Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2021-T
Data da decisão: 2021-11-29  ISV  
Valor do pedido: € 6.038,22
Tema: Artigo 11º do CISV – Conformidade com o artigo 110º do TFUE – Admissão de veículo usado proveniente de outro Estado Membro – Componente Ambiental
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Sumário

 

I.             Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 110.º do TFUE. Consequentemente, encontra-se ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da citada norma.

II.            Do princípio do primado do Direito da União Europeia resulta que a Requerida tem o dever de recusar a aplicação de normas nacionais contrárias ao Direito da União Europeia, pelo que se encontra ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da citada norma do CISV, na medida da sua incompatibilidade com o artigo 110.º do TFUE.

 

O Árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

I-             RELATÓRIO

 

O Requerente A………., LDA, com sede na Rua ……….., união das freguesias de Bougado (São Martinho e Santiago), ……-… Trofa, com o NIPC n.º ………,  na sequencia do ato de liquidação em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV) n.º 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/………, 2020/…….., 2020/........, 2020/…….., 2020/…….., nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requer a declaração de ilegalidade do identificado ato tributário, nos seguintes termos:

a)            A Requerente no âmbito da prossecução das suas atividades empresariais, procedeu, em diversos momentos, a aquisições noutros Estados-Membros da União Europeia, de veículos ligeiros usados, que depois eram objeto de entrada no território português.

b)           Em sequência disso, a Requerente, na sua qualidade de operador sem estatuto, apresentou por transmissão eletrónica de dados dirigida à Alfândega do Freixieiro, e para introdução no consumo de veículos usados, sete DAV’s, e junto da Alfândega de Leixões, apresentou nove DAV’s.

c)            Sucede que nas liquidações de ISV efetuadas pela AT não foi aplicada qualquer redução de imposto na parte atinente à componente ambiental, o que deveria ter ocorrido considerando o tempo de uso dos veículos.

d)           Efetivamente, considerando os períodos decorridos entre as datas das 1ªs matrículas e as datas das liquidações de ISV aqui impugnadas, resulta que deveriam ter sido aplicadas às duas componentes (e não só à componente da cilindrada), as seguintes percentagens de redução ao ISV liquidado:

 

e)           Tal implicou que as liquidações de ISV sejam parcialmente ilegais, porquanto foi exigido à Requerente em excesso o valor total de € 6.038,22.

f)            Sustenta a Requerente, que as liquidações de ISV aqui visadas foram efetuadas com recurso às tabelas A e D, previstas, respetivamente, nos artigos 7.º e 11.º do CISV.

g)            E como se constata do teor das DAV’s, a percentagem de redução, aplicada em função do número de anos de uso dos veículos, incidiu apenas sobre a componente cilindrada, não tendo sido aplicável, no cálculo das liquidações de ISV, à componente ambiental.

h)           De facto, considera a Requerente que a AT, ao proceder às liquidações de ISV nos moldes em que o fez, incorreu numa ilegalidade, porquanto as mesmas padecem de um erro sobre os pressupostos de direito, tal como se fundamentará infra, pelo que vem solicitar a este Douto Tribunal que determine a anulação parcial dos atos de liquidação de ISV, em face do vício apontado.

 

A Autoridade Tributária, devidamente notificada em 14-09-2021, nos termos do artigo 17.º do RJAT, não apresentou resposta.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 13-07-2021, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13-07-2021. Em 26-08-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 26-08-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e, e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, regularmente constituído em 14-09-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 14-09-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT, para, querendo, apresentar resposta e juntar o processo Administrativo.

A AT, devidamente notificada em 14-09-2021 não apresentou Resposta.

Em 03-11-2021 foi proferido Despacho Arbitral com o seguinte teor:

Nos termos do artigo 17º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro foi concedida à Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante despacho de 24 de Agosto de 2021, o prazo de 30 dias para apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional, bem como, remeter ao Tribunal Arbitral, nos termos do número 2 do citado artigo, cópia do processo administrativo. As partes foram definitivamente notificadas desse despacho no dia 14 de Setembro de 2021.

Neste sentido, o prazo de resposta concedido a Autoridade Tributária e Aduaneira, já terminou, não tendo apresentado resposta.

Nos termos do n.º 1 do artigo 19.º “A falta de comparência de qualquer das partes a ato processual, a inexistência de defesa ou a falta de produção de qualquer prova solicitada não obstam ao prosseguimento do processo e à consequente emissão de decisão arbitral com base na prova produzida, de acordo com o princípio da livre apreciação de prova e da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo.”, por conseguinte, o processo arbitral segue a tramitação seguinte.

Atendendo aos factos alegados, a prova documental junta, as questões estão suficientemente debatidas, e não tendo sido solicitado a audição de prova testemunhal, pelo que, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, não há necessidade de apresentação de alegações. Com o mesmo fundamento, não se vê utilidade nem outro motivo há justificativo para a reunião referida no artigo 18º do RJAT.

Perante o exposto, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e a produção de alegações escritas.

Fixa-se o dia 3-12-2021 como data-limite para a prolação e notificação da decisão final.

Por último, o Tribunal adverte a Requerente que até a data da prolação da decisão Arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.° 3 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

As partes, apresentaram as respetivas alegações em prazo.

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre decidir.

II-           DECISÃO

A.           Matéria De Facto

a.            Factos dados como provados

A Requerente é uma sociedade por quotas, constituída a 6 de março de 2008, cujo objeto social visa o “Comércio, importação e exportação de veículos automóveis. Prestação de serviços administrativos. Intermediação de crédito. Aluguer de automóveis sem condutor - rent a car.”.

A requerente apresentou na Alfândega de Freixieiro, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV): 2019/…….., 2019/……, 2019/………, 2019/…….., 2020/………, 2020/………, 2020/………, para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros.

A requerente apresentou na Alfândega de Leixões, por transmissão eletrónica de dados, as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV): 2019/…….., 2019/…….., 2019/…….. 2020/………, 2020/………, 2020/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/…….., 2020/………, para introdução no consumo em Portugal, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros.

A Requerente, na qualidade de operador sem estatuto, apresentou por transmissão eletrónica de dados dirigida à Alfândega do Freixieiro, e para introdução no consumo de veículos usados, sete DAV’s, que resultaram nas seguintes liquidações, respetivamente:

 

 

A Requerente, na qualidade de operador sem estatuto, apresentou por transmissão eletrónica de dados dirigida à Alfândega de Leixões, e para introdução no consumo de veículos usados nove DAV’s, respetivamente:

 

Relativamente aos montantes respeitantes à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental nos veículos, não foi aplicada qualquer percentagem de redução.

A Requerente apresentou em 7 de Abril de 2021, pedido de revisão oficiosa dirigido ao Diretor da Alfândega do Freixieiro, referente as liquidações: 2019/……..; 2019/……..; 2019/……….; 2019/……….; 2020/……….; 2020/………; 2020/………., ao qual foi atribuído o numero ……………...

Em 29 de Junho de 2021, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º …………..

A Requerente apresentou em 7 de Abril de 2021, pedido de revisão oficiosa dirigido ao Diretor da Alfândega de Leixões, referente as liquidações: 2019/…….., 2019/………, 2019/………, 2020/……….., 2020/………, 2020/………, 2020/………, 2020/………, 2020/………, 2020/………, ao qual foi atribuído o número …………….

Em 18 de Junho de 2021, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n. …………………...

b.            Factos dados como não provados

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.

 

c.            Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentada pelas Partes, bem como, nos documentos junto aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e, e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme o n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração a posição assumida pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

B.            Quanto ao mérito

São as seguintes questões a examinar no presente processo:

Pedido do Requerente:

i.             Da ilegalidade da liquidação de Imposto sobre os Veículos (ISV) n.º 2019/……., 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/…….., 2020/………, 2020/………, 2020/………, 2020/………, 2020/…….., 2020/………, 2020/……….., 2020/……., 2020/……., 2020/………, por violação do art. 110º do TFUE, com consequente anulação dos atos tributários na parte referente à componente ambiental.

ii.            Do direito a juros indemnizatórios;

C.            Do direito

a.            Da ilegalidade parcial da liquidação Imposto sobre os Veículos (ISV) n.º 2019/……., 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/……., 2019/……., 2019/……., 2020/…….., 2020/……., 2020/…….., 2020/…….., 2020/……., 2020/……., 2020/……., 2020/……., 2020/………., 2020/……..;

O thema decidendum do presente pedido de pronuncia arbitral prende-se na análise da conformidade do disposto no artigo 11.º do CISV com o disposto no artigo 110.º do TFUE (princípio da não discriminação), na medida em que a norma do CISV tributa de forma mais onerosa os veículos usados provenientes de outros EMUE, quanto à componente ambiental.

Conforme resulta do pedido arbitral, o Requerente manifestou a sua inconformidade com o ato de liquidação impugnado, por entender que, ao não levar em consideração o número de anos do veículo na sua componente ambiental, o artigo 11º do CISV, na redação em vigor então, violava diretamente o disposto no artigo 110º do TFUE, o que inquina a liquidação de ilegalidade.

Em suma, a questão em apreço, consiste em analisar a tributação em ISV das viaturas usadas provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia resultava, à data dos factos, da utilização das taxas normais do ISV também aplicadas às viaturas novas, previstas no artigo 7.º do respetivo Código, tendo em conta as tabelas e escalões da componente cilindrada e da componente ambiental (o nível de emissão de dióxido de carbono), corrigidas pela aplicação de percentagens de redução em relação à componente cilindrada, em função do tempo de uso das viaturas, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV (aplicável somente a veículos usados), sendo a redução tanto maior quanto mais antiga a viatura.

Assim, a percentagem de redução da taxa incidente na componente cilindrada das viaturas em estado de uso, atendia à desvalorização comercial média dos veículos, em função do tempo de utilização.

Contudo, tal redução de taxa não se encontrava prevista para a componente ambiental, o que equivalia a tratar os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros como veículos novos na parte relativa à tributação da componente ambiental. Desta forma, a tributação destes veículos usados era superior ao montante da taxa residual de ISV incorporada em veículos usados já matriculados no território nacional com o mesmo tempo de uso, diferenciação passível de configurar uma discriminação entre as viaturas usadas nacionais e as viaturas usadas provenientes da União Europeia.

Quadro legal

Da análise do quadro legal aplicável aos presentes autos, o ISV (regulado pelo Código do Imposto Sobre Veículos, previsto na Lei n.º 22-A/2007, Diário da República n.º 124/2007, 1º Suplemento, Série I) “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (artigo 1.º do CISV), e incide sobre os veículos automóveis identificados no artigo 2.º do CISV.

A base tributável do ISV encontra-se prevista no artigo 4.º do CISV, conforme se transcreve:

“1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:

a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;

b) Quanto aos automóveis ligeiros de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela B, a cilindrada e o nível de emissões de partículas, quando aplicável;

c) Quanto aos veículos fabricados antes de 1970, aos motociclos, triciclos, quadriciclos e autocaravanas, a cilindrada”.

Sob a epígrafe de “Facto gerador”, o n.º 1 do artigo 5.º do CISV determina que “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”.

Entende-se por “Admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional; e “Importação”, a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional – alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 5.º do CISV. O ISV torna se exigível “no momento da introdução no consumo”, quando o facto gerador do imposto é “o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional” – n.º 1 do artigo 6.º do CISV.

 Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, a “introdução no consumo” considera-se verificada:

a) “No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos”;

b) “No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”. (Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de janeiro de 2010, proferido no processo nº 0766/09).

As taxas de ISV são as previstas no disposto no artigo 7.º, norma que prevê:

“Artigo 7.º

Taxas normais - automóveis

1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;

b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.

TABELA A

2 - A tabela B, a seguir indicada, tem em conta exclusivamente a componente cilindrada, sendo aplicável aos seguintes veículos:

a) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e altura interior da caixa de carga inferior a 120 cm;

b) Na totalidade do imposto, aos automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, com lotação máxima de três lugares, incluindo o do condutor, e tracção às quatro rodas, permanente ou adaptável;

c) Aos automóveis abrangidos pelos n.os 2 e 3 do artigo seguinte, nas percentagens aí previstas;

d) Aos automóveis abrangidos pelo artigo 9.º, nas percentagens aí previstas.

TABELA B

Componente cilindrada

3 - Ficam sujeitos a um agravamento de (euro) 500 no total do montante do imposto a pagar os veículos ligeiros equipados com sistema de propulsão a gasóleo, sendo o valor acima referido reduzido para (euro) 250 relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,002 g/km.

4 - Sempre que o imposto relativo à componente ambiental apresentar um resultado negativo, será o mesmo deduzido ao montante do imposto da componente cilindrada, não podendo o total do imposto a pagar ser inferior a (euro) 100, independentemente do cálculo que resultar da aplicação da tabela A ou da tabela B.

5 - A cilindrada dos automóveis movidos por motores Wankel corresponde ao dobro da cilindrada nominal, calculada nos termos do Regulamento das Homologações CE de Veículos, Sistemas e Unidades Técnicas Relativo às Emissões Poluentes, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2000, de 1 de Setembro.

6 - Nas situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º, o montante do imposto a pagar é o que resulta da diferença entre o imposto incidente sobre o veículo após a respectiva operação, atento o tempo de uso entretanto decorrido, e o imposto originariamente pago, excepto nos casos de mudança de chassis, em que o imposto é devido pela totalidade.

7 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

8 - Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, exclusivamente de gás de petróleo liquefeito (GPL), gás natural ou bioetanol, são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasolina.

9 - Os veículos que se encontrem equipados com motores preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, de biodiesel são tributados, na componente ambiental, pelas taxas correspondentes aos veículos a gasóleo”.

Da análise do artigo 11.º n.º 1 do CISV — na redação vigente à data da emissão do ato impugnado, redação da Lei 42/2016, de 27 de Dezembro, colhia-se o seguinte:

“Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA D

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.

5 – (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro)”.

E do artigo 110.º do TFUE, consta o seguinte:

“Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções”.

 

 

Análise da Jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu e Nacional

Sobre a ora questão submetida a apreciação, existe abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do TJEU, sobre o tema da incompatibilidade de normas nacionais que tributam de forma agravada os veículos provenientes de outros Estados-Membros quando comparados com os similares nacionais, em concreto, nos processos C-74/06, de 20.09.07; C-402/09, de 07.04.11; C-200/15, de 16.06.2016; C-640/17, de 17.04.18.

Também no mesmo sentido existe jurisprudência nacional, em concreto, decisões do CAAD proferidas nos processos número: 572/2018-T; 346/2019-T; 350/2019-T; 348/2019-T; 498/2019-T; 466/2019-T; 660/2019-T; 872/2019-T; 98/2020-T; 315/2020-T; 317/2020-T; 320/2020-T; 328/2020-T; 329/2020-T; 331/2020-T; 337/2020-T; 347/2020-T; 357/2020-T; 366/2020-T; 378/2020-T; 391/2020-T; 93/2020-T; 396/2020-T; 420/2020-T; 443/2020-T; 446/2020-T; 455/2020-T; 456/2020-T; 457/2020-T; 474/2020-T; 523/2020-T, que acolhemos.

Neste sentido, a redação do artigo 11º, n.º 1 do CISV introduzida pela LOE 2017 surgiu após o Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de junho de 2016, proferido no processo C-200/15 relativo à ação de incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, no qual declarou a desconformidade da anterior redação desta disposição (11º, n.º 1, do CISV) com o art. 110º TFUE, nos seguintes termos:

“A título preliminar, importa referir que a Comissão solicita, no petitum da petição, que figura no n.° 1 do presente acórdão, que seja declarado que a República Portuguesa não cumpriu os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EstadoMembro, introduzidos no território nacional, um método de cálculo da desvalorização destes veículos «que não tem em conta o valor real do veículo e, em particular, que não tem em conta a desvalorização antes de o veículo atingir 1 ano, nem qualquer outra desvalorização no caso de veículos com mais de 5 anos». A este respeito, embora a Comissão utilize a expressão «em particular», decorre do corpo da sua petição que a Comissão formula, na realidade, duas acusações, a saber, por um lado, para efeitos do cálculo do imposto sobre os veículos em causa, a não tomada em consideração da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há menos de um ano e, por outro, a determinação de um limite máximo de 52% da desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos. Nestas circunstâncias, deve entenderse que a ação intentada pela Comissão abrange estas duas acusações.

23 Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os EstadosMembros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros EstadosMembros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).

24 Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).

25 Assim, a cobrança, por um EstadoMembro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EstadoMembro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).

26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomarse em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um EstadoMembro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros EstadosMembros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros EstadosMembros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros EstadosMembros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro EstadoMembro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE.

32 A este respeito, não procede o argumento da República Portuguesa segundo o qual a aplicação da tabela de percentagens fixas é frequentemente mais vantajosa para os veículos automóveis com mais de cinco anos, designadamente quando estão em causa veículos clássicos ou de coleção, dado o seu valor histórico. Com efeito, ainda que esta afirmação procedesse, esta tabela continuaria a ser, pelo menos nalguns dos casos indicados no n.° 30 do presente acórdão, discriminatória.

33 Há também que rejeitar o argumento da República Portuguesa segundo o qual o sistema de tributação misto dos veículos usados, baseado numa tabela de percentagens fixas e, complementarmente, quando o sujeito passivo o pretenda, numa avaliação do veículo, está organizado de modo a excluir qualquer efeito discriminatório, pelo que é compatível com o artigo 110.° TFUE.

34 Com efeito, não basta, para evitar que um sistema de tributação seja contrário a este artigo, que o sujeito passivo tenha possibilidade de requerer uma avaliação do veículo em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.° 41). Esta possibilidade não atenua o facto de que a tabela de percentagens fixas aplicável, a não ser que o sujeito passivo requeira uma avaliação do veículo, é discriminatória e não permite garantir que os veículos usados importados de outros EstadosMembros sejam sujeitos a um imposto que não exceda o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.

35 Do mesmo modo, há que afastar os argumentos da República Portuguesa relativos ao facto de o artigo 11.° do Código do Imposto sobre Veículos assentar em razões de ordem prática, uma vez que, por um lado, a maioria dos veículos automóveis usados importados de outros EstadosMembros para Portugal são veículos que têm entre um e cinco anos e que, por outro, tanto a aplicação do método de cálculo do imposto baseado na avaliação de todos os veículos automóveis em causa como a conceção e a aplicação de uma tabela que tenha exaustivamente em conta todos os critérios, tais como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, gerariam inconvenientes administrativos, custos elevados e perdas de tempo.

36 A este respeito, no que se refere às dificuldades práticas relacionadas com o cálculo do valor real dos veículos usados para efeitos de cálculo do imposto em litígio, admitindo que a existência dessas dificuldades possa ser comprovada, elas não podem justificar a aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros EstadosMembros, contrárias ao artigo 110.° TFUE (v. acórdão de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C345/93, EU:C:1995:66, n.° 19).

37 Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração da desvalorização real dos veículos não tem necessariamente que levar a uma avaliação ou a uma prova pericial de cada um deles. Com efeito, evitando as dificuldades inerentes a tal sistema, um EstadoMembro pode fixar, através de tabelas de percentagens fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas com base em critérios como a idade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo do veículo, um valor dos veículos usados que, regra geral, é muito próximo do seu valor real (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 24, e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C74/06, EU:C:2007:534, n.° 29).

38 Assim, embora não decorra desta jurisprudência que as tabelas de percentagens fixas devam ser concebidas com base em todos estes critérios, uma vez que esta contém só, como confirma a utilização do termo «como», uma lista exemplificativa e não exaustiva de critérios de elaboração das referidas tabelas, importa contudo que, conforme resulta dos n.os 24 a 26 do presente acórdão, a aplicação destas tabelas não conduza, ainda que apenas em certos casos, a uma tributação dos veículos usados importados de outros EstadosMembros superior à dos veículos similares já matriculados no EstadoMembro em causa.

39 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a tomada em consideração de vários fatores de desvalorização, como os indicados no n.° 37 do presente acórdão, é suscetível de garantir que a tabela de percentagens fixas reflita de forma muito mais precisa a desvalorização efetiva dos veículos e permita atingir o objetivo de uma tributação dos veículos usados importados que não seja em caso algum superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C393/98, EU:C:2001:109, n.° 28).

40 Resulta de todas as considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

41 Por conseguinte, há que declarar que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EstadoMembro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE”.

Em síntese, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos processos, C-74/06, de 20.09.07; C-402/09, de 07.04.11; C-200/15, de 16.06.2016; C-640/17, de 17.04.18; é unânime no sentido de reclamar uma identidade de tratamento – tão próxima da realidade quanto possível – dos veículos usados “importados” face aos veículos usados já matriculados no território nacional com o mesmo tempo de uso, atenta a taxa residual de ISV incorporada nestes últimos.

Como se fez notar, à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça é a de o artigo 110.º não admitir a diferenciação fiscal entre os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros e os veículos nacionais usados com características equiparadas.

Na verdade, sobre a redação do art. 11º do CISV dada pela Lei 42/2016, de 27 de Dezembro, e de acordo com o entendimento do Processo nº 317/2020-T do CAAD “mantém uma diferenciação com os valores do ISV aplicáveis aos veículos nacionais, e que constam do art. 7º CISV e tabelas anexas, dado que o legislador, em conformidade com o acima referido acórdão do TJUE, alargou as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso, mas introduziu uma outra alteração diferenciadora em relação aos veículos com origem noutros Estados-Membros, com impacto no cálculo do ISV, uma vez que a actual redacção do art. 11º CISV limita a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada — não aplicando as percentagens de redução à componente ambiental (emissão de CO2). Ora, uma vez que, nos termos do artigo 7.º do CISV, a taxa de ISV é determinada de acordo com as duas componentes (cilindrada e ambiental), tal significa que, no que respeita à componente ambiental, os veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros EMUE vão ser tributados como se fossem veículos novos — ou seja, vão ser sujeitos a um imposto superior ao montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional — o que, nos termos expostos, constitui uma violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.

Ora, o sentimento preconizado na jurisprudência do TJUE, é seguido pela jurisprudência nacional, e como exemplo a Decisão Arbitral proferida em 17 de dezembro de 2020 no processo n.º 296/2020-T, a qual acompanhamos integralmente:

“37. Como se disse supra, para o Tribunal de Justiça, a proibição contida no artigo 110.º TFUE serve de complemento às disposições relativas à supressão de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente no âmbito do mercado interno. Muito embora os Tratados admitam compressões à proibição de restrições quantitativas à importação e exportação inscrita nos artigos 34.º e 35.º do TFUE (cf. artigo 36.º), idêntica possibilidade não procede em matéria de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente, onde vale uma proibição absoluta, entenda-se, uma proibição não mediada por razões imperativas de interesse geral ou pelos interesses públicos expressamente elencados no artigo 36.º (cf., por ex., o Acórdão do Tribunal de Justiça de 11-03-1992, Sociétés Compagnie commerciale de l'Ouest, processos apensos C-78/90, C-79/90, C-80/90, C-81/90, C-82/90 e C-83/90, pontos 24 ss., disponível em http://curia.europa.eu/).

38. Acresce que a última palavra sobre a interpretação do direito primário e derivado da União pertence ao Tribunal de Justiça. Nisso consiste, aliás, o princípio da autonomia da ordem jurídica da União (cf., sobre este princípio, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 03-09-2008, Kadi, processos apensos C-402/05 e C-415/05 P, e na doutrina, Tobias Lock, «Walking on a tightrope: the draft ECHR accession agreement and the autonomy of the EU legal order», Common Market Law Review, 48, 2011, pp. 1025-1054). Assim sendo, não pode a Requerida interpretar o artigo 110.º do TFUE à revelia daquilo que, sobre o mesmo preceito, vem sendo dito pelo Tribunal de Justiça.

39. Tenha-se presente, em todo o caso, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 110.º TFUE não desconsidera o interesse geral de proteção do ambiente. Pelo contrário, como se fez referência, admite-se que os Estados-membros estabeleçam um sistema de tributação diferenciado para certos produtos em função de critérios objetivos, como, por ex., a natureza das matérias primas utilizadas ou os processos de produção aplicados. O que o direito da União não permite é que aquela tributação resulte em desfavor para os produtos provenientes de outros Estados-membros.

40. Depois, o que o Requerente veio ao processo peticionar é – tão-só – o funcionamento dos princípios do primado e do efeito direto, ou seja, a desaplicação das normas nacionais contrárias ao direito da União, a correspondente anulação parcial do ato de liquidação e a prática do ato legalmente devido à luz da norma de direito da União dotada de efeito direto – o artigo 110.º TFUE. Daqui não resulta entorse para o princípio da legalidade da administração nem para o princípio da legalidade fiscal, antes um reforço dessa mesma legalidade, à luz de um princípio de preferência de aplicação.

41. Finalmente, a Requerida faz uma incorreta interpretação das normas do artigo 66.º CRP (als. f) e h) do n.º 2) e das convenções internacionais em matéria ambiental de que Portugal é signatário. O artigo 66.º, n.º 2, nas alíneas que agora importa apreciar, dispõe o seguinte: «2- Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com envolvimento e a participação dos cidadãos: (...) f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial (...); h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida» (o itálico é nosso). É certo que o direito ao ambiente e qualidade de vida, apesar de consagrado no catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais possui, em algumas das suas dimensões, suficientemente determinidade para constituir um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º CRP) – neste sentido, cf. M. Glória Dias Garcia / Gonçalo Matias, “Artigo 66.º”, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda/Rui Medeiros), vol. 1, 2.ª edição revista, UCE, Lisboa, 2017, p. 974.

Não é o caso, todavia, dos segmentos destacados pela Requerida, porquanto aí estarão em causa normas programáticas, isto é, normas constitucionais impositivas de legislação, na determinação do conteúdo das quais goza o legislador, por via de legitimação democrática, de margem de conformação não negligenciável. Por sua vez, o Acordo de Paris, do qual – aliás – a União Europeia é subscritora, juntamente com os seus Estados-membros - contém um conjunto de compromissos vinculativos em matéria ambiental, mas não inclui nenhuma obrigação específica em matéria de tributação automóvel, que esteja apta a reduzir drasticamente a margem de conformação de que o legislador parlamentar dispõe nesta matéria.

42. Isto para dizer que, ao manter-se fiel ao princípio do primado no que respeita à interpretação do artigo 110.º TFUE – o que in casu significa estender a redução prevista no artigo 11.º CISV à componente ambiental – o Estado Português não estará, certamente, a “desaplicar” nem tampouco a violar as obrigações internacionais subscritas com o Acordo de Paris, ou as normas constitucionais impositivas de legislação em matéria ambiental, vertidas nas alíneas f) e h) do n.º 2 do artigo 66.º. O que sucede é que o empenho na construção e aprofundamento da União Europeia (artigo 7.º, n.º 6 CRP), do qual o princípio do primado é reflexo, constitui um interesse constitucionalmente relevante e que tem de ser tido em conta no momento da definição da política ambiental do Estado Português.

43. Dito de outro modo, Portugal não tem uma política ambiental – nacional ou internacional – desgarrada ou à revelia do projeto europeu, dos Tratados (TUE e TFUE) e da própria política da União em matéria de ambiente (artigo 191.º TFUE), que como se sabe é uma matéria de competência partilhada entre a União e os Estados-membros (cf. artigo 4.º, n.º 2, al. e) do TFUE). É isso que resulta, no fundo, da autocontenção soberana presente no artigo 7.º, n.º 6 e no artigo 8.º, n.º 4 CRP.

44. Uma vez que o thema decidendum levanta uma questão de interpretação do direito da União, cumpre indagar se este Tribunal Arbitral não estaria, enquanto tribunal que decide em última instância (cf. artigo 267.º TFUE), obrigado a colocar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial com o propósito de dilucidar a compatibilidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º TFUE.  Porém, como resulta da denominada jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o “ato clarificado” (cf. acórdão do Tribunal de Justiça de 27-03-1963, Da Costa en Schaake NV, processos apensos 28/62, 29/62 e 30/62) não existe obrigação de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE, quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a questão que já tenha sido objeto anteriormente de uma decisão com caráter prejudicial. Em face da jurisprudência de que supra mencionada, parece a este Tribunal indiscutível que, apesar de o Tribunal de Justiça ainda não ter tido ensejo de se debruçar, em sede de reenvio prejudicial ou noutra, sobre a atual configuração do artigo 11.º do CISV, aquele acervo jurisprudencial, tendo por objeto questões materialmente idênticas, constitui suporte bastante para a conclusão alcançada.

45. Em consequência, entende-se que a atual legislação portuguesa vertida no artigo 11.º do Código do ISV não está em conformidade com o direito da União, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE. Por conseguinte, determina este Tribunal Arbitral a anulação parcial do ato de liquidação de ISV objeto do pedido, por o mesmo padecer de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE”.

Por conseguinte, e em face do anteriormente exposto, é de concluir pela procedência da ação, por vício material de violação de lei (do artigo 110.º do TFUE), com a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de ISV, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, sendo devidos ao Requerente os juros indemnizatórios correspondentes.

Juros indemnizatórios

Peticiona ainda o Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios —nos termos do artigo 43.ºn.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pelo Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.

Contudo, no caso concreto, o direito do Requerente a juros indemnizatórios é regulado também pelo disposto no artigo 43.º n.º 3 al. (c) da LGT, que nos diz que são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 022/18.5BALSB:

“I - Só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária - art.º 43.º n.º 3 Lei Geral Tributária.

II - Podendo o contribuinte, ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.

III - Tal justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão.

IV - O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.

V - Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir”.

De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Por outro lado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, visando, em consonância com o artigo 100.º da LGT, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erro de facto e de direito imputável exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, o Requerente cumpriu o seu dever de declaração.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso dos autos, fundando-se a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação nessa jurisprudência e tendo o Requerente efetuado pontual e tempestivo pagamento de importância manifestamente indevida, reconhece-se o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e do artigo 61.º do CPPT.

 

D.           Decisão

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:

i.             Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial das liquidações de Imposto sobre os Veículos (ISV) n. 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/………, 2019/………., 2019/……., 2019/……., 2020/……., 2020/……., 2020/………, 2020/……, 2020/……., 2020/……., 2020/………, 2020/………, 2020/………., 2020/………., no valor de 6.038,22 €.

E em consequência:

ii.            Ordenar a devolução ao Requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até efetivo e integral reembolso.

 

E.            Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 6.038,22€ (seis mil e trinta e oito cêntimos e vinte e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

F.            Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, atendendo à procedência do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe e notifique-se.

 

Notifique-se o Ministério Publico nos termos do artigo 17.º n.º3 do RJAT.

Lisboa, 29 de Novembro de 2021

 

O Árbitro

Pedro Guerra Alves