Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 441/2021-T
Data da decisão: 2021-12-16  IRS  
Valor do pedido: € 1.754,46
Tema: IRS – Prazo de caducidade previsto no art. 45.º, n.º 2 da LGT
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Sumário:

1. O prazo de caducidade previsto no art. 45º, n.º2 da LGT aplica-se também aos casos em que o erro é praticado pela AT.

2. Uma vez que o erro podia ser apurado pela simples análise da declaração dos Requerentes, sem recurso a elementos externos, justifica-se o encurtamento do prazo de caducidade.

 

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 12 de julho de 2021 os contribuintes A... e B..., NIF ... e ..., respetivamente, ambos residentes na Rua ..., n.º..., ..., ...- ... Lisboa requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 14 de julho de 2021.
  3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  4. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de setembro de 2021.
  5. A AT apresentou a sua resposta no dia 18 de outubro de 2021.
  6. Por despacho de 19.10.2021 foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas por um prazo simultâneo de 15 dias.
  7. A Requerida apresentou as suas alegações no dia 08.11.2021.
  8. Os Requerentes não apresentaram alegações.
  9. Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral anule a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2020..., a liquidação adicional n.º 2019..., de 2015, bem como, a demonstração de acerto de contas n.º 2019..., referente à compensação n.º 2019..., de 12/11/2019 e o consequente reembolso do montante de € 1.754,46.

 

I.2. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. O erro na liquidação do imposto por parte da AT era detetável pela simples leitura e análise da própria declaração submetida pelos Requerentes pelo que o prazo de caducidade que a AT dispunha para corrigir aquele erro terminava, nos termos do art.º 45.º n.º2 da LGT, em 31/12/2018.
  2. Resulta da própria Declaração Submetida que o Sujeito Passivo A iniciou
    atividade para efeitos de Categoria B em 2014 e não em 2015.
  3. É, pois, manifesto que bastaria à AT ter analisado com um mínimo de atenção a declaração submetida para concluir que:

(i) O Sujeito Passivo A não iniciou atividade apenas em 2015;
(ii) O Sujeito Passivo A não poderia ter beneficiado de uma redução de 25% sobre o total dos rendimentos de categoria B brutos auferidos em 2015 para o apuramento do rendimento coletável dessa categoria.

  1. Tendo o prazo de caducidade em causa terminado em 31/12/2018 e tendo a liquidação contestada sido emitida e notificada aos Requerentes em novembro de 2019, tal liquidação contestada é ilegal, e como tal anulável, por violação do art.º 45.º n.º 2 da LGT
  2. Das duas, uma:

(i) ou na emissão da liquidação contestada a AT se baseou exclusivamente na informação declarada pelos Requerentes sem necessidade de recorrer a qualquer outra fonte de informação − caso em que o prazo de caducidade de 3 anos para a correção efetuada pela AT já havia decorrido na data da liquidação contestada;

(ii) ou na emissão da liquidação contestada a AT recorreu a outras fontes de informação para além da Declaração Submetida, assim se baseando em novos factos sobre os quais os Requerentes não se pronunciaram previamente − caso em que é ilegal por violação do direito de audição prévia dos Requerentes e anulável a liquidação contestada.

 

I.3 Na sua resposta a AT invocou o seguinte:

 

  1. Entende-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação é o prazo geral de 4 anos consignado no nº 1 do art. 45º da LGT, não se verificando na situação em causa nos autos o circunstancialismo que justifica a redução daquele prazo para o prazo de 3 anos consignado no nº 2 do mesmo normativo legal.
  2. O nº 2 do art. 45º da LGT aplica-se quando há um erro declarativo do contribuinte evidenciado na própria declaração, o que não é o caso dos autos.
  3. Na situação ora em apreciação, o que se verificou foi um erro da AT praticado no ato de liquidação.
  4. Ora, a redução do prazo de caducidade consignada no nº 2 do art. 45º da LGT visa apenas os erros de facto, concretamente praticados pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, reduzindo o prazo de que a AT dispõe para proceder às correções que se impõem em virtude de esse erro estar evidenciado na declaração e não carecer de diligências inspetivas destinadas a verificar a ocorrência do mesmo.
  5. Porém, o que está em causa nos autos é um erro de direito, praticado pela AT no ato de liquidação do imposto
  6. Dispõe a alínea a) do nº 2 do art. 60º da LGT que o direito de audição prévio à liquidação é dispensado no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte, como vem a ser o caso dos presentes autos.
  7. O direito de o contribuinte participar do procedimento que conduz à liquidação só se justifica quando a sua participação no procedimento seja suscetível de alterar o projeto de liquidação para uma liquidação que lhe seja mais favorável.
  8. Não sendo minimamente controvertido, nem antes nem agora, que os Requerentes não reuniam as condições para beneficiar daquela redução de tributação, resulta forçoso concluir que não houve qualquer violação do direito de participação consignado no art. 60º da LGT.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelos Requerentes, está em saber se se o prazo de caducidade do direito à liquidação da AT é, no caso em apreço de, de três ou quatro anos (art. 45º, n.º1 e n.º2 da LGT). 

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre assentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Em 31/05/2016 os Requerentes apresentaram, na qualidade de unidos de facto, a declaração Modelo 3 do IRS do ano de 2015 com o n.º ... .
  2. Na declaração submetida, os Requerentes declararam os seguintes rendimentos obtidos em 2015:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

  1. Relativamente aos rendimentos obtidos pelo Sujeito Passivo A, foi declarado na
    declaração submetida que o mesmo obteve rendimentos de categoria B tanto no Ano N (i.e. 2015) como ano N-1 (i.e. 2014).
  2. Nos termos do campo B do quadro 13 do anexo B referente ao sujeito passivo A, foi declarado que em 2015 o Sujeito Passivo A realizou “Prestações de serviços e outros rendimentos” no montante de € 28.583,33, bem como que em 2014 realizou rendimentos da mesma natureza no montante de € 2.375.
  3. O Sujeito Passivo A iniciou atividade para efeitos de Categoria B em 2014.
  4. Na sequência da apresentação da Declaração Submetida, a AT emitiu a Liquidação de IRS n.º 2016..., da qual resultou um reembolso de € 5.804,82.
  5. Em novembro de 2019, foram os Requerentes notificados da liquidação n.º2019..., efetuada em 12.11.2019.
  6. Posteriormente, receberam os Requerentes nova notificação postal correspondente à Demonstração de Acerto de Contas nos termos da qual a AT apurou uma dívida de IRS de 2015 no montante de € 1.711,15.
  7. Os Requerentes receberam no seu domicílio uma comunicação da AT, datada de 13/11/2019 e com o assunto “Correção da liquidação de IRS do ano de 2015” com o seguinte conteúdo:

 

-“Estamos a contactá-lo pois a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) identificou um erro na liquidação da sua declaração de IRS de 2015. Assim, vimos informar sobre o contexto deste erro e quais os passos seguintes, com o objetivo de apoiar no cumprimento das suas obrigações fiscais”;

− “Em 1 de janeiro de 2015 entrou em vigor uma reforma do IRS, da qual decorre uma redução do imposto a pagar nos dois primeiros anos relativamente a rendimentos empresariais e profissionais resultantes de prestações de serviços obtidos pelas pessoas singulares abrangidas pelo regime simplificado (...)”;

− “Porém, apenas podem beneficiar daquela redução de tributação os contribuintes que tenham iniciado ou iniciem a sua atividade em ou após 1 de janeiro de 2015. Ou seja, os

contribuintes que tivessem iniciado a sua atividade antes da entrada em vigor daquela reforma deveriam, nos termos da lei, ser tributados pelas regras gerais do regime simplificado”;
− “Ora, no primeiro ano em que foi aplicado aquele novo regime, aquando da liquidação da sua declaração de IRS relativa ao ano de 2015, a AT aplicou uma redução de 25% às prestações de serviços que incluiu na sua declaração de IRS. No entanto, verificado o início da atividade não de 2014, conclui-se que aquela redução não deveria ter sido aplicada na liquidação da sua declaração”;

− “Assim, em relação ao ano de 2015, a AT está a proceder à correção do erro identificado e à emissão de uma liquidação adicional do imposto, da qual será notificado nos termos gerais”.

 

  1. Os Requerentes procederam ao pagamento no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2020..., já extinto, de € 1.754,46 referente ao IRS de 2015.
  2. Os Requerentes apresentaram em 15.07.2020 uma reclamação graciosa contra a liquidação n.º2019... .
  3. A reclamação graciosa apresentada foi indeferida pela AT e a decisão foi notificada aos Requerentes através de um ofício datado de 05.04.2021.

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos que constam dos números 1 a 12 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pelos Requerentes (docs. 1 a 4 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. O Direito

 

      i) Caducidade

 

      Os Requerentes alegam que o prazo de caducidade do direito à liquidação do exercício de 2015 já tinha decorrido, por aplicação do art. 45º, n.º2 da LGT, quando foram notificados da liquidação em 2019.

 

Quid Juris?

 

      Por razões de certeza se segurança jurídicas o legislador prevê um prazo, findo o qual, o direito à liquidação extingue-se, caso não seja exercido pela AT.

      O prazo geral de caducidade do direito à liquidação está previsto no art. 45º, n.º1 da LGT:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

      O legislador previu também prazos especiais mais curtos, nomeadamente, no art. 45º, n.º2 da LGT, o qual estatui o seguinte:

      2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos. 

 

Na interpretação desta norma devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”[1] Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”[2]

Entende a AT que o prazo de três anos de caducidade só se aplica quando há um “erro declarativo do contribuinte evidenciado na própria declaração”.

Sucede que, analisando os elementos literais da norma citada, o legislador não restringiu a sua aplicação aos erros imputáveis aos sujeitos passivos nas suas declarações. A norma exige apenas que se trate de um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, não se restringindo o campo de aplicação da norma apenas aos erros declarativos da responsabilidade do sujeito passivo, como alega a AT.   

A interpretação restritiva do preceito legal não tem correspondência com a letra da lei.

      Neste sentido citamos o Prof. Saldanha Sanches: “Temos um prazo de três anos aplicável aos contribuintes que não criam dificuldades ao controlo fiscal por cumprirem integralmente e com verdade os seus deveres declarativos”.[3]

      Deste modo, o disposto no art. 45º, n.º2 da LGT aplica-se também nos casos em que o erro é da responsabilidade da AT, como no caso sub judice. 

      O preceito legal citado também não restringe o “erro” apenas aos erros de facto. Esta restrição não resulta da letra da lei, a qual se limita a utilizar o termo “erro”, sem fazer limitações ao seu campo de aplicação.   

      Acresce que, o art. 45º da LGT tem como objeto e epígrafe a caducidade do direito de liquidação. Pelo que, salvo melhor opinião o termo “erro” previsto no art. 45º, n.º2 da LGT é relativo à liquidação, ou seja, caso haja um erro na liquidação que seja evidenciado pela própria declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo é de três anos.

      Citando o Dr. Rui Marques: “(…), nas situações abrangidas pelo art. 45º, n.º2, da LGT, é da liquidação administrativa a jusante que se trata.”[4]

      A norma não exige que seja um erro declarativo, mas sim um erro da liquidação que se evidencia ou revela na declaração do sujeito passivo.  

      Esta é a interpretação que se revela mais adequada tendo em conta a unidade do sistema jurídico, até porque os erros declarativos dos contribuintes podem ser retificados pela AT, nos termos do art. 79º, n.º2 da LGT.

      No mesmo sentido, voltamos a citar, o Prof. Saldanha Sanches, referindo-se ao prazo de caducidade aplicável ao IRC, mas cuja interpretação pode ser transposta para o IRS por se tratarem ambos de impostos periódicos sobre o rendimento:

“Em suma, se o sujeito passivo do IRC envia a sua declaração, que constitui a síntese obrigatória da sua situação tributária, e, pelo simples exame dos elementos que compõem esta síntese, a Administração fiscal pode verificar se foi ou não feita, de acordo com a sua concepção, uma correcta aplicação da lei fiscal, justifica-se um prazo de caducidade de apenas três anos.

(…)

Os três anos são, em qualquer caso, um prazo razoável para o exercício deste poder administrativo, porque o sujeito passivo nada ocultou, nem omitiu; fez a interpretação e aplicação da lei que lhe pareceu adequada e sujeitou-se ao veredicto da Administração fiscal: se esta, ao fim de três anos, não se pronuncia, quando se devia e podia ter pronunciado, a situação fiscal do sujeito passivo está consolidada.” [5]

 

      No caso em apreço os Requerentes cumpriram, com verdade, os seus deveres declarativos, tendo indicado que o sujeito passivo A tinha obtido rendimentos da categoria B em 2014, tendo por isso, pelo menos, iniciado a sua atividade em 2014 e não em 2015 como, por erro da AT, a AT assumiu. O erro ocorrido era detetável pela análise da declaração, não sendo necessário recorrer a elementos externos.

      Uma vez que o erro podia ser apurado pela simples análise da declaração dos Requerentes justifica-se o encurtamento do prazo de caducidade (Art. 45º, n.º2 da LGT), tal como foi decidido pelo STA, no Ac. de 24.05.2016 proferido no proc. n.º 0991/15:

 

“II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.[6]

      Tratando-se de um imposto periódico relativo a 2015 (IRS), o prazo de caducidade começa a correr no dia 01.01.2016 (art. 45º, n.º4 da LGT) . Uma vez que a notificação da liquidação foi efetuada em novembro de 2019 concluímos que o prazo do direito à liquidação já tinha decorrido (art. 45º, n.º2 da LGT).

Assim, resta concluir, que se reconhece a ilegalidade da liquidação impugnada,  bem como, da decisão da reclamação graciosa, por violação do disposto no art. 45º, n.º2 da LGT, procedendo o pedido formulado pelos Requerentes, e ficando prejudicado o conhecimento do outro vício invocado pelos mesmos.

 

ii) Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530).

A anulação da liquidação de IRS objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se a uma incorreta aplicação da Lei. A incorreta aplicação da Lei conduz à consequente anulação do ato tributário que o tenha por base.

A incorreta aplicação da Lei enquadra-se no erro sobre os pressupostos de direito, que funciona como requisito do direito a juros indemnizatórios consagrado no examinado artº.43, nº.1, da LGT. O erro é imputável aos serviços da AT, tendo originado um pagamento superior ao devido.

Nestes termos, deve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes, em virtude da anulação da liquidação, dado estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde a data do pagamento até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

VI.      DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., de anulação da liquidação adicional n.º 2019... referente ao IRS de 2015 e de anulação da respetiva demonstração de acerto de contas;

b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, ora anulado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c) Condenar nas custas do processo a Requerida.

 

Fixa-se o valor do processo em €1.754,46 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de dezembro de 2021  

 

 

O Árbitro

 

 

__________________________

(André Festas da Silva)

 

 

 



[1] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Baptista Machado, Almedina, 2ª reimpressão, Almedina, 9º Reimpressão,1996, pp. 189 ss.

[2] In O Direito, Introdução e Teoria Geral, 9º Ed., Almedina, Lisboa, 1995, p. 382

[3] In Fiscalidade, n.º39, julho-setembro 2009, Prazo de caducidade em preços de transferência (nota breve), pág. 106

[4] In A Caducidade do Direito de Liquidação do Imposto, Vida Económica, 2018, pág. 138

[5] In Fiscalidade, n.º39, julho-setembro 2009, Prazo de caducidade em preços de transferência (nota breve), pág. 106

[6] Jurisprudência reiterada pelo TCAN, proc. n.º 02600/12.7 BEPRT, de 07/11/2019