Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 457/2021-T
Data da decisão: 2022-01-06  IRS  
Valor do pedido: € 4.157,52
Tema: IRS - Residência fiscal – artigo 16.º do CIRS.
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Sumário

I.             O conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art.º 16.º do Código do IRS deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art.º 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português.

II.            Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.

III.          A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.             RELATÓRIO

As partes: A..., com o com o número de identificação fiscal ... residente em Rua ..., ..., ..., ...-... Gulpilhares, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo, e AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

No dia 26-07-2021, o Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 26-07-2021, conforme consta da respetiva ata.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como arbitro o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 13-09-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Deste modo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 01-10-2021.

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., no montante de 589,48€, referente ao ano de 2019, em síntese, o seguinte:

a.            O Requerente entregou em 19/05/2020 a sua declaração de IRS, referente ao ano de 2019, sendo emitida a liquidação no montante de 589,48€.

b.            Foi residente fiscal no Reino Unido de 2014 a 2018, aí fazendo o seu centro de vida e interesses, e o seu local de residência efetivo, tendo celebrado um contrato de trabalho sem termo com a sociedade comercial local.

c.            Em 2019, regressou a Portugal e aqui passou a trabalhar e a viver.

d.            Recebeu o salário do mês de Dezembro de 2018 em 21/12/2018, pago pelo seu empregador e dispunha de habitação no Reino Unido.

e.            Sustenta, que foi residente fiscal português antes de 31 de Dezembro de 2015, e que tem a sua situação tributária regularizada e não foi considerado residente fiscal português em 2018, 2017 e 2016.

f.             Decidiu que não voltaria ao Reino Unido e iniciaria funções como trabalhador em Portugal em janeiro de 2019, tendo tomado essa decisão por força do incentivo fiscal que a lei concedia para os 5 anos seguintes.

g.            Defende que a 31 de Dezembro de 2018, não dispunha de habitação em Portugal.

h.            Mais refere, que não aferiu qualquer rendimento em Portugal no ano de 2018 nem aqui teve qualquer atividade que permitisse concluir que aqui se radicava o seu centro de vida e interesses.

i.             Aquando da entrega da sua declaração de rendimentos, alega, que o sistema não permitiu a entrega da declaração modelo 3 alegando o benefício em questão e pretendido porquanto alguma informação de base impede-o de o fazer, ao considerar o requerente residente em Portugal nos 3 anos anteriores a 2019.

A Autoridade Tributária, devidamente notificada em 01-10-2021, apresentou a sua resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT, em suma, sustentou o seguinte:

a)            Verifica-se que o Requerente: em 2014/09/05 alterou o seu domicílio fiscal para o Reino Unido; e em 2018/12/18 alterou o seu domicílio fiscal para Portugal.

b)           Pelo que, cabe ao Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar que se verificaram os pressupostos para a aplicação do regime constante do disposto no artigo 12º-A do CIRS, o que o não fez.

c)            E não o fez, porquanto tendo alterado o seu domicílio fiscal para Portugal em 2018/12/18, juntou ao presente pedido o documento nº 8, que corresponde a uma declaração emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido, a qual refere que o Requerente foi residente fiscal naquele país entre 2014/02/24 e 2018/12/03, o que significa que a 2018/12/31, data relevante para aferição da sua situação pessoal, o Requerente já não era residente naquele país.

d)           Pelo que, não se encontra afastada a presunção decorrente dos dados no cadastro da AT, isto é, o Requerente é residente em Portugal em período anterior ao ano de 2019.

e)           Pelo que, e em conclusão, não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12º-A do CIRS, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação ora contestada.

f)            Concluindo a Requerente, que de julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

Em 25-11-2021 pelas 14h30m, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo Requerente, tendo sido concedido prazo para apresentação de alegações escritas.

As partes apresentaram as suas alegações escritas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

Tudo visto, cumpre proferir,

II.            MATÉRIA DE FACTO

i.             Factos provados

Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal Arbitral por assente com base na prova documental e testemunhal, os seguintes factos:

a)            O Requerente entregou em 19/05/2020 a sua declaração de IRS, referente ao ano de 2019.

b)          

j.             O Requerente foi residente fiscal no Reino Unido nos anos 2014 a 2018.

k.            O Requente, durante os anos de 2014 e 2018 inclusive, dispunha de habitação no Reino Unido.

l.             O Requerente, recebeu o salário do mês de dezembro de 2018 em 21/12/2018, pago pelo seu empregador no Reino Unido.

m.          O Requerente não possuiu habitação ou residiu em Portugal nos anos de 2016, 2017 e 2018, por mais de 183 dias em cada ano.

n.            O Requerente não auferiu rendimentos em Portugal no ano de 2016, 2017 e 2018.

o.            O Requerente no ano de 2018 não exerceu atividade em Portugal.

p.            O Requerente não dispunha de habitação em Portugal no ano de 2018, e a 31 de Dezembro de 2018.

q.            O Requerente celebrou um contrato de trabalho com a sociedade comercial B..., Lda, e iniciou funções em janeiro de 2019.

r.             O Requerente, em 18/12/2018, indicou e alterou o seu domicílio fiscal para a residência dos seus pais em Portugal, respetivamente, na Rua ... n.º..., Gulpilhares.

s.            O Requerente em dezembro de 2018, veio passar ferias e o Natal a Portugal.

t.             O Requerente tinha a sua situação tributária regularizada.

 

ii.            Factos não provados

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Com efeito, não existem factos relevantes, para a Decisão Arbitral, para além daqueles que se deram como provados. por outro lado, não existe contradição entre as partes sobre os factos relevantes para a decisão da causa.

 

III.          QUESTÕES DECIDENDAS

Atenta as posições assumidas pelas partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:

O alegado pelo Requerente:

(i)           Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., no montante de 4.158,52 €;

(ii)          Do direito a juros indemnizatórios;

 

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

a.            Legalidade do ato de liquidação

No caso vertente, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., no montante de 4.158,52 €.

Enfrentando a questão, cumpre averiguar se os pressupostos para beneficiar da aplicação do regime fiscal previsto para ex-residentes nos termos do artigo 12º-A do CIRS se verificam, em concreto, determinar se o Requerente é residente em Portugal em período anterior ao ano de 2019.

Em suma, o Requerente argumenta, que nos anos de 2014 a 2018, residiu e trabalhou no Reino Unido, que em 2019 recebeu uma proposta de trabalho e decidiu regressar a Portugal de modo a beneficiar do regime fiscal de ex-residente, e que em 18 de Dezembro de 2018 enquanto passava ferias e o Natal em Portugal comunicou à AT, a alteração do seu domicílio fiscal, para a morada dos seus pais, mas que apenas veio residir para o território nacional no ano de 2019.

A Requerida, contra-argumentou, no sentido de que a alteração pelo Requerente do seu domicílio fiscal para Portugal em 2018/12/18 significa que a 2018/12/31, data relevante para aferição da sua situação pessoal, o Requerente não era residente no Reino Unido, pelo que, não se encontra afastada a presunção decorrente dos dados do cadastro da AT, isto é, o Requerente é residente em Portugal em período anterior ao ano de 2019, não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12º-A do CIRS.

Da matéria de facto considerada provada, o Requerente nos anos 2014 a 2018, foi residente no Reino Unido, em 18 de dezembro de 2018 comunicou à AT a alteração do seu domicílio fiscal em Portugal para a residência dos seus pais. Em 2019 iniciou ou retomou a sua atividade profissional em Portugal, mediante um contrato de trabalho.

Nos anos de 2016, 2017 e 2018, não aferiu qualquer rendimento ou exerceu qualquer atividade profissional em Portugal. Ficou também demonstrado que não entregou nesses anos declaração de rendimentos, ou que a AT tenha oficiosamente emitido uma, em concreto quanto ao ano de 2018. E que o Requerente nos anos 2016, 2017 e 2018 não permaneceu mais de 183 dias em Portugal.

Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável a ex-residentes, previsto no artigo 12º-A do CIRS, e do regime de residência em território português previsto no artigo 16º do CIRS, aplicável à data dos factos.

Assim, estipula o artigo 12º-A, nº 1 do CIRS, o seguinte:

“São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020: 

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

 b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

 c) Tenham a sua situação tributária regularizada.”

Da análise deste normativo, em consonância com a factualidade considerada provada, concluímos que o Requerente preenche os requisitos constantes nas alíneas b) e c).

Quanto ao preenchimento do requisito da alínea a), cerne da questão controvertida, cumpre apreciar a sua análise em melhor detalhe.

Assim, a residência é o critério utilizado para determinar o âmbito da sujeição do imposto, previsto no art. 15.º do CIRS,  “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”, submetendo a sua determinação ao princípio da tributação universal dos rendimentos, mediante uma ligação forte e estável a um território específico.

A legislação em vigor, no ano em questão sub júdice, 2018, elencava mais do que um critério de residência fiscal, nos termos do disposto no artigo 16º na redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/05:

“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) (…);

d) (…)

É, assim, este o normativo aplicável, à luz do qual a questão há de ser apreciada, verificar se o Requerente, preencheu os pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS, suscetível de determinar a sua residência fiscal em território português.

Sobre o cumprimento do pressuposto do nº 1 alínea a) do artigo 16.º, do Código do IRS, é pacifico que se cinge à presença física (corpus) num território (in casu o território nacional), para imputar o país de residência fiscal, deste modo, para cumprimento do pressuposto, o Requerente, haveria de ter permanecido mais de 183 dias em território português, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa, o que no presente caso, não se verificou.

Sobre os critérios de residência fiscal, realçamos as decisões do CAAD, designadamente o Acórdão Arbitral Processo nº 332/2016-T, e o Acórdão Arbitral Processo nº 214/2017-T.

Verifica-se, assim, que o critério previsto na alínea a) se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam 183 dias no território nacional. A al. b), por outro lado, exige uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados. Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado,Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).

Efetivamente, o Requerente, ao não ter permanecido mais de 183 dias em território português, não é considerado residente fiscal em Portugal no ano de 2018, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Analisando de seguida, a alínea b) do n.º1 do artigo 16.º, subscrevemos o Acórdão Arbitral Processo nº 214/2017-T, do qual resulta o seguinte:

(…)caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, exige-se uma ligação física menos qualificada, o que implica uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território, neste caso Português.

Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.[1]

Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, quando já não é possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência.[2]

Como é referido em termos doutrinais e jurisprudenciais[3], a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente:

i) a permanência em Portugal;

ii) a disposição de uma habitação; e

iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

Em termos doutrinais, é entendimento que ” a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a não ser possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência (Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207).”

Nas palavras de Alberto Xavier “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.”(Cf.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

Uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual, para que seja claro que deve resultar da intenção do indivíduo.

Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art. 16.º deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português.

Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

Como sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.”(Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11), bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que“[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).

Como sustenta Manuel Faustino, o referido critério legal“(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…”op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10).”

Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286)”

Retomando os autos, efetivamente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: i) a permanência em Portugal; ii) a disposição de uma habitação; e iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual;

Verifica-se, no entanto, que o Requerente, não preenche o primeiro requisito, ou seja, tendo a sua residência e um contrato de trabalho no Reino Unido, desde logo, não teve uma permanência em Portugal no ano 2018.

Desse modo, atento o não preenchimento de um dos requisitos e sendo eles cumulativos, afasta a necessidade de verificação do cumprimento dos restantes.

Não deixa de se referir, no tocante a este segundo elemento de conexão, que não ficou demonstrado que o Requerente dispunha, em Portugal, de habitação em condições que fizessem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, nada resulta dos autos que, ainda que indiciariamente, aponte nesse sentido.

Com efeito, não se apurou que o Requerente dispusesse de qualquer título (designadamente, propriedade, arrendamento, usufruto, uso e habitação ou comodato) que legitimasse a utilização de uma casa em Portugal e, muito menos, que existiam condições que fizessem supor que tal (hipotética) habitação seria mantida e ocupada como residência habitual.

Pelo exposto o Requerente, não cumpre com a qualificação de residente fiscal em Portugal no ano de 2018, nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS

Por conseguinte, dá-se procedência ao pedido do Requerente, de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao ano de 2019.

Assim sendo é de considerar ilegal por violação de lei, o ora ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

b)           Dos juros indemnizatórios

Peticiona, ainda, o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual “... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).

Esta é também a posição dominante da jurisprudência do STA (vd., Ac. STA, de 07-09-2011, recurso n.º 0416/11, disponível em www.dgsi.pt/jsta).

Perante o exposto, a liquidação do IRS, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que o Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foi por aquela cometido e não poderia a mesma desconhecer entendimento diferente.

Na verdade, estando demonstrado que o requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

Pelo exposto, dá-se provimento ao pedido do Requerente.

 

V.           DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

i.             Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoa Singulares 2020..., no montante de 589,48€;

ii.            Condenar a Requerida a restituir ao Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso

V.II         VALOR DO PROCESSO

Nos termos do n.º1 alínea a) do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art, 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), “Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”, perante o normativo, a valor da ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2020..., é de 589,48€ e não de 4.158,52 €, conforme peticiona o Requerente, neste sentido, fixa-se o valor do processo em €589,48  (quinhentos e oitenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI.          CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 6 de Janeiro de 2022

 

O Arbitro

Paulo Renato Ferreira Alves