Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2020-T
Data da decisão: 2021-11-12  IVA  
Valor do pedido: € 84.205,08
Tema: IVA. Liquidação com fundamento no art. 22.º, n.º 11 do CIVA. Princípios da Colaboração e do Inquisitório – Arts. 59.º e 58.º da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 15 de dezembro de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa , veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa que deduziu contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º..., de 1 de julho de 2019, no valor de € 84.205,08, relativa ao período de fevereiro de 2019, no âmbito da apreciação de um procedimento de reembolso deste imposto.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

A Requerente visa a declaração de ilegalidade e anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e, bem assim, da liquidação adicional de IVA que lhe está subjacente.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 18 de setembro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas da designação, em 11 de novembro de 2020, não se opuseram.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 15 de dezembro de 2020.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 15 de abril de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, por não provada. Juntou ulteriormente o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 19 de abril de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, por entender que a prova da matéria de facto relevante para a decisão é documental e, por outro lado, por não ter sido suscitada ou identificada matéria de exceção.

 

Por despacho de 3 de maio de 2021, foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas, no prazo de 10 dias, e da data limite para prolação da decisão, advertindo-se a Requerente para proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

Em 18 de maio de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações, nas quais reitera as ilegalidades invocadas no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).

 

A Requerida contra-alegou, em 4 de junho de 2021, mantendo a posição expressa na Resposta.

 

 

O Tribunal determinou a prorrogação do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude do período de férias judiciais, da tramitação processual definida e da situação pandémica, conforme despachos de 11 de junho de 2021 e de 25 de outubro de 2021.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação adicional de IVA (com as legais consequências no ato de segundo grau – o indeferimento da Reclamação Graciosa – que o confirmou), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo em conta que o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificado à Requerente em 22 de junho de 2020 e que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 16 de setembro de 2020, i.e., dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicando-se, in casu, a respetiva alínea e).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.          QUESTÕES DECIDENDAS

 

São essencialmente três as questões a apreciar por este Tribunal Arbitral, a saber:

 

a)            Falta de fundamentação, de facto e de direito, e ininteligibilidade do ato tributário:

b)           Falta de notificação para apresentação de elementos no âmbito da apreciação do pedido de reembolso do IVA, não tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 39.º, n.º 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário; e

c)            Violação de lei, por errónea interpretação e aplicação do preceituado artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA e por violação dos princípios do inquisitório e da colaboração, nos termos dos artigos 58.º e 59.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

 

IV.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.           A A..., LDA., aqui Requerente, desenvolve a título principal “Atividades de Telecomunicações por Satélite”, sob o CAE 61300 e está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal – cf. Documento 2 junto pela Requerente e certidão permanente constante do PA.

B.            A Requerente procedeu, em 5 de abril de 2019, à apresentação, por via eletrónica, da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao mês/período de fevereiro de 2019, na qual apurou um crédito de IVA no valor de € 84.205,08 e solicitou o respetivo reembolso, assinalando, para o efeito, o campo 95 do quadro 06 – cf. Documento 5 junto pela Requerente.

C.            Atendendo ao facto de o referido pedido de reembolso respeitar a um crédito acumulado desde o período de 201709T (terceiro trimestre de 2017), a AT deu início a um procedimento interno de inspeção, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019... – cf. Documento 2 junto pela Requerente.

D.           No âmbito deste procedimento, foi remetido à Requerente, por via postal, o ofício n.º..., de 6 de maio de 2019, solicitando o envio de documentos/elementos para apreciação do reembolso. A carta de notificação foi devolvida à Direção de Finanças de Lisboa, em 7 de maio de 2019, com a indicação “Endereço insuficiente” – cf. PA. 

E.            Este ofício n.º..., de 6 de maio de 2019, identificava como assunto “Pedido de esclarecimentos sobre reembolso de IVA – Período 201902, no valor de € 84.205,08” e mencionava, com relevância para os presentes autos, o seguinte – cf. PA:

“NOTIFICAÇÃO

Exibição de escrita, livros ou outros documentos

(Artºs 59º e 63º LGT e Artºs 28.º. 29.º, 37.º e 48.º do RCPIT)

                A fim de se poder efectuar a verificação do(s) pedido(s) de reembolso(s) solicitado(s) por essa empresa e respeitante(s) à Ordem de Serviço acima indicada, ficam V. Exºs notificados para no prazo de 10 (dez) dias, remeterem a estes Serviços os elementos e / ou esclarecimentos a seguir indicados, referentes aos exercícios de 2017 a 2019:

1.            Descrição pormenorizada e com rigor da atividade desenvolvida, nomeadamente bens/serviços vendidos e prestados, mercados em que opera, principais clientes e fornecedores, estrutura de recursos humanos e colaboradores, instalações onde é exercida a atividade, e respetiva justificação para a existência do crédito de imposto;

2.            Extratos de conta corrente das contas de IVA, preferencialmente em formato excel, respeitantes ao período 201712T a 201902;

3.            Remeter cópias de 6 documentos, representativos e de valor mais significativo, inscritos no campo 7, de cada uma das declarações periódicas 201712T e 201810, conjuntamente com os documentos justificativos da isenção invocada;

4.            Remeter cópias de 4 documentos, representativos e de valor mais significativo, inscritos no campo 12, de cada uma das seguintes declarações periódicas: 201712T e 201809. Para cada documento enviado identificar o bem (ns) adquirido(s);

5.            Remeter cópias de 2 documentos, representativos e de valor mais significativo, inscritos no campo 16, de cada uma das seguintes declarações periódicas: 201712T, 201806 e 201808;

6.            Remeter cópias de 8 documentos, representativos e de valor mais significativo, inscritos no campo 20 de cada uma das seguintes declarações periódicas: 201712T e 201809;

7.            Remeter cópias de 8 documentos representativos e de valor mais significativo, inscritos no campo 24 de cada uma das seguintes declarações periódicas: 201712T, 201801, 201802, 201805, 201808, 201809, 201901 e 201902;

8.            Sempre que os documentos enviados remetam para contratos, orçamentos, propostas ou qualquer outro documento, devem estes ser igualmente enviados;

9.            Prestar por escrito qualquer outro esclarecimento, que entenda necessário e útil para a análise do crédito de imposto, juntando a respectiva documentação.

Se no prazo indicado não facultar os elementos solicitados será o reembolso indeferido nos termos do n.º 11 do artigo 22º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

 A falta de apresentação dos elementos acima indicados é considerada recusa de apresentação de escrita, prevista e punida nos termos do artigo 117º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.”

F.            A Requerente foi notificada, pelo ofício n.º..., datado de 14 de maio de 2019, do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, da Direção de Finanças de Lisboa, Serviços de Inspeção Tributária, o qual foi recebido na sua morada no dia seguinte (15 de maio de 2019), não tendo exercido o direito de audição – cf. PA.

G.           O Projeto convolou-se no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), com despacho de concordância do Chefe de Divisão, por subdelegação da DFA, de 18 de junho de 2019, que conclui não terem sido facultados pelo sujeito passivo [a Requerente] os elementos que permitissem aferir da legitimidade do reembolso, com o consequente indeferimento integral do pedido de reembolso de IVA, nos termos que seguidamente se transcrevem:

“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 DOS FACTOS RELEVANTES E DO DIREITO

III.1.1 – Em função do pedido de reembolso efetuado pelo contribuinte, foi o mesmo notificado para o envio de elementos através do n/ofício nº... de 06-05-2019. No dia 07-05-2019 a notificação foi devolvida à Direção de Finanças de Lisboa com a indicação «Endereço insuficiente». (Anexo nº1)

III.1.2 – Por consulta à certidão permanente do contribuinte verificamos que a morada da sede é a mesma que consta do cadastro da AT, não tendo sido comunicada qualquer alteração.

III.1.3 – Nos termos do nº 11 do art. 22º do CIVA, quando não forem facultados pelo sujeito passivo os elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, o reembolso é indeferido, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de reembolso no montante de Eur 84.205,08.

[…]

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO.

IX.1 – O contribuinte foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária para exercer o direito de audição, através do n/ofício nº..., de 14-05-2019. (anexo nº2)

IX.2 – No dia 15-05-2019, o Projeto de Relatório foi recebido na morada do contribuinte, conforme print dos CTT que se anexa. (anexo nº3)

O contribuinte presume-se notificado no 3º dia posterior ao do registo (ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil), nos termos do nº 1 do art.º 39º do CPPT, pelo que a data limite para o exercício do direito de audição terminou em 03-06-2019.

IX.3 – Terminado o prazo para exercício do direito de audição, o contribuinte não enviou os elementos solicitado no n/ofício nº ..., pelo que, se mantém a proposta de indeferimento do pedido de reembolso no montante de Eur 84.205,08, nos termos do nº 11 do art. 22º do CIVA.

IX.4 – A falta de apresentação dos elementos constantes da nossa notificação (n/ofício nº...) é considerada falta de colaboração, prevista e punida pelo art. 117º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho. Foi levantado o competente auto de notícia pela infração cometida. – cf. PA.

H.           O reembolso de IVA, no valor de € 84.205,08, solicitado pela Requerente na declaração periódica de fevereiro de 2019 foi indeferido, por despacho de 1 de julho de 2019, da Diretora de Serviços da Direção de Serviços de Reembolsos (Divisão de Reembolsos e Restituições), notificado em 3 de julho de 2019, pelo ofício n.º..., através da caixa postal eletrónica, mencionando como motivo do indeferimento “Insuficiência de crédito em conta-corrente” – cf. Documento 4 junto pela Requerente.

I.             Em 1 de julho de 2019, foi emitida a liquidação adicional n.º..., referente ao período de “1902M”, no valor de € 84.205,08 (correspondente ao reembolso solicitado), notificada em 3 de julho de 2019, pelo ofício n.º...,  através da caixa postal eletrónica. Retira-se da notificação da liquidação o excerto com o seguinte teor:

“Liquidação Adicional feita com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária […] Artigo 87.º do CIVA

[…]

Fica notificado da correção efetuada ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, nos termos aqui indicados e com os fundamentos constantes do relatório de inspeção que lhe foi enviado. Esta correção foi feita nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro e repercute-se para os períodos de imposto seguintes.

Da liquidação efetuada poderá deduzir, no prazo de 120 dias, reclamação graciosa a apresentar no competente Serviço de Finanças ou no prazo de três meses, impugnação judicial a apresentar nos competentes Tribunal Tributário ou Serviço de Finanças, nos termos dos artigos 70.º e 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).” – cf. Documento 1 junto pela Requerente.

J.             Inconformada com a liquidação de IVA acima identificada, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 25 de outubro de 2019, com fundamentos idênticos aos do pedido de pronúncia arbitral – cf. PA.

K.            Tendo sido notificada, em 14 de março de 2020, por correio eletrónico, do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa com os seguintes fundamentos – cf. Documento 2 junto pela Requerente:

“V - ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

Tendo a ora reclamante sido alvo de um procedimento interno de inspeção realizado ao abrigo da ordem de serviço nº 0I2019..., decorrente do pedido de reembolso de IVA efetuado na declaração periódica de 2019-02 e não tendo logrado apresentar os elementos solicitados, nos termos do nº 11 do art.º 22º do CIVA, foi indeferido o pedido de reembolso na sua totalidade e efetuada a correção ao excesso a reportar no mesmo montante.

Vem agora a reclamante alegar não ter sido notificada do pedido de elementos justificativos do IVA em crédito, efetuado pelos SIT no decurso da ação inspetiva, pelo que, assim, o ato tributário deve ser anulado, até porque também não está devidamente fundamentado. Solicitando que o valor do excesso a reportar regresse à sua conta corrente.

No entanto, desde já se refere que a reclamante não juntou aos autos quaisquer elementos comprovativos do crédito em causa, nem aquando do procedimento inspetivo, nem em sede da presente reclamação graciosa.

Quanto à alegada falta de notificação do pedido de elementos, por não ter sido remetida segunda notificação (nº 5 do art.º 39º do CPPT), temos a referir que, para além de a carta ter sido enviada para a morada que a reclamante declarou para efeitos de registo de contribuintes coincidindo com a que constava da certidão permanente (não sendo da responsabilidade da AT a insuficiência de dados verificada pelos CTT), também o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) não prevê o envio de uma segunda notificação quando a carta registada é devolvida (nº 1 do art.º 43º do CPPT).

Nesta conformidade, constituindo o RCPITA lei especial, o teor das suas normas prevalece sobre a lei geral, pelo que se afigura não assistir razão à reclamante quando afirma não ter sido validamente notificada.

Ademais, tendo sido a reclamante a solicitar o reembolso de IVA, nos termos do Despacho Normativo nº 18-A/2010, de 1 de julho (alterado e republicado pelo DN nº 17/2014, de 26 de dezembro), bem sabia que estava sujeita ao cumprimento dos requisitos daí decorrentes, bem como ao fornecimento dos elementos e/ou esclarecimentos que, entretanto, lhe viessem a ser solicitados pelos SIT, no decurso da análise ao pedido de reembolso, atendendo a que o montante do reembolso solicitado resultava de acumulações graduais de imposto deduzido desde o período de 2017/09T.

Será de notar que, conforme se retira do sistema de registo de contribuintes, em 2020-01-01, a reclamante alterou a morada da sede para «Rua Dr. ..., ..., ...-... Lisboa».

Acresce salientar que não tendo sido possível aferir da legitimidade do reembolso, de acordo com o estipulado no nº 11 do art.º 22º do CIVA, apenas foi efetuada uma correção ao excesso a reportar (liquidação nula), no sentido de o reembolso não ser pago, uma vez que não estavam reunidos os pressupostos para o efeito.

No que concerne à alegada falta de fundamentação também não assiste razão à reclamante, posto que, no RIT, bem como, na notificação de indeferimento do pedido de reembolso e na notificação da liquidação adicional feita com base no art.º 87º do CIVA, encontram-se explícitas as razões e fundamentos que levaram à correção ao excesso a reportar.

Nesta senda, conclui-se que não foram apresentados elementos contabilísticos suscetíveis de comprovar o alegado e, bem assim, de aferir se o imposto que a reclamante pretende que regresse à sua conta corrente, efetivamente, é dedutível, nos termos dos artigos 19º, 20º e 22º do CIVA, por conseguinte, se esse crédito de imposto apresenta legitimidade.

Face ao exposto e atendendo a que, nem em sede inspetiva, nem no presente procedimento de reclamação, a reclamante logrou juntar elementos suscetíveis de infirmar as conclusões dos SIT, como lhe competia, nos termos do art.º 74º da LGT, resta, assim, concluir pela observância do princípio da legalidade no ato de liquidação na sua totalidade, isto é, pela atuação «em obediência à lei e ao direito» (vide art.º 3º do CPA e art.º 55º da LGT).

Nesta conformidade, a argumentação da reclamante não pode colher provimento, devendo o pedido ser indeferido.

a) Juros Indemnizatórios

Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artº 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.

VI – CONCLUSÃO

Nestes termos e em face ao exposto, propõe-se o indeferimento da reclamação, de acordo com os fundamentos da presente informação.”

L.            A Requerente exerceu o direito de audição prévia, em 16 de março de 2020, apresentando elementos documentais que considerou comprovativos do seu crédito de imposto, em concreto – cf. Documentos 2 e 3 juntos pela Requerente e PA:

a.            Nota justificativa do reembolso com o seguinte teor:

“1. Descrição da atividade exercida pela A..., Lda

A empresa tem como actividade principal providenciar serviços de valor acrescentado e serviços de telecomunicações incluindo serviços de telecomunicações via satélite, mais concretamente a sociedade foi constituída para deter, instalar, implantar e operar as antenas e sistemas de telecomunicações que integram a estação terrena «gateway» portuguesa do Grupo B...(uma «gateway» é um conjunto de 3 antenas), que é uma das sete infra-estruturas de «gateways» regionais de suporte à rede global de satélites do Grupo B..., consistindo numa constelação inicial de oito satélites não geoestacionários, para fornecer conectividade de banda larga de alta velocidade, cobrindo áreas remotas e rurais.

Os principais clientes do Grupo são operadores de telecomunicações, para os quais é fornecida capacidade de comunicação via satélite (ligando dados das antenas para os satélites e vice-versa). A C... Limited é a proprietária legal da constelação A... . A D... tem o uso económico, opera a constelação A... e é também a vendedora mundial da capacidade de satélite do Grupo B... .

A A..., Lda adquiriu 3 antenas e equipamentos que constituem a estação terrena «gateway» portuguesa, localizada em ... (Portugal) e servirá a área do Noroeste de África. A empresa não tem pessoal em Portugal. As operações do dia-a-dia da «gateway» são subcontratadas a um operador de telecomunicações local independente (E... S.A.).

A A... Lda. processa e fatura os seguintes serviços de suporte à D...:

-              Serviços de dados da «gateway»; e

-              Outros serviços de telecomunicações.

2. Nota justificativa para o crédito de IVA solicitado em 2019-02M:

Como explicado no ponto 1., o crédito de IVA deve-se ao facto de ter havido internas operações passivas e de a faturação a emitida, como mencionado anteriormente, ser à D..., entidade Holandesa (prestação de serviços intracomunitária) isenta de IVA.”

b.            Extrato das seguintes contas:

# 243 – de 01/07/2018 a 28/02/2019

# 27889 – de 01/01/2017 a 31/08/2018

Estes extratos contêm a aposição manuscrita, em cada um dos movimentos contabilísticos pertinentes, da identificação, pelo respetivo número de ordem, das faturas (documentos) dos fornecedores ou prestadores que deram origem ao movimento, permitindo correlacionar o movimento contabilístico com a fatura que constitui o seu documento de suporte, também junto, conforme a alínea c) seguinte;

c.            Cópias de todas as faturas emitidas por fornecedores de bens ou prestadores de serviços, cujo IVA dedutível, no valor de € 84.205,08, constitui a base do reembolso do IVA, organizadas sequencialmente pelo número de ordem com que foram referenciadas nos extratos contabilísticos (v. alínea b) que antecede). Três das faturas de fornecedores estrangeiros (IVA autoliquidação) estão em língua inglesa e em dólares americanos.

M.          A Requerente foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa em 22 de junho de 2020, com a seguinte “Informação Complementar” – cf. Documento 3 junto pela Requerente:

“II — Análise e Parecer

Analisada a argumentação da reclamante e documentação anexa, cumpre referir o seguinte:

- Não tendo a reclamante juntado aos autos quaisquer elementos comprovativos do crédito em causa, nem aquando do procedimento inspetivo, nem em conjunto com a petição inicial da reclamação graciosa, vem agora, em sede de audição prévia do projeto de decisão, juntar alguns elementos que considera justificarem a sua pretensão de ver o montante do reembolso de IVA antes solicitado retornar à sua conta corrente;

- No entanto, da análise aos elementos apresentados em sede de direito de audição não se consegue aferir com assertividade se o imposto que a reclamante pretende que regresse à sua conta corrente, efetivamente, é dedutível, nos termos dos artigos 19º, 20º e 22º do CIVA, por conseguinte, se esse crédito de imposto apresenta legitimidade;

-              Pois, os documentos anexos apresentam-se de forma avulsa, sendo constituídos essencialmente por «Extratos de Conferência» e «Notas de Lançamento», entre outros, sem, contudo, evidenciarem e correlacionarem os movimentos contabilísticos com os documentos de suporte. Acrescendo que as faturas anexas aos autos não se encontram devidamente d[i]scriminadas, tendo, em alguns casos, sido emitidas em língua e moeda estrangeira;

-              Quanto à alegada falta de notificação do pedido de elementos no âmbito do procedimento de inspeção tributária, por não ter sido remetida segunda notificação (nº 5 do artº 39º do CPPT), reitera-se o que já foi enunciado no projeto de decisão, ou seja, para além de a carta ter sido enviada para a morada que a reclamante declarou para efeitos de registo de contribuintes coincidindo com a que constava da certidão permanente (não sendo da responsabilidade da AT a insuficiência de dados verificada pelos CTT), também o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), constituindo o RCPITA lei especial que prevalece sobre a lei geral, não prevê o envio de uma segunda notificação quando a carta registada é devolvida (nº 1 do artº 43º do CPPT);

-              Vem agora a reclamante solicitar que no presente procedimento de reclamação graciosa se decida pela remessa dos elementos que ora veio anexar aos autos aos Serviços de Inspeção Tributária para análise dos mesmos, todavia, tendo sido a reclamante quem solicitou o reembolso de IVA, nos termos do Despacho Normativo nº 18-A/2010, de 1 de julho (alterado e republicado pelo DN nº 17/2014, de 26 de dezembro), bem sabia que estava sujeita ao cumprimento dos requisitos daí decorrentes;

-              Ademais, salienta-se que o procedimento de reclamação graciosa tem por objeto atacar atos tributários de liquidação, não podendo ser utilizado para dilatar os prazos previstos na citada norma;

-              Realça-se que, não tendo sido possível aos Serviços de Inspeção Tributária aferir da legitimidade do reembolso, de acordo com o estipulado no nº 11 do artº 22º do CIVA, apenas foi efetuada uma correção ao excesso a reportar (liquidação nula), no sentido de o reembolso não ser pago, uma vez que não estavam reunidos os pressupostos para o efeito;

-              No que concerne à alegada falta de fundamentação também não assiste razão à reclamante, posto que, no RIT, bem como, na notificação de indeferimento do pedido de reembolso e na notificação da liquidação adicional feita com base no artº 87º do CIVA, encontram-se explicitas as razões e fundamentos que levaram à correção ao excesso a reportar que veio a originar a falta de imposto em crédito para que o reembolso solicitado pudesse ser pago.

Nesta senda, constatando-se que a reclamante não veio, em sede de direito de audição, juntar aos autos elementos novos suficientemente capazes de comprovar o alegado, e, bem assim, de contrariar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa projetada, mantêm-se os pressupostos e a fundamentação que levaram a concluir pelo indeferimento do pedido.

Mais se propõe que seja remetida cópia da presente informação ao Departamento A da Inspeção Tributária desta Direção de Finanças, nos termos do n.º 2 do art.º 63.º do RCPITA.

III — Conclusão

Face ao exposto, atendendo a que a reclamante não apresentou elementos suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, propõe-se sua convolação em definitiva, no sentido do indeferimento do pedido.”

N.           Em discordância com o ato tributário de liquidação adicional de IVA antes referido, a Requerente apresentou no CAAD, em 16 de setembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

                MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes e fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, não se identificaram factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.           DO DIREITO

 

1.            Sobre a (in)inteligibilidade e o vício de fundamentação (formal), de facto e de direito, do ato tributário

 

A Requerente suscita a ilegalidade formal do ato de liquidação de IVA controvertido, com fundamento na sua ininteligibilidade e falta de fundamentação. Neste âmbito, como ressalta da factualidade assente, o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) propõe o indeferimento do pedido de reembolso com base no artigo 22.º do Código do IVA.

Este preceito, sob a epígrafe “Momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, explicita no seu n.º 11 que “[o]s pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua atividade no período a que se refere o reembolso”.

 

No que se refere aos pressupostos de facto, o RIT indica que que o sujeito passivo não respondeu à apresentação dos elementos solicitados pela AT e que tal circunstância implica o indeferimento do pedido de reembolso, em conformidade com o disposto neste artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA.

 

Segundo a Requerente, nesta norma “apenas se propõe o indeferimento do pedido de reembolso” e, não existindo motivação adicional no RIT, o ato de liquidação não se encontra fundamentado, nem de facto, nem de direito.

 

Porém, a restrição dos efeitos da norma em apreço preconizada pela Requerente não pode acolher-se, pois o indeferimento do reembolso respeita a imposto deduzido, como a epígrafe do artigo 22.º expressa de forma clara, impondo-se a correção desse IVA que, naturalmente, implica o consequente indeferimento do pedido da sua restituição.

 

A este respeito, tem de concluir-se que o RIT contém os factos e a norma jurídica aplicável, pois concretiza as circunstâncias em que o sujeito passivo não satisfez o pedido de elementos/esclarecimentos que lhe foi dirigido (fundamentação de facto), que integram a previsão da norma – o artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA – que estatui a negação do direito à dedução (fundamentação de direito). No caso de situação de crédito de imposto a favor do sujeito passivo, esta negação implica não só a correção do imposto declarado pelo sujeito passivo como dedutível, mediante a emissão de um ato tributário de liquidação de IVA, como o indeferimento do reembolso correspondente.

 

Interessa, neste âmbito, reforçar que o reembolso do IVA se reporta sempre à restituição de imposto deduzido ao abrigo do mecanismo do crédito de imposto que caracteriza o modelo de funcionamento do método subtrativo indireto.

 

Desta forma, cabia ao sujeito passivo ter demonstrado o direito à dedução do IVA, que constitui o alicerce do seu pedido de reembolso do imposto  (pois, insiste-se, o reembolso é de “imposto deduzido” e não outro). Não o tendo feito no âmbito do procedimento inspetivo, na sequência da legítima solicitação da Requerida, é sobre a Requerente que recaem os efeitos desfavoráveis de não ver provados os factos em que assenta o direito por si reclamado. Conclusão a que se chega, mesmo sem o artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA, pelas regras gerais de repartição do ónus probatório.

 

A AT liquidou adicionalmente o IVA que a Requerente havia deduzido nas suas declarações periódicas, por não terem sido apresentados os elementos oportunamente solicitados, no âmbito do procedimento inspetivo. A omissão da apresentação de elementos, por parte da Requerente, consubstancia a violação do princípio da colaboração, fazendo cessar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte . 

 

A emissão do ato de liquidação resulta, pois, da conclusão da dedução indevida do IVA, in casu, porque não provada, e é essencial para corrigir a declaração do contribuinte quando esta enferma de algum tipo de erro, pois só por ato (impositivo) de autoridade, do qual o “ato de liquidação” constitui o paradigma no domínio fiscal, pode essa declaração ser alterada com a consequente redução do crédito de imposto e repercussão no indeferimento (total ou parcial) do reembolso.

Assim, a emissão da liquidação de IVA é uma etapa prévia essencial em caso de  indeferimento do reembolso, pois este depende do apuramento da validade do crédito de imposto declarado pelo sujeito passivo. Só após a definição dos direitos e deveres de prestação pecuniária entre as partes da relação jurídica tributária é que se determina a validade e medida do crédito de imposto que sustenta o deferimento do pedido de reembolso.

 

Se esse crédito de imposto não se confirma, ou não se confirma em parte, a sua correção passa, como referido, pela prévia emissão de um ato de autoridade corretivo. E este tem de revestir a forma de ato de liquidação de imposto que, depois, se repercute na decisão do reembolso, que é meramente financeira (d e pagamento ou não pagamento).

 

Nestes termos, verificando-se o pressuposto da não demonstração dos pressupostos da dedução do IVA, ou, nas palavras do citado artigo 22.º, n.º 11 do Código, a falta de “elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso” solicitado pela Requerente, a Requerida procedeu corretamente ao “anular” o crédito de imposto declarado por aquela, extinguindo-o através de ato de liquidação [de IVA] em sentido contrário.

 

Deste modo, o fundamento do indeferimento do reembolso é a inexistência de crédito de imposto, como bem indicou a AT. Por outro lado, como não podia deixar de ser, o fundamento do ato de liquidação que antecede mencionado indeferimento, radica na não dedutibilidade do imposto por falta de demonstração dos respetivos pressupostos, atento o disposto no artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA (cuja solução, como se disse, também resulta da simples aplicação das regras gerais de repartição do ónus da prova).

 

O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa. O novo Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) densifica, na sua extensão e requisitos, o dever de fundamentação (artigos 152.º a 154.º) que, em matéria tributária, é, especificamente regulado pelo artigo 77.º da LGT.

Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer o iter cognoscitivo e valorativo, as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (v. acórdão de 2 de fevereiro de 2006, processo n.º 01114/05).

 

Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de novembro de 2002, processo n.º 42180). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (acórdão daquele Supremo Tribunal, de 14 de março de 2001, processo n.º 46796).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o RIT contém, de forma simples e cristalina, os motivos, de facto e de direito, que motivaram a AT e alicerçaram a correção de IVA, os quais foram bem percecionados pela Requerente.

 

                Questão distinta, que não está a ser apreciada neste ponto, é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação, por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, a “real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico” [fundamentação substancial] – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2019, processo n.º 0404/13.9BEVIS.

 

À face do exposto, e ao contrário do que a Requerente propugna, a falta de apresentação dos elementos solicitados (fundamento de facto) e o artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA (fundamento de direito) fundamentam de forma clara, congruente e percetível a realização da liquidação adicional, sendo o indeferimento do pedido de reembolso do imposto um efeito sequente ao ato de liquidação e que o tem por pressuposto, pois foi este ato que extinguiu o crédito de imposto cuja restituição estava em causa. 

 

Não se verifica, pois, qualquer falta de fundamentação formal, de facto, ou de iure, nem qualquer ininteligibilidade do ato tributário.

 

De notar que não é, para este efeito, necessário que o RIT enuncie de forma expressa que irá ser emitida uma liquidação adicional (nem sendo sequer habitual que o faça), sendo suficiente que indique as razões da correção do IVA [ou da matéria coletável, dependendo dos casos] e o respetivo fundamento legal.

 

2.            Da falta de notificação do pedido de elementos de suporte ao pedido de reembolso

 

Resulta provado que a carta dirigida pela Requerida à Requerente, em 6 de maio de 2019, no decurso do procedimento inspetivo, contendo o pedido de elementos justificativos do reembolso de IVA, veio devolvida com a menção “Enderenço insuficiente”, pelo que esta não tomou, à data, conhecimento do mesmo,

 

O Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), estabelece, a este respeito, no seu artigo 43.º, n.º 1, uma presunção de notificação nos moldes infra transcritos:

“Artigo 43.º

Presunção de notificação

1 - Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação expressa na mesma, aposta pelos serviços postais de ter sido recusada, não ter sido reclamada, indicação de encerrado, endereço insuficiente, ou que o sujeito passivo em causa se mudou.”

 

Segundo a Requerente, a presunção estabelecida nesta norma não dispensa a obrigatoriedade de envio prévio de uma segunda notificação, como previsto no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, só depois operando a presunção . Convoca, em suporte desta posição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que considera extensível a exigência de segunda notificação às simples cartas registadas, apesar de a previsão da norma mencionar apenas o caso de “aviso de receção”. Acrescenta que a notificação poderia ter sido efetuada para a caixa postal eletrónica, permitindo o acesso direto dos responsáveis, que se encontram, em regra no estrangeiro, e que seria da mais elementar justiça que a Inspeção Tributária tivesse repetido a notificação ou a tentasse contactar por outra via, incluindo o Contabilista Certificado.

 

Afigura-se que a Requerente tem razão, uma vez que, em linha com o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito de situações de simples carta registada (v. acórdãos de 18 de março de 2013, processo n.º 0595/13, e de 31 de janeiro de 2012, processo n.º 0929/11), também no presente caso milita o argumento da interpretação da norma [do artigo 43.º, n.º 1 do RCPITA] “em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, nº 3, da CRP)”, devendo aplicar-se o regime previsto no artigo 39.º, n.ºs 5 e 6, ou seja, daí resultando “a imposição de uma segunda carta registada”.

 

Aliás, no presente caso, dada a potencial lesividade dos efeitos da não notificação, mais gravosa, note-se, do que noutras situações de simples carta registada que beneficiam da regra da  “segunda notificação”, como as notificações que não têm por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (v. artigo 38.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT), por maioria de razão se justifica que seja realizada uma segunda tentativa de comunicação com o sujeito passivo.

 

Entendimento que, sublinha-se, não é incompatível com (nem afasta) a presunção estabelecida no artigo 43.º, n.º 1 do RCPITA, pois esta mantém-se aplicável a partir da segunda tentativa de notificação.

Não se afigura pertinente o argumento aduzido pela Requerida, no sentido de estarmos perante uma lei especial que excluiria o disposto no artigo 39.º do CPPT, pois não só a interpretação preconizada não coloca em crise a aplicação do RCPITA, como este deve ser enquadrado e regido pelos princípios gerais das notificações no procedimento tributário que se encontram plasmados no CPPT.

 

Acresce que o artigo 41.º do CPPT, que rege as notificações das pessoas coletivas e sociedades, confere notória proeminência à notificação na caixa postal eletrónica ou na área reservada do Portal das Finanças, não tendo sido essa a via adotada no presente caso, pelo que a solução preconizada é, de igual modo, a que melhor se coaduna com o princípio da justiça.

 

Não obstante a conclusão antecedente (de que o ofício de 6 de maio de 2019 não pode ser considerado notificado), afigura-se que a Requerente, previamente à emissão do ato de liquidação e ao indeferimento do reembolso, teve uma nova possibilidade de se pronunciar e de proceder à junção dos elementos justificativos e legitimadores do reembolso, quando da notificação, pelo ofício de 14 de maio de 2019 (rececionado no dia seguinte), do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, para exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT e do RCPITA. 

 

Alega genericamente a Requerente que não foi possível exercer este direito de audição no prazo de 15 dias indicado na notificação, “fruto de problemas ocorridos na receção e encaminhamento da correspondência” sem, contudo, concretizar quaisquer problemas, além de que poderia ter solicitado o adiamento para exercício do direito de audição até 25 dias (em vez de 15) como permitido pelo artigo 60.º, n.º 6 da LGT, não tendo tomado nenhuma iniciativa nesse sentido.

 

Assim, ao contrário do que a Requerente afirma que teria feito se tivesse recebido a primeira notificação, quando 8 dias depois, em 15 de maio de 2019, recebeu a carta de notificação para exercício do direito de audição, não exerceu tal direito, nem juntou quaisquer elementos comprovativos do direito ao reembolso (que vieram depois a ser juntos em momento ulterior, já em fase de direito de audição sobre o projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada).

 

Convém notar que o Projeto de Relatório notificado à Requerente refere com clareza a “primeira” notificação (a do ofício de 6 de maio de 2019) e as consequências da sua não satisfação: que o reembolso devia ser indeferido, nos termos do n.º 11 do artigo 22.º do Código do IVA, pela falta de elementos que permitissem aferir da legitimidade do reembolso.

 

A partir do momento em que a Requerente foi notificada deste Projeto de Relatório de Inspeção, não tem qualquer aderência à realidade a sua afirmação de que não sabia que estava a ser inspecionada e de que não tinha conhecimento da inspeção, ou de que deveria apresentar a documentação e os esclarecimentos em causa (v.g. artigos 123.º e 124.º do ppa).

 

Nestes termos, entendemos que apesar de a Requerida ter indevidamente considerado efetuada a primeira notificação, o ato de liquidação em crise não é inválido por essa razão. Na verdade, a Requerente teve a possibilidade de se pronunciar antes da emissão da liquidação de IVA, e de exercer o contraditório, não o tendo feito e não apresentando elementos justificativos do exercício do direito à dedução (reembolso), atuação omissiva que valida o enquadramento na previsão do artigo 22.º, n.º 11 do Código do IVA.

 

Mesmo que não se estivesse perante uma mera irregularidade, como se afigura ser o caso, ainda assim, seria aplicável nestas circunstâncias o princípio do aproveitamento do ato administrativo, expresso pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência e contemporaneamente acolhido pelo artigo 163.º, n.º 5 do (novo) CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, segundo o qual, não se produz o efeito anulatório do ato quando:

“a)          O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b)           O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c)            Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

 

Já anteriormente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo perfilhava o entendimento de que um vício formal ou procedimental se degrada em formalidade não essencial se, atentas as circunstâncias concretas, se constata que caso a formalidade tivesse sido realizada o interessado não teria apresentado elementos novos, ou se aquele acabou por ter oportunidade de se pronunciar (v. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de março de 2004, processo n.º 1240/02; de 24 de outubro de 2007, processo n.º 429/07; de 30 de março de 2011, processo n.º 877/09; de 22 de janeiro de 2014, processo n.º 441/13 [Pleno]; e de 25 de junho de 2015, processo n.º 01391/14. V também DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao artigo 60.º, pp. 515 e segs.).

 

Improcede, nestes termos, a invocação da ilegalidade procedimental relativa à falta de notificação do pedido de elementos à Requerente.

 

3.            Ilegalidade da fundamentação substantiva

 

São essencialmente dois os argumentos que a Requerente invoca para alegar a ilegalidade material do ato tributário, por errónea fundamentação.

 

Em primeira linha, afirma que o artigo 22.º, n.º 11 do CIVA, por si só, não habilita a AT a corrigir o IVA deduzido. Não tem, contudo, razão quanto a este ponto. Como atrás aflorado, a norma vertente respeita ao exercício do direito à dedução e determina o indeferimento dos pedidos de reembolso “quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua atividade no período a que se refere o reembolso.”

 

A previsão da norma abrange um conjunto de situações em que o sujeito passivo carece de fazer prova das operações que geraram IVA deduzido, sob pena de se ver impedido de exercer o direito à dedução, efetivado, no caso, mediante reembolso. O facto de a estatuição normativa cominar, por falta de prova, o indeferimento do reembolso implica necessariamente a rejeição do direito à dedução (v. a epígrafe do artigo) e constitui uma mera clarificação e reforço da solução na situação específica dos reembolsos de IVA que, como antes referido, sempre resultaria das regras gerais de repartição do ónus da probatório. A não aceitação do direito à dedução relativo a IVA declarado a favor do sujeito passivo reclama um ato tributário corretivo: a liquidação adicional.

 

Assim, a arguição desta ilegalidade pela Requerente também deve improceder.

 

Por fim, a Requerente argui que, se o problema consistia na falta de elementos, o mesmo foi ultrapassado no decurso do procedimento de segundo grau (de Reclamação Graciosa), no qual forneceu os elementos indispensáveis à apreciação do reembolso, não existindo fundamento para a liquidação subsistir.

 

Com efeito, notificada para se pronunciar sobre o projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, em 14 de março de 2020, a Requerente veio, finalmente, proceder à junção dos elementos demonstrativos do direito à dedução e reembolso do IVA (primeiramente solicitados por ofício datado de 6 de maio de 2019), a saber:

a)            A nota justificativa da situação de crédito de imposto, derivada de a atividade da Requerente ter por destinatária uma empresa do grupo estabelecida na Holanda, prestando, assim, serviços intracomunitários (de telecomunicações) sem liquidação de IVA e incorrendo em IVA português, que lhe é faturado por fornecedores nacionais;

b)           Os extratos das contas # 243 (períodos de 01/07/2018 a 28/02/2019) e  # 27889 (períodos de 01/01/2017 a 31/08/2018), nos quais estão refletidos os movimentos contabilísticos das aquisições (de bens e serviços) geradoras de IVA dedutível e do respetivo imposto, e assinaladas, de forma manuscrita, as faturas correspondentes através de um número de ordem que foi seguido na junção dessas mesmas faturas (alínea seguinte), permitindo correlacionar o movimento contabilístico com a fatura que constitui o seu documento de suporte; e

c)            Cópias de todas as faturas emitidas por fornecedores de bens e prestadores de serviços, cujo IVA dedutível, no valor de € 84.205,08, corresponde ao do pedido de reembolso.

 

Não se pode, desta forma, concordar com a apreciação que, em sede de Reclamação Graciosa, a Requerida fez destes elementos probatórios, nomeadamente que os documentos se apresentavam de forma avulsa sem correlacionarem os movimentos contabilísticos com os documentos de suporte, não permitindo aferir o imposto dedutível, pois este Tribunal conseguiu, sem dificuldades de maior, estabelecer essa correlação.

 

Nem se compreende, de igual modo, que três faturas de fornecedores estrangeiros, redigidas em língua inglesa, e emitidas em dólares americanos, constituam, por essa razão, motivo para inviabilizar o direito à dedução e muito menos o direito à dedução de outras faturas que foram, na sua maioria, emitidas em língua portuguesa.

 

A este propósito, constata-se que a apreciação sobre as faturas em língua e moeda estrangeira viola frontalmente o disposto no artigo 35.º-A, n.º 3 do Código do IVA , que determina que a emissão de faturas por sujeitos passivos não estabelecidos ou sem domicílio em Portugal “não está sujeita às regras estabelecidas no presente Código quando a obrigação de liquidação do imposto recai sobre o sujeito passivo adquirente dos bens ou destinatário dos serviços”, como sucede na presente situação. A que acresce o facto de o imposto deduzido nestas situações ter sido autoliquidado pelo próprio sujeito passivo.

 

A Requerida erra na apreciação da prova ao pôr em causa todo o IVA que a Requerente solicitou no pedido de reembolso, uma vez que a esta apresentou documentação esclarecedora sobre o crédito de IVA, merecendo uma análise circunstanciada, que a Requerida não fez, dos documentos de suporte e dos extratos de conta facultados.

 

Não se tendo ainda consolidado o ato tributário (não se formou caso decidido), a Requerida devia, na sequência da apresentação da totalidade dos elementos documentais por parte da Requerente, ter procedido àquela análise e, suscitando-se dúvidas ou pontos por esclarecer (que não seriam, em qualquer caso, referentes à totalidade do IVA dedutível cujo reembolso foi solicitado), efetuar as diligências necessárias tendentes à sua dilucidação, podendo, nomeadamente solicitar a tradução de documentos, se entendesse necessário.

 

Ao rejeitar, sem mais, a dedução do IVA relativa ao montante total em crédito, a Requerida violou os princípios da colaboração com o contribuinte e do inquisitório e da descoberta da verdade material (v. artigos 59.º e 58.º da LGT), em concretização do disposto no artigo 266.º da Constituição. 

 

Nestes termos, a liquidação de IVA impugnada enferma de vício de violação do princípio do inquisitório e de erro na avaliação da prova, que se reconduz a erro sobre os pressupostos de facto, pelo que deve ser anulada, com as consequências legais, nomeadamente de reapreciação dos elementos disponibilizados pela Requerente.

 

4.            Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

VI.          DECISÃO

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e anular a liquidação adicional de IVA impugnada, com as legais consequências.

 

 

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 84.205,08 relativo à liquidação de IVA cuja anulação é peticionada pela Requerente e não contestado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VIII.       CUSTAS

 

                Custas no montante de € 2.754,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de novembro de 2021

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

José Nunes Barata

António Pragal Colaço