Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 472/2021-T
Data da decisão: 2022-02-28  ISV  
Valor do pedido: € 2.593,73
Tema: ISV – Revogação do ato tributário – Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

I.             A revogação do ato tributário pode ocorrer nos 30 dias subsequentes à notificação da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral.

II.            A revogação do ato tributário em momento posterior, expressamente aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração da impugnação foi plenamente atingido por outro meio.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO:

 A..., titular do número de identificação fiscal..., doravante simplesmente designado Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando (i) a anulação da decisão proferida pela Senhora Diretora da Alfândega de Viana do Castelo, datada de 10/05/2021, que rejeitou por extemporaneidade o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de ISV; (ii) a declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial da liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) datada de 26/08/2020, constante da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2020/..., no que se refere à componente ambiental, da qual resultou o pagamento pelo Requerente de imposto indevido no montante de € 2.593,73 e (iii) a condenação da Requerida a restituir ao Requerente o montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a data da liquidação do imposto.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)            O Requerente adquiriu na Bélgica e introduziu em Portugal o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., modelo ...;

b)           O Requerente apresentou a declaração aduaneira do referido veículo, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) liquidado ISV pelo valor de € 7.561,40, valor que foi integralmente pago pelo Requerente;

c)            Daquele valor, € 4.987,95 corresponde à “componente ambiental”, calculada sem qualquer redução, e € 2.246,23, à “componente cilindrada”, valor que resultou da aplicação da redução de 52%, por força do número de anos de uso do veículo;

d)           A AT deveria ter aplicado à “componente ambiental” a mesma redução aplicada à “componente cilindrada”;

e)           O Requerente apresentou, através de requerimento remetido em 29/03/2021, pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de ISV datado de 26/08/2020;

f)            O pedido de revisão oficiosa do ato tributário foi rejeitado, por intempestivo;

g)            O Requerente poderia apresentar pedido de revisão oficiosa do ato tributário no prazo de 4 anos após a liquidação, pelo que não se verifica qualquer extemporaneidade do pedido formulado;

h)           O artigo 11º do CISV, ao não prever a aplicação ao ISV de qualquer percentagem de redução relativa à componente ambiental, viola o artigo 110º do TFUE, por discriminar fiscalmente os veículos usados nacionais relativamente aos veículos usados admitidos de outros Estados Membros;

i)             À componente ambiental da liquidação impugnada deveria ter sido aplicada a percentagem de redução prevista para a componente cilindrada, o que determinaria a redução do ISV a pagar pela Requerente em € 2.593,73.

O Requerente juntou 4 documentos e não arrolou testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

No dia 09/08/2021 foi remetido email automático à AT, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.

O tribunal arbitral foi constituído em 18 de outubro de 2021.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida não apresentou resposta.

Por requerimento junto aos autos em 22/10/2021, a AT requereu a extinção da instância arbitral por inutilidade superveniente, em face do Despacho da Diretora da Alfândega de Viana do Castelo, de 20/10/2021, que procedeu à revogação parcial do ato tributário impugnado, no montante de € 2.593,73.

Notificado do requerimento junto aos autos pela AT e para se pronunciar sobre o ato revogatório praticado e sobre a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o Requerente veio declarar aceitar a revogação, não se opondo, por isso, à requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

II.            SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

III.          QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a)            Decidir sobre a tempestividade da revogação do ato por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação;

b)           Decidir sobre a tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa do ato tributário apresentado pelo Requerente;

c)            Determinar se o artigo 11º do CISV, na redação em vigor à data dos factos, está ou não em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE.

 

IV.          MATÉRIA DE FACTO:

 

a.            Factos provados:

 

a)            O Requerente adquiriu na Bélgica e introduziu em Portugal o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., modelo...;

b)           O Requerente apresentou a declaração aduaneira do referido veículo, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) liquidado ISV pelo valor de € 7.561,40, valor que foi integralmente pago pelo Requerente;

c)            Daquele valor, € 4.987,95 corresponde à “componente ambiental”, calculada sem qualquer redução, e € 2.246,23, à “componente cilindrada”, valor que resultou da aplicação da redução de 52%, por força do número de anos de uso do veículo;

d)           O Requerente apresentou, através de requerimento remetido em 29/03/2021, pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação de ISV datado de 26/08/2020;

e)           O pedido de revisão oficiosa do ato tributário foi rejeitado, por intempestivo;

f)            No dia 09/08/2021 foi remetido email automático à AT, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído;

g)            O tribunal arbitral foi constituído em 18 de outubro de 2021;

h)           Por despacho da Diretora da Alfândega de Viana do Castelo, de 20/10/2021, foi parcialmente revogado o ato de liquidação nº 2020/..., de 26/08/2020, no montante de € 2.593,73.

 

b.            Factos não provados:

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

c.            Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos julgados provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes, bem como as posições assumidas pelas partes.

 

V.           MATÉRIA DE DIREITO:

A primeira questão a decidir prende-se com a tempestividade da revogação do ato impugnado por parte da AT e sobre a consequência de tal revogação.

Para o efeito, cumpre, desde logo, convocar o disposto no artigo 13º nº 1 do RJAT, que determina o seguinte:

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.” (sublinhado nosso).

No caso dos autos, foi remetido email automático à AT em 09/08/2021, informando da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do nº do processo atribuído.

Pelo que, nos termos do disposto no artigo 13º nº 1 do RJAT, dispunha a AT do prazo de 30 dias, contado da indicada data de 09/08/2021, para, querendo, revogar o ato impugnado.

Não foi isso, porém, o que sucedeu in casu, já que o ato impugnado apenas foi revogado em 20/10/2021, decorridos, pois, bem mais do que os 30 dias a que alude o indicado artigo 13º nº 1 do RJAT.

Deste modo, não restam dúvidas de que o ato de revogação do ato tributário não pode ter, no processo, a consequência prevista no referido preceito do RJAT.

No entanto, não poderá olvidar-se que, como também já referido, o Requerente, notificado para se pronunciar sobre a referida revogação, expressamente a aceitou, não se opondo à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Com tal revogação e expressa aceitação por parte do Requerente, parece evidente que se torna inútil o prosseguimento da presente lide, já que o fim visado pelo Requerente com a instauração do presente pedido de pronúncia arbitral foi plenamente atingido por outro meio, fora do âmbito do respetivo processo, embora na sua pendência.

Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado” volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.

Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.

 

VI.          DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.

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Fixa-se o valor do processo em € 2.593,73, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ter dado causa à ação.

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Lisboa, 28 de fevereiro de 2022.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira