Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 436/2020-T
Data da decisão: 2021-01-12   Outros 
Valor do pedido: € 107.497,98
Tema: Derrama municipal.
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SUMÁRIO:

                Decidido por despacho dos membros do Governo indicados no artigo 18.º, n.º 5, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, a requerimento de um dos municípios interessados, que a derrama «deve ser apurada para cada município de acordo com a (...) fórmula» nele fixada, ela é aplicável pelo município requerente ao cálculo da derrama devida a todos os municípios interessados, independentemente da taxa de derrama que cada um lançou ou de não ter lançado derrama.

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-11-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A... S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a apreciação da «legalidade do ato de autoliquidação efetuado pela Requerente, na parte correspondente ao montante de € 107.497,98 (cento e sete mil quatrocentos e noventa e sete euros e noventa e oito cêntimos) de derrama apurada em excesso no exercício de 2018».

 

A Requerente pede a condenação da Administração Tributária na «correção das liquidações relativas a 2018 para os termos que resultam das declarações inicialmente apresentadas (doc.3) por serem estas as que respeitam os critérios legalmente aplicáveis para o cálculo de derrama municipal» e a «devolução à Requerente da quantia de € 107.497,98  (cento e sete mil quatrocentos e noventa e sete euros e noventa e oito cêntimos) acrescida de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, e 61.º do CPPT.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-09-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22-10-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-11-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 08-01-2021, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

                2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

A.           A Requerente desenvolve a actividade que corresponde o Código da Actividade Económica (CAE) 35113- Produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e n.e. e possui centros electroprodutores nos municípios..., ... e ..., estando a massa salarial afecta ao município da sede ...;

B.            Em requerimento oportunamente remetido à Autoridade Tributária e Aduaneira o Município de ... solicitou, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, com a redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, a fixação de uma fórmula específica de repartição de derrama municipal relativamente a actividade de exploração de centros electroprodutores desenvolvida pela Requerente;

C.            Na sequência do requerido, dando cumprimento ao disposto no nº 4 da referida disposição legal, a Autoridade Tributária e Aduaneira propôs a fórmula de repartição de derrama municipal e notificou o município proponente, os municípios interessados e a Requerente para efeitos de audição;

D.           A referida fórmula foi aprovada por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Ambiente e da Administração Local, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que além do mais se refere o seguinte:

•             «1 – Nos termos do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, a derrama a liquidar pela A..., S.A , com o NIF 505 882 000, deve ser apurada para cada município de acordo com a seguinte fórmula:

Derrama do município= LT X Taxa da Derrama Municipal X Rácio do Município

Em que;

LT - Lucro tributável do período;

Taxa Derrama Município - Taxa de derrama comunicada pelo município à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do n.º 15 do mencionado art.º 18 da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro;

Rácio Município - Rácio de imputação da derrama por cada município, de acordo com a seguinte fórmula:

 

Em que:

MSPSMunic - Massa salarial, incluindo prestações de serviços para a operação e manutenção das unidades afetas às atividades no município;

MSPSTotal - Total da Massa salarial, incluindo prestações de serviços;

AIMunicip - Área de instalação ou exploração no município;

AlTotal - Total de área, de instalação ou exploração

PIMunic — Potência instalada no município;

PITotnl - Total de potência instalada-,

EPMunicip — Eletricidade produzida no município;

EPTotal - Total da eletricidade produzida. 

2 – O presente despacho aplica-se aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2016.»

 

E.            Em 13-01-2017, a Requerente foi notificada do despacho referido;

F.            A Requerente submeteu, em 18-06-2019, a declaração Modelo 22 junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 3, cujo teor se dá como reproduzido, tendo preenchido o ANEXO A para determinar o valor de derrama referente aos Municípios de ..., ..., ... e ... com base nos critérios específicos de repartição;

G.           A Requerente foi notificada com data de 18-06-2019, da existência do seguinte erro: “Município não requereu critério específico de repartição de derrama” (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H.           Segundo instruções da Administração Tributária, no quadro 3, a Requerente deveria colocar apenas os elementos relativos a ..., por apenas este Município ter requerido a fórmula de repartição específica, e não também os elementos relativos aos municípios de ... e ...;

I.             Em conformidade com as instruções da Administração Tributária, a Requerente procedeu à apresentação da declaração modelo 22 de substituição em 19-06-2019 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J.             Nesta declaração de substituição, o rácio de repartição especifica de ..., que na declaração inicial era de 00,507637, passou a ser de 0,999115, do que resultou num aumento da derrama municipal em € 107.497,98 euros, ou seja, a derrama calculada passou de € 111.032,34 para € 218.530,32 (documentos n.ºs 3 e 5);

K.            A Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação, que foi indeferida;

L.            No projecto de decisão da reclamação graciosa, que veio a ser convertido em decisão, refere-se além do mais o seguinte (processo administrativo):

Analisados os argumentos apresentados pela reclamante, somos a informar o seguinte:

i. Nos pontos 16 a 47 da petição inicial (p.i.). a reclamante vem contestar, em suma, o facto de só beneficiar da redução da taxa de derrama municipal num só município (...), pretendendo que esta redução seja estendida aos demais municípios onde a sua atividade é exercida, alegando que reúne as condições para que essa repartição seja materializada.

A derrama municipal encontra-se prevista na Lei nº 73/2013, de 3 de setembro (que veio revogar a anterior Lei das Finanças Locais introduzida pela Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro) e traduz-se na aplicação de uma taxa sobre o lucro tributável sujeito a IRC, a qual deverá ser determinada anualmente pelos municípios até ao limite de 1,5% (artigo 18.º, n.º 1).

Relativamente ao procedimento de liquidação da derrama, o legislador definiu que a comunicação da massa salarial correspondente a cada município e, bem assim, o apuramento da derrama municipal devida deverá ser efetuado na Declaração de Rendimentos do IRC - Modelo 22 a apresentar por cada sujeito passivo nos prazos legais legalmente previstos no Código do IRC.

Sendo que, no domínio das relações entre as entidades do Estado (atendendo a que a derrama municipal é paga pelos sujeitos passivos à AT e que a mesma constitui uma receita dos municípios), o legislador estipulou ainda que o produto da derrama paga pelos sujeitos passivos fosse transferido pela AT para os municípios.

Considerando a natureza municipal da derrama, o legislador fixou um critério de repartição da mesma entre os diversos municípios, tendo por base a massa salarial suportada por cada sujeito passivo em cada município. Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da supra referida lei n.º 73/2013, o legislador definiu que este critério da massa salarial deverá resultar da proporção entre a massa salarial suportada em cada município e a totalidade da massa salarial suportada pelo sujeito passivo em território nacional.

No que diz respeito à determinação da taxa, o legislador permitiu que, além da taxa principal definida, os municípios pudessem determinar uma taxa reduzida para os sujeitos passivos que no ano anterior contabilizarem um volume de negócios superior a € 50 000,00.

Nestes casos, se o operador económico possui estabelecimentos ou representações em mais do que um município e uma matéria coletável (nesse período) superior a 50 mil euros, haverá que repartir o cálculo da derrama pelos vários municípios. Sendo que, aqui a derrama deverá ser calculada de acordo com o n.º 13 do referido artigo 18.º, ou seja, releva para efeitos de repartição do imposto a pagar a massa salarial correspondente a cada um dos estabelecimentos ou representações.

ii. Atento os elementos do processo, verifica-se que a presente reclamação versa sobre a mesma matéria e apresenta os mesmíssimos termos que foram já analisados no âmbito do processo de reclamação graciosa nº ...2018..., apresentada para os exercícios de 2016 e 2017, sobre o qual recaiu decisão de indeferimento que aqui se dá como integralmente reproduzido.

Sendo que, não concordando a reclamante com a referida decisão de indeferimento, veio a interpor impugnação junto do CAAD (Decisão Arbitral no Processo n.º 134/2019-T/ IRC - Derrama; Repartição), cuja decisão foi de encontro ao pretendido pela reclamante e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Tendo, nos autos anteriores, sido reproduzida a informação/parecer, prestada à reclamante, pela Direção de Serviços de IRC (Divisão de Liquidação), em 31/05/2017 sobre a matéria.

Questionada aquela Direção de Serviços sobre a decisão arbitral veio reconfirmar o parecer anteriormente proferido.

Assim,

Relativamente aos argumentos aduzidos pela reclamante nos pontos 9 a 15 da p.i. quanto ao facto de a AT se ter alegadamente conformado com a decisão do CAAD, por não ter interposto recurso, somos a informar que de acordo com o estatuído no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (que veio estabelecer o Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), introduzido pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, as decisões arbitrais em regra são irrecorríveis, exceto em situações de inconstitucionalidade ou de recurso por oposição à decisão arbitral, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), sendo que, neste caso existe uma condição: a do recurso ter que ser precedida por interposição de uma ação de impugnação em oposição à decisão para o Tribunal Central Administrativo

Neste contexto, atendendo à data da decisão judicial e às regras de recorribilidade estabelecidas não pode a reclamante afirmar que a AT não recorreu apenas pelo facto de esta entidade ter corrigido as liquidações impugnadas.

Aventamos ainda, que tal facto se deve ao cumprimento a que a AT está obrigada ao princípio de obediência às decisões judicias conjugado com o dever de cautela, sendo que, nada garante que o ato tributário aqui controvertido, a ser impugnado, venha a ter decisão idêntica àquela outra.

Pelo exposto, atendendo a que a Direção de Serviços de IRC emitiu o seu parecer sobre a questão e o reconfirmou, somos de parecer que deveremos confirmar a decisão anteriormente assumida, na reclamação graciosa nº ...2018..., pelos motivos nela explanados e aqui já referidos.

Em face do exposto, propõe-se o indeferimento do pedido.

 

M.          Em 27-06-2019, a Requerente procedeu ao pagamento da autoliquidação de IRC efectuada nesta declaração de substituição (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N.           Em 01-09-2020, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

                A questão que é objecto do processo é a de saber qual a quantificação da derrama municipal a pagar pela Requerente no exercício de 2018.

                O regime da derrama municipal consta do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, que, com a Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, passou a ter a seguinte redacção, vigente em 2018:

Artigo 18.º

Derrama

1 - Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5 /prct., sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50 000 o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre os gastos com a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.

3 - Quando o volume de negócios de um sujeito passivo resulte em mais de 50 /prct. da exploração de recursos naturais ou do tratamento de resíduos, podem os municípios interessados propor fundamentadamente à AT a fixação de uma fórmula de repartição de derrama.

4 - A AT propõe, no prazo de 90 dias a contar da data da apresentação da proposta referida no número anterior, a fórmula de repartição de derrama, a fixar por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do ambiente e da administração local, após a audição do sujeito passivo e dos restantes municípios interessados.

5 - A proposta de repartição de derrama prevista no n.º 3 considera-se tacitamente deferida pela administração tributária se, no prazo previsto no n.º 4, uma proposta alternativa não for apresentada pela AT para despacho dos referidos membros do Governo.

6 - Em caso de não emissão do despacho previsto no n.º 4 nos 30 dias seguintes ao recebimento da proposta da AT, considera-se tacitamente aprovada a referida proposta, que produz os efeitos legais do despacho dos membros do Governo.

7 - A fórmula de repartição referida nos n.ºs 3 e 4 resulta de uma ponderação dos seguintes fatores:

a) Massa salarial, incluindo prestações de serviços para a operação e manutenção das unidades afetas às atividades referidas no n.º 3 - 30 /prct.;

b) Margem bruta correspondente à exploração de recursos naturais ou do tratamento de resíduos, nos termos da normalização contabilística - 70 /prct..

8 - No primeiro ano de aplicação da fórmula de repartição da derrama prevista no número anterior, é atribuído ao município ou municípios a cuja circunscrição tenha sido imputada, no exercício imediatamente anterior, com base no disposto nos n.ºs 1 e 2, qualquer parte do lucro tributável do sujeito passivo, uma proporção de 50 /prct. da derrama que lhe seria atribuída no período de tributação seguinte caso não fosse aplicada a fórmula prevista no número anterior, sendo o remanescente da derrama devida repartido com base na fórmula aí prevista.

9 - A margem bruta a que se refere a alínea b) do número anterior é aferida em função da área de exploração, exceto nas seguintes situações, em que a margem bruta é apurada nos seguintes termos:

a) Na proporção de 50 /prct. em função da área de instalação ou exploração e de 50 /prct. em função do valor da produção à boca da mina, dos produtos mineiros ou concentrados expedidos ou utilizados, no caso das minas; e

b) Na proporção de 50 /prct. em função da área de instalação ou exploração, de 25 /prct. em função da potência instalada e de 25 /prct. em função da eletricidade produzida, designadamente no caso dos centros eletroprodutores hídricos, eólicos, térmicos e fotovoltaicos.

10 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se:

a) 'Municípios interessados', o município ou municípios em cujo território se verifique a exploração de recursos naturais ou o tratamento de resíduos e o município ou municípios a cuja circunscrição possa ser imputável, nos termos do n.º 2, qualquer parte do lucro tributável do sujeito passivo;

b) 'Exploração de recursos naturais ou tratamento de resíduos', qualquer atividade industrial ou produtiva, designadamente exploração de recursos geológicos, centros eletroprodutores e exploração agroflorestal e de tratamento de resíduos;

c) 'Tratamento de resíduos', qualquer atividade de exploração e gestão de resíduos urbanos, compreendendo o tratamento dos resultantes da recolha indiferenciada e seletiva.

11 - O prazo a que se refere o n.º 4 conta-se a partir da data da receção da proposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira para fixação da referida fórmula.

12 - A assembleia municipal pode, sob proposta da câmara municipal, deliberar lançar uma taxa reduzida de derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse (euro) 150 000.

13 - Nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 125.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.

14 - Entende-se por massa salarial o valor dos gastos relativos a despesas efetuadas com o pessoal e reconhecidos no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.

15 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 2 indicam na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efetuam o apuramento da derrama que seja devida.

16 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.

17 - A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via eletrónica pela câmara municipal à AT até ao dia 31 de dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado.

18 - Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja remetida para além do prazo nele estabelecido não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.

19 - O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respetivo apuramento pela AT.

20 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, quando uma mesma entidade tem sede num município e direção efetiva noutro, a entidade deve ser considerada como residente do município onde estiver localizada a direção efetiva.

 

                A Requerente tem sede em ... e tem centros electroprodutores nos municípios de ..., ... e ..., estando a massa salarial afecta ao município da sede ... .

                Como resulta do n.º 3 deste artigo 18.º «quando o volume de negócios de um sujeito passivo resulte em mais de 50 % da exploração de recursos naturais que tornem inadequados os critérios estabelecidos nos números anteriores, podem os municípios interessados propor, fundamentadamente, a fixação de um critério específico de repartição da derrama, o qual, após audição do sujeito passivo e dos restantes municípios interessados, é fixado por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais».

                Dos municípios referidos, apenas o de ... propôs, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, a fixação de um critério específico de repartição de derrama municipal relativamente à actividade de exploração de centros electroprodutores, desenvolvida pela Requerente.

                Na sequência dessa proposta, veio a ser proferido um despacho pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Ambiente e da Administração Local, em que foi decidido que a derrama a liquidar pela Requerente «deve ser apurada para cada município de acordo com a seguinte fórmula:

Derrama do município= Lucro tributável do período X Taxa da Derrama Municipal X Rácio do Município»

                Nesse despacho determina-se que ele se aplica aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2016.

                A Requerente apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2018 em que auto liquidou derrama municipal no valor de € 111.032,34, determinado da forma seguinte:

               

                Mas, na sequência de instruções da Administração Tributária, a Requerente apresentou uma declaração de substituição em que o montante da derrama municipal passou a ser de € 218.530,32, determinado com base nos seguintes valores:

               

                Como se vê, na primeira declaração tinham sido considerados, além dos valores das massas salariais e prestações de serviços, área de instalação ou exploração, potência instalada e electricidade produzida referentes nos municípios de ... (código...) e ... (código...), também os valores referentes aos municípios de ... (código ...) ... (código ...), enquanto na declaração de substituição apenas foram considerados os valores referentes aos municípios de ... e ... .

                Dos municípios referidos, o de ... foi o único que lançou derrama em 2018, à taxa de 1,5%.

                A questão que se coloca reconduz-se a saber se, para o cálculo da derrama municipal, se deverão considerar os valores da massa salarial, incluindo prestações de serviços  para a operação e manutenção das unidades afectas às actividades no município, área de instalação ou exploração, potência instalada e electricidade produzida em cada município, relativos a todos os  municípios onde a Requerente tem instalações, ou deverão considerar-se também os valores referentes aos municípios que optaram por não requerer a fixação da fórmula e não cobrar derrama.

                A Administração Tributária entende, em suma, que «a Requerente não podia tornar extensiva a fórmula de repartição aprovada para os centros electroprodutores instalados no Concelho de ... aos restantes centros electroprodutores instalados em outros concelhos, pois estes não se mostraram interessados nem requereram a aprovação da fórmula específica de repartição da derrama municipal prevista nos n.ºs 7 e 9 do artigo 18.º da referida Lei».

                Afigura-se que a Requerente tem razão.

                Desde logo, o n.º 15 do referido artigo 18.º estabelece que «os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 2 indicam na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efetuam o apuramento da derrama que seja devida», que foi precisamente o que a Requerente fez.

                Por outro lado, o facto de os municípios de ... e ... não terem requerido a aprovação da fórmula específica de repartição de derrama, não releva para efeito de afastamento da aplicação da fórmula aprovada pelo referido despacho. Na verdade, os municípios que não requereram a aprovação da fórmula, ficam também vinculados pelo determinado no despacho governamental, sendo por essa razão que são ouvidos no procedimento que conduziu à sua prolação, na qualidade de «municípios interessados», como se prevê no n.º 4 do artigo 18.º.

                De resto, tratando-se de uma fórmula de repartição da derrama pelos municípios nos casos em que os sujeitos passivos têm estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais que um município, a fórmula de repartição entre eles da derrama terá de ser aplicável a todos os «municípios interessados».

                Foi também neste sentido que decidiu o Governo, no despacho referido, ao dizer-se que «a derrama a liquidar pela A..., S.A , com o NIF..., deve ser apurada para cada município de acordo com a seguinte fórmula...». Isto é, a fórmula é aplicável para determinar a derrama devida a cada um dos municípios em que a Requerente desenvolve a actividade referida, independentemente da taxa de derrama que lançarem ou de não fazerem lançamento de derrama (a taxa "0,00” a Requerente indicou na primeira declaração que apresentou).

                Foi, no essencial, neste sentido que se decidiu no processo arbitral n.º 134/2019-T (do n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral), que teve por objecto as autoliquidações relativas aos exercícios do 2016 e 2017:

«Daí que a Requerente não deve apenas calcular a derrama a pagar como se esta fosse devida só ao Município que optou pelo lançamento de derrama e solicitou a aplicação da fórmula de repartição específica, mas deve atender ao lucro gerado nas circunscrições territoriais dos outros municípios onde tem instalados centros electroprodutores que contribuem para o seu lucro total.

Para cumprir o Despacho que lhe foi notificado em 13-01-2013, a Requerente terá de considerar não só o valor da massa salarial correspondente ao município e ..., mas também o total da massa salarial da Requerente. Face ao disposto no art.º 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a Requerente terá de liquidar a derrama considerando o rácio de cada município, para o que deverá atender ao total da massa salarial dos municípios em que tenha centros electroprodutores, independentemente desses municípios terem ou não lançado derrama, tenham optado ou não por uma taxa de derrama de 1,5%, tenham ou não optado por lançar uma taxa reduzida ou isenções ou tenham optado pela fórmula da repartição especifica. E, terá de apurar o rácio de cada município atendendo ao seu lucro total, à massa salarial total e aos demais valores a considerar, nos termos do mencionado despacho, para cada município em cujo território tenha instalado estabelecimentos autónomos que tenham contribuído para o seu lucro total».  

 

                Pelo exposto, tem de se concluir que a autoliquidação efectuada pela Requerente na primeira declaração modelo 22 que apresentou, em que apurou o valor de derrama de € 111.032.34 é a correcta.

                Consequentemente, a autoliquidação efectuada na declaração modelo 22 de substituição, seguindo instruções da Administração Tributária, em que foi apurado o valor de derrama de € 218.530,32, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                A decisão da reclamação graciosa, que manteve a autoliquidação efectuada na declaração de substituição, enferma do mesmo vício.    

 

                4. Restituição de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                Em 27-06-2019, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 218.530,32,  autoliquidada na declaração de substituição.

                A Requerente pede a devolução da quantia de € 107.497,98, que pagou a mais, por o valor a pagar de derrama ser o de € 111.032.34, autoliquidado na primeira declaração modelo 22.

                A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito ao reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

               

4.1. Reembolso da quantia indevidamente paga

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 107.497,98, que pagou a mais.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

O erro que afecta a declaração de substituição é imputável a Administração Tributária pois ela foi efectuada segundo as suas instruções.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outras que alterem a taxa legal) e, desde a data do pagamento, até ao integral reembolso.

 

                               5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a autoliquidação efectuada pela Requerente na declaração modelo 22 de substituição apresentada em 19-06-2019, bem com a decisão da reclamação graciosa que a confirmou;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 107.497,98 e condenar a Administração Tributária a efectuar o respectivo pagamento à Requerente;

d)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Administração Tributária a pagá-los ao Requerente, calculados com base na quantia € 107.497,98, nos termos referidos no ponto 4.2. deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 107.497,98.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Administração Tributária.

 

Lisboa, 12-01-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Nuno Cunha Rodrigues)

(Manuel Lopes da Silva Faustino)