindo a pronunciar-se reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 6-07-2005, processo n.º 0560/05. de 02-11-2005, processo n.º 0562/05. de 17-05-2006, processo n.º 016/06. de 24-05-2006, processo n.º 01155/05. de 02-11-2006, processo n.º 0604/06. de 15-11-2006, processo n.º 028/06. de 10-01-2007, processo n.º 523/06. de 17-01-2007, processo n.º 01040/06. de 12-12-2006, processo n.º 0918/06. de 15-02-2007, processo n.º 01041/06. de 06-06-2007, processo n.º 0606/06. de 10-07-2013, processo n.º 390/13. de 18-01-2017, processo n.º 0890/16. de 10-5-2017, processo n.º 01159/14.

                No caso em apreço, não foi excedido este prazo de apreciação do pedido de revisão oficiosa, pelo que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

7. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2014 consubstanciada na declaração periódica n.º...;

b)           Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

c)            Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso, a determinar em execução do presente acórdão, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;

d)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 756.486,02.

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.016,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 14-11-2019

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Ramos Alexandre)

(Álvaro Caneira)