Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 448/2021-T
Data da decisão: 2022-01-10  IVA  
Valor do pedido: € 292.567,85
Tema: IVA - Revisão oficiosa. Tempestividade. Caducidade do direito de acção. Erro imputável aos serviços. IVA. Direito à dedução. Actividade económica. Investigação e desenvolvimento.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Coisinha e Dra. Sofia Quental, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-09-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A..., Pessoa Colectiva n.º ..., com sede na ..., doravante designado como «Requerente» ou «A...» ou «A... »), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial de actos de autoliquidação de IVA efectuados em excesso nas declarações periódicas deste imposto, relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2017, no montante global de € 292.567,85.

O Requerente pede ainda restituição do imposto que considera pago indevidamente, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-07-2021.

Em 09-092021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 28-09-2021.

A AT apresentou resposta em que suscitou as questões da incompetência do Tribunal Arbitral por falta de prévia reclamação graciosa, da caducidade do direito de acção (por não apresentação do pedido de pronúncia arbitral no prazo de 90 dias a contar da formação de presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e por intempestividade da apresentação deste pedido) e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 02-12-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas

As Partes apresentaram alegações.

Com as suas alegações, o Requerente apresentou documentos, tendo sido ordenado o seu desentranhamento por despacho de 04-01-2022.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa tomar conhecimento, antes de mais, das questões da caducidade do direito de acção e da incompetência do Tribunal Arbitral.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:

 

A.           O Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos, de utilidade pública, que congrega nove instituições com experiência em investigação e desenvolvimento (“I&D”) do domínio das telecomunicações (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B.            Nos termos dos seus estatutos, os seus objectivos são:

             Criar, aprofundar e difundir o conhecimento científico na área das telecomunicações;

             Criar e apoiar iniciativas de formação avançada de recursos humanos e prestar serviços no mesmo domínio;

             Cooperar com instituições de ensino superior e instituição de investigação, públicas e privadas, com objectivos na mesma área, contribuindo para o desenvolvimento do sector das telecomunicações;

             Prestar os serviços que lhe foram solicitados no âmbito do seu estatuto.

C.            As actividades predominantes do Requerente são:

(i)     Produção científica que se consubstancia na publicação de livros, capítulos de livros, artigos em revistas científicas com arbitragem, artigos em conferências arbitradas em actas publicadas e pedidos de patentes;

(ii)     Apoio à formação avançada, aferido pelo n.º de teses de doutoramento e mestrado apresentadas / submetidas e aprovadas;

(iii) Financiamento / apoio a bolseiros, que se traduz cm bolsas de doutoramento (financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia - FCT) e outras financiadas pelo próprio A... e atacadas às centenas de projetos em curso anualmente (bolsas de pós-doutoramento, para mestres, para licenciados, para alunos de 2° e 3° ano da licenciatura, de iniciação à investigação, de integração na investigação e de gestão e ciência e tecnologia);

(iv) Organização de conferências e afins (seminários, "workshops", cursos de curta duração, feiras, conferências internacionais, etc.);

(v) Prémios internacionais da especialidade atribuídos a investigadores no âmbito de projetos que lideram no A...;

(vi) Prestação de serviços em projetos com parceiros;

D.           A actividade do Requerente no âmbito da investigação consiste em criar conhecimento na área de engenharia, não com a natureza de investigação fundamental, mas muito próxima da aplicação prática (depoimentos das testemunhas B... e C...);

E.            Para parte do conhecimento obtido o Requerente não consegue concretizar aplicação prática, mas todos os projectos visam objectivos concretos, são de investigação aplicada, destinada a ser aplicada em tecnologia   (depoimentos das testemunhas B... e C...);

F.            São raros os projectos de investigação que ainda não têm aplicação prática (depoimento da testemunha C...);

G.           Os conhecimentos obtidos através da investigação que não têm aplicação prática imediata são divulgados em publicações científicas e, na sequência das publicações, eventuais interessados na sua utilização prática contactam o Requerente ou seus investigadores, sendo os conhecimentos utilizados em posteriores prestações e serviços (depoimento da testemunha C... e documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H.           Há projectos que não têm uma aptidão comercial directa, mas cujo know-how serviu posteriormente para projectos geradores de prestação de serviços tributados em IVA (depoimento da testemunha C...);

I.             Conhecimentos obtidos na investigação são utilizados para criar patentes que são vendidas ou servem de base a licenças de utilização, gerando rendimentos (depoimento da testemunha C...);

J.             A maior parte do financiamento da actividade do Requerente é proveniente de subsídios e não seria viável sem eles (depoimento da testemunha C...);

K.            Para assegurar a realização destes projectos de I&D, o Requerente recebe várias subvenções não tributadas, registadas na conta patrimonial SNC #75, entre outras as contabilizadas nas seguintes contas:

             75101 – “Entes Públicos FCT”: concedidas pelo Fundação para a Ciência e a Tecnologia, destinadas a financiar, exclusivamente, projectos de investigação;

             o 75102 – “ADI”: concedidas pela Agência de Inovação [actual Agência Nacional de Inovação (“ANI”)], destinadas a financiar, exclusivamente, projectos de investigação;

             o 7521 – “Entidades Nacionais”: concedidas pela Universidade de..., destinadas a financiar o vencimento dos investigadores afectos aos projectos de I&D;

             o 75221 – “Projectos UE": concedidas ao abrigo de programas específicos da União Europeia, destinadas a financiar, exclusivamente, projectos de investigação (artigo 49.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

L.            Cada uma das subvenções concedidas pela ADI e pela União Europeia só pode ser utilizada para financiar despesas com o projecto com base no qual foi aprovada (depoimento da testemunha C...);

M.          Relativamente às subvenções concedidas pelo FCT, para além de haver as que se referem a determinado projecto, há um financiamento base que serve para sustentar as unidades de investigação (depoimento da testemunha C...);

N.           A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Informação Vinculativa n.º A419 2008041, que está publicitada em

https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/Inf%201026.pdf;

O.           Na referida Informação Vinculativa refere-se, alem do mais, o seguinte:

9. Regra geral, nos termos do n.º 1 do art.° 20° do CIVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução, é necessário que o imposto a deduzir tenha sido suportado em bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização de operações (transmissões de bens e aquisições de serviços), sujeitas a imposto e dele não isentas.

10. Os sujeitos passivos que efectuem simultaneamente operações tributáveis que conferem o direito à dedução e operações isentas que não conferem esse direito denominam-se sujeitos passivos mistos. Estes sujeitos passivos, de acordo com o art.° 23° n.º 1 do CIVA, apenas podem exercer o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições que se destinem às operações que conferem direito à dedução, ou seja, às operações tributáveis.

 11. Para tal existem dois métodos: o método da percentagem da dedução (denominado de pró rata), segundo o qual o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução (art.° 23° n.º 1 do CIVA), e o método da afectação real, que permite a dedução do imposto segundo a afectação real da totalidade ou de parte dos bens ou serviços utilizados na actividade sujeita.

12. Consultado o sistema informático, verifica-se que a requerente é um sujeito passivo de IVA misto, enquadrado no regime normal trimestral, que opera a dedução do imposto com base no método de afectação real. 

13. O método da afectação real, utilizado pelos sujeitos passivos que tenham actividades distintas (sujeitas e isentas) permite a dedução integral do imposto suportado nas aquisições destinadas a operações tributáveis que conferem o direito à dedução e exclui totalmente do direito à dedução as aquisições destinadas a operações que não conferem esse direito.

14. Conforme o Ofício-Circulado n.º 30 103 de 2008-04-23 da Área de Gestão Tributaria - IVA, Gabinete do Subdirector-Geral, "Os princípios gerais subjacentes ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos do imposto estão previstos nos artigos 19° e 20° do CIVA, daí resultando que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.

15. Como regra geral é dedutível, com excepção das situações enunciadas no artigo 21° do CIVA, todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício de uma actividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito à dedução nos termos do artigo 20° do CIVA (...).

16. Assim, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afectos a operações que, integrando o conceito de actividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), ll, do n.º 1 do artigo 20° do CIVA.

17. Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afectos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de actividades económicas, não é, naturalmente, admissível o do exercício do direito à dedução."

18. Sendo um sujeito passivo misto, a requerente pratica, nas actividades que prossegue, operações tributadas que conferem direito a dedução, e operações não tributadas que não conferem direito a dedução. 

19. Uma vez que utiliza o denominado método de afectação real, tem necessariamente de separar as actividades e identificar cada um dos tipos de operações que pratica, as que se enquadram na actividade isenta e as que se enquadram na não isenta.

20.  Em consequência a requerente deverá suportar o imposto nas aquisições que efectue para as actividades não sujeitas a imposto, ou dele isentas, que realize.

21. Do mesmo modo, o subsídio que a requerente irá receber, na sequência da aprovação do projecto pela Comissão Europeia no âmbito do Sétimo Programa Quadro (FP7) irá destinar-se a financiar uma ou outra actividade (subsídio à exploração), dependendo a elegibilidade do IVA, do respectivo regime de dedução.

22. O facto do protocolo assinado pela requerente, considerar que o IVA não é um custo elegível, em nada interfere em relação ao regime de dedução em que já se enquadra, uma vez que, se o subsídio se destina a custear bens e serviços utilizados na actividade não isenta, poderá deduzi-lo nos termos gerais, ao contrário, se se destina à aquisição de bens e serviços afectos à actividade isenta, o IVA suportado não confere o direito à dedução, tal como sucede com todas as operações que pratica no âmbito dessa actividade.

23. A Direcção de Serviços do IVA tem entendido que, se uma entidade realiza uma actividade de investigação e desenvolvimento que não tem intuitos comerciais, não sendo portanto vendido o resultado dessa investigação, não existem operações tributáveis, pelo que essa actividade é classificada fora do campo de IVA, e não confere qualquer direito à dedução do imposto suportado.

24. Ainda que tendencialmente os resultados dessa investigação tenham aplicações comerciais ou industriais, a realização de um actividade de investigação e desenvolvimento sem que existam objectivos comerciais imediatos, nem exista um destinatário concreto para os resultados dos projectos em desenvolvimento, não permite que se afirme com rigor estar-se perante a realização de serviços ou transmissões de bens sujeitas a imposto.

25. O entendimento atrás exposto, foi corroborado através do despacho n.º 672/2002, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na Informação de 2002.03.25, elaborada por aquele Gabinete, esclarecendo que, quando a investigação constitua uma actividade com fito científico, ela não consubstancia uma operação tributável nos termos do Código do IVA. Assim sucederá sempre que a actividade de investigação não revista valor económico relevante ou quando, mesmo revestindo-o, ele não reverta em benefício directo ou indirecto do financiador. Nestes casos é alheia à incidência do IVA a actividade de investigação, como o é a operação de financiamento.

26. Conforme elementos anexados pela requerente, afigura-se que o subsídio auferido se destina a projectos de investigação fora do âmbito de sujeição do imposto. O IVA suportado na aquisição de bens e serviços destinados ao desenvolvimento desse projecto, não confere o direito à dedução, pelo que deverá ser suportado pela requerente e ser elegível para respectivo financiamento.

 

P.            A partir de 2017, o Requerente adoptou o entendimento preconizado na referida Informação Vinculativa, com

             Dedução integral do IVA incorrido em inputs conexos com projecto de I&D geradores de um output tributável directo e/ou imediato;

             Não dedução do IVA incorrido em inputs conexos com projecto de I&D não geradores de um output tributável directo e/ou imediato;

             Não dedução do (imaterial) IVA incorrido em inputs conexos com a actividade formativa; e

             Dedução parcial do IVA incorrido em inputs mistos, mediante a aplicação de uma percentagem de dedução pro rata de 20% (com a inclusão no denominador da fracção de subvenções não tributadas);

 

Q.           O Requerente apresentou as seguintes declarações periódicas de IVA que constam dos documentos n.ºs 2 a 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

– n.º ... (período 2017/01), apresentada em 10-03-2017;

  n.º ... (período 2017/02), apresentada em 10-04-2017;

– n.º ... (período 2017/03), apresentada em 09-05-2017;

– n.º ... (período 2017/04), apresentada em 08-06-2017;

– n.º ... (período 2017/05), apresentada em 07-07-2017;

– n.º ... (período 2017/06), apresentada em 31-07-2017;

– n.º ... (período 2017/07), apresentada em 08-09-2017;

– n.º ... (período 2017/08), apresentada em 09-10-2017;

– n.º ... (período 2017/09), apresentada em 09-11-2017;

– n.º ... (período 2017/10), apresentada em 07-12-2017;

– n.º ... (período 2017/11), apresentada em 09-01-2018;

– n.º ... (período 2017/12), apresentada em 25-05-2018;

R.            Em 30-12-2020, o Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral e da parte do processo administrativo com a designação «RO

...2020...CompressPdf_splitPDF_Page1-100», cujos teores se dão como

 reproduzidos;

S.            Nesse pedido de revisão oficiosa, o ora Requerente defendeu, em suma:

– que o IVA incorrido em projectos de I&D é passível de dedução integral (independentemente de serem ou não geradores de um output tributável directo e/ou imediato), pelo que deveria o imposto suportado em excesso neste particular – € 257.406,69 – ser objecto de revisão;

T.            Com o pedido de revisão oficiosa, o Requerente apresentou documentos com os n.ºs 18 («Detalhe do IVA suportado em excesso – Actividade I&D de 2017»), 19 «Detalhe do IVA suportado em excesso – Inputs mistos de 2017») e 20 («Demonstração do cálculo do pro rata definitivo de 2017» (processo administrativo), que correspondem, respectivamente aos documentos n.ºs 19, 20 e 21 juntos como pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos; 

U.           Os elementos quantitativos referidos nos documentos n.ºs 18, 19 e 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, correspondem à realidade;

V.           A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa até 15-07-2021, data em que o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

W.          Em 19-07-2018, iniciou-se uma inspecção ao Requerente, relativa aos períodos de 2014, 2015 e 2016, em que foi elaborado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.  

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

As testemunhas B... e C... aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

2.2.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27-11-2020 (artigo 18.º da Resposta), mas a realidade, demonstrada pelo processo administrativo, é que aquele pedido deu entrada nos serviços da Administração Tributária em 30-12-2020.

 

2.2.3. No que concerne aos documentos n.ºs 19, 20 e 21, apresentados pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, relativos à determinação do IVA suportado em excesso com a actividade de I&D e com inputs mistos e cálculo do pro rata definitivo de 2017 (no pressuposto de que parte de a actividade de I&D ser uma actividade económica), considera-se provada a quantificação neles efectuada e a relação das despesas arroladas com aquela actividade, uma vez que não  é invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer concreta razão para deles duvidar.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não imputa a qualquer dos documentos qualquer incorrecção ou divergência em relação à realidade, baseando a sua oposição à sua aceitação no seguinte, em suma (artigos 137.º a 145.º da Resposta):

– não aplicação, num meio contencioso, da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes prevista no artigo 75.º da LGT;

– a regra do artigo 74.º, n.º 1, da mesma Lei faz recair sobre o contribuinte o ónus da prova:

– o controlo pela Autoridade Tributária e Aduaneira da correspondência à realidade deveria ser efectuado em inspecção tributária; e

– não tendo a Requerente exercido o ónus de deduzir reclamação graciosa no prazo de 2 anos fixado no artigo 131.º do CPPT, não pôde a AT controlar previamente a legitimidade do pedido.

 

No entanto, nenhum destes argumentos é relevante.

Na verdade, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes prevista para procedimento tributário no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, vale também para o processo contencioso, pois, como é óbvio, destinando-se a fixar a materialidade do facto tributário não se justificariam resultados diferentes em função do meio procedimental ou processual em que aquela é  fixada. A realidade da relação jurídica tributária é só uma e não teria qualquer sentido impor a fixação no procedimento tributário uma determinada quantificação do facto tributário, com base numa presunção, para, depois, no meio contencioso, a considerar irrelevante e considerar provada uma realidade alternativa, por aquela presunção deixar de valer.

Por outro lado, o entendimento da AT sobre o alcance da regra do ónus da prova que consta do artigo 74.º da LGT não é correcto.

Na verdade, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT).

O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto. Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão. Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.

O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida.

Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. (   )

É apenas nestas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.

Assim, no procedimento tributário (   ), as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.

Por isso, não se pode entender que ocorram as «insuficiências probatórias» invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira que justifiquem a aplicação das regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente o princípio do inquisitório.

Finalmente, é certo que, normalmente, o controlo pela Autoridade Tributária e Aduaneira da correspondência à realidade da quantificação do facto tributário deveria ser efectuado em inspecção tributária.

Porém, nos casos de autoliquidação, em que a lei impõe ao contribuinte que pratique sem prévia intervenção da Administração Tributária os actos que quantificam a matéria tributável, esse controle administrativo é feito em impugnação administrativa, sendo por essa razão que a lei impõe que o acesso aos meios contenciosos só seja admitido após prévia impugnação administrativa, designadamente reclamação graciosa necessária, nos termos do artigo 131.º do CPPT, de forma a que possa a «AT controlar previamente a legitimidade do pedido», como afirma no artigo 145.º da sua Resposta.

No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa, mas foi formulado pedido de revisão oficiosa, que é perfeitamente equivalente à reclamação graciosa para este efeito de possibilitar o controle pela Autoridade Tributária e Aduaneira da quantificação pretendida pelo contribuinte, pois o prazo para a decisão é, em qualquer dos casos, o de quatro meses, previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

Ora, no pedido de revisão oficiosa, o ora Requerente apresentou esses mesmos documentos n.ºs 19, 20 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, aí com os n.ºs 18, 19 e 20 respectivamente, como se vê pela 1.ª parte do processo administrativo.

Isto é, no caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve a possibilidade efectiva de controlar a correspondência à realidade dos elementos quantitativos que constam daqueles documentos n.ºs 19, 20 e 21 apresentados com o pedido de pronúncia arbitral, designadamente, se tivesse dúvidas, pedindo esclarecimentos ao ora Requerente ou, inclusivamente, através de inspecção tributária.

Mas, a Autoridade Tributária e Aduaneira omitiu qualquer diligência para controlar a quantificação apresentada pelo Requerente no pedido de revisão oficiosa e este comportamento, analisado à luz do dever de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade imposto pelo artigo 58.º da LGT, deve ser interpretado como corolário de um entendimento de que elas não eram necessárias para descoberta da verdade, o que tem ínsito aceitação dessa quantificação.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu no projecto e Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 14, relativo a inspecção aos anos de 2014 a 2016, que o Requerente dispõe «de contabilidade analítica com afetação de gastos a cada projeto que permite fazer uma afetação real relativamente aos bens especificamente imputáveis a cada uma das atividades (sujeita e isenta)» (página 9) e não efectuou qualquer correcção com base em erros dessa contabilidade, pelo que é de concluir que são fiáveis os dados por esta fornecidos.

Neste contexto, à face do que consta do processo, é convicção do Tribunal Arbitral que os elementos quantitativos que constam dos documentos n.ºs 19, 20 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, correspondem à realidade.

 

3. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral 

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência do Tribunal Arbitral (artigos 122.º a 125.º da Resposta) porque, em suma, «a Portaria nº 112-A/2011, de 22/03, de onde decorre a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral, exclui do âmbito desta vinculação, conforme alínea a) do seu artigo 2º, as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT» e «não se encontra preenchido o pressuposto de arbitrabilidade/impugnabilidade das autoliquidações, qual seja terem sido estas objeto de reclamação graciosa no prazo de 2 anos, nos termos e para os efeitos do artigo 131.º do CPPT».

A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;

 

A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».

É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição.

No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redacção inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se exceptuam da competência dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Mas, por um lado, é manifesto que se esta norma da Portaria n.º 112-A/2011 for interpretada como redefinindo (restringindo) as competências dos tribunais arbitrais que decorre desta Portaria em relação ao legislado, não tem qualquer cobertura na lei de autorização legislativa, pois esta nem sequer faz depender a competência dos tribunais arbitrais de qualquer vinculação.

Da vinculação, a ser constitucionalmente admissível, poderá depender o início e a cessação da possibilidade de os contribuintes demandarem a Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais, mas não a definição das competências destes tribunais.

É certo que, já depois de a Portaria n.º 112-A/2011 ter sido emitida, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

No entanto, tendo esta Portaria sido emitida ao abrigo da redacção inicial do referido artigo 4.º do RJAT, a validade dos actos jurídicos é apreciada à face da lei vigente no momento em que eles são praticados, como decorre do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Por isso, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção inicial (a que aqui interessa) se interpretado como permitindo aos Ministros da Justiça e das Finanças, através da vinculação (que nem sequer tem suporte na lei de autorização legislativa) redefinirem, através de acto de natureza regulamentar, as competências dos tribunais arbitrais tributários, seria materialmente inconstitucional, por violação deste princípio da hierarquia das fontes normativas, que se consagra neste artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, se interpretada como restringindo as competências dos tribunais arbitrais em relação ao que decorre do artigo 2.º do RJAT e da Lei de autorização legislativa em que este se baseou, para além de ser também materialmente inconstitucional por violação do referido artigo 112.º, n.º 5, seria organicamente inconstitucional, por regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não é permitido ao Governo emitir normas no uso de competência própria.

É a esta luz que há que apreciar a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo como objecto a concreta situação que se depara nos autos, pois está fora das competências dos tribunais arbitrais a apreciação abstracta da inconstitucionalidade.

                Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

Neste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de «pedidos de revisão de actos tributários».

                No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado, em sintonia com o preceituado nestas normas do CPPT.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. (   )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». (   )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. (   )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir os contribuintes de formularem pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e, apesar da revogação desta norma pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a possibilidade de revisão de actos tributários, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, continua a ser referida no artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da LGT, com expressa referência no seu n.º 2 a que «as garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação», na parte não incompatível com a natureza desta figura.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Aliás, será esta interpretação, no sentido de que a Portaria n.º 112-A/2011 não restringe as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a única que se compagina com o referido princípio da hierarquia das normas e com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, isto é, a única interpretação que assegura a constitucionalidade daquela Portaria.

Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto)» (   )

Aliás, é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa (   ).

Por outro lado, esta questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira já foi submetida a apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu «não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD». (   )

Nestes termos, improcede a excepção invocada.

 

4. Questão da caducidade do direito de acção por o pedido de pronúncia arbitral não ser apresentado no prazo legal

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o «Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa no dia 27.11.2020», pelo que a formação de indeferimento tácito terá ocorrido em 27-03-2021 (artigo 57.º, n.º 5, da LGT) e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em, 15-07-2021, para além do prazo de 90 dias para apresentação de pedido de pronúncia arbitral previsto no artigo 10.º do RJAT.

É evidente que há lapso da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-12-2020 e não em 27-11-2020.

E, sendo de quatro meses o prazo para decisão do pedido de revogação, como decorre do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, o indeferimento tácito formou-se em 30-04-2021, nos termos do n.º  5 do artigo 57.º do mesmo artigo.

Assim, é a partir de 01-05-2021 que se conta o prazo de 90 dias para a apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, com referência à alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

                Por isso, o prazo para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral terminou em 30-07-2021.

                Consequentemente, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 15-07-2021, tem de se concluir que foi tempestivamente apresentado.

 

5. Questão da intempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa por não ter sido apresentada reclamação graciosa e não existir erro imputável aos serviços

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivamente apresentado.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

 

                O n.º 1 deste artigo 78.º estabelece o dever o dever de a Administração concretizar a revisão de actos  tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam Oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. (   )

                «Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais (   ).

                Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.

                A revisão do acto constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.

                No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (   ) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).

                Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto. 

                A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).(   )

               

                Assim, conclui-se que a revisão oficiosa é um meio que pode ser utilizado pela Requerente para obter a declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação.

                Mas, a utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada também quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (c0mo sucede quanto aos pedidos apresentados naquela prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços».

                É um regime que se justifica pela velha máxima «Dormientibus non sucurrit jus» que explica a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica imprescindível no fundamento geral da sociedade.

                «Com efeito, como sucede, em regra, com a generalidade dos direitos, o decurso do tempo pode provocar a sua extinção, e, nomeadamente no caso da cobrança dos tributos, o interesse público reclama que, em regra, haja uma rápida definição dos direitos dos entes públicos, para poderem eficazmente programar as suas actividades e aplicarem as quantias cobradas à satisfação os interesses públicos que visam prosseguir.

                A fixação de qualquer prazo para impugnação de decisões administrativas constitui a determinação de um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o acto que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias. O peso deste último interesse acentua-se com o decurso do tempo e a fixação do prazo legal deve corresponder ao ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, permitindo aos interessados o direito de impugnação contenciosa enquanto não houver razões de segurança jurídica que se lhe sobreponham.

                No caso dos actos tributários, o limite máximo admitido para impugnação de actos anuláveis é o previsto para a reclamação graciosa, que pelo art. 70.º, n.º 1, do CPPT, está fixado em 120 dias a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do mesmo Código». (   )

                Isto é, exige-se a quem é titular de direitos o dever de diligenciar para que eles sejam reconhecidos, para evitar as perturbações da ordem jurídica que a indesejável instabilidade de actos administrativos e tributários provoca.

                Esse dever é explicitamente afirmado no âmbito das relações jurídicas administrativas no artigo 4.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, ao estabelecer que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída». O antecedente artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051 já o afirmava também: «... o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto».

                O n.º 4 deste artigo 78.º confirma a opção legislativa de penalizar com perda de direitos de impugnação de actos tributários a negligência do contribuinte, pois mesmo nos casos de injustiça grave ou notória, apenas permitir a revisão se «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». (   )

                O prazo para a «reclamação administrativa» relativamente a actos de autoliquidação é «de 2 anos após a apresentação da declaração», nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

A fixação deste prazo tem ínsito o entendimento legislativo de que, após o seu decurso, já se justifica, numa ponderação conjunta dos interesses conflituantes do contribuinte e da administração tributária, que as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários prevaleçam sobre os direitos de impugnação.

                A esta luz, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, que prevê o prazo de 2 anos para a apresentação de reclamação graciosa, quantificam temporalmente o dever de diligência dos sujeitos passivos, limitando os direitos de impugnação contenciosa quando eles não agem com a diligência aí pressuposta como sendo exigível.

                Na verdade, é por não se poder fazer uma censura ao sujeito passivo a nível do cumprimento dos deveres de diligência que no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT se prevê que, nos casos de documento ou sentença superveniente o prazo de 120 dias só se começar a contar «a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto», apesar de as exigências de segurança jurídica não deixarem de valer a partir do termo inicial normal aplicável, determinado pelos factos arrolados no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código.

                No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado mais de dois anos após a apresentação das declarações que consubstanciam as autoliquidações impugnadas.

                É certo que o n.º 2 do artigo 78.º da LGT considerava imputável aos serviços qualquer erro na autoliquidação, mas esta norma foi revogada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, pelo que, estando-se perante autoliquidações efectuadas em 2017 e 2018, não é aplicável aquela ficção. 

Assim, no caso em apreço, a possibilidade de revisão oficiosa depende da existência efectiva de um «erro imputável aos serviços».

 

                5.1. Questão da imputabilidade dos hipotéticos erros aos serviços

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– foi a Requerente quem efectuou as autoliquidações, sem qualquer interferência da Autoridade Tributária e Aduaneira;

– não vê como possa a Requerente ter sido induzida em erro pelo Despacho SEAF n. º 672/2002, de 26/03/2002, porquanto este Despacho não se encontra publicado, sendo pública apenas a referência que lhe é feita pela Informação Vinculativa n.º A419 200S041, de 2009-02-02, que dele recorta um excerto para fundamentar o entendimento aí vertido;

– esta Informação Vinculativa reporta-se a um sujeito passivo misto de IVA, que utiliza o método de afetação real de bens, ao passo que a ora Requerente é um sujeito passivo misto que utiliza a afetação real apenas para parte dos seus inputs, aplicando aos restantes o método pro rata, sendo que é relativamente à parte em que aplica o método pro rata que se reporta o entendimento fiscal que alega ter redundado nos erros que imputa às autoliquidações em crise;

– o que resulta de uma informação vinculativa ou de um despacho exarado em aplicação a um caso concreto, não poderá ser utilizado para justificar a existência de erro imputável aos serviços para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;

– as informações vinculativas, enquadradas no direito à informação dos contribuintes e no dever de colaboração da administração tributária, obrigam/vinculam a AT a atuar em conformidade com o seu conteúdo, mas apenas relativamente à situação concreta a que dizem respeito;

– não é legítima a invocação, por qualquer outra pessoa, de uma eficácia erga omnes da informação prestada;

– somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária, como se estabelece no artigo 55.º, n.º 2, do CPPT;

– é relativamente às orientações genéricas proferidas que pela administração tributária que o legislador retira efeitos jurídicos relativamente a terceiros – como é o caso do n.º 2 do artigo 131.º do CPPT;

– a intenção comercial que seja dada à atividade de investigação, que segundo a doutrina que dimana do despacho do SEAF e da Informação Vinculativa, depende de  uma valoração casuística que impediria que o erro no enquadramento fiscal da Requerente pudesse ser imputado àquela doutrina administrativa;

– como a própria Requerente reconhece, até 2016 liquidava de uma forma que considera contrária àquela doutrina administrativa, sendo que só a partir de 2017 infletiu a forma como enquadrou aquele IVA, apesar de tal doutrina ser toda ela muitíssimo anterior àquela data;

– o Ofício-Circulado n.º 30103 ao estabelecer que «deve ser incluído no “denominador” do pro rata o valor das “subvenções não tributadas” que visem “financiar operações decorrentes de uma actividade económica sujeita a IVA», corresponde textualmente ao que está escrito no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA – não se tratando portanto de uma qualquer interpretação administrativa da norma incluída naquele artigo;

– o que a Requerente imputa ao Ofício-Circulado 30103, qual seja «a inclusão de subvenções não tributadas no denominador da fracção», resulta literalmente do n.º 4 do artigo 23.º, sendo manifestamente forçado atribuir àquela instrução qualquer interpretação nesse sentido;

– se, em 2017, a Requerente considerou, ao preencher as DPs de IVA, que, segundo as instruções da AT, deveria considerar a investigação científica como “atividade não económica”, então, a leitura literal do Ofício-Circulado deveria levar à aplicação do método da afetação real relativamente às subvenções que financiassem aquela actividade, quando não à sua tributação;

– não sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa, os actos tributários em apreço nunca seriam directamente impugnáveis (ou arbitráveis), porquanto, estando em causa erro na autoliquidação, o qual não se cinge a matéria de direito nem resulta de orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o sujeito passivo não cumpriu com o ónus de fazer preceder a impugnação de reclamação graciosa dirigida,  o prazo de 2 anos, ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária (cfr. artigo 131.º do CPPT)

 

A Requerente diz o seguinte, em suma, sobre esta questão:

 

– as Declarações Periódicas de IVA submetidas pela Requerente com referência ao ano 2017, reflectiram as orientações da AT conhecida à data, a saber:

             Despacho do SEAF 672/2002, de 26 de Março de 2002, e a Informação Vinculativa n.º A419 200S041, de 2 de Fevereiro de 2009 – no sentido de que a dedução do IVA incorrido apenas poderia existir com referência a uma parte dos projectos de I&D (aqueles cuja actividade de investigação revestisse valor económico relevante e tal valor revertesse, directa ou indirectamente, em benefício do financiador); e

             Ofício- Circulado n.º 30 103, de 23 de Abril de 2008 – no sentido de que caso a subvenção vise financiar operações decorrentes de uma actividade económica sujeita a IVA, o respectivo montante deve integrar o denominador do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, no caso dos sujeitos passivos mistos, não tendo qualquer influência no montante do imposto dedutível no caso dos sujeitos passivos integrais;

– a informação prestada ao contribuinte só vincula os serviços no caso concreto que lhe é submetido, mas as futuras decisões dos serviços sobre casos semelhantes tenderão a ser no sentido da primeira, ou ao menos a ponderar os  argumentos ali avançados, procurando obter sempre o tratamento igual do que é  igual;

– o acesso às informações vinculativas prestadas  pelos serviços é de interesse público evidente: poder o contribuinte conhecer a interpretação que os serviços fazem da lei em casos semelhantes ao seu constitui um instrumento de gestão importante, para além de ser uma forma de garantir a imparcialidade na aplicação da lei;

– não se poderá limitar a vinculação da administração fiscal às informações prestadas nos casos da denominada informação vinculativa, devendo ela ser reconhecida em todos os casos que a informação prestada seja objectivamente susceptível de gerar no contribuinte a confiança em que a administração tributária proceda em harmonia com o informado;

– tal é a posição adoptada pela AT nos sequentes procedimentos inspectivos;

– o princípio da boa fé deve valer nos casos em que essa actuação foi claramente condicionada pelas instruções administrativas escritas da AT – como é o caso;

– não obstante a Requerente ter presente que as Informações Vinculativas não são transponíveis para outras realidades, certo é que tomou conhecimento da posição da AT;

– tendo conhecimento da referida informação que remetia para um Despacho do SEAF, a Requerente formou (legitimamente) a convicção de que a AT postula uma orientação quando determinados pressupostos (semelhantes aos constantes das anteditas informações) se verificam;

– no âmbito de um procedimento inspectivo a outro sujeito passivo de índole análoga, utiliza ipsis verbis, a mesma doutrina administrativa aquando da emissão do seu Relatório da Inspecção Tributária;

– foi com base naqueles entendimentos que a Requerente orientou a sua conduta, numa clara postura de mitigação de risco;

– pese embora as autoliquidações ora em crise não tenham sido submetidas na sequência da acção inspectiva levada a cabo pela AT (nem nunca tal foi invocado), facto é que são consonantes com o entendimento administrativo da AT e, nessa acção inspectiva, a AT confirmou a convicção que a Requerente legitimamente havia formado a propósito daquele entendimento;

– no presente caso estamos, indubitavelmente, perante um erro imputável aos serviços, na medida que, conforme demonstrado à exaustão, a actuação da Requerente se baseou nos entendimentos que vinham sendo emanados pela AT, nomeadamente no Despacho SEAF 672/2002 de 26/03/2002, na Informação Vinculativa A419 200S041 de 2009-02-02 e no Ofício-Circulado n.º 30 103 de 2008-04-23;

– nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente;

– a revisão de acto tributário por parte da AT é um verdadeiro dever Oficioso, independentemente de quem tenha encetado o procedimento, na medida em que esteja em causa um acto tributário ilegal;

– a interpretação do artigo 78.º n.º 1 da LGT, no sentido de que, como pretendido pela AT, a revisão oficiosa do ato tributário no prazo de quatro anos não tem aplicação aos atos tributários resultantes de autoliquidação, padeceria de inconstitucionalidade material – por violação dos princípios da proporcionalidade, igualdade, justiça e da tutela jurisdicional efectiva.

 

Como se referiu, no n.º 2 do artigo 78.º da LGT estabelecia-se uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços.

A razão que justificava esta presunção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de actos de autoliquidação o exercício de funções tributárias para que não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correcção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária». (   )

Como é óbvio, esta razão que justifica a especial protecção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, pois a situação do contribuinte que se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma.

Por isso, afigura-se que a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de protecção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a actuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte). (   )

Foi, decerto, o exagero de protecção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação.

De qualquer modo, mesmo sem a ficção referida, é de entender que há erro imputável aos serviços sempre que ele não seja imputável a actuação negligente do contribuinte, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à responsabilidade por juros indemnizatórios. (   )

No caso em apreço, havia prévia posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira na Informação Vinculativa n.º A419 2008041 quanto à questão da qualificação da actividade de investigação e desenvolvimento como actividade económica e é de presumir que Requerente, no ano de 2017, adoptou o entendimento aí sustentado pela Administração Tributária por ter tido dela conhecimento, como alega.

Na verdade, até ao final de 2016 o Requerente efectuava dedução integral do IVA suportado a montante (   ) e passou a adoptar, em 2017, o entendimento preconizado naquela Informação Vinculativa, na sequência da contratação da empresa de auditoria e consultadoria Deloitte (   ).

O Requerente alega no artigo 65.º do pedido de pronúncia arbitral que foi após tomar conhecimento desse entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que passou a adoptá-lo, em vez do que adoptava anteriormente e agora defende no presente processo.

À face das regras da experiência comum, é de crer que, como alega o Requerente, foi o conhecimento desse entendimento da Administração Tributária que levou o Requerente a passar a adoptar esse entendimento, pois é essa a única explicação que se entrevê para que passasse a adoptar nas autoliquidações um entendimento que lhe era manifestamente desfavorável.

                Assim, a ser errado o entendimento adoptado nesta Informação Vinculativa, as autoliquidações que lhe deram execução enfermarão de erro de direito, que não poderá ser imputado à actuação negligente do Requerente, antes será imputável primacialmente à Administração Tributária que publicitou essa posição e se absteve de efectuar qualquer correcção das autoliquidações de lhe foram mensalmente apresentadas, em que o Requerente adoptou esse entendimento.

                O mesmo sucede com a parte do pedido de revisão oficiosa que se reporta à aplicação do artigo 23.º, n.º 3, do CIVA às subvenções, matéria sobre que qual a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30 103, 23-04-2008. Independentemente de o seu teor corresponder ou não ao texto da lei, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, esta publicitou a sua interpretação, pelo que, a ser errada esta interpretação que foi adoptada nas autoliquidações, o erro será imputável também aos serviços.

Nestas condições, a invocação pelo Requerente, como fundamento de pedido de revisão oficiosa, de alegados erros nas autoliquidações induzidos pelo comportamento da Autoridade Tributária e Aduaneira tem enquadramento na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois eles serão imputáveis aos serviços.

Consequentemente, o Requerente podia apresentar o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos a contar das autoliquidações, pelo que a sua apresentação não foi intempestiva.

 

6. Questão da existência dos erros invocados pela Requerente

 

Os artigos 19.° e 20.° do CIVA estabelecem as regras básicas do regime de dedução de IVA, em sintonia com o preceituado nos artigos 167.º a 172.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

O regime previsto na Directiva n.º 2006/112/CE prevalece sobre as regras do Direito Nacional, por força do preceituado n n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

A regra essencial do direito à dedução, enunciada no artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE é a de que «quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor».

Como se refere na citada Informação Vinculativa n.º A419 2008041, em regra, que tem as excepções indicadas no artigo 21.º do CIVA, é dedutível todo o imposto suportado em bens e serviços adquiridos pelos sujeitos passivos para o exercício de uma actividade económica referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2° do CIVA desde que respeite a transmissões de bens e a prestações de serviços que confiram direito à dedução nos termos do artigo 20° do CIVA.

Assim, os sujeitos passivos têm direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afectos a operações que, integrando o conceito de actividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), ll, do n.º 1 do artigo 20.° do CIVA.

O Requerente desenvolve actividades sobre as quais não há controvérsia que  conferem direito a dedução do IVA, como é o caso das prestações de serviços que efectua, e actividades sobre as quais também não é controvertido que não conferem direito a dedução, como sucede com as suas actividades formativas.

A controvérsia entre as Partes incide sobre as actividades de investigação e desenvolvimento (I&D) realizadas pelo Requerente, que são suportadas essencialmente por subvenções.

Até final de 2016, o Requerente efectuava dedução integral do IVA suportado a montante para a sua actividade de investigação e desenvolvimento.

Em 2017, o Requerente passou a fazer «utilização da afetação real relativamente aos inputs que beneficiam individualmente cada uma das atividades e, por outro lado, a utilização de um pro-rata para a determinação da percentagem da Imposto dedutível nos inputs da utilização mista», como se refere no projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral (página 23).

Em 2017, o Requerente efectuou a afectação real e determinação do pro rata que estão subjacentes às autoliquidações impugnadas de acordo com o entendimento preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na Informação Vinculativa Informação Vinculativa n.º A419 2008041, considerando que a actividade de I&D que desenvolve não é uma actividade económica.

E, assim, o Requerente, que dispõe de contabilidade analítica, considerou dedutível todo o IVA suportado em bens e serviços adquiridos para o exercício da actividade de prestação de serviços (com output tributável directo e imediato), não considerou dedutível o IVA suportado em bens e serviços adquiridos para a sua actividade de I&D (não geradora de output directo e imediato) e para a sua actividade formativa e, no cálculo do pro rata definitivo,  efectuou dedução parcial do IVA incorrido em inputs mistos mediante a aplicação de um pro rata de 20% com inclusão das subvenções não tributadas no denominador da fracção.

O Requerente defende que o IVA incorrido em projectos de I&D, no valor de € 257.404,69 deve ser integralmente dedutível, por se tratar de uma actividade económica e que as subvenções não tributadas são exclusivamente afectas a uma actividade integralmente dedutível (projectos de I&D), pelo que mesmas não devem integrar o denominador do pro rata (o que se traduz no  pro rata passar a ser de 80%).

O conceito de actividade económica está definido no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que é invocado pela Requerente e prevalece sobre o Direito Nacional, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

De harmonia com o disposto no artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, «entende-se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por «actividade económica» qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

Embora este artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, confira um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as actividades que tenham carácter económico (acórdãos do TJUE Régie dauphinoise, processo C 306/94, n.º 15; EDM, processo C 77/01, n.º 47; de 26-05-2005, Kretztechnik, processo C 465/03, n.º 18; e T Mobile Austria GmbH, processo n.º c-284/04, n.º 38).

«Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante» (Acórdão do TJUE de 5 de Julho de 2018, Marle Participations, C320/17, n.º 24).

«O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA» (acórdão citado n.º 35).

«Todavia, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo» (Acórdão citado , n.º 26 e Acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C 101/16, n.º 39).

O conceito de actividade económica tem carácter objectivo «no sentido de que a atividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objetivos ou dos seus resultados. Assim, uma atividade é, regra geral, qualificada de económica quando tem caráter permanente e é realizada contra uma remuneração recebida pelo autor da operação (Acórdãos do TJUE de 29 de Outubro de 2009, Comissão/Finlândia, C246/08, n.º 37 e de 5 de Julho de 2018, Marle Participations, C320/17, n.º 22).

«Esta exigência de remuneração não se confunde com a exigência de lucro. Tal como resulta do artigo 9.º da Directiva IVA, à incidência do imposto são irrelevantes a finalidade ou o resultado de uma qualquer actividade e, desde logo, é irrelevante que ela vise o lucro ou que seja verdadeiramente capaz de o gerar. É assim porque o IVA tem por objectivo onerar a capacidade contributiva do consumidor e porque esta se manifesta através do gasto que este faz com bens e serviços, sendo indiferente, desse ponte de vista, a intenção do agente económico que lhos fornece» (   )

Por outro lado, o TJUE tem entendido que «um sujeito passivo actuando nessa qualidade e que tem direito a deduzir de imediato o IVA referente aos fornecimentos adquiridos para os fins das suas transacções tributáveis previstas, sem que tenha que esperar pelo início da efectiva exploração da actividade económica ou mesmo que esta não venha sequer a começar» (Acórdão de 3 de Março de 2005, Fini H, C-32/03, n.º 7).

O TJUE entendeu ainda que para assegurar o direito à dedução de IVA basta uma relação direta e imediata entre as despesas associadas às operações a montante e «o conjunto da atividade económica do sujeito passivo». (   )

Resulta da prova produzida que a actividade de I&D realizada pelo Requerente é de investigação aplicada, todos os projectos têm objectivos concretos e se destinam a obter conhecimentos para serem aplicados em tecnologia.

Resulta também da prova produzida que são raros os projectos de investigação que ainda não têm aplicação prática e, mesmo esses, podem vir a tê-la, pois os resultados dos projectos são divulgados em publicações científicas e, na sequência de publicações, podem eventuais interessados na sua utilização prática contactar o Requerente ou seus investigadores, sendo os conhecimentos utilizados em posteriores prestações e serviços como tem sucedido.

Assim,  resulta da prova produzida há projectos que não têm uma aptidão comercial directa, mas cujo know-how serviu posteriormente para projectos geradores de prestação de serviços tributados em IVA.

A isto acresce que os conhecimentos obtidos na investigação são utilizados para criar patentes que são vendidas ou servem de base a licenças de utilização, gerando rendimentos.

Assim, resulta da prova produzida que, com a actividade no âmbito de projectos de investigação, a Requerente visa a produção e comercialização de bens e prestação de serviços, utilizando bens de investimento, inclusivamente adquiridos com subsídios, e visando retirar deles receitas com carácter de permanência, pelo que se está perante uma situação que, independentemente dos resultados imediatos, se enquadra no conceito de actividade económica.

Por isso, ao contrário do que se pressupôs na Informação Vinculativa n.º A419 2008041a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se está perante uma situação em que a investigação constitua uma actividade com exclusivo fito científico, sem valor económico relevante, em que não sejam obtidos rendimentos com o resultado da investigação.

Na verdade, provou-se que, como diz o Requerente, o resultado de projectos financiados por subvenções é utilizado em serviços prestados, tornando a sua prestação possível e valorizando-se, isto é, esses projectos financiados reflectem-se positivamente no número das prestações de serviços realizadas pelo Requerente, bem como no preço mais elevado das mesmas.

Por isso, aquelas despesas incorridas com projectos financiados têm um nexo directo e imediato com o «conjunto da actividade do sujeito passivo», o que basta para assegurar o direito a dedução, nos termos do citado acórdão de 22-10-2015, processo n.º C-126/14 Sveda.

Por outro lado, quanto ao requisito invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na referida Informação Vinculativa de a actividade não reverter em benefício directo ou indirecto do financiador não é requisito exigido pelo artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, para a caracterização de uma actividade como económica para efeitos de IVA, à face do artigo 9.º da Directiva n.º 2006/112/CE.

Como se refere no acórdão arbitral de 04-02-2021, proferido no processo n.º 83/202-T, «não é exigível, ao contrário do que refere a Requerida, que a Requerente tenha à partida encomendas e destinatários definidos e contratados para os seus projetos, para que se constate uma atividade económica. A maior parte das atividades desenvolvidas pelos operadores económicos, sujeitos passivos de IVA, não têm um cliente ou comprador assegurado num momento inicial, nem tal condição figura nas normas de incidência do Código deste imposto ou da Diretiva IVA, sendo desprovida de suporte legal».  

Pelo exposto, tem de se concluir que as autoliquidações efectuadas com base no pressuposto de que a actividade de investigação da Requerente não constitui actividade económica para feitos de IVA enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação, nas partes respectivas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

7. Questão do imposto suportado em excesso: recursos mistos

 

Neste contexto, o Requerente imputa ilegalidade ao Ofício-Circulado n.º 30 103, 23-04-2008, em que se refere, alem do mais, que «caso a subvenção vise financiar operações decorrentes de uma actividade económica sujeitas a IVA, o respectivo montante deve integrar o denominador do pró rata previsto no n.º 4 do artigo 23.° do CIVA no caso dos sujeitos passivos mistos, não tendo qualquer influência no montante do imposto dedutível no caso dos sujeitos passivos integrais».

O Requerente é sujeito passivo misto, para efeitos de IVA, pois além de actividades que conferem direito à dedução, desenvolve actividades formativas, que não o conferem, por serem operações sujeitas a imposto (por serem actividade económica), mas dele isentas, nos termos dos artigos 9.º, alíneas 9) e 10) e 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

Relativamente aos bens e serviços adquiridos que são afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.

Não sendo efectuada afectação pelo sujeito passivo, como permite o n.º 2 deste artigo 23.º, a percentagem de dedução (pro rata) é determinada nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do mesmo artigo, que estabelece o seguinte:

 

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

O Requerente defende, em suma, que as subvenções recebidas que financiam exclusivamente operações de I&D que conferem direito à dedução (como se referiu no ponto anterior), não devem ser incluídas no denominador da fracção que se refere neste n.º 4, por tal limitar o direito à dedução, neste caso, conduzindo a uma percentagem de dedução de 20% em vez de 80%, o que se traduziu, no ano de 2017, numa diferença para menos no montante de € 35.161,60.

No entanto, as subvenções em causa são não tributadas e não são subsídios a equipamento, nem estão directamente ligadas ao preço das operações e, por isso, enquadram-se na previsão da parte final do n.º 4 do artigo 23.º, em que expressamente se prevê a sua inclusão no denominador da fracção.

Por outro lado, independentemente da compatibilidade ou não desta inclusão com o princípio da neutralidade, esta possibilidade de os Estados-Membros está também expressamente prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, em que se estabelece que «os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º».

Esta possibilidade inclusão no denominador do montante das subvenções não tributadas não ligadas ao preço das operações já estava prevista no 2.º travessão do n.º 1 do artigo 19.º da 6.ª Directiva IVA, 77/388/CEE, de 17-05-1977, que foi interpretada pelo acórdão do TJCE de 06-10-2005, processo n.º C-204/03 (Comissão / Espanha) e foi considerada admissível, quanto a sujeitos passivos mistos, apenas não podendo ser aplicada aos sujeitos passivos integrais.

É certo que, como afirma o Requerente, esta possibilidade de inclusão do valor das subvenções no denominador da fracção tem sido alvo de críticas, inclusivamente por parte do  Grupo de Trabalho relativo à Dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem actividades que conferem direito à dedução e actividades que não conferem esse direito (   ) 

Mas, o que se critica no Relatório desse Grupo de Trabalho é o entendimento que se refere ser então adoptado pela Administração Tributária que se traduzia em aplicar esse regime, por interpretação extensiva, a todos os sujeitos passivos, inclusivamente aqueles que só praticam operações que conferem direito a dedução integral, por esse regime só estar previsto para os sujeitos passivos mistos, a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA  (páginas 282, 320 e 321 do Relatório).

Ora, não é isso que sucede no caso em apreço, pois o Requerente é um sujeito passivo misto, já que desenvolve actividades formativas isentas.

E é também por, neste caso, estar em causa um sujeito passivo misto que não pode ser aplicada aqui a jurisprudência do acórdão arbitral de 04-02-2021, proferido no processo n.º 83/2020 -T, invocada pelo Requerente, que se reporta a um sujeito passivo com direito a dedução integral.

Por isso, perante a realidade incontornável de a inclusão das subvenções no denominador da fracção prevista para determinação do pro rata estar prevista, para sujeitos passivos mistos, no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e essa possibilidade ser admitida pela segunda parte do n.º do artigo 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE, tem de reconhecer-se que a Administração Tributária tem razão, ao propugnar essa inclusão, no Ofício-Circulado n.º 30 103, 23-04-2008.

Assim, tendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), resta aplicar esse regime de inclusão do valor das subvenções no denominador da fracção, que conduz à conclusão de que não enfermam de ilegalidade imputável aos serviços as autoliquidações no que concerne ao  cálculo do pro rata.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

8. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago.

Não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que a Requerente tenha feito o pagamento das autoliquidações impugnadas, que é invocado no artigo 163.º do pedido de pronúncia arbitral.

Como consequência da anulação parcial das autoliquidações, há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, quanto ao valor global de € 257.406,69.

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

No caso em apreço, não foi o pedido de revisão oficiosa não foi apresentado no prazo da reclamação administrativa (de dois anos, nos termos do artigo 131.º do CPPT), pelo que a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-12-2020, pelo que apenas a partir de 31-12-2021 («mais de um ano» depois) há direito a direito a juros indemnizatórios, uma vez que não foi proferida decisão.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 31-12-2021, com base na quantia de € 257.406,69, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                9. Decisão          

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular parcialmente, na medida em que não incluem direito a dedução relativamente à actividade de I&D, no montante global de  € 257.406,69;

c)            Anular parcialmente, na medida em que não incluem direito a dedução relativamente à actividade de I&D, as seguintes autoliquidações de IVA:

– n.º ... (período 2017/01);

  n.º ... (período 2017/02);

– n.º ... (período 2017/03);

– n.º... (período 2017/04);

– n.º ... (período 2017/05);

– n.º ... (período 2017/06);

– n.º ... (período 2017/07);

– n.º ... (período 2017/08);

– n.º ... (período 2017/09);

– n.º ... (período 2017/10):

– n.º... (período 2017/11);

– n.º ... (período 2017/12);

d)           Anular parcialmente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte correspondente às autoliquidações anuladas;

e)           Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, quanto à quantia de € 257.406,69 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-la ao Requerente;

f)            Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente, nos termos referidos no ponto 8 deste acórdão.

 

10. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 292.567,85, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

11. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes na percentagem de 12,02% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 87,98%.

 

Lisboa, 10-01-2022

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Coisinha)

(Sofia Quental)