Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 463/2020-T
Data da decisão: 2021-06-28  IRS  
Valor do pedido: € 13.632,99
Tema: IRS – mais-valias imobiliárias realizadas por não residentes.
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SUMÁRIO:

O n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do Tratado FUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no artigo 72.º do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por "Requerente") apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

A Requerente pede:

a) A anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, a anulação do despacho de indeferimento proferido no pedido de revisão oficiosa n.º ...2020...e a consequente restituição do imposto indevidamente pago no montante de € 13.632,99;

b) A condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-09-2020.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 11-11-2020 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15-12-2020.

 

A Requerente considera que a Autoridade Tributária tributou a mais-valia imobiliária do ano de 2017 na sua totalidade, aplicando a taxa de 28%, prevista no artigo 72.º do CIRS, sem observância do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, com discriminação de tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes. Dessa tributação decorre uma carga fiscal superior à que se verificaria em relação ao mesmo tipo de operação caso a mesma fosse realizada e declarada por um residente fiscal em Portugal, assim infração ao disposto no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

Considera a AT, por seu lado, que a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português, assim obtendo o pretendido benefício, caso tivesse acionado essa opção na declaração de IRS. Não o fez porque, caso o fizesse, teria também de declarar todos os rendimentos obtidos nesse ano, incluindo os obtidos fora do território nacional. Ou seja, para ter acesso ao regime de tributação pretendido, era necessário que a Requerente tivesse preenchido os campos 8, 9 (opção pelas taxas do artigo 68.° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) do anexo G da declaração modelo 3 de IRS. Acrescenta, ainda, que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do Código do IRS não pode ser aplicável ao caso aqui em análise.

 

A AT sustenta, ainda, a compatibilidade da legislação portuguesa com o direito da União Europeia, referindo que a alteração operada por via da introdução dos atuais n.ºs 14 e 15 do artigo 72.º, do Código do IRS, veio permitir que, tanto residentes como não residentes sejam tributados em circunstâncias igualitárias, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território.

 

Por outro lado, requer a suspensão da instância e o reenvio prejudicial ao TJUE, por considerar que a questão não deve ser decidida sem a pronúncia daquele tribunal, defendendo que, apesar de já ter demonstrado que a interpretação da AT cumpre escrupulosamente o direito europeu, desconhece jurisprudência do TJUE que se debruce sobre a questão a dirimir nos presentes autos, designadamente proferida em casos com todas as características factuais apontadas, em face da alteração legislativa introduzida no CIRS e ocorrida em 2008.

 

Por despacho de 26-01-2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas.

 

Em 27.01.2021, a Requerida veio requerer a junção ao processo de um documento contendo as conclusões do advogado-geral no Processo prejudicial C-388/19 do TJUE, mencionado no artigo 27.º da resposta apresentada que, por lapso, não havia sido junto.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           Durante o ano de 2017, a Requerente tinha o estatuto de não residente fiscal em Portugal.

B.            Durante o mesmo ano, a Requerente foi residente fiscal nos Estados Unidos da América.

C.            Em 18.01.2008, a Requerente adquiriu, por € 146.000,00, a fração autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente ao 5.º B do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na ..., tornejando para a ..., n.ºs..., ... e ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... com o número ... .

D.           Em 25.01.2017, a Requerente alienou o referido imóvel pelo valor de € 275.000,00.

E.            A Requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017, onde declarou a venda do imóvel supra descrito, os respetivos valores de aquisição e de alienação e, ainda, despesas realizadas e inerentes à compra e venda no montante de € 23.163,61.

F.            A AT emitiu uma liquidação oficiosa de IRS em que diminuiu o valor das despesas realizadas para € 19.941,50, e em que tributou a mais-valia pela sua totalidade.

G.           Em resultado, foi liquidado um montante total de IRS a pagar de € 28.115,22, no qual se inclui um montante de tributações autónomas de € 27.265,98 relativo à mais-valia imobiliária.

H.           A Requerente não optou pela tributação de acordo com as taxas gerais de IRS.

I.             O imposto liquidado foi pago na sua totalidade.

J.             A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da declaração, o qual veio a ser indeferido pela AT.

 

2.1. Factos não provados

Com relevância para a causa não existem factos que se tenham considerado não provados.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos dados como provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido arbitral e em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente considera que a liquidação efetuada sobre os rendimentos obtidos com a venda da sua parcela do prédio é ilegal porquanto não foi aplicada a redução de 50% da matéria coletável prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS.

 

A Requerente tinha, no ano em que ocorreu a tributação em questão, residência fiscal nos Estados Unidos da América. Apesar do estatuto de não residente fiscal em Portugal, considera que, ao não beneficiar da redução de 50% da matéria coletável prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, está ser tratada de forma discriminatória face aos residentes em Portugal. Considera, ainda, que esse tratamento discriminatório é violador das liberdades fundamentais previstas no direito da União Europeia. A Requerente recorda que o STA, o TCAS e diversos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD já decidiram esta questão no sentido por si defendido.

 

Na sua Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte:

• Por força da alteração introduzida ao artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (Orçamento de Estado para 2008), as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida a opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS.

• Consultada a declaração Mod. 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2017), verifica-se que, no quadro 8 B do Modelo 3, foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

• Assim, as alegações da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 14) e 8 (atual n.º 15). O n.º 8 (atual n.º 15) do artigo 72° do Código do IRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).

• O mesmo é referido no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS: sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Como tal, para efeitos de tributação às taxas aplicáveis aos residentes, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

• Este quadro normativo passou a prever duas situações/possibilidades/alternativas de tributação do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, resultantes da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição por alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis: - por um lado, a Requerente podia ter optado pela tributação desses rendimentos (mais-valias) à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo que a determinação da taxa teria em conta todos os rendimentos incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, o que não fez; - por outro lado, a Requerente podia ter optado, como o fez, pela taxa autónoma de 28%, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

• Os n.ºs 14 e 15 do artigo 72.º do Código do IRS passaram a prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, já não apenas para os residentes em Portugal, mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e desde que optem pelo englobamento dos restantes rendimentos, quer obtidos em Portugal, quer obtidos fora de Portugal – razão pela qual esta alteração legislativa sanou a incompatibilidade que se verificava entre o regime nacional de tributação das mais-valias imobiliárias e o direito da União Europeia.

• Contudo, porque se levantam dúvidas sobre se o quadro normativo em vigor, tendo em conta a situação de facto apresentada pela Requerente, nomeadamente saber se a mesma viola ou não a liberdade de circulação de capitais prevista no direito da União Europeia, a Requerida sugere que a instância seja suspensa para se proceder ao reenvio prejudicial.

 

O artigo 10.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/88, de 30 de Novembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, estabelecia: “1.Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; […] 4. O ganho sujeito a 1RS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1; […]” Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do CIRS, estavam sujeitas a 1RS as pessoas singulares residentes em território português e as que, nele não residindo, aí obtivessem rendimentos.

 

O artigo 15.°, n.°s 1 e 2, do CIRS previa que, sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incidisse sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, e que, tratando-se de não residentes, o 1RS incidisse unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

Nos termos do artigo 18.° do CIRS, consideram-se obtidos em território português os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

 

O artigo 43.°, n.°s 1 e 2, do CIRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, previa que: “1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. 2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.° 1 do artigo 10.°, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.” À época, o rendimento coletável dos residentes era o resultante do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas.

 

Quanto aos não residentes, o artigo 72.°, n.° 1, do CIRS previa a aplicação de uma taxa especial proporcional de 25%, que incidia sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias.

 

Em 2007, a questão foi analisada pelo TJUE . Estava em causa a tributação de rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos em Portugal por E. Hollmann através da venda de um imóvel. No ato de liquidação dos rendimentos respeitante ao ano de 2003, a Administração Tributária competente considerou a totalidade da mais-valia realizada por E. Hollmann na determinação do seu rendimento coletável, somando esse valor aos seus demais rendimentos tributáveis em Portugal. Segundo a Administração Tributária, a recorrente no processo principal não podia invocar em seu favor o disposto no artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, pelo facto de residir noutro Estado-Membro da União Europeia e não em Portugal. E. Hollmann impugnou o referido ato de liquidação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, tendo a impugnação sido julgada improcedente. Interpôs, então, recurso dessa sentença e, no âmbito do recurso apresentado, o STA decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O disposto no n.° 2 do artigo 43.° do [CIRS], [...], que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12.°, 18.°, 39.°, 43.° e 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado-Membro da União Europeia?»

 

O Tribunal de Justiça considerou ser de responder, no essencial, que os artigos 12.° CE, 18.° CE, 39.° CE, 43.° CE e 56.° CE se opõem a uma legislação nacional, como a que estava em causa, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior àquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel. Tudo considerado, forneceu a seguinte resposta: “Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado- -Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

 

Através da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67.º-A/2007, de 31.12), o legislador português procurou adaptar o quadro legal português à pronúncia do TJUE, o que fez aditando as seguintes normas ao artigo 72.º do CIRS:

«13 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.»

«14- Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.»

 

Por outro lado, foi adaptado o formulário da Declaração Modelo 3 de IRS, tendo passado a existir um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS. Assim, para um não residente optar pela tributação à taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, é necessário declarar todos os rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro. A questão concreta que a Requerente coloca é que, no seu caso, preferia ser tributada de acordo com a taxa especial prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) – no caso, de 28% - e, simultaneamente, ver reduzida a matéria coletável a 50% das mais-valias realizadas nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

 

A AT juntou a este processo, já depois de apresentada a sua Resposta, o acórdão proferido pelo TJUE num caso idêntico – no âmbito do processo C-388/19. Neste Acórdão, as conclusões do TJUE foram as seguintes:

             Segundo jurisprudência constante, o artigo 18.º TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o TFUE não preveja regras específicas de não discriminação (...).

             O TFUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.º, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (...).

             Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (...).

             Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado no território de um Estado-Membro, efetuada por pessoas singulares não residentes, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.º TFUE.

             Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.

             No caso em apreço resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.

             Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes eram apenas consideradas em 50% do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28%.

             Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. (...)

             Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50% para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.

             Resulta do artigo 65.º, n.º 1, do TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

             Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo (...) é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (...).

             Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

             Resulta do exposto (...) que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. (...)

             (...) há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.

             (...) essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

             (...) um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (...).

             O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.

 

Parte das dúvidas que ainda se suscitavam a propósito desta temática tinham a ver com o facto de o Acórdão Hollman, do TJUE, de 11.10.2007, ter sido proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS em 2008. Contudo, a explicação agora dada pelo Tribunal – de que a escolha entre um regime (que continua a ser discriminatório) e outro que o não é não elimina o efeito discriminatório do primeiro – é elucidativa. Na realidade, o que decorre da argumentação do Tribunal de Justiça é que, nessa situação, não há uma verdadeira escolha entre dois regimes válidos (no limite, não há escolha), logo, mantém-se a situação de discriminação.

 

Entretanto, o pleno da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, veio pronunciar-se sobre esta questão em Acórdão de 09/12/2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, tendo uniformizado jurisprudência no sentido de considerar que «o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o artigo 63.° do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia.»

 

Assim, em respeito pela primazia do direito da União Europeia sobre o direito nacional e pela autoridade interpretativa do TJUE, este tribunal faz seu o entendimento de que o regime fiscal dos artigos 43.º, n.º 2, e 72.º, nº 1, 14 e 15 do CIRS, estabelece uma discriminação injustificada entre residentes e não residentes relativamente à tributação de mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em Portugal, incompatível com o disposto nos artigos 63.° e 65.º do TFUE, de igual vício padecendo o facto de, para evitar que o não residente fique sujeito a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, aquele tenha que escolher entre um regime fiscal discriminatório e outro não discriminatório, devendo, por conseguinte, ser declarada a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS em crise no presente processo, com todas as consequências legais.

 

Mostram-se ainda preenchidos os requisitos legais de que depende, nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

4. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Declarar a ilegalidade parcial e anulação da liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, assim como a anulação do despacho de indeferimento proferido no pedido de revisão oficiosa n.º ...2020..., ordenando-se a consequente restituição do imposto indevidamente pago;

b)           Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia indevidamente paga, desde o dia em que foi paga até ao seu efetivo e integral reembolso.

 

5. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 13.632,99, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

6. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se o Ministério Público da presente decisão.

 

Lisboa, 28 de junho de 2021

 

A Árbitro,

Raquel Franco