Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 434/2018-T
Data da decisão: 2019-08-06  IRC  
Valor do pedido: € 346.176,66
Tema: IRC – Pedido de revisão de autoliquidação – RETGS - Caso Julgado Formal - Competência do Tribunal Arbitral – Tributações autónomas; “Empresarialidade” dos gastos.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros José Poças Falcão (Presidente), Jorge Carita e Isaque Marcos Ramos (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ...-..., ...(adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária regulado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do Despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), datado de 27 de dezembro de 2017, que indeferiu o pedido de revisão do acto tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativo ao exercício de 2013,

                É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04/09/2018.

A Requerente, no pedido de constituição o tribunal arbitral, designou Isaque Marcos Ramos como árbitro, e a Requerida designou Jorge Carita, os quais comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável. Os árbitros designados pelas partes requereram ao Conselho Deontológico a designação do terceiro árbitro, que assumiria as funções de Presidente, tendo sido designado para o cargo José Poças Falcão, que o aceitou, assim se constituindo o presente tribunal arbitral colectivo.

Em 26/10/2018, a Requerente apresentou um pedido de afastamento/recusa do árbitro indicado pela Requerida, o qual viria a ser declarado improcedente por despacho do Exmo. Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD datado de 9 de Novembro de 2018.

Em 19/11/2018, foram as partes notificadas dos árbitros designados não tendo, nesta sede, manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 10/12/2018.

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se por excepção e impugnação.

Por despacho datado de 22/02/2019, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, concedeu às partes o prazo de 20 dias para alegarem e fixou o prazo para a prolacção da decisão arbitral.

Por despacho datado de 09/03/2019 o Tribunal Arbitral admitiu o aproveitamento, nos presentes autos, da prova testemunhal produzida no processo n.º 210/2017-T, do CAAD.

Por despacho datado de 14/05/2019 foi prorrogado o prazo para a prolacção da decisão final por não ter sido possível ao Tribunal, até à data, concluí-la a aprová-la.

Por despacho datado de 31/05/2019, o referido prazo voltou a ser prorrogado e fixou-se o dia 15/07/2019 como data limite previsível para a prolação e notificação do acórdão arbitral final.

No decurso da prolacção da decisão verificou-se que a gravação da prova testemunhal produzida no âmbito do n.º 210/2017-T, do CAAD padecia de insuficiências, apenas sendo perceptível, o depoimento de uma das testemunhas.

Face ao exposto, o Tribunal proferiu, em 11/06/2019, despacho referindo que, tendo as partes prescindido do registo áudio de uma das testemunhas então ouvidas, nos presentes autos seria apenas considerado, como meio de prova, o depoimento registado.

II. POSIÇÃO DAS PARTES

A.           Posição da Requerente

Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade do Despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 27 de Dezembro de 2017 que indeferiu o pedido de revisão de acto tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2013, e em consequência, a anulação deste acto tribuário, alegando em síntese o seguinte:

a.            Como questão prévia, refere que, não obstante a mesma questão subjacente aos presentes autos tenha já sido sujeita à apreciação do CAAD no âmbito do processo

n.º 210/2017-T, considera que estão preenchidos, in casu, os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 24.ºdo RJAT  nos termos do qual: “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral”;

b.            Entende a Requerente que a aplicação deste dispositivo depende do preenchimento de dois pressupostos, a saber: (i) que a decisão arbitral ponha fim ao processo sem apreciar o mérito e (ii) a inimputabilidade deste não conhecimento do mérito ao sujeito passivo;

c.            Adicionalmente, entende a Requerente que tais pressupostos se encontram preenchidos no caso em apreço pois:

(i)           O Tribunal Arbitral não proferiu, naqueles autos, decisão de mérito, uma vez que considerou procedente a excepção de incompetência material do tribunal arbitral, o que conduziu à absolvição da instância da Requerida;

(ii)          num caso com os contornos do presente, não se pode sequer falar em negligência do contribuinte na configuração dos pressupostos processuais.

d.            Fazendo apelo a Jurisprudência arbitral que considera favorável à sua pretensão, considera que o n.º 3 do artigo 24.º do RJAT regula “os efeitos da decisão que não conhece do mérito por facto não imputável ao sujeito passivo, estabelecendo que, nesses casos renascem os direitos de impugnação administrativa e contenciosa, com completa eliminação do tempo decorrido”, considerando, em acréscimo, que deve concluir-se que “a interpretação correta daquele artigo 24.º, n.º 3, é a de que, quando o não conhecimento do mérito não for imputável ao sujeito passivo, este disporá de todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa aí indicados com o prazo inicial renovado”;

e.            Considera ainda que, no caso em apreço, a não apreciação do mérito não lhe pode ser imputável porquanto não se está perante um erro na interpretação de disposições pacíficas ou claras do RJAT ou da Portaria n.º 112-A/2011, mas sim perante uma decisão de forma baseada num obstáculo processual cuja existência é controvertida entre os próprios tribunais;

f.             Conclui referindo que, perante uma questão processual sobre a qual existam diferentes linhas interpretativas entre os tribunais e a doutrina, a imputabilidade da falta de conhecimento do mérito ao contribuinte pode ser afastada se este se tiver baseado numa destas posições para submeter o caso aos Tribunais Arbitrais;

g.            Neste sentido, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral tem inteiro suporte legal no artigo 24.º, n.º 3, do RJAT;

h.            Ainda a título prévio, entende que os Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD são competentes para apreciar pedidos que tenham por objeto decisões de pedidos de revisão oficiosa efetuados para além do prazo de apresentação de reclamação graciosa, invocando diversa Doutrina e Jurisprudência que considera favorável à sua tese;

i.             No que se refere à questão de mérito, refere a Requerente que se encontra sujeita ao Regime Geral de Tributação de Grupos de Sociedade (RETGS), sendo a sociedade dominante, pelo que, é sobre si que recai, entre outras, a responsabilidade pelo pagamento do IRC;

j.             Em 30/05/2014, apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao IRC do exercício de 2013;

k.            Refere que a Requerente que incorreu com despesas no montante de € 2.364.187,77, as quais foram sujeitas a tributação autónoma, resultando num imposto a pagar no montante de € 436.353,76 o qual, contemplando despesas de carácter empresarial, essenciais e indispensáveis para a obtenção de proveitos, padece de um excesso de quantificação;

l.             Por entender que a referida autoliquidação não se encontrava correcta, apresentou o respectivo pedido de revisão oficiosa;

m.          O pedido da Requerente foi indeferido pela AT com fundamento em três argumentos:

(i) por um lado, que a Requerente, em momento algum negou, que as despesas de representação aqui em causa não dizem respeito a encargos com terceiros, pelo contrário, algumas das iniciativas apresentadas são justamente dirigidas a terceiros, pelo que não podem ser excluídas de tributação;

(ii) por outro lado, e no que toca aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros e com ajudas de custo, que a condição destes encargos estarem ou não ligados à actividade da empresa é apenas relevante para determinar a sua dedutibilidade, ou não, para efeitos fiscais na medida em que, na opinião da AT, estamos perante uma norma que tributa autonomamente tanto encargos dedutíveis como não dedutíveis; e

(iii) que a tributação autónoma é um mecanismo de tributação independente do IRC que incide sobre a despesas e não sobre o rendimento.

n.            Entende a Requerente que o legislador, no artigo 88.º do Código do IRC, se limitou a adoptar uma presunção de “não empresarialidade”, ou seja, que as despesas que se encontram sujeitas a tributação autónoma poderão ser encaradas como gastos de natureza presumivelmente pessoal e não profissional ou empresarial e que essa presunção é passível de ilisão dado tratar-se de uma norma de incidência, sob pena de violação do princípio da igualdade e do princípio da tributação pelo rendimento real;

o.            No que toca a despesas de representação, refere a Requerente que as mesmas tiveram lugar, para efeitos de visibilidade da marca, em dois eventos promocionais, com o propósito de aumentar as suas vendas, e que atento o seu carácter empresarial não devem ser consideradas para efeitos de tributação autónoma, devendo, por essa razão ser anuladas, por ilegais, referindo como sustento da sua posição vários arestos arbitrais;

p.            No que respeita a encargos com viaturas ligeiras e de passageiros, menciona a Requerente que, atendendo ao seu objecto social, é manifesta a importância dos encargos com viaturas para efeitos de obtenção de rendimentos, as quais são utilizadas pelos colaboradores do grupo da Requerente com o objectivo de promover, apresentar e comercializar os bens que geram os seus rendimentos tributáveis, sendo as mesmas “instrumentos de trabalho” daqueles, pelo que é manifesto que, sendo encargos empresariais, não deverão os mesmos ser onerados a título de tributação autónoma. No entanto, e caso assim não se entenda e se considere que estamos perante uma natureza parcialmente pessoal, dever-se-á utilizar o método pro rata, de modo a serem expurgados os montantes associados à natureza empresarial, e consequentemente, serem sujeitos a tributação autónoma apenas os montantes associados à utilização pessoal, devendo os demais ser anulados, por ilegais;

q.            Quanto aos encargos com ajudas de custo e despesas com viatura própria dos trabalhadores ao serviço da entidade patronal, refere a Requerente que estas despesas se encontram sujeitas a tributação autónoma por se presumir podem ter natureza não empresarial. No entanto, sendo uma presunção ilidível, perante a prova da sua natureza empresarial não deverão ser sujeitas a tributação autónoma;

r.             No caso em concreto, tendo em consideração que as despesas com ajudas de custo e com despesas em viatura próprias dos trabalhadores assumem um papel e uma relevância fundamentais em termos muito semelhantes às despesas de representação, uma vez que não são pagas de forma a compensar o colaborador pela deslocação feita ao serviço da empresa, deve também o imposto relativo a tributações autónomas liquidado, quanto a estes, ser anulado;

s.            Conclui pugnando pela condenação da AT na restituição dos valores suportados pela Requerente a título de tributações autónomas, no montante de €.346.176,66, ou de €.320.932,47, por aplicação do método pro rata relativo à utilização empresarial e no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

B.            Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida veio, em resposta, alegar, em síntese:

a.            Por excepção, refere que a questão colocada à apreciação do Tribunal arbitral nos presentes autos foi já objecto de análise no âmbito do processo n.º 210/2017-T, que correu termos no CAAD;

b.            Neste processo, o Tribunal julgou procedente a excepção de incompetência material do CAAD e, não tendo a Requerente impugnado judicialmente o acórdão arbitral junto dos Tribunais superiores, aceitou, de forma expressa, as consequências da concretização do julgado permitindo, nomeadamente, que a instância se extinguisse;

c.            O artigo 24.º, n.º 3 do RJAT deve ser lido à luz da ratio que perpassa o artigo 18.º do CPPT até porque os Tribunais que se constituem sob a égide do Centro de Arbitragem devem aplicar o direito constituído e guiarem-se pelas linhas orientadoras processuais tributárias;

d.            No caso em apreço, o Tribunal arbitral não passou, de um momento para o outro, a ser competente para decidir sobre processos provenientes de revisões oficiosas que não foram precedidas de reclamação graciosa apresentadas da autoliquidação de um determinado exercício em sede de IRC;

e.            Os contribuintes, verificada e decidida judicialmente a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, têm duas hipóteses: (i) ou recorrem da decisão junto dos Tribunais superiores; (ii) ou, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão que a declare requerem a remessa do processo para o Tribunal competente para decidir da matéria em discussão. Caso não o façam, a decisão transita e a instância extingue-se, não sendo mais possível a sua reabertura, muito menos através da propositura de nova acção judicial;

f.             Caso se entendesse que o RJAT difere, nesta matéria, do estipulado no CPPT, poderia afirmar-se que, quem tem maiores recursos financeiros para recorrer à arbitragem tributária, acabaria por ser beneficiado por um regime processual mais benéfico que aquele que vigora no regime das impugnações, o que, no limite, consubstanciaria uma violação do princípio constitucional da igualdade, no seu corolário do direito do acesso à justiça;

g.            Assim, ao não ter impugnado judicialmente o acórdão arbitral junto dos Tribunais superiores, a Requerente aceitou, de forma expressa, as consequências da concretização do julgado que deveria ter materializado na apresentação de nova acção, mas desta feita no Tribunal competente para o efeito, isto é, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal territorialmente competente;

h.            Tal facto constitui excepção dilatória que implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto no artigo 577.º, alínea a) e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC.

i.             Por excepção, refere ainda que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para conhecer do pedido de anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2013 apresentado pela Requerente, mormente porque a este não antecedeu a reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT;

j.             Por impugnação, refere que a conclusão que retira da leitura do articulado apresentado pela Requerente é que decorre o mesmo sobre a justeza ou não do artigo 88.º, n.º 3, 7 e 9 do Código do IRC, e não sobre o elemento literal da norma;

k.            Com efeito, menciona a Requerida que “[n]o caso dos veículos automóveis (…) prevê-se que todos os custos suportados são tributados à taxa de 10%, significando isto que mesmo aceites como indispensáveis para a formação do lucro tributável, os ditos gastos não evitam, por força da norma, a correspondente tributação em sede de tributação autónoma. E o mesmo se diga do teor do artigo 88.º, n.º 7 e 9 do CIRC, aí se prevendo que mesmo sendo ambos dedutíveis para efeitos do artigo 23.º do IRC – e por isso considerados necessários para a obtenção exclusiva do rendimento da empresa -, os custos devem ser tributados em sede de tributações autónomas”;

l.             Entende a Requerida que, da leitura dos n.ºs 3, 7 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC, resulta inequivocamente que o legislador não pretendeu excluir os encargos relacionados com veículos da sujeição a tributação autónoma, salvo nas situações claramente evidenciadas na excepção prevista na parte final do n.º 3 e no n.º 6 do referido artigo 88.º;

m.          Mais refere a Requerida que “[a] persistente ênfase que a Requerente faz à 1) especial natureza da sua actividade comercial, 2) à necessidade da contracção dos custos com intuitos publicitários da marca e 3) contexto da utilização dos seus veículos não são argumentos minimamente aptos a afastar aquilo que a lei fiscal expressa e claramente consagra: a sujeição a tributação autónoma. Com estes argumentos pretende a Requerente sub-repticiamente abrir o recurso à equidade, justificar uma justiça no caso concreto, em face da negação que lhe é dada pelo princípio da legalidade, pela ausência de arrimo na letra da lei” - o que lhe é vedado, em virtude de a lei fiscal não permitir que a equidade possa funcionar como fundamento da correcção da lei inadequada, devendo, por este motivo improceder o alegado pela Requerente;

n.            No que toca à presunção de “empresarialidade”, defende a Requerida que nenhuma prova material concreta e inequívoca é produzida pela Requerente de que o desenvolvimento da actividade em que se insere, no sector automóvel, as despesas que foram sujeitas a tributação autónoma consubstanciam verdadeiras despesas com  publicidade, exclusivamente afectas à actividade da empresa, pelo que  «(…) ainda que se admitisse - que não se admite – a possibilidade de ilidir a (inexistente) “presunção” contida no artigo 88.º, n.º 3, 7 e 9 do CIRC, através da prova da empresarialidade das despesas», a verdade é que, a Requerente não logra fazer qualquer prova de que as viaturas em causa somente concorrem para a manutenção da actividade comercial;

o.            Menciona, ainda, a Requerida que o legislador não consagrou, explicita ou implicitamente, a possibilidade de obviar a tributação autónoma dos encargos com veículos mediante a demonstração da afectação integral dos veículos à actividade desenvolvida, mas tal passou, sim, a partir de 2011, em conformidade com o disposto na parte final do n.º 3 do artigo 88.º do Código do IRC, a depender da aquisição e utilização de veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica;

p.            Concluindo no sentido de que “a posição da Requerente não tem suporte nem na letra da lei, nem da ratio dos n.ºs 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC, pelo que não poderia a Requerida proceder a uma interpretação correctiva da lei que lhe cumpre aplicar, e que a sugestão da aplicação de um método pro rata para o artigo 88.º do CIRC - que é uma norma de incidência - não tem acolhimento em sede de IRC, uma vez que não existe qualquer margem para presunções e dispensa de tributação autónoma quanto às despesas incorridas exclusivamente com fins empresariais. i.e., a base tributável é a que está definida na norma de incidência objectiva, o artigo 88.º do CIRC, e reporta a despesas dedutíveis e não dedutíveis em sede de imposto”;

q.            Assim sendo, termina a Requerida defendendo que “não merecem censura os actos tributários que vêm impugnados, os quais, por que legais, se devem manter válidos na ordem jurídica”;

III. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A cumulação de pedidos é admissível pois estamos perante as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cfr. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).

O processo não enferma de nulidades.

IV.   FUNDAMENTAÇÃO

A. De facto

§.1. Factos Provados

Com interesse para os presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a.            A Requerente é uma sociedade comercial cuja actividade principal consiste, entre outras, no comércio de veículos automóveis - cfr. acordo das partes;

b.            Em 2013, a Requerente era a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades sujeito ao RETGS, e composto pelas seguintes sociedades comerciais:

- B..., S.A., contribuinte fiscal n.º...;

- C..., S.A., anteriormente designada D..., S.A., contribuinte fiscal n.º...;

- E..., Unipessoal, Lda., anteriormente designada F..., Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º...;

- G..., Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal.º...;

c.            Em 30/05/2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013 declarando, como soma algébrica dos resultados fiscais do grupo, o montante de €.20.593.482,63 e calculando, nomeadamente, tributações autónomas de €.2.364.187,77, originando imposto a pagar de € 436.353,72 - cfr. doc. n.º 2 junto ao pedido de constituição de tribunal arbitral;

 

d.            Neste período de tributação de 2013, foram suportadas despesas no montante total de € 2.364.187,77 sujeitas a tributação autónoma, nos termos seguintes:

(i)           Requerente – € 1.507.177,46;

(ii)          B..., S.A. – € 621.083,35;

(iii)         F..., Unipessoal, Lda. – € 235.926,96 – cfr. quadro 11 do doc. n.º 2 junto ao pedido de constituição de tribunal arbitral;

 

e.            Tais despesas corresponderam a um montante total (do Grupo) de tributações autónomas de €.436.353,76 - cfr. campo 365 da Declaração Modelo 22 de IRC da sociedade dominante junta ao pedido de constituição de tribunal arbitral;

 

f.             Por considerar que, no exercício de 2013, tinha apurado e pago um montante de tributações autónomas superior ao que, em sua opinião, se afigurava devido, requereu, em 09/08/2016 a revisão da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013 – cfr. PAT;

 

g.            O referido procedimento administrativo de revisão de acto tributário correu termos sob o n.º ...2016... – cfr. PAT;

 

h.            Em Outubro de 2016, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 30/09/2016, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por um lado, do projecto de decisão do pedido de revisão do acto tributário indicado em g) supra no sentido da rejeição liminar do mesmo, por intempestivo, e simultaneamente, da informação n.º ...-AIR1/2016 que suporta tal projecto - cfr. PAT;

 

i.             Em 19/10/2016, a Requerente, em resposta ao projecto de decisão referido em f) supra, exerceu o seu direito de audição prévia pugnando pela tempestividade do pedido de revisão do acto tributário – cfr. PAT;

 

j.             Em 30 de Novembro de 2016 e através do Ofício n.º..., de 16/11/2016, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes a Requerente foi notificada do projecto de decisão do pedido de revisão do acto tributário em que, não obstante se considerasse o mesmo tempestivo, propunha-se o indeferimento do mesmo por razões de mérito - cfr. doc. n.º 3 junto ao pedido de constituição do tribunal arbitral e PAT;

 

k.            Em 28/12/2016, através do Ofício n.º..., datado de 27/12/2016 foi a Requerente notificada do despacho da Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, exarado da informação n.º ...-AIR1/2016, no sentido do indeferimento definitivo do pedido de revisão do acto tributário sindicado nos presentes autos - cfr. doc. n.º 1 junto com o pedido arbitral e PAT;

 

l.             A Requerente obedece a uma estratégia comunicacional e de marketing previamente definida pela casa-mãe do grupo económico onde a Requerente se insere – cfr. prova  testemunhal;

 

m.          Com a organização de eventos e utilização de viaturas associadas aos encargos aqui discutidos, a Requerente pretende criar aquilo que no marketing se designa por “consciência da marca” ou “brand awareness” - cfr. prova testemunhal;

 

n.            Simultaneamente, pretende-se tornar as marcas visíveis no mercado e potenciar o contacto entre as marcas e o público de modo a angariar clientes - cfr. prova testemunhal;

 

o.            Os investimentos efectuados pela Requerente a este nível são controlados contabilisticamente através de “orders” de modo assegurar que os orçamentos respectivos são cumpridos - cfr. docs. n.ºs 12 e 13 juntos ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral e prova testemunhal;

 

p.            A realização dos eventos e utilização de viaturas supramencionados em m. têm por finalidade o aumento dos clientes e das vendas – cfr. prova testemunhal;

 

q.            A sociedade dominada F..., Unipessoal, Lda. realizou, durante o ano de 2013, dois relevantes eventos promocionais com o propósito de aumentar as suas vendas:

i. a apresentação do novo modelo da marca A... (cfr. doc. n.º 8 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral); e

ii. o passeio de todo-o-terreno “...” (cfr. doc. n.º 9 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

r.             No mesmo exercício, a Requerente realizou um conjunto de outros eventos destinados a promover a marca - cfr. docs. n.ºs 15 a 22 e 31 e 32 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

s.            A Requerente despendeu o valor de €.353.428,38 com formações (nacionais e internacionais) - cfr. Docs. 23 a 30 juntos).

 

t.             Estas despesas são essencialmente, relacionadas com viagens de avião para formações, estadias e as próprias formações para não colaboradores (e.g. concessionários) - cfr. Docs. 23 a 30 juntos).

 

u.            Tais despesas encontram-se devidamente contabilizadas nas contas #611410,#611510, #611213, conforme detalhe destas contas e balancete (cfr. docs. n.ºs 14 e 33 juntos com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral).

 

v.            O Grupo de que a Requerente é sociedade dominante reembolsou ainda despesas de alimentação e de alojamento suportadas pelos colaboradores em deslocações para fora do local normal de trabalho e pagou valores relativos à utilização, pelos respectivos colaboradores, da sua viatura pessoal ao serviço da empresa – cfr. doc. n.º 40 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

w.           O montante destas despesas ascendeu a €.15.592,09 – cfr. doc. n.º 40 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

x.            As despesas reembolsáveis apresentadas pelos colaboradores obedecem a um regulamento interno e são objecto de controlo por parte do Departamento Financeiro da Requerente que faz uma triagem relativamente: (i) ao plafond e (ii) despesas elegíveis - cfr. prova testemunhal e doc. n.º 41 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral;

 

y.            A Requerente suportou tributação autónoma relativa a encargos com viaturas atribuídas a colaboradores no montante de €.298.494,71 (cfr. doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral);

 

z.            O supra referido montante incidiu sobre encargos (e.g. combustíveis, seguros e portagens) no valor de €.1.636.679,07 – cfr. doc. n.º 34 junto com pedido de constituição de Tribunal);

 

aa.          Os colaboradores não dispõem de viatura específica afecta pessoalmente mas utilizam aquela que, em cada momento, a Requerente lhe decide atribuir por razões de política comercial ou marketing - cfr. prova testemunhal;

 

bb.         Estes colaboradores utilizam maioritariamente as viaturas para fins profissionais - cfr. prova testemunhal;

 

cc.          Nos períodos em que não se encontram ao serviço da Requerente, estes colaboradores também podem dispor da viatura para fins pessoais - cfr. prova testemunhal;

 

dd.         Em 27/03/2017, a Requerente apresentou, junto do CAAD, pedido de constituição de Tribunal Arbitral tendo por objecto imediato o despacho supra referido na alínea k) que correu termos sob processo n.º 210/2017-T - cfr. doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição de tribunal arbitral e PAT;

 

ee.         Em 27/11/2017, no âmbito do referido processo, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente – cfr. acta de inquirição de testemunhas junta aos autos;

 

ff.           Por acórdão datado de 02 de Maio de 2018, aquele Tribunal Arbitral decidiu julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de revogação do indeferimento do pedido de revisão ofíciosa, que visava a autoliquidação referente ao IRC do exercício de 2013 – cfr. acordo;

 

gg.          O presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi apresentado e aceite em 04/09/2018 – cfr. consulta ao sistema de gestão processual do CAAD;

 

hh.         Os factos, pedido e causa de pedir nos presentes autos são idênticos aos subjacentes ao processo n.º 210/2017-T;

§.2. Factos não Provados

Não se provou que a Requerente disponha de qualquer mecanismo de controlo interno que lhe permita monitorizar e quantificar a utilização para fins pessoais, pelos colaboradores, das viaturas que lhe são afectas pela Requerente.

§.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, o PA juntos aos autos, e a prova testemunhal produzida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em concreto, os factos dados sob as alíneas l) a p), bb), cc) e dd) assentam no depoimento prestado pela testemunha H..., com coerência com a prova documental disponível, e até com factos que se podem ter como notórios (caso dos factos dados como provados nos pontos n) e p).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações que consistam em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DE DIREITO

Questões prévias

1. Excepção dilatória de caso jugado

Do regime jurídico aplicável

 

Suscita a Requerida a excepção de caso julgado por considerar que a mesma questão colocada à apreciação deste Tribunal foi já decidida no âmbito do processo 210/2017-T, a qual, tendo transitado em julgado, não permite nova apreciação do pedido. Vejamos.

 

Relevam para os presentes autos o n.º 4 do artigo 13.º e n.º 3 do artigo 24.º do RJAT. Nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do RJAT:

“4 – A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria coletável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os atos objeto desses pedidos ou sobre os consequentes atos de liquidação, exceto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa.”

 

Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do mesmo compêndio legal:

 

“3 – Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.”

 

Resulta da lei, de forma clara, a possibilidade de se apresentar nova pronúncia arbitral “dos actos objecto” da primeira pretensão arbitral sempre que esta não conheça do mérito do pedido. Negar esse direito seria assentar a decisão numa interpretação ab-rogante da lei que, como se sabe, é proibida no nosso Ordenamento Jurídico (artigo 8.º, n.º 2 do CC, 203.º da CRP e preâmbulo do RJAT nos termos do qual os árbitros julgam segundo o direito constituído, sendo vedado o acesso à equidade).

 

Sem prejuízo do que antecede, parece-nos ainda claro que, ao contrário do que defende a Requerida, não será de aplicar, no caso em apreço, a doutrina do artigo 18.º do CPPT.

 

Quanto à primeira conclusão veja-se, por exemplo, Jorge Lopes de Sousa, para quem “nos casos em que, nos processos judiciais tributários regulados pelo CPPT, a declaração de incompetência conduzir à competência de tribunais que não pertençam à jurisdição administrativa e fiscal, será aplicável também o regime que resulta, actualmente, do n.º 2 do art. 14.º do CPTA” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011,  pág. 256.

 

Quid iuris, então, se o contribuinte não requerer a remessa ao Tribunal competente?

 

“Se se tratar de caso em que o tribunal competente não pertence à jurisdição administrativa e em que o interessado haja optado por não requerer a remessa do processo, o mesmo beneficia do regime do artigo 89.º, n.º 2  [87.º, n.º 8 na versão introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10] (…) que, na hipótese de propositura de nova acção sobre o mesmo objecto de outra em que ocorra absolvição da instância, (designadamente por ter sido julgado procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal – cfr. artigo 288.º, n.º 1, alínea a)), assegura a manutenção dos efeitos derivados da propositura da primeira causa (…)” – cfr. Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 104.

 

O mesmo regime, sublinhe-se, decorre do processo civil e, em particular, do artigo 279.º do CPC nos termos do qual:

 

“1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.

2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

3 - Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior, na nova ação que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.”

 

Como ensina Alberto dos Reis, referindo-se aos efeitos da absolvição da instância:

“A instância extingue-se; mas esta extinção não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto. Quer dizer, se o autor propuser outra acção idêntica, o réu não pode invocar a excepção de caso julgado; e não pode invocá-la, precisamente porque, na acção anterior, o tribunal não chegou a pronunciar-se sobre o mérito da causa, pois que se absteve de conhecer o pedido” – cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, 1948, Coimbra, 2004, pág. 365 .

 

Na Jurisprudência, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12/12/2017 e proferido no âmbito do processo 4420/15.8T8VCT.G1.S2 (Ferreira Pinto).

Tudo sopesado, não choca a opção legislativa vertida no n.º 3 do artigo 24 do RJAT. Ela é, como se viu, igual à prevista no CPC e CPTA adaptada às especificidades do RJAT e traduz-se na possibilidade de interposição de nova acção, tendo por objecto os mesmos actos tributários em caso de absolvição de instância por incompetência material do Tribunal onde a primeira acção foi interposta.

 

E não se diga para obviar a esta conclusão, como a Requerida, que “é inconcebível que um Tribunal Administrativo e Fiscal se declare incompetente e, nessa sequência, o contribuinte, que não recorreu e também não requereu no prazo de 14 dias a remessa do processo judicial para o Tribunal competente, logre apresentar a mesma questão de mérito no mesmo Tribunal!” (artigo 26.º da Resposta).

 

Desde logo porque, como se demonstrou, o artigo 18.º do CPPT não é aqui aplicável e depois, porque não se trata do “mesmo Tribunal”. É aqui que, salvo o devido respeito e melhor opinião, assenta o erro da Requerida. É que os tribunais arbitrais, mesmo que institucionalizados como sucede com os que se organizam no âmbito do CAAD, não obedecem à mesma lógica e organização que os Tribunais Estaduais. Como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86 datado de 08/07/196 e proferido no processo 178/84 (Martins da Fonseca), os tribunais arbitrais, sendo verdadeiros tribunais, em determinados aspectos, "não são tribunais como os outros".

 

Como se referiu nesse mesmo aresto, os tribunais arbitrais voluntários, embora se constituam para exercer a função jurisdicional, em suma, para praticar os actos jurisdicionais são órgãos “formados caso a caso”.

 

Decorre do exposto que cada Tribunal Arbitral constituído sob a organização o CAAD é um Tribunal autónomo, com independência jurídica e funcional de todos os outros pelo que quando os contribuintes fazem uso da prerrogativa concedida pelo n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, não estão a submeter a mesma questão à apreciação do “mesmo tribunal” – que se dissolve com a prolacção da decisão arbitral nos termos do artigo 23.º do RJAT - mas sim de outro, autónomo do primeiro, cuja única similitude se prende com o facto de ambos serem organizados sob a égide da mesma instituição e deverem obedecer às mesmas regras (o que não significa que delas não possam fazer interpretação diferente).

 

Finalmente, refira-se que o regime aqui em análise não é nem mais, nem menos vantajoso que o regime previsto para as acções impugnatórias (aqui entendidas latu sensu) interpostas nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

 

Como se viu, perante um decisão de absolvição da instância por incompetência em razão da matéria, também os contribuintes dispõem ali da possibilidade de interpor a mesma acção num outro Tribunal Estadual que até, note-se, pode contradizer a decisão do primeiro que se considerou incompetente dando lugar a um conflito de competência negativa.

 

Aliado a este facto está a circunstância destes contribuintes, ao contrário dos que recorrem ao CAAD, beneficiarem de um regime de Recurso muito mais amplo que os segundos.

 

Basta dizer que, no caso que nos ocupa em particular, a Requerente não poderia recorrer da decisão de incompetência material proferida no âmbito do processo 210/2017-T para os Tribunais Superiores nos termos do artigo 25.º do RJAT e, não se verificando nenhum dos fundamentos vertidos no artigo 28.º desse mesmo RJAT, a decisão seria irrecorrível, inexistindo, assim, um duplo grau de jurisdição.

 

Do conceito de “facto imputável ao sujeito passivo”

 

Aqui chegados, e sendo clara, quanto a nós, a possibilidade de suscitar nova pronúncia arbitral, haverá que confirmar que os requisitos legalmente previstos para tal se encontram, in casu, preenchidos. Tais três os referidos requisitos:

 

a)            Que a primeira decisão tenha posto termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão;

b)           Qual tal tenha ocorrido por facto não imputável ao sujeito passivo; e

c)            Que a nova pronúncia arbitral tenha por objecto os mesmos actos tributários objeto da primeira pretensão arbitral deduzida.

 

Não subsiste dúvida sobre a verificação, in casu, dos requisitos previstos nas alíneas a) e c) supra. A vexata questio será, pois, decidir se, no caso que nos ocupa, o facto do Tribunal Arbitral ter proferido uma mera decisão de forma deve-se, ou não, a “facto não imputável ao sujeito passivo”.

 

Um excurso pela legislação subsidiária, e seguindo a ordem prevista no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, permite concluir que o conceito de “facto imputável” ao sujeito passivo ou Autor, encontra previsão normativa em diversos compêndios legais.

 

A título meramente exemplificativo, na LGT, relevam, em especial, os n.ºs 1 e 2 do artigo 35.º (juros compensatórios). 

 

Nos termos deste preceito:

1.            São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

2.            São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.

 

Relativamente a esta norma entende a Doutrina que “a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a titulo de dolo ou negligência” sendo também pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que “não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando o contribuinte tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável” - cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 284. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias» in VV. (Lisboa, 1999) Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 148 e José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal, Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pág. 299.

Este entendimento é, de resto, partilhado pela AT que, na Circular 107/2009 Série II, emitida no processo 4.0/09 DSRNRPC, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Sobre o Consumo, escreveu:

“2º -  Não será suficiente uma conexão objectiva entre o atraso e a actuação do contribuinte. Será também necessário a verificação cumulativa de culpa na actuação do sujeito passivo, a título de dolo ou negligência, devendo ser nesse sentido que se deverá entender a "imputabilidade" prevista no nº 1, do artigo 35º da LGT.

Consequentemente, não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando apesar de o atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável” – negrito nosso.

Na Jurisprudência, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 11/02/2016 e proferido no âmbito do processo 00232/06.8BEPN (Ana Patrocínio) onde se escreveu:

“Na verdade, constitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso nº 12147; de 28-6-95, proferido no recurso nº 19014; de 20-3-96, proferido no recurso nº 20042; de 2-10-96, proferido no recurso nº 20605; de 18-2-98, proferido no recurso nº 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso nº 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso nº 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso nº 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso nº 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) – cfr. sobre a matéria pode ler-se o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 145, bem como o Professor Casalta Nabais no parecer junto aos presentes autos)” – negrito nosso.

No mesmo sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal datado de 16/12/2010 e proferido no âmbito do processo 0587/10 (Dulce Neto) onde se escreveu: 

 

“(…) Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (…) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (…)”.

 

E ainda o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo datado de 22/01/2014, e proferido no âmbito do processo n.º 01490/13 (Casimiro Gonçalves) onde se decidiu:

 

“E daqui decorre, desde logo, que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa.”

 

No CPPT releva, entre outros, o n.º 2 do artigo 183.º - A (Caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa) - nos termos do qual:

“1 - A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição.

2 - O regime do número anterior não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante.”

 

Sobre esta norma, afirma Jorge Lopes de Sousa:

“Para o atraso ser imputável ao interessado deverá estar ligado a uma conduta sua por um nexo de causalidade adequada, isto é, a conduta deve ser uma condição naturalística do atraso.

Estarão nessas condições, por exemplo, condutas do interessado que tenham provocado suspensão da instância ou que se reconduzam a falta de colaboração exigível (…)” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011, pág.  344 e 345.

 

Ora, como se sabe, "determinada acção será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” – cfr. Galvão Telles, apud,  Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, pág. 578.

 

Ou, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15/01/2002 e proferido no âmbito do processo 01A1481 (Pais de Sousa) : "de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano.

 

Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria ".

 

No Código Civil, por exemplo, determina o n.º 3 do artigo 327.º:

“3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses” – negrito nosso.

Sobre esta matéria, tem a Jurisprudência entendido que “a definição conceitual de «motivo processual não imputável ao titular do direito», explicitado no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil, deve alicerçar-se, essencialmente, na ideia de culpa. Assim, para a absolvição da instância ser imputável ao titular do direito basta que este tenha agido com mera culpa, a qual deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” – cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15/11/2006 e proferido no âmbito do processo 06S1732 (Pinto Hespanhol).

Do que antecede parece, pois, poder concluir-se, com razoável segurança, que o conceito de “facto não imputável ao sujeito passivo” previsto no n.º 3 do artigo 24.º do RJAT deve ser entendido como (i) exigindo um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o resultado;  (ii) segundo o padrão do bonus pater familiae; (ii) sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade (em termos de um contribuinte normal ou médio) do critério adoptado, mesmo que erróneo, afasta a culpa.

Face ao que antecede, vejamos, então, se o comportamento da Requerente preenchia, ou não, os referidos requisitos.

Como resulta dos factos assentes no âmbito do processo 210/2017-T, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 27/03/2017.

Um breve excurso pela Jurisprudência sobre a possibilidade de obter, em Tribunais constituídos sob a égide do CAAD, a apreciação de actos tributários precedidos de pedidos de revisão oficiosa (que apreciam a respectiva legalidade) permite concluir que, até essa data, o status quo era o seguinte:

a)            No sentido da competência do CAAD para apreciar esses pedidos, podem encontrar-se as seguintes decisões:

(i)           de 06/07/2012 e proferida no âmbito do processo 48/2012 (Jorge Lopes de Sousa);

(ii)          de 23/10/2012, proferida no processo 73/2012 (Benjamim Silva Rodrigues); 

(iii)         de 17/05/2013, proferida no âmbito do processo 117/2013 (Jorge Lopes de Sousa);

(iv)         de 30/06/2014, proferida no âmbito do processo 93/2014 (Jorge Lopes de Sousa);

(v)          de 04/03/2015, proferida no âmbito do processo 630/2014 (Jorge Lopes de Sousa);

(vi)         de 11/07/2015, proferida no âmbito do processo 670/2015 (José Baeta de Queiroz);

(vii)        de 22/02/2016, proferida no âmbito do processo 617/2015 (Jorge Lopes de Sousa);

(viii)       de 01/09/2016, proferida no âmbito do processo 123/2016 (Jorge Lopes de Sousa);

(ix)         de 04/11/2016, proferida no âmbito do processo 122/2016 (José Baeta Queiroz);

(x)          de 14/11/2016, proferida no âmbito do processo 221/2016 (José Coutinho Pires);

(xi)         de 15/11/2016, proferida no âmbito do processo 143/2016 (Fernanda Maçãs).

 

Em sentido contrário identificaram-se apenas 3 decisões proferidas em 09/11/2012, 19/02/2014 e 22/04/2014, respectivamente, nos processos 51-2012-T (José Poças Falcão) , 364/2014 (Miguel Patrício) e 236/2013 (Manuel Macaísta Malheiros), neste último, com um voto de vencido relativamente a esta matéria.

Decorre do exposto que a maioria da Jurisprudência do CAAD concluía pela competência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos, como o que a Requerente apresentou e foi submetido à apreciação do CAAD no âmbito do processo 210/2017-T.

Este era também o entendimento unânime da Doutrina publicada à data, sobre a matéria de que se destacam 3 obras.

- Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 96 e segs.;

- Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Guia da Arbitragem Tributária (Coord. Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira), Almedina, Coimbra, págs. 105 e segs; e

- Serena Cabrita Neto, Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2017, pág.446.

Acresce que esta Doutrina e Jurisprudência não eram (nem são) inovadoras no que se refere à natureza da Revisão Oficiosa no contexto das garantias dos contribuintes.

De facto, há já muito que se encontrava sedimentado na Jurisprudência a equiparação do pedido de Revisão Oficiosa como um meio alternativo e complementar dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos - cfr. por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 12/07/2006, e proferido no âmbito do processo n.º 402/06 (Jorge Lopes de Sousa) com abundantes referências Jurisprudenciais.

Face a este quadro factual, ter-se-á de concluir que a decisão de forma proferida no âmbito do processo 210/2017-T não pode ser considerada “imputável ao sujeito passivo”.

Se é verdade que não é uma decisão totalmente surpreendente (à data existiam, pelo menos, três decisões nesse sentido, a última das quais datada de 22/04/2014), face ao quadro factual existente à data (e sem tecer juízos de valor sobre o respectivo sentido), ela não seria seguramente a mais provável ou expectável mesmo atendendo ao critério do bonus pater familiae.

De referir ainda que a desculpabilidade do comportamento da Requerente em situações com relevância processual é reconhecida, no sistema jurídico, quer pela própria lei, quer pela Doutrina.

Por exemplo, a propósito do artigo 334.º do CC (norma conexa com o 279.º do CPC) refere Vaz Serra que «pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a acção num tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência”» – cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, Maio, 1961, p. 257, nota 1010, §3.º e, no âmbito específico do RJAT, Carla Castelo Trindade, Ob. Cit., pág. 464.

No direito adjectivo invoque-se, por exemplo, a alínea b) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC nos termos do qual:

“Artigo 536.º

 

Repartição das custas

1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.

2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:

a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;

b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;” (negrito nosso).

 

No CPTA, por exemplo, veja-se a alínea c), n.º 3 do artigo 58.º:

 

“3 - A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:

 

c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma. (negrito nosso).”

 

Sobre esta norma em particular, e com interesse, referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, que, nela, assume o legislador “honradamente que o nosso ordenamento jurídico-administrativo é, em muitas matérias ou sectores, labiríntico, caótico, disperso, contraditório, etc.

Ficam abrangidas pelo conceito legal as dificuldades que existam quer na busca e fixação das leis aplicáveis (…), que na sua interpretação e aplicação.

(…)

Não é necessário, note-se, que se trate de ambiguidades da lei administrativa substantiva, podendo tratar-se de dificuldades relacionadas com a lei processual” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Vol. I, Almedina, pág. 385, negrito nosso.

 

Em comentário a esta mesma norma referem, Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 296 e 297:

“As soluções consagradas neste n.º 4 constituem um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva, permitindo o exercício do direito de impugnação para além do prazo regra de três meses, sempre que a posição processual do interessado surja especialmente agravada em consequência da imperfeição do sistema legal ou das incidências do procedimento administrativo em que foi praticado o acto impugnável.

Em todo o caso é ao demandante que cabe alegar os factos constitutivos do seu direito – (…) – e a decisão será adoptada segundo a livre convicção do juiz, que deverá aferir a existência da situação de inexigibilidade pela diligência de um cidadão médio” – o negrito é nosso, 

 

De referir finalmente, que o entendimento que vimos sustentando é ainda imposto pelo princípio pro actione com expressão directa, entre outros, no artigo 7.º do CPTA, aplicável ao RJAT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Nos termos do referido preceito: “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”

 

Tal norma não constitui mais do que a positivação do princípio do que a Jurisprudência vem chamando in dubio pro habilitate instantiae e que, ao nível dos pressupostos processuais, postula que se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva – cfr. por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 385/2005, datado de 13/07/2005 e proferido no âmbito do processo 1109/04 (Benjamim Rodrigues) e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 24/06/2004 e proferido no âmbito do processo 01631/03 (Adérito Santos).

Dito de outro modo, “trata-se de princípio que tem como destinatário o juiz e destina-se a assegurar que, em caso de dúvida, o julgador efetue ou privilegie a interpretação das normas processuais mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Constitui, pois, um critério de interpretação que o juiz deverá ter em atenção quando tenha de aplicar disposições que consagrem ónus e pressupostos processuais que possam pôr em causa o prosseguimento do processo” – cfr. Carlos Carvalho, Princípios do Processo Administrativo – Importância e Aplicação Prática, in “A Revisão do Código do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, I, Lisboa, 2017, Centro de Estudos Judiciários.

 

Ora, se dúvidas subsistirem dúvidas sobre a correcta interpretação do n.º 3 do artigo 24.º do RJAT, o artigo 7.º do CPTA (e os artigos 20.º e 268.º n.º 4 da CRP de que aquele constitui reminiscência) apontam também no sentido da improcedência da excepção.

2. Excepção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido da Requerente.

Invocou a Requerida a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

A este respeito, sustenta a AT, em suma, que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria

n.º 112-A/2011, de 22/3, mediante a qual ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.

Para a AT, este entendimento, para além do elemento literal, impõe-se “por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da Constituição), bem como da Legalidade (cfr. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da Requerida” (§.109.º da Resposta).

Assim, e para a Requerida, é constitucionalmente vedada, por força, dos princípios constitucionais mencionados, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.

A Requerente, em exercício do contraditório que lhe foi concedido quanto à excepção, defendeu a sua improcedência invocando jurisprudência do CAAD em sentido divergente ao sustentado pela AT.

Vejamos.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, determinada pelas matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) nos termos do qual:

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.”

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, já que o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Em face desta segunda limitação da competência, a resolução da questão em apreço depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. Ou seja, “o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º [do RJAT] que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011 (…)” - cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 28/4/2016 e proferido no âmbito do processo 09286/16 (Anabela Russo).

Ora, nos termos da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” - negrito nosso.

Como se decidiu, por exemplo, no Acórdão do CAAD datado de 26/11/2018 e proferido no âmbito do processo 273/2018 (Jorge Lopes de Sousa) e que, nesta matéria, se acompanha de perto,  “a referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para  cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.”

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º do CPPT e no qual a Autoridade Tributária se pronunciou sobre a legalidade do acto contestado.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

Na verdade, neste artigo 2.º, não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta, com segurança, da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

Com efeito, relativamente a estes actos, é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação.

A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa .

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Requerida no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto à correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto» .

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, tem como única justificação o facto de, relativamente a esse tipo de actos, não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT.

Na verdade, em situações deste tipo, ocorreu uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa .

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e no n.º 2 do artigo 54.º da mesma Lei estabelece-se a aplicabilidade à autoliquidação e à retenção na fonte das garantias dos contribuintes previstas no n.º 1, em que se inclui a revisão oficiosa.

Acresce que os actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que, esta interpretação, não se cingindo ao teor literal, até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Dir-se-á ainda que não tem fundamento a alegação da Autoridade Tributária segundo a qual a incompetência material dos Tribunais que se organizam sob a égide do CAAD para apreciar pedidos como o sub judice se impõe por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cfr. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cfr. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio da legalidade, traduz-se no cumprimento da lei, na interpretação que dela for feita pelos tribunais, que se impõe às interpretações dos outros órgãos estaduais (artigo 205.º, n.º 2, da CRP). É precisamente a aplicação da legalidade que se faz ao reconhecer a competência dos tribunais arbitrais para o conhecimento de pedidos de declaração de ilegitimidade de actos de autoliquidação precedidos de acesso à via administrativa através de pedido de revisão oficiosa.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT afigura-se-nos deslocada. Na verdade, nos termos deste preceito, «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário». Ora, nesta matéria, o Tribunal Arbitral limita-se a decidir sobre a sua competência (material) para analisar um litígio e fá-lo nos mesmos exactos termos que quaisquer Tribunais, mormente os Tribunais Administrativos e Fiscais recorrendo a normas adjectivas e não a normas de incidência tributária que subjazem ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer identifica qual é o crédito de que seja titular que esteja a ser objecto de disposição pelo Tribunal Arbitral.

Finalmente, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina . O Tribunal Arbitral, como qualquer Tribunal Judicial, está vinculado ao princípio da legalidade (como de resto, decorre expressamente do n.º 2 do artigo 2.º do RJAT) sendo as respectivas decisões “juízos interpretativos vinculados” .

Ora, ao decidir sobre a sua competência, relevante apenas enquanto pressuposto processual, o Tribunal Arbitral não está e a praticar qualquer acto de disposição de um qualquer crédito tributário, pelo que improcede a invocada excepção – neste sentido, na jurisprudência do CAAD, por exemplo, as decisões proferidas nos Processo nºs. 143/2016-T (Fernanda Maças); 46/2017-T (Jorge Lopes de Sousa) e 473/2017-T (Fernanda Maçãs).

Face ao exposto, e em conclusão, improcede a excepção de incompetência suscitada pela Requerida .

 

3. Do mérito

Do ponto de vista substancial, está em causa nos presentes autos a tributação autónoma sobre três tipos distintos de gastos incorridos pela Requerente e pelas empresas que, com ela, constituem um Grupo para efeitos fiscais:

- Despesas de representação;

- Encargos com viaturas ligeiras de passageiros; e

- Encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação dos trabalhadores em viaturas próprias ao serviço da Requerente.

       Sobre esta matéria, e no que para aqui interessa, dispunham os números 3, 4, 5 e 7 do artigo 81.º do Código do IRC vigente à data dos factos tributários em questão nos autos (actual artigo 88.º):

“3 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.

4 - São tributados autonomamente à taxa de 20 % os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º.

5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 - (…).

7 - São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

8 - (…).

9 - São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.”

Nos presentes autos, e tendo em conta a argumentação aduzida pelas Partes, a questão a decidir consiste em saber se as previsões normativas transcritas assentam numa presunção ilidível, e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.

De referir que esta matéria encontra-se intimamente relacionada com a temática da natureza jurídica das tributações autónomas que tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência tendo, em conformidade, sido já apreciada, quer pelo CAAD, quer pelos Tribunais Judiciais.

           Uma corrente forte tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

Em conformidade com este entendimento, as tributações autónomas que ora nos ocupam serão um tributo directamente incidente sobre a despesa e, em conformidade, para o que nos interessa, o artigo 81.º do Código do IRC, vigente à data dos factos tributários em apreço, não integrará qualquer presunção.

            Não obstante, tem obtido acolhimento maioritário na jurisprudência do CAAD o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se incorporam, visando, ainda que indirectamente, o rendimento tributado por aqueles – cfr. por exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

                Para este entendimento que, diga-se desde já, nos parece o mais correcto, as tributações autónomas em causa assumem a natureza de imposto “híbrido”, incidindo, neste caso, sobre o rendimento das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente, e/ou tributá-los autonomamente.

Neste quadro, as tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do actual n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, nos termos do qual:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”.

Como se escreveu no Acórdão do CAAD datado de 02/02/2015 e proferido no âmbito do processo n.º 628/2014-T (Jorge Lopes de Sousa), “nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respetiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.

Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.

O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será, objectivamente, inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.

Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redacção, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).

Reconhecem-se aqui, assim, aquelas características que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a)      a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)      pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c)      trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efectiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d)      considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.”

E concluem: «melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.

Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.»

Neste sentido, conclui-se, “sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com tal dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, como faz nos artigos 65.º/1 e 88.º/8 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por norma, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).”

Chegados a este ponto, e face à conclusão referida, haverá que apurar se a referida presunção é, ou não, susceptível de ser ilidida e a resposta terá se ser obrigatoriamente positiva por imposição do artigo 73.º da LGT (em linha, aliás, como n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil).

                A este propósito, refere o aresto que vimos citando:  “Tal afigura-se, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Em suma, “as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:

a) não deduzir a despesa;

b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária, de discutir a medida da empresarialidade da despesa;

c) provar, em concreto, a efectiva empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma”.

Porém, de modo a justificar a não incidência de tributação autónoma sobre os gastos em causa, o contribuinte deve “demonstrar para lá de qualquer dúvida razoável que, em concreto, as despesas do género em questão, que pretende deduzir integralmente sem sujeitar a tributação autónoma, tiveram uma afectação exclusivamente empresarial.

O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.”

 

Contra o conceito de presunção, por desnecessária, veja-se o Acórdão do CAAD datado de 14/09/2017 e proferido no processo nº 649/2016-T (José Baeta de Queiroz) em que se escreveu:

“Assim sendo, em bom rigor – e ao contrário do que tem sustentado muita da doutrina e da jurisprudência acerca das tributações autónomas do artigo 88º do CIRC – não teve o legislador que lançar mão de qualquer presunção, que não era necessária; mas apenas que estabelecer, na previsão da norma, a restrição da incidência da tributação autónoma às situações que não sejam de uso “exclusivamente particular”, nem de uso “exclusivamente empresarial”, das viaturas ligeiras de passageiros adquiridas pela empresa – com o escopo precípuo de evitar que indefinições, ou difíceis comprovações, pudessem ocultar, de forma abusiva, usos particulares, mormente verdadeiros “benefícios marginais” indocumentados, dos quais resultasse um empolamento de custos em detrimento de um adequado e justo apuramento do rendimento tributável. A presunção não era necessária, pois.”

Chega, contudo, aquele Tribunal Arbitral, à mesma conclusão referindo: “A tributação autónoma incidirá assim supletivamente, na ausência de prova, seja de uso “exclusivamente particular”, seja de uso “exclusivamente empresarial” – embora não se possa excluir que o próprio sujeito passivo tome a iniciativa de fazer prova de um uso “misto” ou “não-exclusivo”, convocando directamente a aplicação da tributação autónoma. Mas a possibilidade de uma prova que afaste o regime supletivo é essencial para que uma tributação que, insiste-se, não é – nem podia sê-lo sem lesão ao sistema, sem ilegalidade ou sem inconstitucionalidade – uma tributação sobre a despesa, possa coadunar-se com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva”.

Alega a Requerida que a interpretação aqui subscrita viola o princípio da legalidade e “da protecção jurídica e da confiança”. Diga-se, desde já, que não lhe assiste razão.

Com efeito, e como e escreveu no Acórdão do CAAD datado de 16/01/2017 e proferido no âmbito do processo n.º 309/2016-T (José Pedro Carvalho) “inconstitucional será, salvo melhor opinião e o devido respeito, a interpretação segundo a qual estarão oneradas com tributação autónoma os gastos dedutíveis comprovadamente suportados no exclusivo interesse da empresa, já que tal, para além de integrar uma tributação sem qualquer fundamento na capacidade contributiva real, transformaria as tributações autónomas em causa num imposto exclusivamente incidente sobre a despesa (e não, sequer indirectamente, sobre o rendimento), e geraria uma situação de desigualdade efectiva, entre os contribuintes que podem retirar dos gastos em questão utilidades privadas, e aqueles que, por força da natureza da sua actividade, efectiva e demonstradamente afectam integralmente tais gastos a finalidades empresariais”.

Quanto à alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (artigo 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP) não desenvolve a Requerida, na sua Resposta, de que modo os considera violados face a uma interpretação como a aqui subscrita.

Dir-se-á, no entanto, em termos genéricos, que a segurança jurídica procura garantir que a ordem jurídica fornece uma base fiável para o comportamento dos cidadãos, assegurando que a atuação dos poderes públicos, para além de acessível e cognoscível, respeita índices de previsibilidade (mormente de não retroatividade) e calculabilidade quanto ao direito aplicável a uma dada situação.

Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade – cfr. Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, pág. 625.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional datado de 22/04/2009 e proferido no âmbito do processo n.º 505/08 (Carlos Fernandes Cadilha), “a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica.”

 Nesse sentido, prossegue, “o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador” – o negrito é nosso.

No caso em apreço, limita-se este Tribunal Arbitral a determinar o que entende ser a interpretação mais correcta da Lei em termos que não são, por um lado, inovadores, e, por outro, nem se afiguram prejudiciais ao contribuinte, pelo que não se vê como podem os referidos princípios ter sido violados.

 

Fixada o que consideramos ser a correcta interpretação das normas em apreço, há que dela retirar as devidas consequências.

No que se refere às despesas de representação e como decore da matéria factual dada como assente, estas despesas foram incorridas pela sociedade dominada “F..., Unipessoal, Lda.” e pela Requerente.

As primeiras, que ascendem a um total de €.4.026,40, estão relacionadas com a apresentação de um novo modelo da marca A... e com a promoção de um passeio todo o terreno com uma viatura da marca (cfr. docs. 8 a 11 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral) não restando, pois, qualquer dúvida sobre o seu carácter “exclusivamente empresarial”.

As segundas, incorridas pela Requerente, ascenderam a €.458.680,73 e, como resulta dos documentos 12 a 22 juntos com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e não vem contestado pela Requerida, relacionam-se, (i) por um lado, com eventos de promoção de novos modelos, test-drives, e eventos internacionais entre os quais, salões automóveis internacionais, no montante de €.105.252,35 e, (ii) por outro, despesas associadas a formações (nacionais e internacionais) que ascendem a €.353.428,38.

No que se refere às primeiras, está em causa, unicamente, a divulgação das marcas comercializadas pelo Grupo em que a Requerente se insere. Neste sentido, a natureza empresarial não oferece, também, qualquer dúvida: pela sua própria natureza, tratam-se de despesas totalmente enquadráveis na actividade da Requerente.

Poderá, aliás, questionar-se mesmo se estas despesas constituem verdadeiras despesas de representação ou se, não serão antes, despesas com publicidade – neste sentido, por exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 07/05/2015 e proferido no âmbito do processo 08534/15 (Joaquim Condesso) onde se decidiu que apenas serão despesas de representação aquelas que se destinam “a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal)” por contraposição às despesas com publicidade que se inscrevem “no normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta”.

Relativamente às despesas incorridas com formações, decorre da prova documental junta aos autos (cfr. docs. n.ºs 23 a 30 juntos ao pedido de Constituição de Tribunal Arbitral), e em especial dos registos contabilísticos da Requerente (cfr. doc. n.º 33) que, relembre-se, gozam de presunção de veracidade nos termos previstos no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, que as mesmas se relacionam com acções de formação, viagens de avião, acções pós-venda e eventos internacionais (e.g. salão de genebra).

Tratam-se, por isso, também estas, de despesas relacionadas com a actividade da Requerente e, por isso, assumem, inequivocamente, natureza empresarial razão pela qual procede, também, nesta parte, a pretensão da Requerente.

 

Encargos com viaturas ligeiras de passageiros

 

No que se refere aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, alega a Requerente que as empresas que integram o Grupo atribuem aos seus colaboradores viaturas com o objectivo último de as promover e comercializar. Do seu ponto de vista, quanto maior for a utilização de veículos da marca da Requerente, maior será a visibilidade da mesma. Tratar-se-ia, no fundo, de um alocação com fins publicitários.

Porém, como ressalta da prova testemunhal produzida e a Requerente expressamente admite (§. 363.º e 402.º do pedido de constituição de Tribunal Arbitral) as viaturas podem ser utilizadas para fins particulares, quer seja fora do horário normal de trabalho dos funcionários, quer seja nos fins de semana ou férias desses colaboradores. 

Acresce que, como confirmou a prova testemunhal produzida, a Requerente não dispõe de qualquer mecanismo de controlo, mesmo que mínimo, da utilização que os colaboradores fazem dessas viaturas.

É certo que na já citada decisão do CAAD proferida no processo n.º 649/2016, de 14/09/2017, citada pela Requerente em abono da sua posição, se escreveu que «o conceito de “exclusivamente empresarial” não exige, e decerto não legitima, uma devassa microscópica da utilização das viaturas – e insistamos também que não é razoável assentarmos numa definição de “empresarialidade” que retire, aos utilizadores dos factores de produção de uma empresa, a mais ligeira margem de autonomia no desempenho das suas tarefas.»

                Não se está, contudo, in casu, perante “autonomia no desempenho das tarefas dos colaboradores”. Está em causa, outrossim, a utilização dessas viaturas para fins pessoais, fora, portanto, do escopo empresarial.

                É facto assente que as viaturas distribuídas aos colaboradores, não obstante fossem atribuídas por razões comerciais (nomeadamente o modelo que, em cada momento, se queria promover), não eram objecto de qualquer controlo ao nível da utilização (e.g. quilometragem, obrigação de permanência no parque na empresa fora do horário de expediente ou em dias de não laboração). O mesmo se diga quanto às despesas incorridas com os mesmos. A título de exemplo, referiu a prova testemunhal que não a Requerente controlava a utilização do combustível utilizado por essas mesmas viaturas: um depósito de combustível atestado a expensas da Requerente podia ser utilizado durante a semana para deslocações empresariais mas também, por exemplo, para o colaborador recolher os filhos na escola ou numa viagem de fim de semana.

                 Utilizando a linguagem vertida na Decisão do CAAD proferida no processo

n.º 649/2016, a utilização das viaturas, no caso da Requerente, não estava sujeita “a condições várias que inviabilizavam um uso particular que conflituasse com o uso empresarial: fosse pela sua identificação, fosse pelas suas características, fosse pela sua utilização conjunta em actividades coordenadas, fosse até pela sua relativa escassez face às solicitações operacionais, fosse ainda por uma combinação, em proporções diferentes, de várias destas condições.”

Estas lacunas na forma de controlo da utilização representam, pois, uma insuficiência probatória que deverá ser valorada contra a Requerente (cfr. n.º 1 do artigo 74.º da LGT e n.º 1 do artigo 342.º do CC).

Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da Requerente.

Relativamente a esta matéria, e a título subsidiário, caso se entenda (como se entende) que a utilização de viaturas possui uma natureza parcialmente pessoal, solicita a Requerente a aplicação, pelo Tribunal Arbitral, de “um método pro rata de modo a serem expurgados os montantes associados à natureza empresarial e, consequentemente, serem sujeitos a tributação autónoma somente os montantes associados à utilização”.

É manifesto que tal pretensão não pode proceder. Desde logo porque, ao contrário dos exemplos invocados pela Requerente, (cfr. §.412.º a §.417.º do pedido de constituição de Tribunal Arbitral), tal pretensão não encontra qualquer suporte legal.

Como decorre do n.º 2 do artigo 2.º do RJAT, os tribunais arbitrais organizados sob a égide do CAAD, decidem segundo o direito constituído, sendo-lhes vedado o recurso à equidade.

Como se escreveu no Acórdão do CAAD datado de 24/12/2012 e proferido no âmbito do processo 55/2012-T (Jorge Lopes de Sousa), “a existência de uma margem de subjectividade na interpretação e aplicação deste regime, que existe sempre, em maior ou menor medida, em face da multiplicidade de critérios interpretativos de aplicação conjugada arrolados no art. 9.º, n.ºs 1 a 3 do Código Civil, não implica o afastamento dos critérios normativos definidos legislativamente.”

Ora, no caso sub iudicio, é manifesto que não existe qualquer fundamento legal que permita sustentar a posição da Requerente pelo que, também nesta matéria, é a referida pretensão improcedente.

Despesas com ajudas de custo

Como resulta da factualidade assente, as despesas incorridas pela Requerente com ajudas de custo destinam-se a compensar os respectivos colaboradores com despesas suportadas por estes em favor da entidade patronal.

Incluem-se nessas despesas, por exemplo, a utilização de viatura própria em deslocações ao serviço da Requerente, custos com combustível, refeições, portagens ou estacionamento.

Como também resulta do probatório, as despesas reembolsáveis apresentadas pelos colaboradores obedecem a um regulamento interno e são objecto de controlo por parte do Departamento Financeiro da Requerente que verifica e atesta o seu carácter reembolsável ou não.

Decorre, assim, da natureza destas despesas bem como do controlo que é efectuado pela Requerente, que as mesmas são incorridas, exclusivamente no interesse desta. Tratam-se, por isso, de despesas de natureza exclusivamente “empresarial”.

Procede, por isso, nesta parte, a pretensão da Requerente.

Juros indemnizatórios

 

                No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticiona ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT: “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária […]: a) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Por outro lado, e sob a epígrafe “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”, o artigo 100.º da Lei Geral Tributária determina que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Não obstante o âmbito material do RJAT não preveja, expressamente, decisões condenatórias, uma vez que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT refere somente “declaração de ilegalidade”, a jurisprudência do CAAD entende que se integra na competência dos tribunais arbitrais a apreciação de pedidos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Neste sentido, vejam-se, a título meramente exemplificativo, as decisões do CAAD proferidas nos processos nº.s 142/2012-T (Jorge Lopes de Sousa), 303/2015-T(Jorge Lopes de Sousa), 681/2016-T (Fernanda Maçãs).

Com efeito, tratando-se o recurso à arbitragem de uma via alternativa de resolução de litígios, nomeadamente alternativa em relação à impugnação judicial, e sendo admissível na impugnação judicial peticionar juros indemnizatórios e, consequentemente, condenar a AT no seu pagamento, nada leva a que não seja possível condenar em sede de arbitral.

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Mais ainda, resulta do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios quando preceitua que “[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

No entanto, para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios torna-se necessária a verificação de quatro requisitos cumulativos, a saber:

a)            que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

b)           que ele seja imputável aos serviços;

c)            que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d)           que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso em apreço, e relativamente à parte do pedido considerado procedente por este Tribunal Arbitral, todos os requisitos legais se encontram preenchidos pelo que procede, nesta parte, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao montante a reembolsar.

 

IV. DECISÃO

Em face de tudo quanto antecede, decide-se por maioria:

a)            Julgar improcedentes as excepções de caso julgado formal e incompetência material suscitados pela Requerida;

b)           Julgar parcialmente procedente pedido de pronúncia arbitral, declarando-se parcialmente ilegal a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas relativamente ao exercício de 2013 no que se refere às tributações autónomas suportadas relativamente a (i) despesas de representação e (ii) encargos com ajudas de custo e viaturas próprias dos trabalhadores ao serviço da entidade patronal;

c)            Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão de acto tributário a que foi atribuído o n.º ...2016... e que tem por objecto a autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2013;

d)           Julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenando a Requerida ao pagamento da quantia correspondente.

 V. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €.346.176.66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €.24.000 (vinte e quatro mil Euros) nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, aplicável ex vi, n.º 1 do artigo 5.º, do mesmo diploma, paga na totalidade,  na data do envio do pedido de constituição do tribunal arbitral – cfr. n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e alínea f), do n.º 2 ado artigo 10.º e n.º 3 do artigo 12.º do RJAT.

 

Lisboa, 6 de agosto de 2019

Notifique-se.

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão (Presidente)

 

Jorge Carita (Adjunto)

(vencido, conforme declaração que se segue e integra o presente acórdão)

 

Isaque Marcos Ramos (Adjunto)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Defendi, em processos em que participei sob a égide do CAAD, a tese da incompetência material do CAAD para aferir de pedidos de revogação de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

 

Contudo, face à evolução da posição dos nossos Tribunais Superiores e à própria jurisprudência do CAAD, admito que seja difícil continuar a defender essa posição, tal como resulta da bem fundada argumentação que consta da presente Decisão, razão pela qual, quanto a esta matéria, irei acompanhar a maioria que se formou, no sentido da julgar improcedente a excepção de incompetência material do CAAD para julgar pedidos de apreciação das decisões de indeferimento  de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação, na ausência de reclamação administrativa prévia apresentada no prazo de dois anos.

 

Relativamente à segunda excepção colocada pela Requerida, Autoridade Tributária, apesar da excelente pesquisa doutrinária e jurisprudencial efectuada na presente Decisão, já não se me afigura tão fácil chegar a uma orientação no mesmo sentido, nomeadamente quanto ao “facto imputável ao sujeito passivo”, no que há existência de caso julgado diz respeito.

 

Recorde-se, que a Requerente entende que, após a apresentação deste segundo processo, em tudo idêntico ao anterior (Procº. nº. 210/2017-T, com decisão preferida em 2 de maio de 2018 e transitada em julgado) apenas existe caso julgado formal, o que não obsta a que outro Tribunal, mesmo também constituído no âmbito do CAAD, possa emitir nova Decisão.

 

Recorde-se, também, que no anterior processo, o Tribunal não chegou a conhecer do mérito do pedido, já que deu como provada a verificação da acima identificada excepção de incompetência material do CAAD (com Voto de vencido do Sr. Dr. Paulino Brilhante Santos), que tinha sido levantada pela AT.

 

Face a este quadro, não se compreende porque razão, perante uma decisão desfavorável no CAAD, a Requerente não utilizou qualquer uma das faculdades de recurso que o RJAT coloca ao seu dispor e permitiu o trânsito em julgado da Decisão, que agora pretender vir a “represtinar”, por esta via.

 

Não tendo recorrido, a instância extinguiu-se, não sendo possível, em nossa opinião, a sua reabertura.

 

“… trata-se de um processo peremptório que concretiza a extinção da instância…”, afirma o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, citado pela Requerida na sua Resposta.

 

Em vez de recorrer da decisão, a Requerente entendeu por bem apresentar novo processo junto da CAAD, que coloca uma questão nova e mantem uma questão velha.

 

A nova, é a verificação ou não do caso julgado, que constitui um novo entrave prévio à apreciação do fundo da causa.

 

Mas, ainda antes disso, seria necessário apreciar da outra excepção, esta de incompetência do Tribunal, o que um novo Tribunal poderia fazer de outro modo, caso se conseguisse uma maioria diferente – legitima pretensão da Requerente.

O que, no caso concreto, foi obtido.

 

Efectivamente, este Tribunal decidiu no sentido de julgar improcedente a excepção de incompetência material do CAAD para julgar pedidos de apreciação das decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação, na ausência de reclamação administrativa prévia apresentada no prazo de dois anos.

 

Mas, em todo o caso, o que estamos aqui a fazer é julgar a mesma causa, mais do que uma vez.

 

Admito, que seria abrir um precedente muito grave na tramitação processual fiscal.

 

As alternativas para a Requerente no final do outro processo, estão fixadas na Lei.

 

E não foram utilizadas.

Relativamente ao modo como a presente Decisão aborda esta problemática, gostaria de referir o seguinte:

 

Independentemente do facto de alguns exemplos concretos utilizados neste Acórdão serem comparáveis ao caso do nº. 3 do artº. 24º. do RJAT, nomeadamente porque este labora em contexto processual muito próprio, o que é indiscutivelmente imputável ao sujeito passivo é ele ter deixado passar o prazo para apresentação da exigida/obrigatória reclamação graciosa da autoliquidação e ter vindo, em desespero de causa, a utilizar a via processualmente mais arriscada, em todos os aspectos, da revisão oficiosa, mas aquela que em todo o normativo fiscal lhe concede o prazo mais dilatado.

 

E se há expediente processual bastas vezes utilizado para tentar fazer entrar pela janela aquilo que saiu pela porta, é este da revisão oficiosa e da injustiça grave e notória.

 

Se, por ventura, este Tribunal fizesse novamente maioria para o lado da incompetência material do Tribunal, pelo mesmo ou por qualquer outro motivo, a Requerente colocaria um terceiro ou quarto processo no CAAD, até encontrar uma maioria a seu favor.

E isto sem nunca utilizar as faculdades de recurso que o RJAT coloca ao seu dispor.

Considero tal procedimento inadequado.

 

A interpretação que se pretende dar ao “facto imputável ao sujeito passivo”, põe fim ao instituto do caso julgado e permite a utilização abusiva do CAAD, que deve a todo o custo ser evitada.

 

Voto, por isso, contra a decisão de julgar improcedente a excepção de caso julgado.

 

Relativamente à questão de fundo que se coloca nos presentes autos, e que se relaciona com a interpretação e aplicação do disposto no artº. 88º. do CIRC, dou notícia de que participei recentemente num colectivo no âmbito do CAAD (Procº. nº. 516/2018-T) em que foi defendida a posição de que tal disposição não contem presunção ilidível, não admitindo por isso prova em contrário.

 

A questão começou por ser inicialmente assim abordada:

 

“Ao contrário do que defende alguma jurisprudência arbitral a tributação prevista no artigo 88.º do Código do IRC não se enquadra nas cláusulas especiais anti-abuso, nem integra uma presunção que seja susceptível de ser ilidida por prova em contrário, correspondendo antes a uma norma de incidência objetiva que não pode ser evitada mediante a demonstração da afectação integral dos veículos à actividade empresarial.”

 

Trata-se de uma diferente abordagem daquela que está feita na presente Decisão, que admite a prova da empresarialidade, considerando que a mesma está feita nuns casos (despesas de representação e encargos com ajudas de custo em viaturas próprias dos trabalhadores) e não está feita noutro (encargos com viaturas ligeiras de passageiros).

 

A decisão que cito, apela ao conceito de tributação autónoma, chamando à liça o próprio Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

 

“Como se esclareceu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, “a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.”

 

E conclui:

“Nesse sentido, como aí se acrescenta, “[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.”

 

Ou seja, o legislador criou uma tributação específica para este tipo de despesas, que não pode ser afastada, a não ser quando expressamente prevista na lei.

 

Prosseguindo:

“No caso vertente, o mecanismo da tributação autónoma resulta da associação do sujeito passivo à realização de certas despesas. A sujeição a imposto é a consequência jurídica da  verificação de um certo facto tributário - a realização da despesa legalmente prevista -, não se  descortinando aí uma qualquer condição de aplicação da norma que se prenda com a demonstração, por inferência, de outro facto que não seja a própria realização da despesa.”

 

Foi uma opção do legislador, que a tributação resultasse da simples realização de despesas.

 

Não de toda a despesa, mas especificamente das despesas enumeradas no artº. 88º. do CIRC, e dele não excluídas, às quais se reconhecem variadas especificidades.

 

E prossegue a Decisão que venho acompanhando:

“Em suma, as normas de incidência em apreço não assentam na demonstração, por inferência de certos factos presumidos, que possam ser afastados na base de prova em contrário, mas operam objetivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa.”

 

Esta Decisão, ainda não publicada, segue a que consta do Proc. nº. 448/2018-T de 20 de maio de 2019, que também acompanho.

 

Refiro, ainda relativamente às tributações autónomas das despesas efectuadas por veículos motorizados, o que ficou, e bem, a constar da Declaração de Vota da Srª. Drª. Manuela Roseiro, no Procº. nº. 553/2016-T, que transcrevo:

“2. As tributações autónomas e os encargos com veículos

Nos presentes autos está em causa a aplicação de uma norma (artigo 88º do CIRC- taxas de tributação autónoma) que tipifica situações para as quais determina, na prática, redução dos custos dedutíveis.  Trata-se de uma norma de incidência em sentido amplo (com implicação na dedução de despesas, custos ou outros encargos, com vista à determinação do rendimento líquido). A evolução legislativa revela como as “tributações autónomas” em IRC, previstas também em IRS, visam combater formas de evasão fiscal ou comportamentos empresariais que o legislador considera susceptíveis de causar injustificável erosão da base tributária daqueles impostos. Relativamente a despesas com veículos afectos à actividade da empresa o legislador terá procurado tributar autonomamente, como regra geral, os encargos dedutíveis relativos a despesas relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a  título principal, actividade de natureza comercial, indústria ou agrícola [(nº 3 do art. 88º do CIRC), deixando de fora os encargos referentes a pesados e a ligeiros de mercadorias.

E excepcionou da tributação contida na regra definida no referido nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo (...) (nº 6 do artigo 88º).

A razão de aplicação desta taxa às situações tipificadas foi a de se considerar que os veículos abrangidos são, em abstracto, susceptíveis de utilização indiferenciada, simultaneamente privada e empresarial o que torna extremamente difícil apurar a realidade. Por isso, o legislador previu desde logo uma tributação autónoma que significa, na prática, quando aplicada conjuntamente com a dedutibilidade do encargo, uma limitação na dedução destes custos da actividade. Ou seja, perante a erosão de base tributável verificada, o legislador pretendeu que a tributação autónoma fosse não apenas uma receita fiscal imediata, incidindo sobre a empresa independentemente do respectivo lucro mas também um mecanismo conducente à racionalização e controlo dos gastos da empresa, com efeitos sobre a respectiva rentabilidade/susceptibilidade de gerar resultados positivos (o que, para além das vantagens para a empresa, pode produzir matéria colectável...). Excluídos da dificuldade de prova da real distribuição entre afectação empresarial e privada encontram-se os veículos considerados, por efeito da lei, instrumento do desenvolvimento de uma actividade, sendo descritos como afectos à exploração de “serviço público de transporte, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo” (nº 6 do art. 88º). Esta norma abrange, especificamente, a actividade de transporte público de pessoas já que a exclusão de tributação autónoma sobre veículos afectos a transporte de carga resulta, a contrario sensu, da definição de incidência contida no nº 3 do art. 88º do CIRC.

Resulta desta interpretação que a “regra” contida no nº 3 do artigo 88º do CIRC apenas é desaplicada nos casos previstos na “excepção” (nº 6 do artigo 88º), não fazendo sentido ainda fazer depender a aplicação do nº 3 do mesmo artigo da produção de prova, a realizar casuisticamente e em qualquer sector de actividade, sobre a efectiva afectação da utilização dos veículos abrangidos pela norma. Se o legislador desenhou a solução de equilíbrio acima identificada por entender tratar-se de situações muito difíceis de controlar rigorosamente (a veracidade, apesar de existência de contabilidade, da distribuição de gastos imputados a diferentes tipos de veículos, a dificuldade de controlo da efectiva utilização, etc.), e se admitiu apenas a excepção prevista no nº 6, uma interpretação que aceitasse a admissibilidade de prova, a fazer caso a caso, de que os veículos estão exclusivamente afectos à actividade da empresa tornaria inútil a redacção adoptada.

Assim, reitero o entendimento anteriormente manifestado no proc. 628/2014-T, de que o artigo 88º (antes 81º) do CIRC não contém uma presunção ilidível por aplicação do artigo 73º da LGT. Trata-se antes de uma norma que, tendo embora subjacente um juízo de que determinadas situações da vida se revelam de difícil controlo rigoroso, optou por tipificar casos sujeitos a incidência de taxas de tributação autónoma, traduzidos, na prática, na redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria colectável.”

 

Assim sendo, posso concluir que não acompanho a Decisão proferida, no que diz respeito à apreciação da excepção de caso julgado, porquanto este Tribunal Arbitral considerou-a improcedente e, na minha opinião, a mesma deveria ter sido considerada procedente.

 

Desse modo, precludida ficaria a apreciação do pedido.

 

Contudo, mesmo que não se acompanhasse esta Decisão quanto à identificada excepção, ainda assim sou de opinião que os actos tributários em causa seriam de manter.

 

Sendo certo que, embora por outras vias, o Tribunal acaba por dar razão à Autoridade Tributária, no que diz respeito à correcção de maior valor (86,2% da do valor da causa)

 

Defendo, assim, a manutenção dos actos impugnados.

 

Lisboa, 6 de agosto de 2019

(Jorge Carita)