Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 441/2020-T
Data da decisão: 2021-05-20  IRS  
Valor do pedido: € 5.425,70
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias - Não residentes
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO:

 

I – A limitação da tributação a 50% das mais-valias imobiliárias estabelecida no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, apenas para os residentes em território nacional, não sendo extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

II – O regime opcional (ou especial) previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS (à data do facto tributário) não é suscetível de tornar a referida restrição compatível com o direito comunitário.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 2 de setembro de 2020, A…, contribuinte n.º …, residente em …, …, França, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:

a)            à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º …, de 2020, referente ao ano de 2019, no montante de € 10.851,40 (dez mil, oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), e sua consequente anulação;

b)           e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Dr. …, e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, … e … .

 

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado.

 

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 23 de novembro de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

 

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta e o respetivo processo administrativo, no dia 7 de janeiro de 2021.

 

6.            O Tribunal, por despacho de 5 de fevereiro de 2021, constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como, a apresentação de alegações, o que aliás foi, solicitado pela Requerente.

7.            No despacho referido em 6. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

 

A Requerente fundamenta o seu pedido, em violação de Lei por entender que «[o] acto de LIQUIDAÇÃO DE IRS nº … relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do exercício de 2019 é ilegal, por violação de lei decorrente da manifesta incompatibilidade no nº2 do artigo 43º do Código do IRS com o artigo 63º do TFUE, na parte em que retira do âmbito de aplicação da redução das mais-valias sujeitas a tributação em IRS a 50% do seu montante as que forem realizadas por cidadãos não residentes em território nacional.»

 

Peticionando, a final, a «declaração da ilegalidade da liquidação posta em crise, sua anulação parcial e condenação da AT na restituição ao Requerente do valor de imposto indevidamente pago, no montante de 5.425,70 €», acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, pugnando, pela improcedência dos argumentos tecidos pela Requerente, concluindo, no sentido de que «(…) devem ser mantidas as liquidações supra mencionadas, devendo concluir-se pela improcedência do ppa.»

 

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

V. MATÉRIA DE FACTO

1.            Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

2.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

3.            Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental e ao processo administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

1.            Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.           O Requerente é não residente fiscal em território português, pelo menos, desde 12.05.2016, tendo a sua residência fiscal em França – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

B.            No dia 23 de dezembro de 2013, o Requerente adquiriu, através do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, pelo preço de € 91.500,00 (noventa e um mil e quinhentos euros) a fração autónoma designada pela letra “…”, correspondente ao quarto andar …, destinada a habitação, tipo T-dois, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal  sito na …, freguesia de Viseu (…), concelho de Viseu, descrito na Conservatória do Registo predial de Viseu sob o n.º … da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … da União das freguesias de Viseu, com o valor patrimonial de 80.590,00. – cfr. Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

C.            No dia 23 de dezembro de 2019, o Requerente, através de documento particular autenticado de compra e venda, alienou o imóvel identificado em B. supra, pelo preço de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros). – cfr. Doc. n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

D.           No dia 16 de junho de 2020, o Requerente apresentou, via Portal das Finanças, a Declaração de IRS-Modelo 3, referente ao ano de 2019, à qual foi atribuído o n.º de identificação … – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

E.            Na declaração de IRS referida supra, o Requerente indicou, na respetiva folha de rosto, os seus dados de identificação, do seguinte modo:

F.           

8             RESIDÊNCIA FISCAL

A             RESIDENTES

                Continente

01          

                R.A. Açores

02          

                R.A. Madeira

03          

 

B             NÃO RESIDENTES

                Não residente

04           X

                Representante NIF

05          

                País de residência

06           250

 

                Se reside na União Europeia ou no Espaço Económico Europeu indique:

                07           X

 Pretende tributação pelo regime geral    ou opta por um dos regimes abaixo indicados

08          

 

                09          

Opção pelas taxas gerais do art.º 68.º do CIRS-Relativamente aos rendimentos

não sujeitos a retenção liberatória – art.º 72.º, n.º 13 do CIRS

 

                10          

Opção pelas regras dos residentes – art.º 17.ºA do CIRS

11          

Total dos rendimentos

obtidos no estrangeiro

 

 – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

G.           E, preencheu, ainda, o Requerente, na Declaração de IRS, Modelo 3 referente ao ano de 2019, o quadro 4 do Anexo G, do seguinte modo:

4             ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS [ART.º 10.º, N.º 1 , AL. A) DO CIRS]

Titular   Realização           Aquisição            Despesas e encargos

                Ano       Mês       Valor     Ano       Mês       Valor    

4001      A             2019       10           140.000,00          2013      10           91.500,00            7.000,00

                                                                                                                             

SOMA   140.000,00                          91.500,00            7.000,00

IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DOS BENS   Quota-parte

%

Campos               Freguesia            Tipo       Artigo   Fração/Secção 

4001      …            U             …            …            100,00

                                                                              

– cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

H.           O Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS), n.º …, de 2020, com referência ao ano de 2019, no montante de € 10.851,40 (dez mil, oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), cuja data limite de pagamento indicada é 31.08.2020 – cfr. Doc. junto ao pedido de pronúncia arbitral que consubstancia o ato impugnado -;

I.             A Requerida sujeitou a tributação à taxa de 28%, a totalidade das mais-valias realizadas pelo Requerente - cfr. Doc. junto ao pedido de pronúncia arbitral que consubstancia o ato impugnado -;

J.             No 31 de agosto de 2020, o Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 10.851,40 (dez mil, oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), a título de IRS do ano de 2019 – cfr. Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral - ;

K.            No dia 2 de setembro de 2020, o Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

 

VI- DO DIREITO

 

- Thema decidendum –

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, a questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se, no caso de mais-valias resultantes da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação previsto no ordenamento jurídico português, aplicável aos residentes no território nacional por comparação àquele que é aplicável aos  não residentes, no que respeita à limitação da incidência de IRS para aqueles de 50% do saldo das mais-valias, consubstancia ou não uma discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais, violadora do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os não residentes em Portugal.

 

Posição do Requerente

 

1.            Entende o Requerente que o ato de liquidação sindicado nos presentes autos padece de vício de ilegalidade, atento que «[a] AT tributou a totalidade das mais-valias à taxa de 28%, reclamando ao Requerente (através do acto ora impugnado), o pagamento de imposto no montante de dez mil oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos (10.851,40 €), até ao dia 31 de Agosto de 2020, (…) Contudo, o ora Requerente só era devedor de imposto no montante de cinco mil quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos (5.425,70 €), estando lesado em igual montante. », o que o fez, indevidamente, ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

 

2.            Com efeito, sustenta o Requerente que, «[d]ispõe o nº2 do artigo 43º do CIRS que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano é “apenas considerado em 50% do seu valor” (alínea b) do referido nº2) caso não se enquadre nas situações previstas na alínea a) do mesmo número, desde que “respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do nº1 do artigo 10º…” (corpo do nº2 do artigo 43º do CIRS, destaque do subscritor). E como bem sabe a AT, [n]ão é lícita a exclusão de aplicação da norma citada à situação sub judice com fundamento na parte destacada “por residentes” (e que de forma mais acertada deveria ser apresentada assim: por residentes), uma vez que tal exclusão corresponderia a uma desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes, o que é proibido pelo Tratado que Institui a União Europeia.», em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, como seja, o Acórdão C-443/06, de 11.10.2007 (Acórdão Hollmann).

3.            Mais refere o Requerente que «[a]pesar das sucessivas alterações ao artigo 43º do CIRS, a versão vigente à data da alienação sub judice mantém, na letra da lei, a discriminação ilegal que o TJUE já repetidamente censurou e cuja aplicação, nos casos que lhe foram submetidos, impediu, posição que vem sendo inevitável e invariavelmente seguida quer pelos Tribunais portugueses, nomeadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, quer pelos Tribunais Arbitrais constituídos junto do Centro de Arbitragem Administrativa.»

 

4.            Aduz o Requerente que «não olvida a argumentação da AT no sentido de que as alterações de que foi alvo o artigo 43º do CIRS após a prolação do Acórdão Hollmann teriam sanado o regime discriminatório, mas, tal como os decisores vêm fazendo, não a aceita.». Mas a verdade é que «[o] regime introduzido, por via da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, com os números 7 e 8 do artigo 72º do CIRS (à data da alienação sub judice plasmados nos nºs 13 e 14 do mesmo artigo) não sanou o regime discriminatório que o Estado Português insiste em manter e aplicar, e que foi efectivamente aplicado à liquidação de IRS ora posta em crise.»

 

5.            Concluindo, assim, no sentido da ilegalidade do ato de liquidação de IRS sindicado nos presentes autos, «por violação de lei decorrente da manifesta incompatibilidade no nº2 do artigo 43º do Código do IRS com o artigo 63º do TFUE, na parte em que retira do âmbito de aplicação da redução das mais-valias sujeitas a tributação em IRS a 50% do seu montante as que forem realizadas por cidadãos não residentes em território nacional.»

 

6.            Peticionando, complementarmente, «a declaração da ilegalidade da liquidação posta em crise, sua anulação parcial e condenação da AT na restituição ao Requerente do valor de imposto indevidamente pago, no montante de 5.425,70 €» bem como o pagamento «(…) dos juros indemnizatórios devidos, à taxa legal de 4% desde a data do pagamento (dia 31 de Agosto de 2020) e até à data do efectivo reembolso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 43º nº1 da LGT,  61º do CPPT, 559º do Código Civil e 24º nº5 do RJAT.»

 

Posição da Requerida

 

1.            Por seu turno, defende a Requerida que «[a] A matéria relevante à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, diz respeito ao entendimento que refuta a aplicação da regra do artigo 43º, nº 2 do CIRS, aos não-residentes em território português. Ou seja, à consideração, apenas em 50%, do saldo positivo apurado na declaração sobredita. Todavia, nesta situação, não se podem secundar as conclusões alinhadas pelo Requerente.»

 

2.            Sustenta a Requerida que, «[d]esde logo, uma interpretação literal do preceito, postula que, tão-somente, os residentes poderão ser incluídos na respetiva previsão. Todavia, não é menos verdade que, relativamente a este assunto, é certo que no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, foi decidida a contrariedade com o Direito Comunitário da disciplina da tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes resultante dos artigos 72º, n.º 1 e 43º, n.º 2 do Código do IRS, por o artigo 56º CE dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel. »

 

3.            Contudo, segundo a Requerida «[t]endo em conta o teor do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 2007OUT11, e no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão nele sufragada, foi aditado ao artigo 72º do Código do IRS, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, o n.º 7 (atual n.º 9), (…) [e] o n.º 8 (atual n.º 10) do mesmo artigo e diploma legal.  E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, possuem um campo que possibilita o exercício da opção pela taxa prevista no artigo 68º do Código do IRS.»

 

4.            Deste modo, defende a Requerida que «[a]s alegações da recorrente não podem, assim, obter provimento face à alteração do artigo 72º efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.º 7 (agora 9) e 8 (agora 10).», porquanto, « o quadro legal, bem como a obrigação declarativa, já não é mesmo que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.º 7 e 8 (agora 9 e 10) ao artigo 72 º do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12. Ou seja, aos não residentes, é proporcionada duas alternativas de tributação: Um regime que não pode ser censurado, à luz dos ditames da igualdade com a tributação dos residentes. E que, portanto, não colhe o argumento da eventual discriminação a que a autora possa ser sujeita.»

 

5.            Mais refere a Requerida que, «(…) o artigo que os sujeitos passivos pretendem que lhe seja aplicado (43º n.º 2 do Código do IRS), encontra-se incluído no capítulo II do Código do IRS que tem como epígrafe “Determinação do rendimento coletável”, o que permite concluir que nos encontramos perante a determinação do rendimento. Para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias), as normas relevantes abrangem os artigos 9º e 10º do Código do IRS. Assim, o disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, não pode ser aplicável ao caso aqui em análise. »

 

6.            No que respeita ao pedido dos juros indemnizatórios, aduz a Requerida que o disposto no artigo 43.º da LGT«(…), impõe, como condição para o pagamento de juros indemnizatórios, a determinação, em sede contenciosa administrativa ou judicial, da ilegalidade derivada duma “divida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Não se vislumbrando qualquer ilegalidade que acometa a liquidação contestada, encontra-se prejudicada a possibilidade de pagamento de juros indemnizatórios.»

 

7.            Concluindo no sentido de que «[p]or tudo o exposto, salvo melhor opinião, entendemos que devem ser mantidas as liquidações supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do ppa.»

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

Ponto prévio - questões processuais

 

 

O Requerente manifesta, no pedido de pronuncia arbitral, o entendimento que «(…) apesar da possibilidade de utilização por parte do CAAD do instituto do reenvio prejudicial previsto no artigo 267º do TFUE (e sufragando a teoria do acto claro plasmada no Acórdão TJUE CILFIT, de 6 de Outubro de 1982) não ser necessário o recurso a tal instituto, por já existir jurisprudência europeia sobre a matéria e ser inequívoca a interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência, aplicável à liberdade de circulação de capitais.»

 

Com efeito, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Supremo Tribunal Administrativo, sobre a matéria em discussão nos presentes e não subsistindo qualquer dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, e tendo em consideração que não se afigura, no caso em apreço, qualquer especificidade factual que aconselhe uma nova intervenção em sede de reenvio, entende o presente Tribunal que não se justifica proceder ao reenvio prejudicial ou a suspensão da instância arbitral.

 

 

Apreciação, ponderação dos argumentos de facto e de direito

 

1.            Ora, como supramencionado, a matéria em discussão nos presentes autos consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional, designadamente no artigo 43.º do Código do IRS, consagra ou não uma discriminação negativa entre residentes e não residentes, à luz do direito comunitário.

 

2.            A matéria das mais valias tem expressão na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, nela se prevendo que:

«1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

b)           Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:»

 

3.            Mais dispondo a alínea a) do o n.º 4 deste preceito legal, em vigor à data dos factos, que:«[o] ganho sujeito a IRS é constituído: Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), e c) do n.º 1;»

 

4.            Na verdade, importa referir que, tendo o ganho sido obtido em território português, está o mesmo sujeito a tributação em Portugal, em conformidade com a conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 13.º (sujeito passivo), n.º 2 do artigo 15.º (âmbito da sujeição) e alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º (rendimento obtidos no território português), todos do Código do IRS.

 

5.            Ainda, sobre a matéria da tributação das mais-valias, prevê a alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS que «[o] saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c), e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor».

 

6.            Disposição esta que é unicamente aplicável aos residentes em território nacional, não sendo extensível aos não residentes.

7.            Com efeito, é precisamente contra esta restrição que o Requerente se insurge, alegando estarmos perante um regime diferenciado de tributação aplicável aos residentes em território nacional e aos não residentes, contrário ao direito comunitário por discriminatório da liberdade da circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

8.            Por seu turno, contrapõe a Requerida referindo que foi aditado ao artigo 72.º do Código do IRS, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, os n.ºs 7 e 8 (à data dos factos, os n.º 9 e 10 respetivamente), sendo este taxativo quanto ao facto de deverem englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano, seja em Portugal, seja no estrangeiro, o que se prevê no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS que espelha o princípio da universalidade, segundo o qual o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos obtidos pelos residentes, sejam eles obtidos dentro ou fora do território nacional.

 

9.            Assim, segundo entende a Requerida, são proporcionadas duas alternativas de tributação aos não residentes: «um regime que não pode ser censurado, à luz dos ditames da igualdade com a tributação dos residentes [artigo 72.º, n.º 9 e 10 do Código do IRS], e que, portanto, não colhe o argumento da eventual discriminação a que a autora possa ser sujeita».

 

10.          Na verdade, no ano a que se refere o ato de liquidação em causa nos presentes autos – 2019 - dispunha a alínea a) do n.º 1, n.º 9 e n.º 10 do artigo 72.º do Código do IRS o seguinte:

«1. São tributados à taxa autónoma de 28%:

a)            As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável aí situado.

(…)

9. Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente  aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.[anterior n.º 7]

10. Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.[anterior n.º 8]»

 

11.          A redação deste artigo 72.º do Código do IRS, designadamente o aditamento dos n.º 7 e 8 (n.º 9 e 10 à data dos factos), proveio das alterações introduzidas pela Lei de Orçamento do Estado para 2008 ( Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), na sequência do Acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-443/06, de 11 de outubro de 2007 (Acórdão Hellmann), o qual julgou « incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os não residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

 

12.          Com efeito, admitiu o legislador que, desta forma – com a introdução de uma norma legal como a dos referidos n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS - estaria a impedir o tratamento discriminatório dos não residentes, ao conceder-lhes a faculdade de optar pela possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições supostamente semelhantes às aplicáveis aos residentes em território nacional.

 

13.          Deste modo, com esta nova previsão [n.º 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS] passou a vigorar, no que à tributação das mais valias imobiliárias diz respeito, dois regimes distintos aplicáveis aos não residentes, a saber:

a)            Um regime geral, segundo o qual aos rendimentos auferidos por não residentes em território nacional seria aplicável a taxa de 28% sobre a totalidade das mais-valias imobiliária por si obtidas em Portugal; - artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS;

b)           Um regime especial, no âmbito do qual era dada oportunidade, aos não residentes em território nacional, de beneficiarem do regime de tributação das mais-valias imobiliárias equiparável ao aplicado aos residentes em Portugal, desde que cumpridas determinadas condições, como seja: a declaração de todos os rendimentos auferidos pelo não residente (dentro e fora do território nacional) para efeitos de apuramento da taxa de tributação prevista na tabela do artigo 68.º do CIRS, a aplicar a 50% das mais-valias obtidas em Portugal. – artigo 72.º, n.º 9 e 10 do Código do IRS - .

14.          Ora, a verdade é que, também este regime opcional (ou especial) foi considerado discriminatório como resulta, entre outros, do recente, Acórdão do TJUE proferido no processo n C-388/19, de 18 de março de 2021 (Acórdão MK), o qual se pronunciou no sentido de que:

“ 26. No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.°, n.°2, e o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.

27. Em especial, nos termos do artigo 43.°, n.°2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.°, n.°1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

28. Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.°37).

29. Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.°, n.°1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais-valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80 000 euros a 250 000 euros e de 5 % acima desse valor.

30. Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600, n.°40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.° TFUE.

31. Esta constatação não é posta em causa pelo n.°44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C-632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 9 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais-valias sobre a venda de imóveis.

32. Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.°, n.°1, TFUE.”

 

15.          Mais referindo, com interesse, no que respeita à opção pela tributação, pelos não residentes, em função das modalidades aplicáveis aos residentes, que:

«42.  Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.°, n.os 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.°, n.° 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.°, n.° 1, do CIRS, e outro que não o é.

43      Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

44      Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.° TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 52).

45      Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C 440/08, EU:C:2010:148, n.° 53 e jurisprudência referida).

46      Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.»

 

16.          Concluindo, por fim, no sentido de que:

«(…) o artigo 63.º do TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.»

 

17.          Com efeito, agora em Portugal, o Supremo Tribunal Administrativo veio, igualmente, apreciar a questão da tributação das mais-valias imobiliárias obtidas por não residentes, tendo sido decidido, entre outros, e designadamente, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 075/20.6BALSB, de 9 de dezembro de 2020, que:

«III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»

 

18.          Na verdade, é diversa e abundante a jurisprudência dos tribunais judiciais (STA, TCA Sul)  e arbitral (CAAD)  que, com fundamento na incompatibilidade das normas em causa [artigo 43, n.º 2 e 72.º, n.º 1 al. a), n.º 9 e 10 todos do Código do IRS] com o Direito Comunitário, têm vindo a considerar as liquidações efetuadas pela AT, em circunstâncias muito semelhantes às dos presentes autos, ilegais e, em consequência, procedem à sua anulação parcial.

 

19.          Como se refere na douta decisão arbitral do CAAD proferida no âmbito do processo 786/2019-T, de 14 de setembro de 2020, que o presente Tribunal acompanha e adere, não vislumbrando razões de direito ou facto para alterar o seu sentido:

«No CAAD, com a excepção da decisão singular proferida no proc. n.º 539/2018- T, também a jurisprudência retoma a já referida lógica da colocação sucessiva dos problemas: há um regime discriminatório (e já se viu que a própria AT assim o parece entender) e há uma intervenção legislativa que, criando embora uma opção para se afastar dele, não resolve problema algum. Nas palavras da decisão proferida no proc. n.º 590/2018-T,“como bem se refere nas decisões arbitrais nº 45/2012-T e 127/2012-T, considerando o disposto no artigo 43º, nº2 do CIRS, deparamo-nos, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do TFUE. Este entendimento tem sido mantido em diversas decisões arbitrais posteriores, como vem invocado pelos Requerentes. Entendimento esse, por sua vez, confirmado pela jurisprudência do STA. É que, aos olhos da jurisprudência arbitral citada pelos Requerentes e corroborada pelos nossos tribunais superiores a opção de equiparação, introduzida no sistema tributário português, após a prolação do Acórdão Hollmann, constante dos n.ºs 8 a 10 do artigo 72.º do Código do IRS, vigentes à data do facto tributário, não permite afastar o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão restritiva do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS a sujeitos passivos residentes.

Desde logo, há que registar que a solução introduzida pelo legislador para obviar à discriminação contida na supramencionada norma nacional, não garante que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões efetuadas por não residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, seja apenas considerado em 50% do seu valor, tal como acontece com os residentes, por força do disposto no art.º 43.º/1 e 2 do CIRS.

Efectivamente, o regime dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS não dispõe sobre a base da incidência, mas apenas sobre a taxa aplicável aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º 72.º, sendo por isso verdade, como reitera a Requerida em sede arbitral, que aquele regime não implica a tributação de todos os rendimentos auferidos pelos não residentes, mas apenas da mais valia.

Com efeito, do regime em questão, não resulta uma alteração da base de incidência, sendo os rendimentos tributados os mesmos, e estando apenas prevista uma alteração da taxa aplicável, que deixa de ser a dos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º, e passa a ser a que resulta do art.º 68.º, nº1 do CIRS (o que quer dizer, desde logo, que tal taxa pode ser inferior à consagrada nos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º - desde que a taxa média seja inferior a 28% - ou superior).

Todavia, assim sendo, como é, continua a verificar-se a discriminação proscrita pelo Acórdão Hollmann, entre residentes e não residentes.

É que, se os n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º dispõem sobre a taxa, e não sobre a base de incidência, a mesma não é alterada pela opção consagrada nos mesmos, ou seja: a base de incidência será - quer seja exercida a opção prevista naquelas normas, quer não - a mesma, o que quer dizer que quer exerçam aquela ou opção, quer não, os não residentes não verão, em qualquer caso, o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias por si realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, ser considerado apenas em 50% do seu valor.

Assim, se como entendeu a AT no acto tributário sub iudice, não for aplicável o art.º 43.º, nº 2 do CIRS aos não residentes, para efeitos da sua tributação nos termos do n.º 1 do art.º 72.º, a mesma norma continuará a não ser aplicável, caso os mesmos exerçam a opção consagrada no n.º 9 e 10 do mesmo artigo 72.º, porquanto estas normas, como se referiu, não alteram a base de incidência do imposto, mas apenas a taxa a aplicar àquela.

Concretizando, como o n.º 10 do art.º 72.º apenas releva a aplicação das normas aplicáveis aos residentes, para efeitos da determinação da taxa, e não para efeitos da determinação da base tributável, a mais-valia, nos termos desse regime, relevará, em 50% unicamente para efeitos do cômputo dos rendimentos que determinará a taxa a aplicar nos termos do art.º 68.º nº 1 do CIRS, mas a taxa assim determinada continuará a ser aplicada a 100% das mais valias, uma vez que, segundo a AT, o art.º 43.º, nºs 1 e 2, do CIRS não será aplicável aos não residentes, por se reportar apenas a residentes, e não resulta, como se viu, dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º a aplicação daquelas normas (nºs 1 e 2 do art.º 43.º do CIRS) , para efeitos da determinação da base tributável.

Ora, este entendimento, traduz, precisamente, a discriminação de tratamento entre residente e não residente censurada pelo acórdão Hollmann, já que os residentes pagarão sempre a taxa que resulta do art.º 68.º, nº 1 sobre 50% das mais valias, enquanto que os não residentes pagarão ou aquela taxa, determinada de acordo com as regras aplicáveis aos residentes, ou 28%, sempre sobre 100% das mais valias.

A isto acresce um outro reparo que resulta da complexidade de funcionamento do imposto, agravado pela “opção pelo englobamento” de todos os rendimentos obtidos no outro país, para além de outras questões relevantes associadas ao princípio da territorialidade previsto artigo 15º do CIRS, às condições de pessoalização e à progressividade do imposto, dificilmente compatível com uma adequada consideração dos valores auferidos noutro estado membro, no estado atual do direito comunitário. O que vale por dizer que a alteração legislativa operada assenta em pressupostos inquinados pela intenção de manter uma tributação mais onerosa sobre os não residentes, mesmo que estes residam no espaço da EU, o que se afigura inaceitável aos olhos da referida jurisprudência do TJUE.

Dito de outro modo, a AT não demonstrou (nem conseguiria) que a opção pelo englobamento, como forma de equiparação, tal qual foi introduzida nos nºs 9 e 10 do artigo 72º do CIRS, seja suficiente para excluir a discriminação em causa.»

 

20.          Continuando e concluindo a referida decisão arbitral no sentido de que:

«Acresce ainda, como dissemos supra, que sempre ficaria a dúvida de sobre a razão que levou o legislador a não optar pela via da eliminação direta da discriminação contida na norma do artigo 43º, nº2 do CIRS. Alega a AT que a solução adotada no artigo 72º, nºs 8 a 10 é bastante, porquanto também para os residentes em território português, estes rendimentos estão sujeitos ao englobamento. Ora, tal argumento não parece adequado porquanto não leva em linha de conta todas as outras condições de tributação inerentes ao funcionamento de um imposto com as características do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e evidencia uma intenção de tributação em função dos rendimentos auferidos no outro país (quando englobados) bem sabendo que se trata de realidades incomparáveis, facilmente falseadas por toda uma realidade de base que escapa à soberania fiscal do estado português.

Não temos, pelo exposto, dúvida que a solução adotada pelo legislador português não elimina o caráter discriminatório no tratamento de residentes e não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes de alienação de imóveis.”»

 

21.          Desta forma, impõem-se concluir pela ilegalidade do ato de liquidação de IRS sindicado nos presentes autos, ainda que o Requerente não tenha optado pelo regime de tributação “especial” das mais-valias imobiliárias aplicável aos não residentes, previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do Código do IRS, atendendo a que a mesma não se mostra hábil a afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa.

 

22.          No entanto, e atenta a sua manifesta importância, coloca-se a questão se saber se o ato de liquidação deve ser anulado na sua totalidade ou se apenas parcialmente?

 

23.          A resposta a esta questão foi já anunciada, ponderada e decidida no CAAD, seguindo o presente Tribunal a orientação que ali tem sido dada e cuja fundamentação aqui aproveita, com a devida vénia, da douta decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 800/2019-T, de 19 de outubro de 2020, segundo a qual:

« Mas, o ato de liquidação deve ser anulado na totalidade?

A tal propósito ensina JORGE LOPES DE SOUSA: “Nos termos do art. 100.º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio. Desta norma infere-se a possibilidade de anulação parcial dos atos tributários. O STA tem entendido, em geral, que os atos de liquidação, por definirem uma quantia, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles atos, no referido art. 100.º, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios (como, anteriormente, previa o art. 145.º do CPT). Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do ato, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial. Será o que acontece quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria coletável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria coletável que não é afetada…”. No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação resulta, em exclusivo, da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias imobiliárias realizadas pela Requerente. Estando em causa a alteração da matéria tributável, legitimada fica a sua anulação parcial.»

 

24.          Face ao tudo quanto foi exposto, procede o pedido de pronuncia arbitral do Requerente, julgando-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residente em território nacional, não extensiva a não residentes neste território, em clara violação aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, encontrando-se, consequentemente, o ato de liquidação sindicado nos presentes autos ferido de ilegalidade. Ilegalidade esta que deve ser restringida apenas àquele excesso de tributação, a título de mais-valias, o qual deve ser anulado nessa parte.

 

Dos juros indemnizatórios

 

25.          A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

26.          Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

27.          Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

 

28.          Ora, resultando do ato tributário impugnado a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são merecidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

29.          No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade do ato de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto indevidamente liquidado, por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

30.          Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

 

31.          Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

32.          Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto indevidamente liquidado, no montante de € 5.425,70 (cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos), até ao integral reembolso do referido montante.

 

VII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

a)            julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular-se parcialmente o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao exercício de 2019, no montante de € 5.425,70 (cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos), nos seus precisos termos;

b)           condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 5.425,70 (cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de maio de 2021

***

 

O Árbitro

Jorge Carita