Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 447/2020-T
Data da decisão: 2021-04-21  IRS  
Valor do pedido: € 3.881,70
Tema: IRS – Tributação Conjunta.
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Sumário: No caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efetuada na data do respetivo registo (art. 26º, n.º2 do CPPT).

 

Decisão Arbitral

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 08 de setembro de 2020 o contribuinte A... (doravante designada por Contribuinte ou “Requerente”), NIF..., residente na ... ..., ..., ..., ..., ..., ...-... Alcabideche, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 10 de setembro de 2020.

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 02.12.2020.

5.            A AT apresentou a sua resposta em  19 de janeiro de 2021.

6.            Por despacho de 20.01.2021, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações finais escritas.

7.            O Requerente apresentou as suas alegações em 15.02.2020.

8.            A AT apresentou as suas alegações em 20.04.2021.

9.            Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal Sobre Imóveis (adiante “AIMI”) n.º 2017..., relativa ao ano de 2017, no valor de € 3.881,70 (três mil oitocentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), praticado pela Senhora Diretora Geral da AT e, bem assim, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, proferida pela Senhora Diretora de Serviços do IMI da AT com todas as consequências legais, nomeadamente a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

II.A. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.            Em janeiro de 2017, entrou em vigor o regime do AIMI, aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro e consagrado (naquela altura) nos artigos 135.º-A a 135.º-K do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

2.            O legislador admitiu que, no caso de sujeitos passivos casados ou em união de facto, a tributação seja conjunta (cf. artigo 135.º-D, n.º 1, do Código do IMI).

3.            O legislador configurou o sistema de tributação conjunta como uma faculdade dos contribuintes, que devem manifestar a sua (pretensa) opção à Administração tributária entre 1 de abril e 31 de maio (cf. artigo 135.º-D, n.º 4, do Código do IMI).

4.            Esta (pretensa) opção foi, portanto, consagrada apenas por razões práticas e está configurada como mecanismo de alerta para que a Administração Tributária não ignore a situação familiar dos sujeitos passivos (que já conhece, por via do sistema de tributação do rendimento, mas não consegue utilizar eficazmente para este efeito).

5.            A necessidade de comunicar a (pretensa) opção pelo regime de tributação conjunta resulta apenas de preocupações práticas e que o prazo normal previsto para essa opção não pode ser qualificado como um prazo de caducidade do direito à aplicação da tributação conjunta.

6.            O Requerente é casado desde 2006 e sempre foi sujeito a imposto de acordo com o regime de tributação conjunta previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

7.            Dada a novidade do regime e a falta de sentido da exigência legal de comunicação da opção pela tributação conjunta para efeitos de AIMI (que, como resulta do exposto, é absolutamente contraintuitiva), o REQUERENTE não procedeu a essa comunicação até 31 de maio de 2017.

8.            A Administração Tributária encontrava-se obrigada a aplicar o regime oficiosamente porque tinha ao seu dispor todos os elementos necessários para o efeito.

9.            O Requerente na reclamação graciosa recordou que: (i) a Administração tributária tem registo de que é um contribuinte casado; (ii) sempre foi tributado pelo regime de tributação conjunta em sede de IRS; e que (iii) da aplicação do regime de tributação separada ao seu caso nunca resultaria qualquer tipo de vantagem que levasse a admitir a hipótese de o Requerente ter a intenção de ser tributado individualmente.

10.          No dia 29 de janeiro de 2018 (logo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 e ainda dentro do prazo de Reclamação Graciosa), o Requerente apresentou um requerimento autónomo, voltando a manifestar à Administração Tributária a opção pelo regime de tributação conjunta, nos termos previstos no artigo 135.º-M do Código do IMI.

11.          O regime consagrado no artigo 135.º-M, n.º 1, do Código do IMI é plenamente aplicável ao presente caso e à generalidade das liquidações de 2017.

12.          Mesmo que, por absurdo, se considerasse que a opção pelo regime de tributação conjunta não foi tempestivamente apresentada através do requerimento de 29 de janeiro de 2018 – o que não se admite – o certo é que essa opção já tinha sido manifestada de forma muito clara na Reclamação Graciosa de 25 de outubro de 2017 (muito antes, portanto, do fim do prazo de 120 dias contados do termo final do prazo de pagamento voluntário do AIMI).

 

II.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            O nº1 do artigo 135º -G prevê que o AIMI é anualmente liquidado "... com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita".

2.            Logo, o cômputo do imposto vai-se basear num registo administrativamente mantido e que engloba a informação necessária ao lançamento do mesmo e à determinação da prestação tributária.

3.            A AT dá iniciativa oficiosa aos procedimentos de liquidação com base nos dados inscritos nas matrizes prediais e com efeitos à data do facto tributário -1 de Janeiro do ano a que respeita o imposto -recorrendo aos valores patrimoniais tributários (matéria tributável) e aos sujeitos nela averbados como titulares dos direitos reais de gozo dos imóveis (incidência subjetiva).

4.            Porém o regime do AIMI admite que as pessoas singulares casadas ou em união de facto podem, nos termos previstos no artigo 135°-D do Código do IMI, configurar o lançamento do imposto, mediante a declaração de ambos que manifeste a vontade na realização da tributação conjunta

5.            A lei exige que a opção pela tributação conjunta do AIMI seja efetuada através de declaração expressa e formal da vontade de cada um dos cônjuges ou unidos de facto para a (identificar o procedimento no portal).

6.            Não sendo exercida a referida opção, caduca o direito de opção pela tributação conjunta do AIMI.

7.            Pese embora a Requerente tenha apresentado um requerimento Janeiro de 2018 o mesmo foi apresentado fora do prazo estabelecido no artigo 135.º-M.

8.            Por outro lado, no entendimento do Requerente, seria a AT, e não o próprio interessado, que deveria oficiosamente ter manifestado a vontade, em seu nome e em sua substituição, de optar pela tributação conjunta, isto apesar da falta de informação ou de elementos objetivos e rigorosos para tal, bem como da falta de norma legal legitimadora e conformadora da atuação da AT.

9.            Alega ainda o Requerente que a 29.01.2018 apresentou um requerimento onde opta pela tributação conjunta, juntando o respetivo registo.

10.          Acontece que da consulta ao site dos CTT, obtém-se informação de objeto não entregue, pelo que não fica provado que o requerimento tenha sido entregue a 29.01.2018 como pretende o Requerente, prevalecendo a data que consta no recibo que foi carimbado pela Administração Tributária, 31.01.2020.

11.          Em face de todo o exposto resulta que a liquidação de AIMI impugnada nos presentes autos é juridicamente válida, uma vez que o Requerente e o cônjuge não expressaram atempadamente, -ou seja, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito-, as suas vontades no sentido de lhes ser aplicável o regime de tributação conjunta nesse ano.

12.          No caso em apreço e como já se demonstrou, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, pelo que improcede totalmente o alegado pelo Requerente sobre o pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

III. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se a opção pela tributação conjunta em sede de AIMI foi apresentada tempestivamente, ou não.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1. O Requerente é casado desde 2006.

 

2. Em 01 de janeiro de 2017 o Requerente era proprietário de três imóveis destinados a habitação, com o valor patrimonial tributário global de € 1.108.170,00 e a Senhora sua Mulher não era proprietária de qualquer imóvel.

 

3. O Requerente não procedeu à comunicação da opção pela tributação conjunta para efeitos de AIMI até 31 de maio de 2017.

 

4. Em julho de 2017, o Requerente foi notificado da liquidação de AIMI n.º 2017 ... (a que corresponde o documento de cobrança n.º 2017...), com prazo de pagamento voluntário até 30 de setembro de 2017.

 

5. No ato de liquidação, a Administração Tributária apurou um valor a pagar de €3.881,70, liquidando imposto sobre o montante € 508.170,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário total dos três imóveis do Requerente (os referidos € 1.108.170,00) menos os € 600.000,00 de dedução fixa previstos para os sujeitos passivos que não são casados nem estão em união de facto.

 

6. O Requerente procedeu ao pagamento integral do AIMI liquidado pela Administração Tributária em 28/09/2017.

 

7. O Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa contra aquele ato de liquidação em 25.10.2017

 

 

8. No dia 29 de janeiro de 2018 o Requerente remeteu por correio registado um requerimento autónomo com o seguinte conteúdo:

 

9. A Administração Tributária, por despacho de 24.10.2018, indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente.

 

10. O Requerente interpôs Recurso Hierárquico da mesma em 10.12.2018.

 

11. A Administração Tributária negou provimento ao Recurso Hierárquico por despacho de 26/03/2020.

 

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 7 e 9 a 11 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 5 e 7 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

Quanto ao facto que consta no número 8, verificamos que da informação disponível no site dos CTT (in https://www.ctt.pt ) consta o seguinte “objeto não encontrado”. Esta informação é prestada, nomeadamente, quando, face ao decurso do tempo, a informação já não está disponível para consulta na referida plataforma.

A requerida em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico e agora em juízo aceita que recebeu o requerimento de janeiro de 2018 e todo o seu conteúdo, não impugnando especificadamente esse facto. O talão de aceitação do correio registado e todo o seu conteúdo, junto pelo Requerente, também não foram impugnados especificadamente pela Requerida.

O recibo de aceitação e o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada na data aposta no carimbo, remetida e colocada ao alcance do destinatário. (Em sentido semelhante cf. Ac. do STA de 11/03/2015, proc. n.º 04/14). Por estes razões é dado como provado que o requerimento foi remetido por correio registado em 29/01/2018.

 

V. O Direito

 

                i) Opção pela Tributação Conjunta

O adicional do AIMI foi criado pelo Lei do Orçamento de Estado para 2017 (Lei n. º42/2016 de 28 de dezembro), e entrou em vigor no dia 01.01.2017. A Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro aditou ao CIMI o capítulo XV composto pelos artigos 135ºA a 135ºK.

Este tributo foi criado por razões financeiras e por razões de natureza axiológica. Por um lado, o legislador pretendeu aumentar as receitas fiscais em virtude do programa de resgate financeiro vivido desde 2011 e por isso a receita do AIMI está consignada ao financiamento da Segurança Social (art. 1º, n. º2 do CIMI). Por outro lado, num contexto de crise em cumprimento do previsto no art. 103º, n.º 1 e 104º, n. º3 da CRP, o legislador pretendeu incidir um maior esforço fiscal sobre os cidadãos que revelam índices de riqueza mais elevados. (Neste sentido Cfr. José Pires, O Adicional ao IMI e a Tributação Pessoal do Património, Almedina, 2017, pág. 10)    

O art. 135ºA do CIMI estatui o seguinte

1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

(…)

Tendo em conta a norma citada o Requerente, pessoa singular, é sujeito passivo do AIMI.

Nos termos do art. 135ºB do CIMI:

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

(…)

Tendo em conta a factualidade dada como provada, o Requerente é proprietário de três imóveis destinados a habitação, com o valor patrimonial tributário global de € 1.108.170,00, estando por isso no âmbito de incidência objetiva do tributo.

O Art. 135ºC do CIMI determina o seguinte:

1 - O valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.

2 - Ao valor tributável determinado nos termos do número anterior são deduzidas as seguintes importâncias:

a) (euro) 600 000, quando o sujeito passivo é uma pessoa singular;

(…)

O art. 135ºD, n.º1 do CIMI estatui o seguinte:

1 - Os sujeitos passivos casados ou em união de facto para efeitos do artigo 14.º do Código do IRS podem optar pela tributação conjunta deste adicional, somando-se os valores patrimoniais tributários dos prédios na sua titularidade e multiplicando-se por dois o valor da dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior.

Nos termos dos art. 135ºC, n.º1 e 135ºD, n.º1 do CIMI, a tributação conjunta no caso sub judice permitiria uma dedução de €1.200.000,00, que, face à soma do valor patrimonial dos três prédios, não daria lugar ao pagamento do AIMI. 

A opção pela tributação conjunta deve ser efetuada de 01 de abril a 31 de maio (art. 135ºD, n.º4 do CIMI). No caso em apreço, o Requerente em 2017 não comunicou esta opção dentro do prazo referido.

Sucede que a Lei n.º 114/2017 de 29/12 aditou o art. 135ºM ao CIMI:

1 - No prazo de 120 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, podem os contribuintes manifestar ou alterar as opções referidas nos artigos 135.º-D e 135.º-E, nos termos aí previstos, produzindo-se os respetivos efeitos.

O disposto na Lei n.º 114/2017 de 29.12 entrou em vigor no dia 01.01.2018 (art. 333º) e aplica-se apenas ao AIMI, sendo, por isso desprovido de sentido a referência à opção pela tributação conjunta em sede de IRS.

Até à aprovação deste diploma a opção pela tributação conjunta em sede de AIMI só poderia ser exercida dentro do prazo definido no art. 135ºD, n.º4 do CIMI. A Lei n.º 114/2017 institui um novo mecanismo que permite a manifestação dessa opção ou a sua alteração no prazo de 120 dias contados partir do prazo para pagamento voluntário do imposto.

Trata-se de uma norma de cariz processual na medida em que determina o momento processual em que a opção pela tributação conjunta pode ser formulada ou alterada pelo contribuinte.

Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa - artigo 12.º, n.º 1 do C.Civil e artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Neste sentido Cf. Ac. do STA de 06/07/2011, proc. n.º 0362/11 e 16.05.2012, proc. n.º 0310/12.

Sobre a aplicação de leis processuais no tempo, citando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa:

“(…) a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva.” In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 197, 2ª ed., pág. 14

 A Profª. Ana Paula Dourado assevera que:

“Elas podem aplicar-se a procedimentos e processo em curso respeitantes a factos tributários já ocorridos(…)” In Direito Fiscal, Almedina, 2015, pág. 170

Subsumindo o disposto no art. 12º, n.º3 da LGT ao caso apreço, significa que o contribuinte, a partir de 01.01.2018, podia exercer a opção pela tributação conjunta no prazo de 120 dias após o termo do prazo para pagamento voluntário do imposto – 30.09.2017.

O contribuinte comunicou a opção pela tributação conjunta por requerimento remetido por correio registado em 29/01/2018 (facto provado n.º 8).

O art. 26º, n.º2 do CPPT estipula que no caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efetuada na data do respetivo registo.

O prazo de 120 dias, após 30.09.2017, terminou no dia 28.01.2018. Uma vez que o dia 28.01.2018 foi um domingo, o termo do prazo transfere-se para o dia útil seguinte (art. 20º, n.º1 do CPPT e art. 279º, al. e) do CC), ou seja, transfere-se para 29.01.2018. 

Assim, considerando que a comunicação pela tributação conjunto em sede de AIMI foi formulada no dia 29/01/2018 conclui-se que a mesma foi formulada atempadamente pelo contribuinte.

Em conclusão, não tendo a liquidação do AIMI, em apreciação, tido em consideração a opção pela tributação conjunta formulada atempadamente pelo contribuinte, afigura-se-nos que é contrária ao disposto nos arts. 135ºD, n.º1, 135ºM, n.º1 do CIMI e art. 26º, n.º2 do CPTT, sendo por isso ilegal.

Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

 

                ii) Juros Indemnizatórios

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

A anulação da liquidação do AIMI objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta aplicação da Lei. A incorreta aplicação da Lei conduz à consequente anulação do ato tributário que o tenha por base.

A incorreta aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre o dia 29/01/2018 – data em que formulou o pedido de tributação conjunta - até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

V) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal Sobre Imóveis n.º 2017..., relativa ao ano de 2017, no valor de € 3.881,70 (três mil oitocentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), praticado pela Senhora Diretora Geral da AT e, bem assim, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, proferida pela Senhora Diretora de Serviços do IMI da AT e em consequência anular aquela liquidação;

b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde 29.01.2018 até ao integral pagamento do montante de que deve ser reembolsado;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €3.881,70 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de abril de 2021  

 

O Árbitro

André Festas da Silva