Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 440/2021-T
Data da decisão: 2022-02-21  IRC  
Valor do pedido: € 243.630,03
Tema: IRC - Diferenças de câmbio. Tributação autónoma. Indemnização e gratificação a administradores. Dedução à coleta de benefício fiscal no âmbito do grupo de sociedades. Créditos por dupla tributação internacional.
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Sumário:

I – A distribuição de dividendos, ainda que se encontre abrangida pelo regime de participation exemption, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, não impede que a diferença de câmbio desfavorável seja considerada como gasto para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC;

II –A tributação autónoma de indemnizações ou gratificações a administradores, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, depende da prova, que incumbe à Administração, de que essas indemnizações ou gratificações foram determinadas pela cessação de funções de administrador;

III – A dedução de benefícios fiscais, nos termos do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, é efetuada no montante apurado relativamente ao grupo, como determina o artigo 90.º, n.º 6, independentemente de os benefícios terem sido obtidos por uma sociedade individualmente considerada em momento anterior à sua integração no grupo de sociedades;

IV – A CDT Portugal-Brasil equipara a royalties a prestação de assistência técnica e de serviços técnicos, por efeito do Protocolo n.º 5 adicional à Convenção;

V – A CDT Portugal-Índia equipara a royalties a prestação de serviços conexos, por efeito do artigo 12.º, n.º 4, da Convenção.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... SGPS S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, e correspetiva liquidação de juros compensatórios, de que resultou o montante global a pagar de € 246.341,97, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária em indemnização por prestação indevida de garantia.

                                                                                                                                                                     

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial anónima que ocupa a posição de sociedade dominante do Grupo B..., tributado segundo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) desde 1 de janeiro de 2014, e que é composto pela sociedade dominante A..., SGPS (ora Requerente) e as sociedades participadas C..., S.A., D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

 

Através da ordem de serviço n.º OI2019... foi desencadeada uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2017 relativamente à A..., SGPS, enquanto sociedade individualmente considerada, de que resultaram correções tributárias, por desconsideração do gasto inscrito na conta #6928 – Diferenças de câmbio desfavoráveis, no montante de € 421.671,44, e do acréscimo à coleta do crédito de imposto relativo aos serviços de gestão e administração (management fees), no montante global de € 21.654,14.

 

Através da ordem de serviço n.º OI2019..., foi instaurada uma ação de inspecção tributária à F..., S.A., de que resultaram correções aritméticas por sujeição a tributação autónoma da indemnização atribuída a G..., no montante de € 99.562,50, e do prémio pago a H..., no montante de € 34.269,13, acréscimo à coleta de créditos de imposto deduzidos relativamente a serviços de engenharia (ENG), serviços informáticos (ITK) e serviços de aprovisionamento ou procurement (PUR), e acréscimo à coleta de IRC de créditos SIFIDE, por referência ao exercício de 2011, no montante de € 54.789,76.

 

Através da ordem de serviço n.º OI 2019..., foi igualmente realizada uma ação de inspeção tributária dirigida à A..., SGPS, enquanto sociedade dominante, para fazer repercutir no resultado tributável do grupo de sociedades as correções efetuadas, a nível individual, na esfera jurídica da A..., SGPS (Requerente) e da F..., S.A.

 

Os factos relevantes quanto à A..., SGPS (ora Requerente) são os seguintes.

 

No ano de 2017, a Requerente auferiu dividendos da I..., LTDA., sociedade sediada no Brasil e por si integralmente detida, e embora a distribuição de dividendos tenha sido deliberada em 27 de setembro de 2017, o montante distribuído só foi recebido em 4 de dezembro desse ano, tendo-se verificado nesse intervalo de tempo uma diferença de câmbio desfavorável à Requerente, no montante de € 421.671,44, a qual foi  inscrita como gasto do exercício na conta #6928 – Diferenças de câmbio desfavoráveis.

 

Também no ano de 2017, a Requerente prestou serviços de administração e gestão a sociedades relacionadas, auferindo em contrapartida remunerações (management fees), que foram sujeitas a retenção no respetivo Estado da fonte, tendo deduzido à coleta um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, no montante total de € 21.654,14.

 

Quanto às correções efetuadas relativamente à F..., S.A., há a considerar os seguintes factos.

 

No dia 12 de outubro de 2005, a F..., S.A. e G... celebraram um contrato promessa de trabalho, tendo este iniciado a sua relação laboral com a sociedade a 1 de maio de 2006.

 

No âmbito de tal relação laboral, que durou cerca de doze anos, G... exerceu funções como Diretor de Investigação e Desenvolvimento, auferindo uma retribuição mensal.

 

Por acordo de revogação de 30 de março de 2017, a F..., S.A. e G... fizeram cessar a relação laboral e, por força dessa cessação, houve lugar ao pagamento pela sociedade, a título de compensação, do montante global de € 99.562,50.

 

Em 7 de julho de 2017, a F..., S.A. deliberou a atribuição de prémios aos colaboradores da sociedade, no montante global de € 387.771,05, e, entre os quais, a H..., que auferiu um prémio no montante de € 86.500,00. H... era funcionário da F..., S.A. desde 1 de fevereiro de 2010, desempenhando funções de diretor de Tecnologias Informáticas, pelas quais auferia uma retribuição mensal.

 

G... e H... exerceram cargos de administrador pelos quais nunca foram remunerados pela F..., S.A.

 

Durante o ano de 2017, a F..., S.A. prestou a entidades relacionadas serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG), serviços informáticos (ITK) e serviços de procurement (PUR).

 

Considerando ter direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, deduziu à coleta do exercício de 2017 créditos de imposto, nos termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, no montante global € 25.545,02.

 

A sociedade F..., S.A. deduziu ainda à coleta do exercício de 2017 o montante de € 54.789,76, correspondente a créditos SIFIDE reconhecidos no exercício de 2011.

 

Entende a Requerente, em sede de apreciação do direito, que os dividendos auferidos por sociedades com sede ou direção efetiva em território português estão sujeitos a tributação em IRC, e ainda que não concorram para a determinação do lucro tributável por efeito do regime de “participation exemption” previsto no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, os gastos incorridos por virtude da diferença desfavorável de câmbio são dedutíveis nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

 

Quanto aos créditos por dupla tributação jurídica internacional eles correspondem a imposto retido na fonte no Brasil, China e Índia por referência a remunerações auferidas, pela Requerente, pela prestação de serviços de gestão e administração, e pela F..., S.A., pela prestação de serviços de engenharia e desenvolvimento de produto (ENG), serviços de informática (ITK) e serviços de aprovisionamento ou procurement (PUR), e que a Autoridade Tributária desconsiderou com base no disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CIRC, por considerar que o crédito de imposto a atribuir em Portugal não poderá ultrapassar “o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção”.

 

Considera a Requerente, no entanto, que, à exceção dos rendimentos relativos aos serviços prestados na China, que se subsumem ao artigo 7.º da Convenção Portugal-China, e foi por isso indevida a retenção efetuada no Estado da fonte, todos os restantes rendimentos configuram royalties, aplicando-se o disposto no artigo 12.º das  Convenções, e sendo legal a retenção na fonte, constituindo-se por isso créditos de imposto por dupla tributação jurídica internacional dedutíveis em Portugal nos termos do artigo 91.º do CIRC.

 

Os rendimentos auferidos no Brasil resultam de serviços de administração e gestão prestados pela Requerente e de serviços de procurement prestados pela F..., S.A.

 

Os serviços de administração e gestão correspondem à formação de pessoal em matéria de contabilidade, tesouraria e recursos humanos, e subsequente acompanhamento, designadamente no processamento de salários, elaboração da contabilidade e desenvolvimento de planos de gestão e negócios e compreendem ainda a revisão da contabilidade e a prestação de assessoria jurídica, configurando serviços técnicos e/ou de assistência técnica.

 

Os serviços de procurement (PUR) consistem na elaboração de estudos e propostas tendentes à otimização das condições de produção através, por exemplo, da redução do número de fornecedores e do custo de compra das matérias-primas e, bem assim, do melhoramento dos processos logísticos inerentes à atividade, tratando-se de serviços especializados, que pressupõem um conhecimento detalhado dos processos produtivos e dos mercados.

 

Tais remunerações devem ser qualificadas como royalties à luz do artigo 12.º da Convenção Portugal-Brasil e do Protocolo n.º 5 adicional, podendo por isso ser sujeitas a tributação no Brasil à taxa máxima de 15%, e considerando que os rendimentos em causa foram tributados no Brasil a essa taxa, havia lugar à dedução, nos termos dos artigos 90.º e 91.º do CIRC, dos créditos por dupla tributação jurídica internacional, verificando-se a ilegalidade dos atos tributários em causa.

 Os rendimentos auferidos pela F..., S.A. na Índia resultaram da prestação de serviços de engenharia e desenvolvimento de produtos (ENG) e de serviços informáticos (ITK), os quais se encontram abrangidos pelo  artigo 12.º, n.os 1 e 2, da Convenção Portugal-Índia, que se refere não apenas os royalties mas quaisquer rendimentos resultantes da prestação de serviços conexos, podendo ser tributados integralmente, no âmbito de uma competência cumulativa limitada, no Estado da residência e no Estado da fonte através da aplicação de uma taxa máxima de imposto de 10%.

 

Tanto os serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG) como os serviços informáticos (ITK) enquadram-se no conceito de serviços conexos definido no artigo 12.º, n.º 4, da Convenção Portugal-Índia, na medida em que correspondem à transmissão de conhecimentos técnicos e know-how, visando dotar o cliente de ideias e mecanismos que lhe permitam, por um lado, melhorar o produto comercializado e o processo produtivo (serviços ENG) e, por outro, dispor e utilizar adequadamente os sistemas e programas informáticos necessários à prossecução e melhoria da sua atividade (serviços ITK).

 

E nesse sentido, os rendimentos daí resultantes preenchem os requisitos do artigo 12.º da Convenção Portugal-Índia, e tendo sido tributados em ambos os Estados, aplicando-se no Estado da fonte, o limite máximo de 10% estabelecido naquele preceito, há lugar ao direito à dedução de créditos por dupla tributação jurídica internacional, nos termos dos artigos 90.º e 91.º do CIRC, no montante de € 11.293,73, sendo ilegais os atos tributários que negaram esse direito.

 

É ainda ilegal, por preterição do disposto no artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC, a sujeição a tributação autónoma da compensação auferida por G... aquando e por força da cessação do seu contrato de trabalho, pelo qual desempenhava funções de Diretor de Investigação e Desenvolvimento, e que não está associada à cessação das funções de administrador. Do mesmo modo, mostra-se ser ilegal a sujeição a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, da gratificação auferida por H..., que respeita ao exercício das funções desempenhadas no âmbito do contrato de trabalho então vigente, e não tem relação com o exercício das suas funções de administrador, sendo que, em qualquer dos casos, era à Autoridade Tributária que competia demonstrar que essa compensação foi auferida por virtude do exercício do cargo de administrador.

 

A Autoridade Tributária determinou ainda uma correção ao IRC por não ter admitido a dedução do benefício fiscal SIFIDE apurado em 2011 pela F..., S.A., num momento em que ainda não integrava o Grupo B..., e que, em seu entender, apenas poderia ser aproveitado até ao limite da sua coleta individual, em 2017, e não no âmbito do grupo de sociedades.

 

Quanto a este ponto, a Requerente considera que, segundo o disposto no artigo 36.º do Código Fiscal de Investimento (CFI), a dedução é feita na liquidação respeitante ao período de tributação correspondente e deve ter lugar nos termos do artigo 90.º do CIRC, e, por insuficiência de coleta, as importâncias que não possam ser deduzidas no respetivo período de tributação, podem ser reportadas até ao sexto exercício seguinte. Por outro lado, o n.º 6 do artigo 90.º determina que, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, não estabelecendo qualquer diferenciação entre os benefícios apurados antes e após a vigência do RETGS.

 

Havendo de entender-se, neste contexto, que o legislador não quis limitar a dedução do SIFIDE à coleta individual da sociedade que o apura nem limitar os benefícios apurados antes da entrada no RETGS.

 

Autoridade Tributária respondeu nos termos que seguem.

 

Relativamente à desconsideração como gastos fiscais das diferenças de câmbio desfavoráveis inerentes à distribuição de dividendos, interessa reter que os dividendos distribuídos por uma participada configuram ganhos do período em que ocorre o facto tributário e, beneficiando esses ganhos do regime de participation exemption  previsto no artigo 51.º do CIRC, pelo qual os dividendos, como lucros distribuídos, não concorrem para a determinação do lucro tributável, as diferenças cambiais que se encontrem associadas a tais dividendos devem seguir o mesmo enquadramento fiscal, não podendo ser considerados como ganhos ou gastos do período de tributação.

 

Quanto à correção da dedução à coleta do Grupo dos créditos de imposto por dupla tributação internacional, conclui-se que os rendimentos são subsumíveis ao disposto no artigo 7.º das CDT celebradas entre Portugal e o Brasil e Portugal e a Índia, e não no artigo 12.º, pelo que esses rendimentos apenas devem ser tributados em Portugal. Tendo ocorrido a retenção na fonte nos Estados onde foram prestados os serviços em detrimento das disposições contidas na CDT, não pode ser acionado o mecanismo do crédito de imposto previsto no artigo 91.º, n.º 2, do CIRC.

 

No tocante aos serviços prestados no Brasil, atendendo ao disposto no n.º 5 do Protocolo anexo à CDT celebrada entre Portugal e Brasil, que determina a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 12.º da CDT, referente a royalties, é de considerar que os serviços de administração e de gestão (Management Fees) e os serviços de procurement, não constituem serviços técnicos ou de assistência técnica que possam ser equiparados a royalties, nos termos do Protocolo n.º 5 à CDT Portugal-Brasil, mas integram “outras prestações de serviços/outros rendimentos”, que se enquadram no artigo 7.º da CDT.

 

Sendo tais rendimentos enquadráveis no artigo 7.º da CDT e não possuindo o sujeito passivo prestador dos serviços estabelecimento estável no Brasil, os rendimentos resultantes apenas podem ser tributados em Portugal, de onde a tributação ocorrida no Brasil não pode beneficiar do mecanismo do crédito de imposto previsto no artigo 91.º, n.º 2, do CIRC. O que é igualmente aplicável aos serviços de engenharia e desenvolvimento de produtos (ENG) e aos serviços informáticos (ITK) prestados pela F..., S.A. a clientes na Índia.

 

No que se refere à tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 13, do CIRC, o que se comprova é que os colaboradores em causa acumularam funções de trabalhador, diretor e administrador e receberem uma retribuição com carácter indemnizatório ou uma gratificação por referência a esses mesmos períodos de tempo e não são dissociáveis do exercício das funções de administrador. Constatando-se que, no caso de G..., este cessou, por renúncia, as funções de administrador da empresa em 29 de março de 2017, altura a que se reporta o processamento da indemnização em análise, e no caso de H..., a deliberação de atribuição do prémio ocorreu em 7 de julho de 2017, tendo por referência as funções exercidas no período precedente e, entre elas, as funções de administrador que apenas cessaram em 24 de maio de 2016.

 

Encontrando-se demonstrado que os colaboradores em causa receberam indemnizações e gratificações e que nos períodos a que as mesmas se reportam desempenharam funções de administrador, encontram-se preenchidos os requisitos da norma do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, passando a caber à Requerente o ónus da prova de que esses gastos ou encargos apenas estão associados às funções desempenhadas por trabalho subordinado.

 

Quanto à correção à dedução  efetuada à coleta do Grupo do benefício fiscal SIFIDE, os serviços inspetivos seguiram o entendimento expresso na ficha doutrinária emitida na sequência do Despacho da Subdiretora Geral do IRC, de 24 de Março de 201, proferido no processo 1203/2020, pelo qual se considera que em relação a um benefício concedido individualmente, a sua dedução no âmbito do grupo de sociedades deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício: se o direito ao benefício nascer antes da entrada da sociedade para um grupo sujeito ao RETGS, a dedução à coleta do grupo tem, como limite máximo, a coleta individual que essa sociedade apuraria se não tivesse sido integrada no grupo, sendo aplicada a regra geral do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC apenas quando a empresa promotora do investimento estiver integrada num grupo de sociedades no momento em que adquire o direito ao benefício.

 

Tratando-se, no caso concreto, de um benefício adquirido pela F..., S.A. em 2011, ainda antes da sua entrada num grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação, e apresentando a referida sociedade um prejuízo fiscal em 2017 - que impede a dedução à coleta em termos individuais -, não pode esse benefício ser deduzido à coleta do Grupo.

 

Conclui pela improcedência total do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo foi realizada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT na qual foi produzida a prova testemunhal indicada pela Requerente.

 

Em alegações pelo prazo sucessivo as partes pronunciaram-se sobre os resultados probatórios resultantes dos elementos do processo e da prova testemunhal produzida e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições. Em alegações, a Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente aceita a correção concernente ao imposto retido na China, mas não apresenta justificação para a utilização da totalidade do imposto retido a título de crédito de imposto. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo estes designado o árbitro presidente.

 

O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituídos pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportunamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.ºs 4 e 5, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 18 de outubro de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial anónima que ocupa a posição de sociedade dominante do Grupo B..., tributado segundo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) desde 1 de janeiro de 2014, e que é composto pelas sociedades participadas C..., S.A., D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A.

B) No ano de 2017, a Requerente auferiu dividendos da I..., LTDA., sociedade sediada no Brasil e por si integralmente detida.

C) A distribuição de dividendos foi deliberada em 27 de setembro de 2017 e o montante distribuído foi recebido pela Requerente em 4 de dezembro de 2017, verificando-se, por efeito do intervalo de tempo decorrido entre a deliberação da distribuição de dividendos e o recebimento do montante distribuído, uma diferença de câmbio desfavorável à Requerente, no montante de € 421.671,44.

D) Essa verba foi inscrita como gasto do exercício na conta #6928 – Diferenças de câmbio desfavoráveis.

E) Em 2017, a Requerente prestou serviços de administração e gestão a sociedades consigo relacionadas, auferindo em contrapartida remunerações (management fees) que foram sujeitas a retenção no respetivo Estado da fonte de acordo com o quadro que segue:

 

Estado da Fonte               Sociedade           Management fees (€)    Taxa de retenção na fonte          Montante retido na fonte (€)

Brasil     J..., Ltda.              84.375,00           15%       12.656,25

                K..., Ltda.             509.217,45         15%       76.382,62

                L..., Ltda.              415.872,00         15%       62.380,80

China    M… Ltd.               267.930,00         10%       26.793,00

Índia      N... Limited         60.259,00           10%       6.025,90

 

F) Os serviços de gestão e administração prestados pela Requerente compreendiam as seguintes prestações:

(i)                       Formação do pessoal, designadamente ao nível da contabilidade, da tesouraria, do controlo de gestão e dos recursos humanos;

(ii)                     Acompanhamento do processamento de salários e dos processos de pessoal;

(iii)         Verificação da regularidade dos lançamentos contabilísticos efetuados e da sua conformidade com o estabelecido nas disposições aplicáveis do Manual das Políticas de Contabilidade;

(iv)         Acompanhamento e assessoria na elaboração da contabilidade, incluindo na preparação anual do fecho das contas e na elaboração das declarações oficiais e respetivos anexos e sua apresentação às Autoridades Fiscais;

(v)          Elaboração, gestão, controlo e acompanhamento da execução dos planos financeiros e de tesouraria:

(vi)         Acompanhamento de negociações mantidas com entidades financeiras;

(vii)        Elaboração, controlo e acompanhamento de planos de contenção de custos e de controlo de despesas;

(viii)       Elaboração de planos de melhorias contínuas e de qualidade e respetiva implementação;

(ix)         Aconselhamento e elaboração de planos estratégicos e de gestão de mercado;

(x)          Aconselhamento na gestão das relações com clientes, bem como a análise das perspetivas de desenvolvimento e incremento dessas relações;

(xi)         Assessoria jurídica.

 

G) A Requerente deduziu à coleta, no exercício de 2017, os termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, os seguintes créditos de imposto por dupla tributação jurídica internacional:

 

Estado da

Fonte    Sociedade           Crédito (€)

Brasil     J..., Ltda.              980,16

                K..., Ltda.             7.604,72

                O..., Ltda.            20,64

                L..., Ltda.              9.357,12

China    M... Ltd.               3.013,59

Índia      N... Limited         677,91

                                Total:     21.654,14

H) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., foi instaurada uma ação de inspeção tributária à Requerente, com referência ao exercício de 2017, tendo como objeto o controlo individual do regime especial de tributação dos grupos de sociedades. 

I) Na sequência da ação inspetiva foram efetuadas as seguintes correções:

(i) Desconsideração do gasto inscrito pela Requerente na conta #6928 – Diferenças de câmbio desfavoráveis e consequente acréscimo do montante de € 421.671,44 ao seu lucro tributável do exercício de 2017;

(ii) Acréscimo à coleta da Requerente do crédito de imposto por dupla tributação internacional, no montante global de € 21.654,14.

J) No dia 12 de outubro de 2005, a F..., S.A., que integra o Grupo B..., e G... celebraram um contrato promessa de trabalho, iniciando-se a relação laboral com a sociedade em 1 de maio de 2006.

L) No âmbito dessa relação laboral, que durou cerca de doze anos, G... exerceu funções como Diretor de Investigação e Desenvolvimento, pelas quais auferiu uma retribuição mensal.

M) A relação laboral cessou, por acordo, em 30 de março de 2017.

N) G... desempenhou igualmente funções como administrador na F..., S.A.

O) G... foi nomeado administrador da F..., S.A. em 9 de junho de 2011, tendo renunciado ao cargo em 9 de maio de 2012.

P) Nessa data foi novamente nomeado administrador da F..., S.A., tendo exercido funções até ao termo do triénio 2012 a 2015.

Q) Em 30 de março de 2016, G... foi novamente nomeado membro do conselho de administração da F..., S.A., tendo desempenhado essas funções até 29 de março de 2017.

R) A sociedade F..., S.A., procedeu ao pagamento a G... de uma compensação no montante global de € 99.562,50.

S) Em 7 de julho de 2017, a F..., S.A. deliberou a atribuição de prémios aos colaboradores da sociedade, no montante global de € 387.771,05, e, entre os quais, a H..., que auferiu um prémio no montante de € 86.500,00.

T) H... era funcionário da F..., S.A. desde 1 de fevereiro de 2010, desempenhando funções de diretor de tecnologias de informação, pelas quais auferia uma retribuição mensal.

U) H... exerceu igualmente funções de administrador da F..., S.A.

V) Foi designado administrador da F..., S.A. em 9 de junho de 2011 e renunciou ao cargo a 9 de maio de 2012 e, nessa data, assumiu novamente funções como administrador pelo quadriénio 2012-2015.

X) H... exerceu funções de administrador até 24 de maio de 2016.

Z)  Durante o ano de 2017, a F..., S.A. prestou a entidades relacionadas, sediadas no Brasil, China e Índia, serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG), serviços de desenvolvimento, implementação e gestão de sistemas de informação e segurança (ITK) e serviços de aprovisionamento ou procurement (PUR) de acordo com o quadro que segue:

 

Estado da fonte                Sociedade           Tipo de serviço (1)           Contrapartida dos serviços

(€)          Taxa de retenção na fonte           Montante retido na fonte

(€)

Brasil     E... Ltda.              ITK         1.702,08              15%       255,31

                I... Ltda.                ITK         14.388,36           15%       2.158,25

                J..., Ltda.              ITK         38.162,60           15%       5.724,39

                P... Ltda.              ITK         5.464,82              15%       819,72

                K..., Ltda.             ENG       189.565,82         15%       28.434,87

                               ITK          122.573,52         15%       18.386,03

                L..., Ltda.              ENG       157.401,29         15%       23.610,19

                               ITK          10.937,17           15%       1.640,58

                               PUR        63.136,56           15%       9.470,48

China    M… Ltd.               ENG       26.536,29           10,07%                 2.672,87

                               ITK          52.261,83           10,07%                 5.264,07

                               PUR        43.750,00           10,07%                 4.406,72

Índia      N...         ENG       100.793,00         10%       10.079,30

                               ITK          13.016,48           10%       1.301,65

                Q...

                ITK         60.820,07            10%       6.082,01

 

 AA) O conteúdo dos serviços era o seguinte:

(i)           Serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG): a elaboração de propostas de natureza técnica e económica correspondentes a todos os novos projetos; vigilância da aplicação de um plano de melhorias contínuas no processo de fabrico; elaboração dos estudos necessários com vista à definição e desenvolvimento do processo produtivo de todos os novos produtos cliente, mediante o estabelecimento da ligação entre este o seu cliente, com vista à correspondência do custo industrial orçamentado com o verificado na produção; procura e aconselhamento para parcerias, consórcios ou outro tipo de colaboração;

(ii)          Serviços informáticos (ITK): a definição, implementação, monitorização e desenvolvimento de sistemas de informação; monotorização e gestão de servidores e ativos da rede VPN; otimização de soluções de sistemas de informação; gestão do relacionamento com fornecedores externos; apoio técnico/help desk; gestão de sistemas de segurança, confidencialidade e back-up global;

(iii)Serviços de procurement (PUR): a elaboração de um programa de redução do número de fornecedores; criação de condições de fornecimento optimizadas quanto ao custo das compras e logística inerentes a elas; elaboração de estudos e propostas com vista à redução dos espaços de armazenagem necessários e dos stocks de matéria-prima, produtos em curso e produtos acabados; organização manutenção de bases de dados referentes a compras, incluindo fornecedores, produtos, custos, transportes, logística; procura e desenvolvimento de relações comerciais com fornecedores para a construção de meios de estampagem, meios de controlo dimensional e equipamentos de aplicação especifica em projetos;  desenvolvimento do processo técnico para a aquisição dos meios referidos e validação dos processos produtivos; análise de ofertas de mercado para a aquisição dos meios referidos, de acordo com os termos e condições técnicos, económicos, financeiros e de prazo de execução; controlo do cumprimento dos termos e condições técnicos, económicos, financeiros e de prazo de execução.

BB) A F..., S.A. deduziu à coleta, no exercício de 2017, os termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, os seguintes créditos de imposto por dupla tributação jurídica internacional:

Estado da fonte                Sociedade           Tipo de serviço Crédito (€)

Brasil     E... Ltda.              ITK         27,99

                I... Ltda.                ITK         236,65

                J..., Ltda.              ITK         627,68

                P... Ltda.              ITK         89,88

                K..., Ltda.             ENG       3.493,22

                               ITK          2.016,03

                L..., Ltda.              ENG       2.900,51

                               ITK          179,89

                               PUR        1.967,49

China    M… Ltd.               ENG       489,00

                               ITK          859,58

                               PUR        1.363,36

Índia      N...         ENG       10.079,30

                               ITK          214,09

                Q...         ITK          1.000,34

                                                Total:    25.545,02

                CC)  O F..., S.A. deduziu à coleta do exercício de 2017 o montante de € 54.789,76, correspondente a créditos SIFIDE reconhecidos no exercício de 2011.

DD) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., foi instaurada uma ação de inspeção tributária à F..., S.A., com referência ao exercício de 2017. 

EE) Na sequência da ação inspetiva foram efetuadas as seguintes correções tributárias:

(i)Sujeição a tributação autónoma, à taxa de 35%, acrescida de 10% por o sujeito passivo apresentar prejuízo fiscal, da indemnização atribuída pela F..., S.A. a G..., no montante de € 99.562,50, a que corresponde o imposto a pagar de € 44.803,13;

(ii)Sujeição a tributação autónoma, à taxa de 35%, acrescida de 10% por o sujeito passivo apresentar prejuízo fiscal, do montante de € 34.269,13, correspondente ao prémio pago a H... na proporção do número de dias do ano de 2016 em que exerceu funções de administrador;

(iii)Acréscimo à coleta de IRC do exercício de 2017 dos seguintes créditos de imposto por dupla tributação internacional: (a) créditos correspondentes a serviços de Procurement prestados à L..., LTDA., no valor de € 63.136,56, a que corresponde o imposto a pagar de € 1957,49; (b) créditos de imposto por dupla tributação internacional por serviços prestados na China nos montantes de 26.536,29 (ENG), € 52.261,83 (ITK) e de 43.750,00 (PUR), a que corresponde o imposto a pagar de € 2.711,94; (c) créditos de imposto por dupla tributação internacional por serviços prestados na Índia nos montantes de 100.793,00 (ENG), € 13.016,48 (ITK) e € 60.820.07 (PUR), a que corresponde o imposto a pagar de € 11.293.73.

(iv)Acréscimo à coleta de IRC do exercício de 2017 dos créditos SIFIDE reconhecidos no exercício de 2011, no montante de € 54.789,76.

FF)         A coberto da ordem de serviço n.º OI2019... foi instaurada uma ação de inspeção tributária ao Grupo B... destinada a verificar a conformidade da declaração Modelo 22 do Grupo e projetar as correções efetuadas, a título individual, na esfera jurídica da A..., SGPS, S.A (ora Requerente) e da F..., S.A.

GG)       Na sequência da ação inspetiva foram efetuadas as seguintes correções:

(i) Desconsideração do gasto inscrito na declaração individual da Requerente no montante de € 421.671,44 a título de diferenças de câmbio desfavoráveis resultante de distribuição de dividendos;

(ii) Sujeição a tributação autónoma da indemnização atribuída pela F..., S. A. a G..., no montante de € 99.562,50, à taxa de 35%, por não haver lugar à majoração da taxa por prejuízo fiscal, correspondendo ao imposto devido de € 34.846,88;

(iii) Sujeição a tributação autónoma da gratificação atribuída pela F..., S. A. a H..., no montante de € 86.500,00, na parte em que excede 25% da remuneração anual e na proporção do número de dias do ano de 2016 em que exerceu funções de administrador, à taxa de 35%, por não haver lugar à majoração da taxa por prejuízo fiscal, correspondendo ao imposto devido de € 11.994,19;

(iv) Acréscimo à coleta de IRC dos créditos SIFIDE reconhecidos à F..., S.A. por referência ao exercício de 2011, no montante de € 54.789,76.

(v) Acréscimo à coleta de IRC dos serviços de gestão e administração prestados no Brasil, China e Índia, no valor global de € 21.654,14

(vi) Acréscimo à coleta de IRC de créditos de imposto por dupla tributação internacional por serviços de Procurement prestados no Brasil, no montante de € 63.136,56, a que corresponde o imposto a pagar de € 1.967,49;

(vii) Acréscimo à coleta de IRC de créditos de imposto por dupla tributação internacional por serviços prestados na China nos montantes de 26.536,29 (ENG), € 52.261,83 (ITK) e de 43.750,00 (PUR), a que corresponde o imposto a pagar de € 2.711,94;

(viii) Acréscimo à coleta de IRC de créditos de imposto por dupla tributação internacional por serviços prestados na Índia nos montantes de 100.793,00 (ENG), € 13.016,48 (ITK) e € 60.820.07 (PUR), a que corresponde o imposto a pagar de € 11.293.73.

HH)        Na sequência dessas correções, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2021 ... e a liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., de cuja demonstração de acerto de contas resultou o montante global a pagar de € 246.341,97. 

II) Não tendo procedido ao pagamento voluntário dos referidos atos tributários, a Requerente foi notificada da instauração do processo de execução fiscal n.º ...2021... .

JJ) Em 9 de julho de 2021, em vista a garantir a suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças da ... a garantia bancária n.º ..., constituída a 7 de julho de 2021 junto do Banco R..., S.A.

LL) A Requerente reconhece que os rendimentos relativos aos serviços prestados na China se subsumem ao artigo 7.º da Convenção Portugal-China, sendo por isso indevida a retenção efetuada no Estado da fonte e não havendo, nessa medida, direito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional em Portugal (artigo 98.º do pedido arbitral).

MM) Dão-se aqui como reproduzidos os relatórios de inspeção tributárias elaborados no âmbito as ações inspetivas desencadeadas pelas ordens de serviço n.ºs OI2019..., OI2019...e OI2019..., e que constituem os documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido arbitral.

NN) O pedido arbitral deu entrada em 12 de Julho de 2021.

 

Factos não provados

 

                Não se encontra provado que a compensação atribuída pela sociedade F..., S.A. a G..., no montante de € 99.562,50, e a gratificação atribuída pela mesma entidade a H..., no montante de € 86.500,00, estejam associados à cessação de funções como administradores.

 

                Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e a prova testemunhal produzida.

 

A testemunha arrolada, S..., diretor de recursos humanos da F.., S.A., afirmou, em audiência, que G... foi diretor-geral da F..., S.A. durante anos e essas funções eram remuneradas. Recebeu uma compensação por cessação de funções de diretor. Exerceu ainda funções de administrador, que não eram remuneradas.

 

Referiu ainda que H... era Diretor de Tecnologias Informáticas e tinha um contrato de trabalho, pelo qual era remunerado. Também foi administrador mas não tinha remuneração. Em 2017, a F..., S.A. atribui prémios aos seus colaboradores.

 

A instância da senhora mandatária da Requerida, a testemunha declarou que não sabia se a política de não remuneração dos administradores constava das atas da assembleia geral da sociedade, mas era do conhecimento dos administradores.

 

O relatório de inspeção tributária, elaborado no âmbito da ação inspetiva efetuada à F..., S.A., sujeitou a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC, a indemnização atribuída a G..., por considerar tratar-se de “indemnização paga a administrador mediante cessação de contrato de trabalho”, sem qualquer outro desenvolvimento ou demonstração factual, sendo certo que o beneficiário exerceu não apenas funções de administração, mas também funções de diretor no âmbito de relação laboral subordinada (cfr. ponto III.2.1.A). 

 

O mesmo relatório de inspeção sujeitou a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, a gratificação atribuída a H..., por considerar tratar-se de “gratificação paga a membros dos órgãos sociais”, sem qualquer outro desenvolvimento ou demonstração factual, sendo certo que o beneficiário exerceu não apenas funções de administração, mas também funções de diretor no âmbito de relação laboral subordinada (cfr. ponto III.2.1.B).

 

                Matéria de direito

 

                Impugnabilidade do ato tributário e delimitação do objeto do processo

 

5.  A Requerente impugna o ato de liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, que resultou da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2019..., que teve como objeto a análise da declaração modelo 22 do Grupo B..., e que teve em vista reportar à situação tributária do grupo de sociedades as correções apuradas na esfera individual da A..., SGPS (Requerente), no âmbito da ação inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2019..., e na esfera individual da F..., S.A., no âmbito da ação inspetiva realizada ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019... .

 

O ato de liquidação em causa é um ato tributário autónomo que determina o lucro tributável do grupo de sociedades, calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, tal como determina o artigo 70.º do CIRC, e que, por conseguinte, é suscetível de impugnação judicial independentemente de terem sido impugnadas as correções tributárias efetuadas relativamente às sociedades que compõem o grupo.

 

Com efeito, estando em causa a liquidação do imposto a pagar pela sociedade dominante, no âmbito do Grupo, em resultado das correções tributárias efetuadas na esfera individual dos seus membros, é a sociedade dominante o sujeito passivo do imposto e que dispõe de legitimidade para a impugnação judicial, não podendo considerar-se verificada a situação de caso decidido  pelo facto de as sociedades que integram o Grupo não terem reagido individualmente em relação às correções apuradas no âmbito das suas declarações individuais.

 

Os atos tributários de liquidação em IRC e de liquidação de juros compensatórios incidentes na esfera jurídica da Requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo B..., que constituem objeto do pedido arbitral, são, por conseguinte, suscetíveis de impugnação judicial e poderão sê-lo perante os tribunais arbitrais (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A Requerente reconhece que os rendimentos relativos aos serviços prestados na China se subsumem ao artigo 7.º da Convenção Portugal-China, sendo por isso indevida a retenção efetuada no Estado da fonte e não havendo, nessa medida, direito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional em Portugal (artigo 98.º do pedido arbitral).

 

A declaração da Requerente, efetuada no articulado inicial, corresponde a uma modalidade de confissão judicial de facto que lhe é desfavorável, e não é acompanhada da afirmação de qualquer outro facto que lhe seja favorável, aceitando a Requerente que não tem direito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional em Portugal relativamente aos serviços prestados na China.

 

Deste modo, a declaração confessória faz prova plena contra o confitente e é indivisível, uma vez que a Requerente não estabeleceu qualquer ressalva ou restrição (artigos 358.º e 360.º do Código Civil), assim se compreendendo que tenha fixado o valor da causa no montante de € 243.630,03, correspondente à diferença entre o imposto global a pagar resultante do ato de liquidação (€ 246.341,97) e o montante da correção tributária relativa à dedução à coleta por rendimentos auferidos por serviços prestados na China (€ 2.711,94). 

 

Neste condicionalismo, o tribunal não pode deixar de considerar como válida a confissão e a Autoridade Tributária não pode opor qualquer reserva quanto ao facto confessado. E caso subsistam quaisquer dúvidas quanto à quantificação do direito ao crédito de imposto apenas poderão ser resolvidas em sede de execução de julgado. 

 

A matéria em causa não integra, por conseguinte, o objeto do pedido arbitral.

 

 

Questões de fundo

 

Diferença de câmbio na distribuição de dividendos

 

6. A Requerente inscreveu como gasto do exercício de 2017 a diferença desfavorável de câmbio resultante da distribuição de dividendos efetuada por uma sociedade relacionada, residente no Brasil, por efeito do intervalo de tempo decorrido entre a deliberação da distribuição dos dividendos e o seu efetivo pagamento.

 

A Autoridade Tributária não admitiu a dedução por considerar que os rendimentos em causa não estão sujeitos a IRC, por se encontrarem abrangidos pelo regime de participation exemption previsto no artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, visto que o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC circunscreve os gastos dedutíveis àqueles que são incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do CIRC que, desde que se verifiquem cumulativamente determinados requisitos, “os lucros e reservas distribuídos a sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem para a determinação do lucro tributável”.

 

A norma abrange a distribuição de resultados, abarcando a distribuições de dividendos e outras distribuições de lucros e a distribuição de reservas, e pretende transpor para o direito interno o artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, que prevê dois métodos alternativos para a eliminação da dupla tributação económica internacional: o método de isenção (alínea a)) ou o método de crédito de imposto (alínea b)).

 

O legislador nacional terá optado por uma das soluções possíveis (a isenção dos dividendos auferidos), ao consignar que os lucros e reservas distribuídos (aí se incluindo os dividendos) não concorrem para a determinação do lucro tributável (cfr. GUSTAVO LOPES COURINHA, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, pág. 125).

 

E embora o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC prescreva que, “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” - o que parece excluir prime facie a dedutibilidade dos gastos inerentes a rendimentos da empresa que que não concorram para o lucro tributável -, o certo é que, no caso, estamos perante uma norma específica destinada a eliminar a dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, que tem a natureza de uma norma de isenção e não propriamente de uma norma de não incidência objetiva de imposto (idem, pág. 108).

 

E como se concluiu nos acórdãos proferidos nos Processos n.º 177/2019-T e 8/2019-T, a referência, no artigo 23.º, n.º 1 , do CIRC, a «rendimentos sujeitos a IRC» não pode ser entendida como uma fórmula abrangente da globalidade das situações de não tributação (incluindo isenções), mas como tendo visado excluir os gastos relacionados com rendimentos não incluídos no âmbito de incidência do IRC, designadamente os abrangidos por delimitações negativas expressas da incidência (como é o caso das previstas nos artigos 6.º e 7.º do CIRC).

 

Tendo a Autoridade Tributária baseado a não dedutibilidade dos gastos por diferença cambial desfavorável, relacionada com a distribuição de dividendos, na circunstância de os rendimentos subjacentes não se encontrarem sujeitos a IRC por efeito da aplicação do regime de participation exemption, a correção tributária, com tal fundamento, mostra-se ser ilegal.

 

Tributação Autónoma

 

7. O relatório de inspeção tributária, elaborado no âmbito da ação inspetiva efetuada ao Grupo B..., sujeitou a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC a indemnização atribuída pela F..., S.A. a G..., no valor de € 99.562,50, por considerar tratar-se de indemnização paga “mediante cessação de contrato de trabalho do administrador”.

 

A Requerente sustenta que a indemnização foi auferida por G... por virtude da cessação do seu contrato de trabalho, pelo qual desempenhava funções de Diretor de Investigação e Desenvolvimento, e não está associada à cessação das funções de administrador, pelo que não há lugar a tributação autónoma em aplicação do disposto no artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC.

 

A referida disposição do artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC tem a seguinte redação:

 

13           - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

a)            Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;

A tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

 

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas.

 

No entanto, através de sucessivas alterações legais, o legislador tem vindo a alargar o âmbito da tributação autónoma, tendo passado a incluir os encargos relativos a indemnizações pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estes cessem funções, e, bem assim, os encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas ultrapassem certos limiares. O que se mostra justificado como uma forma de assegurar “uma distribuição mais justa dos encargos tributários e a uma moralização progressiva das políticas remuneratórias das empresas”. Como a doutrina tem reconhecido, trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.

 

O artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC é uma dessas disposições, ao tributar autonomamente os gastos ou encargos com indemnizações não relacionadas com objetivos de produtividade, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente.

 

No entanto, na situação do caso, o tribunal deu como não provado que a compensação atribuída a G... estivesse associada à cessação de funções como administrador.

 

Para assim concluir, o tribunal teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha arrolada, mas também a insuficiência probatória dos elementos de facto de que parte a Autoridade Tributária. O relatório de inspeção tributária limita-se a considerar, sem qualquer evidência, que a indemnização foi paga a administrador por via da “cessação de contrato de trabalho de administrador”, ignorando que o beneficiário, além de ter exercido funções de administrador, também manteve uma relação laboral subordinada com a empresa, nas  funções de Diretor de Investigação e Desenvolvimento, pelas quais auferia uma retribuição mensal, e o contrato de trabalho reportava-se ao exercício dessas funções e não ao cargo de administrador

 

A correção tributária assenta, por conseguinte, num mero juízo presuntivo que decorre de o interessado ter exercido funções de administrador e de ter existido uma certa coincidência temporal entre a cessação dessas funções e o pagamento da indemnização, mas que, nas circunstâncias do caso, não é suficiente para considerar verificada a relação de causa/efeito que justificaria a tributação autónoma.

 

Por outro lado, tendo em conta o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, e estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, é à Administração que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou.

 

8. O mesmo relatório de inspeção sujeitou a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, a gratificação atribuída a H..., por considerar tratar-se de “gratificação paga a membros dos órgãos sociais”.

 

Também neste caso a Requerente alega que a sujeição a tributação autónoma é ilegal, porquanto a gratificação auferida por H... respeita ao exercício das funções desempenhadas no âmbito do contrato de trabalho, e não tem relação com o exercício das suas funções de administrador.

 

A referida disposição do artigo 88.º, n.º 13, alínea a), do CIRC é do seguinte teor:

 

13           - São tributados autonomamente, à taxa de 35 %:

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a (euro) 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

 

Mutatis mutandis, tem aplicação, na situação vertente, tudo o que anteriormente se expôs relativamente ao pagamento de indemnização.

 

Na norma da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC o que está em causa é desincentivar os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, que excedam um determinado valor.

 

Também, neste caso, o tribunal deu como não provado que a gratificação atribuída a H... estivesse associada à cessação de funções como administrador, tendo em consideração não só a prova testemunhal produzida no processo arbitral como a falta de demonstração cabal, no procedimento administrativo, de que a atribuição da gratificação foi determinada pela cessação de funções de administrador.

 

De facto, o relatório inspetivo parte unicamente do facto de o interessado ter sido membro dos órgãos sociais da empresa, extraindo daí a ilação de que se tratou de uma compensação por cessação de funções de administrador, não tendo em linha de conta que o beneficiário exerceu não apenas funções de administração, mas também funções de diretor no âmbito de relação laboral subordinada, e pelas quais se poderia ter justificado, segundo os critérios remuneratórios da empresa, o pagamento de uma gratificação.

 

Não podendo ignorar-se, como acima se expôs, que à luz do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, e estando em causa uma correção tributária, é à Administração que cabe o correspondente ónus da prova.

 

9. Por outro lado, ainda que se entenda que os administradores não podem exercer, para o período para que foram designados na sociedade, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho (artigo 398.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais), o certo é que o Relatório de Inspeção Tributária não teve em linha de conta esse argumento para efeito de proceder à correção tributária.

 

Com efeito, como resulta da matéria de facto dada como assente, a Administração, sem qualquer outro desenvolvimento, sujeitou a tributação autónoma a indemnização paga a G... por se tratar de “indemnização paga a administrador mediante cessação de contrato de trabalho”, e a gratificação paga a H..., por se tratar de “gratificação paga a membros dos órgãos sociais” (alíneas J), L) e T) da matéria de facto).

 

No âmbito da relação laboral, G... exerceu funções como Diretor de Investigação e Desenvolvimento, e H... exerceu funções de Diretor de Tecnologias de Informação, pelas quais ambos auferiam uma retribuição mensal. Simultaneamente, esses colaboradores também desempenharam funções de administradores (alíneas N) e U) da matéria de facto). No entanto, a Autoridade não fez qualquer menção, no Relatório de Inspeção tributária, à possível incompatibilidade entre o exercício de funções de trabalho subordinado e de administração.

 

Ora, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, funciona o princípio da proibição da fundamentação a posteriori. Isto é, o tribunal tem de limitar-se à formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, seja por iniciativa oficiosa do tribunal, seja por meio de novos argumentos que tenham sido invocados pelas partes na pendência do processo impugnatório (cfr. acórdão do STA de 27 de Junho de 2016, Processo n.º 043/16).

 

                Não cabe, por isso, ao tribunal analisar a legalidade da liquidação impugnada com base em considerações que não lhe serviram de fundamento.

 

Dedução à coleta do grupo de sociedades do benefício fiscal SIFIDE

 

10.  A Autoridade Tributária determinou ainda uma correção ao IRC por não ter admitido a dedução do benefício fiscal SIFIDE apurado em 2011 pela F..., S.A., num momento em que ainda não integrava o Grupo B..., e que, em seu entender, apenas poderia ser aproveitado até ao limite da sua coleta individual, em 2017, e não no âmbito do grupo de sociedades.

 

Em contraponto, a Requerente considera que, segundo o disposto no artigo 36.º do Código Fiscal de Investimento (CFI), a dedução é feita na liquidação respeitante ao período de tributação correspondente e deve ter lugar nos termos do artigo 90.º do CIRC, e, por insuficiência de coleta, as importâncias que não possam ser deduzidas no respetivo período de tributação, podem ser reportadas até ao sexto exercício seguinte. E, por outro lado, o n.º 6 do artigo 90.º determina que, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, não estabelecendo qualquer diferenciação entre os benefícios apurados antes e após a vigência do RETGS.

 

Analisando esta questão, deve começar por sublinhar-se que, no regime jurídico português, a substância económica do regime de tributação especial dos grupos de sociedades assenta na possibilidade de determinação de uma base de tributação comum e não se assume como um modelo de consolidação total e pleno. Aquilo que existe é um modelo de Group Pooling que permite a agregação dos resultados individuais de cada membro do grupo societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação. A gestão dessa agregação é da competência da sociedade dominante, mas não implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas. Daí resultam implicações práticas na forma como os direitos e as obrigações fiscais são tratados.

 

A passagem de uma entidade de grupo empresarial para outro grupo empresarial não implica dissolução da entidade nem afasta os seus direitos e as suas obrigações, uma vez que a entidade continua a ser juridicamente autónoma, transportando consigo todo o seu universo de direitos e obrigações para o novo grupo societário.

 

  Ou seja, não há a criação de um novo sujeito passivo de imposto, mas antes a sujeição a um regime especial de tributação (sobre estes aspetos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 133/19-T).

 

E esta conceção coaduna-se com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código do IRC, que prevê que, não obstante a agregação dos resultados, cada entidade pertencente ao grupo tem de apresentar declaração periódica individual, sendo com base nessas múltiplas declarações individuais – devidas por cada um dos membros do grupo – que a sociedade dominante poderá calcular o lucro tributável do grupo. E está em consonância com o que estabelece o artigo 120.º, n.º 6, alínea b), que, referindo-se à declaração periódica de rendimentos, quando for aplicável o regime especial de grupos de sociedades, determina que “cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável”.

 

Esta disposição visa assegurar que o “lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”, tal como prevê o artigo 70.º do CIRC, e não pode ser entendida como significando que a dedução à coleta terá de ser efetuada em relação a cada uma das sociedades individualmente consideradas. 

 

                Com efeito, o Código estabelece como regra que, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo (artigo 90.º, n.º 6).

 

                No caso, o que sucede é que, para efeito da agregação dos resultados, o Grupo B... passou a incorporar os direitos e as obrigações das empresas que passaram a integrar o Grupo, incluindo o direito aos benefícios fiscais que já detinham à data em que se operou a alteração da composição do Grupo.

 

A lei é clara ao associar a dedução de benefícios fiscais ao resultado fiscal do grupo e não ao resultado que tenha sido apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram (no sentido exposto, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 482/2019-T).

 

E, por conseguinte, o benefício fiscal apurado, em 2011, pela F... passou a dedutível a ser nos resultados do Grupo quando essa sociedade passou a integrá-lo em 2014, independentemente de a sociedade individualmente considerada apresentar insuficiência de coleta.

 

O pedido arbitral mostra-se ser procedente também nesta parte.

                                                                                                                 

Créditos por dupla tributação internacional

 

11. Relativamente aos serviços prestados no Brasil, nas áreas de ENG e ITK, pela F..., a Autoridade Tributária considerou que esses serviços se enquadram no conceito de assistência técnica, na medida em que implicam a transferência de tecnologia (know-how) e estão abrangidos pelo protocolo n.º 5 anexo à Convenção Portugal-Brasil, e, nesse sentido, poderiam ser tributados no Estado da fonte, havendo lugar à dedução à coleta nos termos do disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CIRC.

 

Não assim relativamente aos serviços de procurement, que os serviços inspetivos entendem corresponderem a serviços de apoio à área de compras e logística com enquadramento no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do CIRC e que estão assim abrangidos pela previsão do artigo 7.º da CDT Portugal-Brasil.

 

A Requerente discorda deste entendimento, por considerar que os serviços de procurement (PUR) consistem na elaboração de estudos e propostas tendentes à otimização das condições de produção através, por exemplo, da redução do número de fornecedores e do custo de compra das matérias-primas e, bem assim, do melhoramento dos processos logísticos inerentes à atividade e caracterizam-se como serviços técnicos, que pressupõem um conhecimento detalhado dos processos produtivos e dos mercados, e, como tal,  são equiparados às royalties à luz do artigo 12.º e do Protocolo n.º 5 à Convenção Portugal-Brasil, podendo por isso ser sujeitas a tributação no Brasil à taxa máxima de 15%.

 

Relativamente aos serviços prestados na Índia, a Autoridade Tributária entende que a CDT Portugal-Índia não contempla um regime similar ao previsto no Protocolo n.º 5 à Convenção Portugal-Brasil e todos esses serviços, quer na área ENG quer na área ITK, correspondem a outras prestações de serviços/outros rendimentos, enquadrados na mesma disposição do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 7), do CIRC e que ficam sob a alçada do artigo 7.º da CDT Portugal-Brasil, pelo qual “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado”.

 

A Requerente igualmente discorda desta solução, argumentando que a Convenção Portugal-Índia abrange no artigo 12.º não apenas os royalties mas quaisquer rendimentos resultantes da prestação de serviços conexos, e tanto os serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG) como os serviços informáticos (ITK) se subsumem nesse conceito, na medida em que correspondem à transmissão de conhecimentos técnicos e know-how, encontrando-se por isso abrangidos pelo regime estabelecido no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da Convenção Portugal-Índia. E uma vez que a Índia sujeitou estes rendimentos a imposto à taxa de 10%, em cumprimento do estatuído na Convenção Portugal-Índia, cabe à Requerente o direito aos créditos por dupla tributação jurídica internacional, nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do CIRC.

 

O que está, por conseguinte, em discussão é o não reconhecimento dos créditos por dupla tributação internacional relativamente aos serviços de procurement prestados no Brasil, que a Requerente caracteriza como serviços técnicos que se encontram cobertos pelo estabelecido no artigo 12.º e no Protocolo n.º 5 à Convenção Portugal-Brasil, e dos créditos por dupla tributação internacional relativamente a serviços de ENG e de ITK prestados na Índia,  que a Requerente entende que correspondem a serviços conexos, igualmente abrangidos pelo artigo 12.º, n.os 1 e 2, da Convenção Portugal-Índia.

 

São estas as questões que cabe dilucidar.

 

A CDT entre Portugal e o Brasil, nos seus artigos 7.º e 12.º, que estão particularmente em foco, dispõem nos seguintes termos.

 

Artigo 7.º

Lucros das empresas

 

1.            Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.

2.            Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares e transacionasse com absoluta independência.

 

Artigo 12.º

«Royalties»

 

1.            As royalties provenientes de um Estado Contratante e atribuídas ou pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2.            Todavia, essas royalties podem ser tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá:

a)            10 por cento do montante bruto das royalties relativas a obras literárias, artísticas ou científicas, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, desde que tais filmes e gravações sejam produzidos por empresas de qualquer dos Estados Contratantes;

b)           15 por cento do montante bruto das royalties não compreendidas na alínea anterior.

 As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar estes limites.

3.            O termo royalties, usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

4.            O disposto nos n.ºs 1 e 2 não é aplicável se o beneficiário das royalties, residente de um Estado Contratante, tiver, no outro Estado Contratante de que provêm as royalties, um estabelecimento estável a que estiver efetivamente ligado o direito ou bem que dá origem às royalties. Neste caso, são aplicáveis as disposições do artigo 7.º

      […].

 

Interessa ainda considerar o Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil, que prescreve nos seguintes termos: “[f]ica entendido que as disposições do n.º 3 do artigo 12.º se aplicam a qualquer espécie de pagamento recebido em razão da prestação de assistência técnica e de serviços técnicos”. 

Resulta do artigo 12.º, n.º 3, que poderão qualificar-se como royalties os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, industrial (e comercial ou científica) e de transmissão de informação (know-how). No entanto, o Protocolo n.º 5 adicional à Convenção torna equiparável às royalties a prestação de assistência técnica e de serviços técnicos. Por outro lado, deve entender-se que a assistência técnica e de serviços técnicos se reportam a qualquer das espécies mencionadas anteriormente, devendo entender-se a referência a direitos, bens ou informações como correspondendo a direitos de autor, de patente ou de marca, ao uso (ou concessão de uso) de equipamentos industriais, comerciais ou científicos e à transferência de tecnologia (know-how).

 

No que respeita a este último aspeto, o ponto fulcral consiste na distinção entre rendimentos derivados da prestação de informações e os que provêm da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica.

 

Como esclarece ALBERTO XAVIER, o contrato de know-how tem por objeto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria e sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta o seu resultado. Ao invés, o contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) tem por objeto a execução de serviços que pressupõem, por parte do prestador, uma tecnologia, a qual, porém, não se destina a ser transmitida, mas antes a ser meramente aplicada ao caso concreto mediante ideias, conceções e conselhos baseados num estudo pormenorizado de um projeto. Por outras palavras, no contrato de know-how transfere-se tecnologia, enquanto no contrato de prestação de serviços técnicos (engineering) aplica-se tecnologia.

 

Por seu turno, a assistência técnica corresponde a uma prestação de serviços que não tem carácter autónomo e independente, mas é antes complementar ou acessória de outra operação prevista no mesmo contrato ou em contrato separado. E é nesse sentido que a “assistência técnica” se distingue da prestação de serviços técnicos (engineering), pois enquanto neste último caso a prestação de serviços constitui o objeto principal do contrato, no primeiro a prestação de serviços é meramente instrumental. No contrato de prestação de serviços técnicos as partes querem a própria execução de um determinado serviço ao passo que no contrato de “assistência técnica” as partes querem a prestação de um serviço complementar relativamente à cedência de know-how, à utilização de direitos de propriedade intelectual ou o uso ou concessão do uso de equipamentos (Direito Tributário Internacional, Coimbra, 1997, págs. 686 e segs.).

 

Por outro lado, segundo o mesmo Autor, a distinção tem reflexo na forma de remuneração. “Enquanto a contraprestação da assistência técnica reveste a forma de um lump sum ou de uma percentagem da faturação, da produção ou do lucro, a contraprestação nos contratos de prestação de serviços de engineering, é fixada essencialmente com base no custo demonstrado por critérios relativos ao trabalho desenvolvido, como o número de horas despendidas” (ob. cit., pág. 699).

E é de notar que esta mesma distinção tem sido acolhida pela jurisprudência, sendo representativos os acórdãos do STA de 18 de junho de 2006 (Processo n.º 0845/05) e do TCA Sul de 18 de junho de 2013 (Processo n.º 04075/10) e, na jurisprudência arbitral, os acórdãos proferidos nos Processos n.º 598/2015-T e 393/2019-T.

 

Não obstante a distinção que é usual fazer-se entre os conceitos de assistência técnica e de serviços técnicos, o certo é que o Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil veio equiparar a royalties não apenas a assistência técnica, mas também a prestação de serviços técnicos.

 

No entanto, a Autoridade Tributária, no relatório de inspeção tributária, relativamente aos serviços de procurement prestados no Brasil, limita-se a considerar, sem qualquer outro desenvolvimento, que esses rendimentos “não assumem a natureza de assistência técnica em associação com aos royalties (…) antes configurando a prestação de serviços de apoio à área de compras e logística”, apenas podendo ser tributados no Estado de residência ao abrigo do artigo 7.º da Convenção (fls. 25/35).

 

Importa reter, desde logo, como se deixou exposto, que as disposições do n.º 3 do artigo 12.º da CDT Portugal-Brasil são aplicáveis a qualquer espécie de pagamento recebido em razão da prestação de assistência técnica e de serviços técnicos, e, por conseguinte, o enquadramento da atividade realizada pela Requerente, para efeito da qualificação como royalties, não poderia ser efetuado apenas por referência à prestação de serviços de assistência técnica.

 

E, por outro lado, dificilmente se poderia concluir que os serviços de procurement em causa, que se encontram descritos detalhadamente na alínea AA) da matéria de facto, e que incluem a elaboração de estudos e propostas de otimização das condições de produção, designadamente em vista à de redução do número de fornecedores, do custo de compra de matéria-prima e dos espaços de armazenagem, bem como à melhoria dos processos logísticos, possam ser caracterizados como mera prestação de serviços de apoio à área de compras e logística, sem qualquer carácter de tecnicidade.

 

Sendo de concluir que os serviços em causa são essencialmente serviços técnicos, e qualificados como royalties por força do estabelecido no Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil, havendo lugar à tributação no Brasil à taxa de 15%, e, como resulta expressamente do artigo 12.º, n.º 4 da Convenção, os rendimentos só não só tributados no Estado da fonte quando o beneficiário exerça a sua atividade no outro Estado Contratante, de que provêm as royalties, por meio de um estabelecimento estável, caso em que  são aplicáveis as disposições do artigo 7.º

 

Não sendo esse o caso, a Requerente tinha direito à dedução à coleta do crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do CIRC, sendo consequentemente ilegal a correção tributária que veio a ser efetuada.

 

12. A mesma conclusão haverá de extrair-se relativamente aos serviços de engenharia e de desenvolvimento de produtos (ENG) e de serviços informáticos (ITK) prestados na Índia.

Para a análise desta outra questão, importa ter presente a CDT Portugal-Índia, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/2000, e, em especial, o seu artigo 12.º, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

 

Artigo 12.º

Royalties e retribuições por serviços conexos

 

1-            As royalties e as retribuições por serviços conexos provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - No entanto, essas royalties e retribuições por serviços conexos podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties e das retribuições por serviços conexos for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do seu montante bruto. As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.

3             - O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes, gravações ou quaisquer outros meios de reprodução usados em conexão com a transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

4             - Para efeitos deste artigo, a expressão «retribuições por serviços conexos» significa pagamentos de qualquer natureza, com exceção dos mencionados nos artigos 14.º e 15.º da presente Convenção, efetuados a qualquer pessoa como retribuição pela prestação de serviços técnicos ou de consultoria (incluídos os serviços prestados através de pessoal técnico ou outro), desde que tais serviços:

a) Sejam auxiliares e subsidiários da aplicação ou da fruição do direito, bens ou informações relativamente aos quais é auferida a retribuição referida no n.º 3; ou b) Facultem conhecimentos técnicos, experiência, especialização, know-how ou processos, ou consistam no desenvolvimento e transferência de um plano ou projeto de natureza técnica, que possibilite a aplicação da correspondente tecnologia pelo adquirente dos serviços.

5 - Não obstante o disposto no n.º 4, a expressão «retribuições por serviços conexos» não compreende os pagamentos:

a)            Relativos a prestações de serviços auxiliares e subsidiários, bem como indissociável e intimamente ligados, à venda de propriedade;

b)           Correspondentes a prestações de serviços auxiliares e subsidiários do aluguer de navios, aeronaves, contentores e demais equipamento usado em conexão com a exploração de navios ou aeronaves no tráfego internacional;

c)            Derivados de atividade docente exercida em, ou por, instituições pedagógicas;

d)           Relativos a prestações de serviços destinados à utilização pessoal do indivíduo ou dos indivíduos que efetuam o pagamento;

e)           A um empregado da entidade pagadora ou a qualquer pessoa singular ou empresa de pessoas singulares (que não seja uma sociedade) relativamente a serviços profissionais como tal definidos no artigo 14.º;

f)            Correspondentes a prestações de serviços em conexão com uma instalação ou estrutura utilizada para a prospeção, pesquisa e exploração de recursos naturais, como referido no artigo 5.º, n.º 2, alínea f);

g)            Derivados de prestações de serviços referidas no artigo 5.º, n.º 3.

6             - O disposto nos n.ºs 1 e 2 não é aplicável se o beneficiário efetivo das royalties e das retribuições por serviços conexos, residente de um Estado Contratante, exercer atividade no outro Estado Contratante de que provêm as royalties e as retribuições por serviços conexos, por meio de um estabelecimento estável aí situado, ou exercer nesse outro Estado uma profissão independente, por meio de uma instalação fixa aí situada, e o direito ou bem relativamente ao qual as royalties e as retribuições por serviços conexos são pagas estiver efetivamente ligado a esse estabelecimento estável ou a essa instalação fixa.

Neste caso, são aplicáveis as disposições do artigo 7.º ou do artigo 14.º, consoante o caso.

 

No Relatório de Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária apenas refere, sem qualquer análise critica, que os serviços prestados “não evidenciam a natureza de royalties, mas antes a natureza de prestações de serviços/outros rendimentos”, apenas podendo ser tributados no Estado de residência ao abrigo do artigo 7.º da Convenção (fls. 28/35).

 

Resulta, no entanto, da referida disposição do artigo 12.º da Convenção, há pouco transcrita, que o regime de tributação pelo Estado da fonte aí previsto abrange não apenas os royalties mas também os rendimentos derivados da prestação de serviços conexos, especificando o n.º 4 desse mesmo artigo que a expressão “retribuições por serviços conexos” abrange a retribuição pela prestação de serviços técnicos ou de consultoria (incluídos os serviços prestados através de pessoal técnico ou outro), e, em especial, os serviços que facultem conhecimentos técnicos, experiência, especialização, know-how ou processos, ou consistam no desenvolvimento e transferência de um plano ou projeto de natureza técnica, que possibilite a aplicação da correspondente tecnologia pelo adquirente dos serviços.

 

Não está, por isso, em causa apenas a qualificação dos serviços prestados como royalties, havendo também a considerar a possibilidade de os rendimentos provirem da prestação de serviços conexos, que se encontram igualmente abrangidos na previsão da norma, e relativamente aos quais o relatório de inspeção não faz qualquer referência ou aproximação.

 

Como resulta da descrição constante da alínea AA) da matéria de facto dada como assente, os serviços de engenharia e desenvolvimento do produto (ENG), compreendem, além do mais, a elaboração de estudos e propostas de natureza técnica e económica, tendentes à melhoria dos processos de fabrico e o acompanhamento da respetiva implementação, e ainda  serviços de procura e aconselhamento para a realização de parcerias, consórcios e outro tipo de colaborações. E os serviços informáticos (ITK) abarcam a definição, implementação, monitorização e desenvolvimento de sistemas de informação, bem como a gestão da sua utilização e segurança e o fornecimento de apoio técnico através de uma help desk.

 

Não pode deixar de reconhecer-se que esses serviços envolvem a transmissão de conhecimentos técnicos e de know-how e não se encontram abrangidos pela ressalva estipulada nos artigos 14.º e 15.º da Convenção, pelo que se enquadram no conceito de serviços conexos, e encontram-se sujeitos a tributação no Estado da fonte à taxa de 10%.

 

E, nos termos do n.º 6 do artigo 12.º da Convenção, os rendimentos só não só tributados no Estado da fonte quando o beneficiário exerça a sua atividade no outro Estado Contratante, de que provêm as royalties, por meio de um estabelecimento estável, caso em que são aplicáveis as disposições do artigo 7.º

 

Não sendo esse o caso, a Requerente tinha direito à dedução à coleta do crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do CIRC, sendo consequentemente ilegal a correção tributária que veio a ser efetuada.

 

13. Relativamente aos serviços de gestão e administração prestados no Brasil e na Índia pela A... SGPS (ora Requerente), a Autoridade Tributária considerou que esses serviços configuram prestação de serviços abrangidos pela previsão do artigo 7.º da CDT Portugal-Brasil e da CDT Portugal-Índia, que só podem ser tributados em Portugal, sendo ilegal a dedução de créditos por dupla tributação internacional por não se encontrarem abrangidos pelo disposto no artigo 12.º da Convenção.

 

A Requerente sustenta que os serviços de administração e gestão prestados correspondem, em síntese, à formação de pessoal em matéria de contabilidade, tesouraria e recursos humanos, e no processamento de salários, elaboração da contabilidade e desenvolvimento de planos de gestão e negócios, compreendendo ainda a revisão da contabilidade e a prestação de assessoria jurídica, implicando a transmissão de conhecimentos técnicos e a prestação de apoio técnico. E, nesse sentido, enquadram-se no conceito de serviços técnicos e/ou assistência técnica, que são qualificáveis como royalties a que se aplica o regime previsto no artigo 12.º da Convenção. 

 

Como se deixou exposto no precedente ponto 9., o Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil veio equiparar a royalties, não apenas a assistência técnica, mas também a prestação de serviços técnicos.

 

E os serviços que estão em causa, tal como se encontram descritos na alínea F) da matéria de facto, envolvendo, entre outros, a formação do pessoal ao nível da contabilidade, da tesouraria, do controlo de gestão e dos recursos humanos, o acompanhamento e assessoria na elaboração da contabilidade, o aconselhamento e elaboração de planos estratégicos e de gestão de mercado, bem como a gestão das relações com clientes e a análise das perspetivas de desenvolvimento e incremento dessas relações, não poderão deixar de ser entendidos como correspondendo à prestação de serviços técnicos.

E o mesmo se diga relativamente aos serviços de administração e gestão, da mesma natureza, prestados na Índia.

 

Como se deixou esclarecido no antecedente ponto 8., a expressão “retribuições por serviços conexos”, usada no artigo 12.º, n.º 1, da Convenção Portugal-Índia, significa pagamentos de qualquer natureza, com exceção dos mencionados nos artigos 14.º e 15.º da presente Convenção, efetuados a qualquer pessoa como retribuição pela prestação de serviços técnicos ou de consultoria (incluídos os serviços prestados através de pessoal técnico ou outro), e, entre estes, os serviços que “facultem conhecimentos técnicos, experiência, especialização, know-how ou processos que possibilite a aplicação da correspondente tecnologia pelo adquirente dos serviços”.

 

E não há motivo para considerar que a expressão “retribuições por serviços conexos” deva ter um significado diverso do previsto no Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil, que equipara a royalties qualquer espécie de pagamento recebido em razão da “prestação de assistência técnica e de serviços técnicos”.

 

Resta acrescentar que, também quanto a esta correção tributária, no Relatório de Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária limita-se a qualificar os serviços em causa como mera “prestação de serviços”, sem qualquer abordagem do regime jurídico que resulta da Convenção Portugal-Índia, e, especialmente, quanto à possibilidade dos serviços de administração e de gestão que foram efetivamente prestados, tendo em conta a sua natureza,   serem enquadrados no mesmo regime aplicável às royalties, por se tratar de serviços conexos.

 

A Requerida não facultou, por isso, quaisquer dados, de facto ou de direito, que permitissem concluir que os serviços de administração e de gestão prestados pela A... SGPS, bem como os serviços de engenharia e desenvolvimento de produto (ENG) e serviços informáticos prestados pela F..., não pudessem enquadrar-se, conforme o caso, no conceito de serviços de “assistência técnica e de serviços técnicos”, a que se refere o Protocolo n.º 5 adicional à Convenção Portugal-Brasil, ou no conceito de “serviços conexos”, a que se refere o artigo 12.º, n.º 4, da Convenção Portugal-Índia.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser totalmente procedente

 

Indemnização por prestação indevida de garantia

 

14. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à constituição de garantia bancária, no montante de € 312.306,33, para efeito de obter a suspensão do processo fiscal em vista à impugnação do ato tributário de liquidação do imposto.

 

Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.  

 

Certo é que a Requerente não especificou quais os prejuízos indemnizáveis nem esses prejuízos são imediatamente quantificáveis, pelo que apenas poderão ser ressarcidos em incidente de liquidação a deduzir autonomamente (neste sentido, o acórdão do tribunal arbitral de 12 de fevereiro de 218, Processo n.º 369/2017-T).

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação em IRC n.º 2021... e o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, no valor global de € 243.630,03.

b)           Condenar a Autoridade Tribuária em indemnização por prestação indevida de garantia a liquidar em execução de sentença. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 243.630,03, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de fevereiro de 2021,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

Eva Dias Costa

 

O Árbitro vogal

Miguel Patrício