Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2020-T
Data da decisão: 2021-09-28  IRC  
Valor do pedido: € 729.279,36
Tema: IRC – Benefícios fiscais – RFAI e DLRR – deduções à coleta
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Paulo Mendonça e António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 23 de novembro de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., ...-... ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou, em 31 de agosto de 2020, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 6, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos tributários, abrangendo os períodos de tributação de 2014 a 2017, no montante total de € 729.279,36:

a)            Período de 2014 – liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.° 2020... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., resultando no valor a pagar de € 133.827,64, na data-limite de 30 de abril de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020 ...;

b)           Período de 2015 – liquidação de IRC n.º 2020 ... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., resultando no valor a pagar de € 163.381,65, na data-limite de 4 de maio de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020 ...;

c)            Período de 2016 – liquidação de IRC n.° 2020 ... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ..., resultando no valor a pagar de € 173.874,57, na data-limite de 9 de julho de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020 ...; e

d)           Período de 2017 – liquidação de IRC n.° 2020 ..., ..., liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... e liquidação de juros de mora n.° 2020 ..., resultando no valor a pagar de € 258.195,50, na data-limite de 23 de julho de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020 ... .

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 1 de setembro de 2020 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 7 de setembro de 2020.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação em 22 de outubro de 2020, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 23 de novembro de 2020.

 

Em 8 de janeiro de 2021, a Requerente apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 14 de janeiro de 2021, as Partes foram notificadas da data de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com inquirição de testemunhas. A reunião foi reagendada, em virtude da adoção de medidas processuais (suspensão de prazos) no âmbito da pandemia Covid-19 pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cujos efeitos cessaram nos termos da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.

 

Em 14 de maio de 2021, teve lugar a referida reunião, na qual foram ouvidas três testemunhas arroladas pela Requerente e uma testemunha indicada pela Requerida, tendo as Partes sido notificadas para apresentarem alegações sucessivas no prazo de 10 dias. Fixou-se, ainda, o prazo para prolação da decisão, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 24 de maio de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações e reiterou o já por si alegado no pedido arbitral. Em 9 de junho de 2021, a Requerida contra-alegou, mantendo a posição assumida no articulado de resposta e no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).

 

Por despacho de 23 de julho de 2021, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega vícios de índole material, por errada interpretação e aplicação da lei. Considera que os investimentos realizados e por si considerados para efeitos dos benefícios fiscais previstos no Código Fiscal do Investimento (“CFI”), em concreto, o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) e a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”), são elegíveis por cumprirem todos os requisitos previstos nos artigos 22.º e 30.º do CFI, a saber:

(a)          O exercício de uma atividade nos setores previstos;

(b)          A criação e manutenção de postos de trabalho; e

(c)          Respeitarem a ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo ou a ativos intangíveis. 

 

                A Requerente sustenta que o acesso ao RFAI e à DLRR não implica, como requisito constitutivo, o enquadramento como “investimento inicial” numa das quatro tipologias de investimento previstas no artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 17 de junho de 2014 (“RGIC”) , – Regulamento Geral de Isenção por Categoria UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014. Este Regulamento visa isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação (se forem concedidos nas condições aí estabelecidas). Porém, na perspetiva da Requerente, o RGIC não regula ou cria esses auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, concluindo que os requisitos substanciais de que depende a atribuição dos benefícios fiscais em análise são somente os estabelecidos pelo CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro , diploma que nem sequer faz alusão à configuração do investimento como investimento inicial.

 

Nestes termos, a necessidade de inclusão do investimento, para efeitos de elegibilidade, num “projeto agregador de investimento inicial” – que (i) crie um novo estabelecimento; (ii) aumente a capacidade produtiva de um estabelecimento existente, (iii) diversifique a produção (produtos não produzidos anteriormente), ou (iv) introduza uma mudança fundamental do processo de produção global – constitui uma condição nova, criada pela AT, sem suporte legal.

 

Por outro lado, a Requerente entende que a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, menciona esse requisito adicional, mas, por falta de amparo na lei, viola o princípio da legalidade e é inconstitucional (v. artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º da Constituição). 

 

                A título subsidiário, sem prescindir, a Requerente conclui que todos os investimentos por si realizados e desconsiderados pela AT configuram um “investimento inicial” com aumento da capacidade do estabelecimento existente.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Segundo a Requerida, as normas do CFI relativas ao RFAI e à DLRR têm que ser entendidas à luz das regras do RGIC, que é um regulamento de direito europeu de aplicação obrigatória, pelo que dispensa transposição. O RGIC concretiza o disposto nos artigos 107.º a 109.º do TFUE e estabelece o enquadramento deste tipo de auxílios com finalidade regional, pelo que o investimento tem de enquadrar-se numa das referidas quatro tipologias.

 

Acrescenta que o CFI e a citada Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução do RGIC, pelo que não se verifica a invocada inconstitucionalidade da Portaria, que se limita a transpor a noção do artigo 14.º, n.º 13 do RGIC, diploma que constitui o seu suporte legal habilitante.

 

No que se refere à criação e manutenção de postos de trabalho, a Requerida argui que tem de haver uma ligação, um nexo de causalidade, entre o investimento relevante e a criação de postos de trabalho, recaindo o ónus da prova sobre a Requerente.

 

                Conclui que os investimentos desconsiderados para efeitos da dedução à coleta não preenchem o conceito de investimento inicial, na vertente de aumento da capacidade produtiva do estabelecimento existente, nem a relação exigida com a criação e manutenção de postos de trabalho, devendo os atos impugnados ser mantidos na ordem jurídica. 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a liquidações de IRC e juros inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, i.e., antes de decorridos 90 dias sobre a data-limite para pagamento dos atos tributários objeto da ação (sendo a primeira data de 30 de abril de 2020), descontada a suspensão de prazos operada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-B/2020, de 6 de abril, cuja cessação de efeitos foi determinada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português constituída em 1979 para se dedicar ao fabrico de loiças metálicas e alumínios – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto aos autos, pp. 8 e 11.

B.            Em 1983, a empresa apostou na diversificação da área de negócios através da entrada no mercado de pequenos eletrodomésticos, com a produção de fritadeiras e grelhadores elétricos e, em 1986, iniciou a produção de torradeiras, ferros de engomar e louça em aço inoxidável. Em 1998, iniciou a produção de máquinas de café expresso, tendo em 2004 lançado um conceito destas máquinas para unidoses, com o respetivo registo de patentes. Em 2006, procedeu ao lançamento de uma máquina de cerveja de pressão doméstica, em parceria com a ...– cf. RIT, pp.14.

C.            Em 2007, a A... abriu uma filial comercial em Barcelona com o objetivo de alargar a distribuição da marca B... na Península Ibérica. Em 2008, iniciou a produção de máquinas de café expresso para cápsulas e, em 2013, lançou a ..., uma máquina de cozinhar. Em 2015, constituiu a C... BV na Holanda, centro dedicado à investigação e desenvolvimento de novos produtos. Em 2016, apostou nos grandes eletrodomésticos, através da introdução de uma gama de fogões e, em 2017, continuou a apostar nesta linha de produtos, introduzindo uma nova gama de encastre – cf. RIT, pp. 14-15.

D.           A Requerente dedica-se atualmente, e, bem assim, à data dos factos (2014 a 2017), à atividade principal de Fabricação de Eletrodomésticos (CAE 27510) e às atividades secundárias de Fabricação de louça metálica e artigos de uso doméstico (CAE 025991) e de Fabricação de outros produtos metálicos diversos, n.e. (CAE 025992) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto aos autos, pp. 8 e 11.

E.            Além da atividade fabril, a Requerente dedica-se à atividade de comercialização de bens adquiridos para revenda que representou, entre 2014 e 2018, uma percentagem média aproximada de 25% do seu volume de negócios – cf. RIT, p. 11.

F.            A Requerente fabrica e vende os eletrodomésticos para o mercado nacional e para o mercado externo, com uma ampla gama de produtos que vão evoluindo rapidamente com o tempo, num mercado altamente competitivo, implicando o desenvolvimento de inovação em novos produtos e novas funcionalidades – cf. RIT e depoimento da 3.ª testemunha.

G.           Neste âmbito, utiliza máquinas – “Robots” – com fins e funções diferentes. Não servem apenas para a produção de um produto, têm um “tronco” central onde se incorporam diferentes equipamentos específicos para fabricar cada produto: braços mecânicos, garras, prensas, ferramentas de corte, entre outros – cf. Documento 11 e depoimento da 1.ª testemunha.

H.           O “tronco central” é um equipamento que tem um período de utilização alargado, pois permite produzir muitos tipos de peças e produtos. Neste são acopladas máquinas ou instrumentos mais pequenos para serem utilizados em conjunto com o “tronco central” na produção das referidas peças e produtos – cf. depoimento da 1.ª testemunha. 

I.             Estas máquinas ou instrumentos mais pequenos são em regra adquiridas no estado de novo, a utilizar de forma combinada com um ou mais equipamentos antigos (v. o “tronco central” dos “Robots”) na produção dos novos produtos – cf. depoimento da 1.ª testemunha.   

J.             Os eletrodomésticos produzidos pela Requerente têm componentes plásticos incorporados. Como a Requerente não dispõe de máquinas de injeção de plástico, por ser economicamente inviável, os componentes plásticos são fabricados por outras entidades, fornecedores da Requerente, com base em moldes que são propriedade desta – cf. RIT, pp. 15-17, depoimentos das 2.ª e 3ª testemunhas.

K.            A Requerente produz ainda componentes metálicos que integram eletrodomésticos de outras marcas, como, a título de exemplo, a ..., a ... e a ...– cf. RIT, p. 17.

L.            Os moldes que pertencem à Requerente são colocados nas instalações dos fornecedores externos que produzem as peças e componentes plásticos que, depois, são integrados nos produtos fabricados por aquela. Estes fornecedores estão maioritariamente localizados em Portugal, num cluster próximo das instalações da Requerente, apenas se recorrendo pontualmente a fornecedores estrangeiros quando se trata de peças plásticas a serem montadas com a incorporação de componentes eletrónicas e em alguns casos de componentes com silicone – cf. RIT, p. 17 e depoimentos das 2.ª, 3.ª e 4.ª testemunhas.

M.          Os moldes, que permitem a fabricação das peças plásticas, e as ferramentas, necessárias à criação das peças metálicas, são feitos à medida para o produto específico a que se destinam, não servindo para outro produto. Sem estes moldes e ferramentas não é possível a produção dos componentes (plásticos e metálicos) essenciais aos eletrodomésticos produzidos e comercializados pela Requerente – depoimentos das 2.ª e 3ª testemunhas.

N.           Quando deixam de ser utilizados pelos fornecedores, os moldes são armazenados nas instalações da Requerente, podendo voltar a ser reutilizados por aqueles ou por outros fornecedores – depoimento da 2.ª testemunha.

O.           O processo de conceção, desenvolvimento e produção de moldes e ferramentas envolve um trabalho de afinação rigoroso, pois os mesmos são utilizados em operações de grande precisão. Até esse processo ficar concluído é, em regra, necessário fazer acertos e modificações, incorrendo a Requerente nos gastos associados, identificados no RIT como “alterações/reparações” e aquisição de “componentes/adições” a moldes e ferramentas – cf. depoimento da 2.ª testemunha e RIT.

P.            Em 2014, estava em curso o projeto “....” para a ..., tendo sido feitos investimentos para melhorar o respetivo processo produtivo e o aumento da capacidade produtiva, bem como a produção de máquinas de café ... da linha ...– cf. RIT, p. 30 e depoimentos das 2.ª e 3ª testemunhas.

Q.           Foi iniciado em 2015 um novo projeto denominado “...”, de considerável dimensão, que implicou o desenvolvimento de uma nova linha de produção para fabrico do componente “...” da .... A implementação deste projeto mudou a configuração (“layout”) da fábrica para acomodar a nova linha e aproveitar de forma eficiente o espaço existente. Realizaram-se obras e foram adquiridas novas máquinas, por forma a permitir a produção automatizada, tendo o investimento “...” ocorrido nos anos 2015 e 2016, com alguns ajustamentos realizados até fevereiro de 2017 – cf. RIT, p. 34 e depoimento da 2.ª testemunha.

R.            A Requerente dispõe de um Serviço de Apoio Técnico (SAT) e de um Call Center para apoio ao cliente (serviço pós-venda). Estas áreas visam proceder à reparação dos produtos fabricados e vendidos e responder às questões e reclamações dos clientes. Funcionam em instalações separadas próximas das instalações principais, que servem também de armazém de mercadorias. O serviço de Call Center divide-se em duas partes: apoio a clientes de artigos com a marca ... fabricados pela Requerente e apoio a clientes de artigos com a marca da Requerente, que poderão ou não ter sido por esta fabricados. O serviço de Call Center prestado aos clientes da marca ... é cobrado a estes clientes – cf. RIT, p. 18 e depoimentos das 2.ª e 3.ª testemunhas.

S.            O aumento da produção derivado dos novos projetos suscitou o incremento da assistência técnica e do Call Center, tendo aumentado os postos de trabalho nessas áreas. Acresce que, no caso do projeto ..., o contrato celebrado com a Requerente para produção e fornecimento de equipamentos com aquela marca estabeleceu, como obrigação contratual, que a respetiva assistência técnica fosse assegurada por aquela nas suas instalações, o que efetivamente se verifica – cf. depoimento da 2.ª testemunha.

T.            Globalmente, o número de trabalhadores da Requerente com contrato definitivo em 2013 era de 77, sendo de 86 em 2017. Se se incluírem os trabalhadores a termo, esse número total era de 83 colaboradores em 2013 e de 116 colaboradores em 2017 – cf. RIT e depoimento da 3.ª testemunha.

U.           Nos anos em causa – entre 2014 e 2017 – a Requerente diversificou os produtos produzidos e comercializados e aumentou significativamente o volume de vendas de produção própria que foi, em 2014, de aproximadamente 21 milhões de euros e, em 2017, atingiu 29 milhões – cf. depoimento da 3.ª testemunha.

V.           A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externa, abrangendo os períodos de tributação de 2014, 2015, 2016 e 2018, de âmbito parcial (IRC ), para controlo de benefícios fiscais, visando a confirmação do cumprimento das obrigações do sujeito passivo, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs 012019.../.../.../...– cf. RIT, pp. 7 e 8.

W.          Por diversas omissões e insuficiências do dossier fiscal, que nos anos 2014 e 2015, continha apenas listagens de investimento, sem qualquer indicação do projeto/investimento associado e, nos anos 2016 e 2017, fazia uma menção genérica aos projetos ..., ... “...” e ..., a Requerente foi notificada para prestar informações adicionais e discriminar o investimento relevante, por projeto – cf. RIT, pp. 30 a 42.

X.            A Requerente procedeu à referida discriminação e produziu listagens de distribuição do investimento por projeto, acrescentando uma série de outros projetos que não constavam descritos no dossier fiscal, imputando os respetivos documentos de investimento, a saber – cf. RIT, pp. 30 a 42:

                a)            ..., trabalhos na linha de montagem de grelhadores dessa marca;

                b)           SAT, aquisição de equipamento para o Serviço de Apoio Técnico/Call Center (sistemas informáticos de apoio ao atendimento e gravação de chamadas, computadores, impressoras e obras);

                c)            ..., telemóveis;

                d)           ... (aquisição de moldes e ferramentas, e, com menor expressão, de algumas máquinas e pequenas prensas);

                e) ... (equipamento informático classificado de substituição pela Requerente);

                f) A... (sobretudo aquisição de moldes e ferramentas que se encontram junto do fornecedor, e, com menor expressão, algumas máquinas e pequenas prensas).

Y.            Além destes projetos, a Requerente distribuiu uma série de equipamentos (essencialmente informáticos) adquiridos pelos projetos: “Dep. Técnico”, “Laboratório”, “Dep. Exportação”, “Dep. Marketing”, “Proteção de dados”, “Receção” e “Site Loja Online” – cf. RIT, pp. 42 a 44.

Z.            Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório com propostas de correção à matéria coletável de IRC, estando aqui em causa as deduções à coleta ao abrigo do RFAI e do DLRR . A Requerente exerceu o direito de audição – cf. PA.

AA.        Foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), cujo teor se dá por reproduzido, que corrigiu as deduções à coleta declaradas pela Requerente, conforme resumo do quadro seguinte:

 

ANO

BENEFÍCIO          CORREÇÃO

2014      RFAI      € 211.867,73

2015      RFAI      € 122.125,18

2016      RFAI      € 93.748,88

 

 

2017      RFAI      € 131.310,98

                DLRR

IRC de períodos anteriores         

€ 82.290,54

                DLRR

juros compensatórios   

€ 32.384,14

                              

 

 

 

 

 

 

 

BB.         Estas correções derivam do entendimento de que diversos investimentos não são elegíveis, para efeitos dos benefícios fiscais do RFAI e da DLRR, por duas ordens de razões:

a)            Por configurarem investimentos em ativos tangíveis ou intangíveis excluídos nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CFI; e/ou

b)           Por serem investimentos isolados, não inseridos no âmbito de um projeto agregador de investimento inicial enquadrável numa das quatro tipologias previstas no artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC. Acresce que, tratando-se de aquisições de bens e serviços avulsos, não configuram investimento “proporcionador de postos de trabalho” (artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI) – cf. RIT, pp. 45 e 50.

c)            Em relação ao requisito de criação e manutenção de postos de trabalho, o RIT, após análise do número de funcionários com contratos sem termo conclui “por cumpridas as condições do n.º 4 do artigo 22.º do CFI” – cf. RIT, p. 48.

1.            INVESTIMENTOS EM ATIVOS EXCLUÍDOS DO RFAI – ARTIGO 22.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B) DO CFI

CC.         Os investimentos desconsiderados pela Requerida, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CFI, correspondem a seis categorias, a seguir descritas – cf. RIT, p. 50.

DD.        1.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM EQUIPAMENTO DE SUBSTITUIÇÃO – A AT refere que foi a própria Requerente que enquadrou este investimento como equipamento de substituição. Por se tratar da aquisição de equipamento para substituição de outro deteriorado, inoperante ou obsoleto e não configurar investimento inicial com o intuito de aumentar a capacidade do estabelecimento já existente, conclui não ser enquadrável no RFAI – cf. RIT, p. 51:

ANOS    EQUIPAMENTO DE SUBSTITUIÇÃO

VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2015      3.077,90

2016      5.724,95

2017      5.859,00

TOTAL   14.661,85

 

EE.          2.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM MOLDES E FERRAMENTAS E ALTERAÇÕES A MOLDES E FERRAMENTAS E/OU SEUS COMPONENTES, E EM ATIVOS COLOCADOS EM FORNECEDORES EXTERNOS – cf. RIT, pp. 51 a 56 – Face à inexistência de equipamentos de produção (máquinas de injeção) de componentes plásticos na esfera da Requerente, os moldes e ferramentas adquiridos para a produção desses componentes plásticos, a incorporar nos produtos da Requerente, são apenas utilizados pelos fornecedores dos componentes. Assim, segundo a AT, apesar de serem propriedade da Requerente, não estão em uso, nem foram objeto de uso por parte desta, uma vez que, à data da ação inspetiva, se encontravam junto dos fornecedores, incluindo, em relação a algumas ferramentas, junto de fornecedores chineses. Considera a AT que as aquisições destes moldes e ferramentas não consubstanciam o aumento da capacidade do estabelecimento (já existente) da Requerente, pois as peças produzidas (com esses moldes e ferramentas) são-no fora desse estabelecimento, portanto, sem aumentar a respetiva capacidade, pelo que não são elegíveis para efeitos de RFAI, pois está ínsito no artigo 22.º do CFI que os investimentos sejam utilizados numa atividade da própria empresa que o realiza e não afeto à produção de outras sociedades.

FF.          A AT entende, de igual modo, não serem elegíveis para a dedução do RFAI as alterações/reparações e aquisição de componentes/adições aos moldes e às ferramentas existentes, por não integrarem o conceito de investimento inicial (artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC) e por não configurarem ativos tangíveis adquiridos em estado de novo (artigo 22.º, n.º 2, alínea a) do CFI) – cf. RIT, pp. 51 a 56.

GG.        Neste âmbito, foram expurgados da dedução à coleta a título de RFAI os seguintes valores – cf. RIT, pp. 55 e 56:

ANOS

INVESTIMENTO EM MOLDES E FERRAMENTAS E EM ALTERAÇÕES A ESTES

VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2014      797.058,65

2015      280.204,32

2016      291.463,57

2017      130.772,89

TOTAL   1.499.499,43

 

HH.        3.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM EQUIPAMENTO USADO, REPARAÇÕES, MELHORIAS, RENOVAÇÕES – cf. RIT, pp. 56 a 64 – A AT identificou equipamentos adquiridos pela Requerente em estado de uso, constantes da fatura n.º 431/15 do fornecedor Industrial D..., S.L., no valor de € 186.500,00, e, ainda, a aquisição de equipamentos novos de programação e eletrificação de robots e associados à melhoria, renovação ou reparação de prensas e máquinas usadas, como as prensas ... (aquisição de sistema de automação), ... (renovação da prensa), ... (conjunto ...) e ... (eletrificação da prensa). No primeiro caso, da fatura n.º 431/15, a Requerente aceitou essa correção (efetuada ao abrigo do artigo 22.º, n.º 2, alínea a) do CFI), pelo que a mesma não faz parte do litígio. No segundo caso, a AT não discute o facto de os equipamentos serem adquiridos em estado de novo, mas de serem integrados em máquinas/prensas/robots usados, para melhoria, adaptação ou renovação desses equipamentos, configurando “meras beneficiações de máquinas usadas”. Segundo a AT, as reparações, adições, benfeitorias (melhoria e renovação de máquinas) e substituições de ativos não têm enquadramento como investimento elegível para efeitos de RFAI, uma vez que o artigo 22.º do CFI requer que os investimentos sejam feitos em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo, além de não integrarem o conceito de investimento inicial (artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC).

II.            Neste âmbito, foram expurgados da dedução à coleta a título de RFAI os seguintes valores – cf. RIT, pp. 63 e 64:

ANOS

INVESTIMENTO EM EQUIPAMENTO USADO, REPARAÇÕES, MELHORIAS, RENOVAÇÕES  VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2014      16.362,04

2015      200.886,34

2016      19.028,03

2017      36.870,98

TOTAL   273.147,39

 

JJ.           4.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM MATERIAL INFORMÁTICO – cf. RIT, pp. 64 e 66 – A AT identificou um conjunto de aquisições de material informático – portáteis, computadores fixos, impressoras, monitores, servidores, um projetor, unidades UPS e um tablet, que considerou aquisições isoladas de equipamento substituição, não enquadráveis no conceito de investimento inicial (artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC) e, por essa razão, não elegíveis para efeitos de RFAI. A AT sustenta ainda que a aquisição de equipamento informático não é indutora da criação de postos de trabalho, verificando-se o inverso, ou seja, é a criação de postos de trabalho que leva à necessidade destas aquisições (artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI). O equipamento foi destinado aos departamentos técnico, de exportação, de marketing, para a receção e para o SAT/Call Center.

KK.         Em relação ao equipamento informático adquirido para o SAT/Call Center, a AT acrescenta que não contribui para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, por ser um serviço pós-venda que decorre da atividade normal da empresa, também não subsumível ao conceito de investimento inicial – cf. RIT, pp. 64 e 66.

LL.          Neste âmbito, foram expurgados da dedução à coleta a título de RFAI os seguintes valores – cf. RIT, pp. 65 e 66:

ANOS

MATERIAL INFORMÁTICO

VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2014      1.301,30

2015      1.588,73

2016      11.296,37

2017      9.898,54

TOTAL   24.084,94

 

MM.      5.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM SOFTWARE E LICENÇAS DE UTILIZAÇÃO DE SOFTWARE – cf. RIT, pp. 66 a 67 – A AT considerou que a aquisição de programas de computador, incluindo o desenvolvimento do website, não é elegível para efeitos de RFAI por não configurar um “investimento em ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia”, como requer o artigo 22.º, n.º 2, alínea b) do CFI. Na perspetiva da AT, as despesas de transferência de tecnologia estão associadas a aquisições de propriedade intelectual e não à mera atribuição de licenças periódicas para operar softwares massificados. Conclui que o investimento em causa não se enquadra no conceito de investimento inicial, nem é relevante para a criação de postos de trabalho, pelo que também não cumpre a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI.

NN.        Nesta categoria, foram expurgados da dedução à coleta a título de RFAI os seguintes valores – cf. RIT, p. 67:

 

ANOS    SOFTWARE E LICENÇAS DE UTILIZAÇÃO DE SOFTWARE

VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2014      862,50

2015      24.604,00

2016      4.669,54

2017      24.933,38

TOTAL   55.069,42

 

OO.        6.ª CATEGORIA – INVESTIMENTO EM EQUIPAMENTOS SOCIAIS – cf. RIT, pp. 67 a 69 – Esta correção relativa à aquisição de ar condicionado para o refeitório e de um frigorífico para o refeitório do SAT/Call Centre (€ 1.900,00 em 2015 e € 203,25 em 2016) foi aceite pela Requerente.

2.            INVESTIMENTOS EXCLUÍDOS DO RFAI POR NÃO ESTAREM INSERIDOS NUM PROJETO AGREGADOR DE INVESTIMENTO INICIAL, NUMA DAS QUATRO TIPOLOGIAS DO ARTIGO 2.º, N.º 49, ALÍNEA A) DO RGIC

PP.         No que se refere aos investimentos desconsiderados pela Requerida, por não serem enquadráveis ao abrigo do RGIC, a AT procedeu a correções em 6 situações, infra descritas – cf. RIT, pp. 68 a 75: 

a)            SAT/CALL CENTER – O investimento realizado nesta área foi desconsiderado, pois, para a AT, sendo a atividade normal da Requerente a produção e comercialização de eletrodomésticos, este serviço pós-venda decorre dessa atividade e não de um investimento inicial. Os valores não aceites constam do quadro seguinte:

ANOS    VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2015      7.517,80

2016      13.950,00

2017      118.025,00

TOTAL   139.492,80

 

b)           GERAL – TELEMÓVEIS E COMPONENTES PARA TELEMÓVEIS – O investimento em telemóveis foi enquadrado pela Requerente no projeto “Geral”, inferindo a AT que o mesmo não está associado a um projeto específico, pelo que não constitui um investimento inicial. Aduz que também não contribui para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, nem proporciona a criação de postos de trabalho. Os valores não aceites constam do quadro seguinte:

ANOS    VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2015      3.527,29

2016      1.554,19

2017      4.017,92

TOTAL   9.099,40

 

c)            SISTEMA DE DETEÇÃO DE INCÊNDIOS, SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA, SISTEMA DE CONTROLO DE ASSIDUIDADE, LED RECEÇÃO, MÁQUINA DE LAVAR CAMIÕES – A AT sustenta que estes investimentos não decorrem de um projeto agregador de investimento inicial, não contribuem para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, nem proporcionam a criação de postos de trabalho. Os valores não aceites constam do quadro seguinte:

ANOS    VALOR NÃO ACEITE NO RFAI (€)

2014      23.051,41

2015      1.335,34

2016      11.333,61

2017      3.489,34

TOTAL   39.209,70

 

d)           OBRAS DE MANUTENÇÃO GERAL – Tendo em consideração que quase todo o investimento em obras de construção foi enquadrado pela Requerente no projeto ... e que a nova linha de produção terá ficado concluída em outubro de 2016, com alguns ajustamentos até fevereiro de 2017, as obras realizadas após esta data foram qualificadas pela AT como obras de manutenção corrente para garantir o funcionamento da unidade produtiva (vg. troca das chapas translúcidas na montagem, troca de iluminação, pintura das paredes da fábrica ou revestimento de paredes). Este investimento foi desconsiderado para efeitos de dedução no RFAI, dado não apresentar relação com a construção da linha ... para aumento da capacidade do estabelecimento. O valor não aceite cifra-se em € 191.376,86 e respeita ao ano 2017.

e)           AR CONDICIONADO CARRINHA ...– Trata-se, para a AT, de uma adição/melhoria de um equipamento usado, que não contribui para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, nem proporciona a criação de postos de trabalho, não podendo ser considerado para efeitos do RFAI. O valor não aceite cifra-se em € 1.544,00 e respeita ao ano 2014.

f)            AQUISIÇÕES ISOLADAS DE EQUIPAMENTO – Esta correção refere-se a aquisições de bens inseridas no “projeto A...” (projeto que, além destes, só inclui os moldes e ferramentas já acima tratados). A AT entendeu que a aquisição destes bens não contém elementos passíveis de enquadrarem um investimento inicial num projeto agregador que aumente a capacidade do estabelecimento existente, ou de induzir a criação de postos de trabalho, configurando meras aquisições isoladas de bens em anos interpolados (2014 e 2016), pelo que não podem ser enquadradas no RFAI. Não foram aceites os valores de € 11.696,00 e de € 18.980,00, para os anos 2014 e 2016, respetivamente, perfazendo o total de € 30.676,00.

QQ.        Em síntese, para efeitos de RFAI, a AT corrigiu o investimento considerado pela Requerente em € 2.279.965,04, não aceitando a dedução correspondente à importância total de € 569.991,26, abrangendo os períodos de tributação de 2014 a 2017 (€ 212.968,98 em 2014; € 131.160,43 em 2015; € 94.550,88 em 2016; e € 131.310,98 em 2017) – cf. RIT, pp. 73 a 75.

3.            IRC DE PERÍODOS ANTERIORES - DLRR – EXCLUSÃO POR FALTA DE ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 30.º DO CFI

RR.         A AT corrigiu, de igual modo, o investimento classificado nas listagens da Requerente (que constam do dossier fiscal) na tipologia “aumento de capacidade de estabelecimento existente”, que aquela considerou para efeitos de DLRR (constituindo reservas especiais no balanço, nos anos 2014 a 2017, para poder beneficiar desta dedução) – cf. RIT, pp. 76 a 94.

SS.          Como fundamento para a correção à DLRR, a AT invoca as mesmas desconformidades assinaladas ao investimento considerado relevante pela Requerente, para efeitos de RFAI, as quais são também geradoras da respetiva falta de enquadramento no disposto no artigo 30.º do CFI, implicando, desta forma correções em sede de DLRR – cf. RIT, pp. 76 a 94.

TT.          Neste âmbito [DLRR], a AT procedeu às correções do investimento considerado elegível constantes do quadro resumo infra, em relação às quais a Requerente aceita a parte referente ao software, que, por conseguinte, não faz parte do objeto desta ação – cf. RIT, p. 90:

INVESTIMENTO ANO                                                    

                2014      2015       2016      2017      TOTAL

USADOS              16.362,04             200.886,34          19.028,03             36.870,98            273.147,39

SOFTWARE         862,50   24.604,00            4.669,54               24.933,38             55.069,42

SUBSTITUIÇÃO                 3.077,90               5.724,95               5.859,00               14.661,85

NÃO AUMENTO  DE CAPACIDADE–MOLDES        797.058,65          280.204,32          291.463,57          130.772,89                1.499.499,43

EQ. INFORMÁTICO         1.301,30               1.588,73               11.296,37             9.898,54               24.084,94

N INVESTIMENTO INICIAL            36.291,41            14.280,43             46.021,05            316.909,12          413.502,01

SAT/Call Center                7.517,80               13.950,00            118.025,00          139.492,80

Geral                    3.527,29               1.554,19               4.017,92               9.099,40

LED                        500,00                                  500,00

Sistema incêndios                                           4.908,70               2.549,70               7.458,40

Videovigilância 23.051,41                                                            23.051,41

Máq. lavar camiões                        835,34                                  835,34

Sistema assiduidade                                      6.424,91               939,64   7.364,55

Obras                                                   191.376,86          191.376,86

Ar condicionado viatura               1.544,00                                                              1.544,00

Aquisições isoladas         11.696,00            1.900,00               19.183,25                            32.779,25

TOTAL   851.875,90          524.641,72          378.203,51          525.243,91          2.279.965,04

 

UU.        Estas correções conduziram a uma revisão das dotações anuais do benefício fiscal da DLRR. Em relação ao exercício de 2014, as correções referidas não geraram ajustamento, porque o investimento aceite ultrapassa a reserva constituída. No tocante a 2015, atenta a redação do artigo 29.º do CFI, aplicável a partir deste ano, que considera os lucros retidos e reinvestidos em aplicações relevantes no prazo de dois anos, contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos, a AT apenas considerou o investimento realizado a partir de 2016, resultando na correção a efetuar em 2017 de € 82.611,34, conforme ilustrado no quadro seguinte – cf. RIT, pp. 92 e 93:

2015

DESCRIÇÃO        VALORES EM €

Reserva 1.700.000,00

Dotação               170.000,00

Deduziu               170.000,00

Tinha que investir            1.700.000,00

Investimento corrigido 2016       754.732,17

Investimento corrigido 2017       119.154,48

Total investimento realizado (após correções AT)            873.886,65

Investimento não realizado        826.113,35

Dedução efetuada          170.000,00

Dedução permitida         87.388,67

CORREÇÃO A EFETUAR EM 2017               82.611,34

 

VV.        A AT acresceu ainda juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais ao abrigo do artigo 34.º do CFI, que calculou em € 32.510,39, com base na taxa de 19% (4%+15%), contados dia a dia – cf. RIT, pp. 93 e 94.

WW.      Foram posteriormente emitidas e notificadas à Requerente as liquidações de IRC, de juros compensatórios e de mora referentes aos períodos de tributação de 2014, 2015, 2016 e 2017, a seguir identificadas, no valor global a pagar de € 729.279,36, que constam dos Documentos 1 a 4 juntos pela Requerente, com as correspondentes demonstrações de liquidação e de acerto de contas, a seguir identificadas:

             Período de 2014 – liquidação de IRC n.° 2020... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., resultando no valor a pagar de € 133.827,64, na data-limite de 30 de abril de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020...;

             Período de 2015 – liquidação de IRC n.º 2020... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., resultando no valor a pagar de € 163.381,65, na data-limite de 4 de maio de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020...;

             Período de 2016 – liquidação de IRC n.° 2020... e liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., resultando no valor a pagar de € 173.874,57, na data-limite de 9 de julho de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020...; e

             Período de 2017 – liquidação de IRC n.° 2020..., ..., liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e liquidação de juros de mora n.° 2020..., na data-limite de 23 de julho de 2020, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.° 2020... .

XX.         A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações acabadas de referenciar – cf. Documentos 5 a 8 juntos pela Requerente.

YY.          Em discordância com as liquidações de IRC e de juros compensatórios e de mora ora identificadas, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 31 de agosto de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

2.            FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas, que demonstraram conhecimento pessoal direto dos factos relatados e responderam de forma objetiva e detalhada às questões que lhes foram colocadas.

 

Em concreto, o Diretor de Produção, E... (1.ª testemunha), descreveu a organização do processo produtivo da Requerente e alguns projetos à data dos factos, bem como as funções asseguradas pela área do SAT/Call Center; o Diretor e Investigação e Desenvolvimento, F..., explicou detalhadamente a matéria relativa aos moldes e ferramentas (2.ª testemunha); o Diretor Financeiro, G... (3.ª testemunha), corroborou o afirmado pelas anteriores testemunhas e referiu alguns dados quantitativos sobre o aumento da produção e volume de negócios da Requerente, bem como o incremento do número de trabalhadores nos anos em causa; e, por fim, a Inspetora Tributária que interveio no procedimento inspetivo, H... (4.ª testemunha), arrolada pela Requerida, expôs os critérios que aplicou na sequência da observação da unidade fabril e dos equipamentos da Requerente, salientando ter sido aceite diverso equipamento informático e software associado à produção, apenas não tendo sido o remanescente.

 

Não se provou que as aquisições a seguir discriminadas se tenham destinado a um investimento inicial de incremento da capacidade produtiva do estabelecimento da Requerente:

(a)          Material informático, na parte que foi desconsiderada pela AT (artigo 259.º do ppa). De notar que a Requerida tinha considerado elegível para dedução à coleta, nos termos do RFAI/DLRR, diverso equipamento informático diretamente conexo com a produção;

(b)          Telemóveis (artigo 263.º do ppa);

(c)          Sistemas de deteção de incêndios, videovigilância e controlo de assiduidade (artigo 264.º do ppa). Assinala-se a este respeito que apesar de a 2.ª testemunha referir que foi implementado um sistema de videovigilância, a AT não desconsiderou o sistema de vigilância específico adquirido para a monitorização da produção, apenas não tendo aceite como elegível equipamento genérico de videovigilância (v. depoimento da 4.ª testemunha);

(d)          Obras de manutenção geral (artigo 265.º do ppa);

(e)          Aquisições isoladas de equipamento (artigo 266.º do ppa). Não se provou também que estas tivessem sido efetuadas no âmbito de uma reestruturação da instalação fabril.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

IV.          DO DIREITO

 

1.            SOBRE A APLICABILIDADE DO RGIC AO RFAI E À DLRR

 

O TFUE consagra, nos seus artigos 107.º a 109.º, o regime jurídico que regula os auxílios de Estado, com a finalidade de proibir a concessão de auxílios por parte dos Estados que ponham em perigo a concorrência dentro da União Europeia.

 

O estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do TFUE, como salientado na decisão arbitral n.º 545/2018-T, de 23 de maio de 2019. Em matérias de competência exclusiva da União, só esta pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Os Estados-Membros apenas poderão fazê-lo se habilitados pelo direito europeu ou a fim de dar execução aos atos da União (v. artigo 2.º, n.º 1 do TFUE).

 

Neste âmbito, a Comissão Europeia, adotou o RGIC (que sucedeu ao anterior regulamento geral de isenção por categoria, o Regulamento n.º 800/2008, de 6 de agosto de 2008 ), e continuou a simplificação do procedimento autorizativo dos auxílios, dispensando os Estados-Membros da obrigação de notificação, desde que verificados determinados pressupostos, orientando-os no sentido de dirigirem os recursos públicos para a realização de objetivos europeus comuns .

 

O primeiro capítulo do RGIC, sob a epígrafe “Disposições comuns”, versa sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto” , incorporando as diretrizes sobre os elementos que os auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (v. artigo 6.º do RGIC).

 

Assim, o RGIC, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente determina o artigo 288.º do TFUE e reitera o artigo 59.º do RGIC.

 

O RFAI e a DLRR consubstanciam benefícios fiscais regulados no CFI  que operam por dedução à coleta . Em relação ao RFAI, o CFI enquadra-o , no seu artigo 1.º, n.º 2, como um regime de auxílio com finalidade regional aprovado “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.

 

Se porventura restassem dúvidas, o próprio direito interno, neste artigo 1.º, n.º 2 do CFI, convoca (ainda que tal não se afigurasse necessário) os “termos do Regulamento”. É, pois, no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, como salienta a decisão arbitral n.º 545/2018-T supra citada .

 

Nestes termos, não procede o argumento da Requerente de inaplicabilidade das condições estabelecidas no RGIC ao RFAI, uma vez que, como acabado de descrever, o primeiro constitui o diploma base e o parâmetro de validade  do quadro regulatório dos auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, impondo-se como fonte legal, de patamar superior, à face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio do primado do direito da União. Desta forma, há que concluir que o RFAI e a Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo contido no RGIC e nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.

 

Idêntica conclusão se extrai em relação à DLRR, conformada pelo CFI como um incentivo fiscal ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas aprovado nos termos do RGIC. De novo, constata-se a remissão expressa do legislador nacional para o Regulamento, tendo estes incentivos cabimento na categoria prevista no artigo 1.º, n.º 1, alínea b) do RGIC .

2.            OS REQUISITOS DO RGIC: “INVESTIMENTO INICIAL”

 

Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável. De acordo com o Considerando 31 do RGIC, “podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.”

 

No recorte das definições aplicáveis aos auxílios com finalidade regional, e com relevância para o caso em análise, o artigo 2.º, 49), alínea a) do RGIC considera como “investimento inicial”:

“Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento”.

 

Quer o Considerando 31, quer a definição da categoria “investimento inicial” mencionam quatro tipologias de situações passíveis de elegibilidade no âmbito dos auxílios com finalidade regional e, portanto, do RFAI. O investimento tem de se materializar em ativos corpóreos e incorpóreos e estar relacionado com:

(a)          A criação de um novo estabelecimento;

(b)          O aumento da capacidade de um estabelecimento existente;

(c)          A diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento; ou

(d)          A mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento.

 

A subsunção do investimento numa destas tipologias é essencial, atentas as considerações anteriores, para que os incentivos em causa sejam considerados compatíveis com o mercado interno e conformes ao direito, devendo estar satisfeitas todas as condições previstas no capítulo I do RGIC, assim como as condições específicas para a categoria pertinente de auxílio estabelecidas no Regulamento (v. artigo 3.º do RGIC). 

 

Por outro lado, também nos auxílios ao investimento a favor das PME (aplicável á DLRR), o artigo 17.º, n.º 3 do RGIC estipula que, a fim de serem considerados custos elegíveis, os investimentos devem incluir:

“a) Um investimento em ativos corpóreos e/ou incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, alargamento de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para novos produtos adicionais ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente; ou,

b) A aquisição dos ativos pertencentes a um estabelecimento, se forem preenchidas as seguintes condições:

- o estabelecimento encerrou ou teria encerrado se não tivesse sido adquirido,

- os ativos são adquiridos a terceiros não relacionados com o adquirente,

- a operação é realizada em condições de mercado.”

 

Neste ponto, interessa recordar que a Requerente declarou na documentação de suporte (dossier fiscal) das deduções à coleta (de IRC) efetuadas a título do RFAI e da DLRR que os investimentos visaram o aumento da capacidade de um estabelecimento existente. Importa aferir se este pressuposto fundamental foi demonstrado, ónus que impende sobre a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e dos artigos 6.º e 7.º da Portaria n.º 297/2017 (neste sentido, v. decisão arbitral n.º 82/2020, de 22 de janeiro de 2021).

 

3.            DA NÃO INCONSTITUCIONALIDADE DA PORTARIA N.º 297/2015

 

Não se pode concordar com a posição da Requerente de que a Portaria n.º 297/2015 é inconstitucional, por “legislar” sobre matéria da exclusiva competência da Assembleia da República (benefícios fiscais), em violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º da Constituição, por duas ordens de razões.

 

A primeira deriva de a Portaria em causa ter natureza meramente regulamentar e não inovatória, limitando-se a concretizar as normas previstas no CFI e no RGIC, i.e., estando a coberto de normas legais habilitantes, no âmbito do exercício de poderes administrativos (não legiferantes - v. também o artigo 112.º da Constituição).

 

Isso mesmo resulta do preceituado no artigo 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 297/2015, segundo o qual esta procede à regulamentação do RFAI e da DLRR estabelecidos no CFI “assegurando a aplicação integral das regras previstas no Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado”.

 

A segunda prende-se com a conceção expressa na declaração de voto no processo arbitral n.º 545/2018-T de que a atividade regulamentadora, sendo “mediada pela lei, não é suscetível de entrar em colisão direta com a Constituição e é, antes de inconstitucional, ilegal”. Assim, o vício da Portaria, caso existisse (que não existe), não representaria uma violação das normas constitucionais mencionadas, situando-se num plano inferior, de ilegalidade. Porém, a Requerente não argui que a Portaria tenha infringido qualquer norma legal.

 

Soçobra, pelas razões expostas, o argumento de que a Portaria n.º 297/2015 é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade e da reserva de competência da Assembleia da República.

 

4.            OS REQUISITOS DO CFI E DA PORTARIA N.º 297/2015

 

O âmbito de aplicação e os requisitos de acesso ao RFAI e ao DLRR constam dos artigos 22.º a 26.º e dos artigos 27.º a 34.º do CFI, respetivamente, sendo as correções efetuadas pela AT fundadas, em concreto, nos artigos 22.º, 30.º e 34.º do CFI e no disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro , de que se transcrevem os segmentos com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos, na redação vigente à data dos factos:

 

“Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições [RFAI]

1. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

2. Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais;

vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;

b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

[…]

4. Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

[…]

f)            Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

5. Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

[…]”

“Artigo 30.º

Aplicações relevantes [DLRR]

1.  Consideram-se aplicações relevantes, para efeitos do presente regime, os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

a)            Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;

b)           Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas;

c)            Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo;

d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público.

2. Considera-se investimento realizado em aplicações relevantes o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

[…]”

“Artigo 34.º

Incumprimento [DLRR]

Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de junho:

a)            A não concretização da totalidade do investimento nos termos previstos no artigo 30.º até ao termo do prazo de dois anos previsto no n.º 1 do artigo 29.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais;

b)           O incumprimento do disposto nos n.ºs 4, 5 ou 6 do artigo 30.º, implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente aos ativos relativamente aos quais não seja exercida a opção de compra ou que sejam transmitidos antes de decorrido o prazo de cinco anos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao período em que se verifiquem esses factos, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais;

[…]”

 

No que se refere à Portaria n.º 297/2015, o respetivo artigo 2.º, n.º 2, alínea d) regula o âmbito de aplicação do RFAI e estabelece que “para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento:

[…]

d)           Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

E, no contexto da DLRR, dispõe o artigo 11.º da Portaria, nos seguintes moldes: “Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código Fiscal do Investimento, apenas são elegíveis as aplicações relevantes em ativos aí previstos que respeitem a um investimento inicial, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente portaria.”

 

Atento o quadro legal exposto, podem sistematizar-se, como requisitos do regime do RFAI e da DLRR, com relevância decisiva para a situação sub iudice, tendo em conta os concretos vícios imputados aos atos tributários, os seguintes:

 

i)             Que as aquisições se enquadrem num investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade de um estabelecimento já existente;

ii)            Que as aquisições respeitem a:

a.            Ativos tangíveis em estado de novo; ou a

b.            Ativos intangíveis constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, know-how ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente (exceto quanto à DLRR em relação à qual as aquisições de ativos intangíveis não constituem aplicação relevante / elegível);

c.            Adições de ativos fixos tangíveis (em estado de novo) e adições (também em ativos em estado de novo) aos investimentos em curso;

iii)           Que os investimentos proporcionem a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento.

 

5.            ANÁLISE CONCRETA

 

5.1.        Sobre os requisitos de criação e manutenção de postos de trabalho e o enquadramento como investimento inicial

 

                As correções efetuadas pela AT subdividem-se em dois grupos. No primeiro, a dedução à coleta não foi aceite por se considerar que o investimento respeita a ativos tangíveis ou intangíveis excluídos, não enquadráveis como “aplicações relevantes” nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CFI. No segundo grupo, o fundamento da não aceitação reside na alegação de estarmos perante investimentos isolados, não inseridos no âmbito de um projeto de investimento inicial. Acresce, neste último caso, que a AT entende que as aquisições de bens e serviços avulsos não configuram investimento “proporcionador de postos de trabalho” (artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI).

 

                Começando por este último argumento, interessa assinalar que é contrário à conclusão expressa no RIT de que estão “cumpridas as condições do n.º 4 do artigo 22.º do CFI” (que se reporta à criação e manutenção de postos de trabalho), justamente alicerçada na comparação do número de trabalhadores (contratos sem termo) entre os anos 2013 e 2018, que denota o incremento efetivo de postos de trabalho na esfera da Requerente, tendo passado de 77 em 2013 para 86 em 2018, e a respetiva manutenção. Verificando-se, de facto, tal incremento, afigura-se que o argumento é inválido, não podendo proceder as correções suportadas no mesmo, sem prejuízo da indispensável constatação dos demais pressupostos. 

 

                Em relação à exigência de enquadramento num investimento inicial que aumente a capacidade do estabelecimento, esta constitui, ao contrário do que sustenta a Requerente, condição sine qua non de acessibilidade aos benefícios fiscais do RFAI e da DLRR, pelo que este pressuposto é de verificação obrigatória nas aquisições de ativos efetuadas nos anos 2014 a 2017 considerados elegíveis para a correspondente dedução à coleta.

 

                Analisam-se, de seguida, as específicas aquisições excluídas relativamente a cada um dos dois grupos acima mencionados.

 

                5.2.        Primeiro grupo – falta de enquadramento dos ativos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI

               

                A. Investimento em equipamento de substituição

               

                A Requerente qualificou determinadas aquisições de bens como equipamento de substituição. Trata-se de ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo, afetos à exploração da empresa e, portanto, ao contrário do que defende a AT, são aplicações relevantes, dado o seu nítido enquadramento no disposto no artigo 22.º, n.º 2, alínea a) (RFAI) e no artigo 30.º, n.º 1, alínea a) (DLRR). 

 

                No entanto, a AT considera adicionalmente que essas aquisições não podem qualificar-se como investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade do estabelecimento já existente, por se tratar de equipamento de substituição de outro, inoperante ou obsoleto, não cumprindo os critérios de elegibilidade do RGIC, também reproduzidos na Portaria n.º 297/2015, nem sendo adições na aceção do artigo 22.º, n.º 5 do CFI.

 

                Concordamos com o entendimento da Requerida. Na verdade, a mera substituição de equipamento  não implica um investimento “inicial”, ex novo, que induza ao aumento de capacidade do estabelecimento existente. Consubstancia um investimento necessário que decorre do normal funcionamento de uma atividade industrial. Parece inquestionável ser imanente, quer ao RFAI, quer à DLRR, o estímulo a um investimento incremental e não apenas a manutenção de um status quo, mesmo que se adote uma abordagem contemporânea aos benefícios fiscais, no sentido de não terem natureza excecional, mas apenas derrogatória (especial) da disciplina ordinária do respetivo imposto .

 

                Tendo sido a própria Requerente a identificar e qualificar o equipamento em causa como sendo de substituição, é de concluir que o correspondente valor de € 14.661,85 não deve ser considerado para efeitos de RFAI e de DLRR, improcedendo, neste ponto, o alegado por aquela, com a manutenção da validade da correção efetuada pela AT neste segmento.

 

                B. Investimento em moldes e protótipos de ferramentas e alterações a moldes e ferramentas e/ou seus componentes

 

                A AT excluiu as aquisições de moldes, dado os mesmos serem utilizados pelos fornecedores da Requerente e se encontrarem nas instalações daqueles, concluindo que não aumentam a capacidade produtiva da Requerente. Foram também desconsiderados os protótipos de ferramentas, em virtude de não se destinarem a ser utilizados para produção efetiva.

 

                Ficou demonstrado nos autos que o recurso a fornecedores externos se deve ao facto de a Requerente não dispor de máquinas de injeção para fabricar peças plásticas, por ser inviável, dado o elevado custo das mesmas, assegurar essa etapa da cadeia de valor. E, bem assim, que os moldes para a produção das peças plásticas e as ferramentas de produção das peças metálicas são essenciais no processo de produção de eletrodomésticos pela Requerente.

 

                Com efeito, os eletrodomésticos são compostos, quer por peças metálicas, quer por peças plásticas, que diferem em função das marcas e modelos fabricados, pelo que, em regra, cada eletrodoméstico terá moldes e ferramentas específicos que apenas servem para produzir determinada peça para um dado eletrodoméstico, ou seja, não são elementos fungíveis.

                Acresce que, nesta indústria, a produção de componentes plásticos é externalizada, sendo assegurada por fornecedores especializados, por não ser economicamente eficiente (dado o preço elevado dos equipamentos indispensáveis – máquinas de injeção – de que a Requerente não dispõe, e a necessidade da sua utilização intensiva para a respetiva rentabilização, que a escala de produção da Requerente não alcança). Neste âmbito, a Requerente adquire os moldes, feitos à medida, necessários à produção das peças plásticas e cede-os temporariamente aos fornecedores para que estes fabriquem as peças. Porém, a titularidade dos moldes pertence sempre à Requerente e quando não estão a ser utilizados pelos fornecedores são devolvidos à Requerente e armazenados nas suas instalações.

 

                Neste quadro contextual assente nos autos, é percetível que a atividade da Requerente não é exequível sem os moldes e ferramentas com base nos quais são fabricadas as peças que fazem parte dos eletrodomésticos. Sem essas peças o processo de produção é obviamente comprometido e, quanto mais peças forem fabricadas, mais eletrodomésticos a Requerente pode produzir e vender aumentando a capacidade do seu estabelecimento.

 

                É manifesto que a aquisição de novos moldes e de novas ferramentas para produzir novos componentes/peças para eletrodomésticos pela Requerente deve qualificar-se como investimento inicial que apresenta uma relação direta com o aumento da capacidade produtiva da Requerente.

 

                O facto de as peças plásticas fabricadas com recurso aos moldes o serem fora das instalações da Requerente, não altera esta conclusão, pois os moldes continuam a ser utilizados para os fins específicos da empresa que realiza o investimento [a Requerente], permitindo-lhe produzir mais eletrodomésticos (nas instalações da Requerente), sem prejuízo de serem suscetíveis de aumentar, de igual modo, a do seu fornecedor.

 

                Nota-se que o regime do RGIC, do CFI e da Portaria n.º 295/2015 não contém qualquer condição negativa de incremento da atividade dos fornecedores ou prestadores de serviços. Pelo contrário, é natural que o aumento de capacidade de produção da Requerente implique o acréscimo dos fornecimentos e serviços externos, ou seja, os seus fornecedores também sairão beneficiados.

 

                Por outro lado, interessa clarificar que, ao contrário do que é afirmado no RIT, a maioria expressiva dos fornecedores de peças plásticas da Requerente estão maioritariamente localizados em Portugal, num cluster próximo das suas instalações. O recurso a fornecedores estrangeiros, nomeadamente chineses, é circunscrito às situações residuais em que as peças plásticas são montadas conjuntamente com componentes eletrónicas ou com componentes de silicone.

 

                No que respeita aos protótipos de ferramentas, são parte do processo de desenvolvimento de novos produtos, para experimentar e testar soluções antes da produção e disponibilização em larga escala. Por esse motivo, não podem deixar de ser enquadráveis no conceito de investimento inicial e elegíveis para efeitos do RFAI e da DLRR.

 

                De referir ainda que resulta da factualidade provada que as situações designadas no RIT de alterações a moldes e ferramentas respeitam ao processo de afinação a que são submetidos os moldes novos para que tenham a aprovação final, tendo em conta que são aplicados em operações de grande precisão e frequentemente são necessárias diversas tentativas até que possam integrar o processo produtivo. Estas “alterações” estão incluídas, como alega a Requerente, no processo de conceção, desenvolvimento e produção do molde, que conduzem à sua aquisição, e não podem ser desligadas do investimento em moldes. Não estamos perante reparações de moldes usados ou beneficiações ou melhorias, mas no domínio da aquisição de moldes (ativos fixos tangíveis) novos feitos à medida.

 

                Convém assinalar que as normas que preveem benefícios fiscais não devem ser objeto de interpretação restritiva (v. o artigo 10.º do EBF admite a sua interpretação extensiva) em linha com a conceção de que não têm natureza excecional, como preconizam a jurisprudência (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 01047/14.5BEALM 0889/17, de 6 de novembro de 2019) e a doutrina contemporâneas, constituindo, nas palavras de CASALTA NABAIS, “um instrumento normal de política económica e social do Estado social contemporâneo e não um instrumento excepcional à maneira do entendimento próprio do Estado liberal” (apud citado acórdão) .

 

                À face do exposto, conclui-se que o investimento em moldes novos e protótipos de ferramentas, incluindo as afinações dos mesmos na fase final da sua produção, são enquadráveis no âmbito de um investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade do estabelecimento (existente) da Requerente e constituem aplicações relevantes de ativos fixos tangíveis em estado de novo [v. artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC, artigo 22.º, n.º 2, alínea a) (RFAI) e artigo 30.º, n.º 1, alínea a) (DLRR)].

 

                Esta conclusão enquadra-se na teleologia subjacente ao RFAI, de estímulo ao investimento produtivo empresarial para reforço da competitividade e da capacidade produtiva da economia, configurando os moldes e ferramentas criados para produzir novas peças a incorporar em novos equipamentos um exemplo paradigmático deste tipo de investimento.

 

                Procede, neste ponto, a alegação da Requerente, sendo inválida, por erro nos pressupostos de facto e de direito, a desconsideração do valor de € 1.499.499,43 pela Requerida, para efeitos de dedução à coleta (RFAI e DLRR).

                 

                C. Investimento em equipamento usado, reparações, melhorias, renovações

 

                A Requerida desconsiderou diversas aquisições de equipamentos e máquinas em estado de novo que enquadrou como beneficiações ou melhorias de equipamento usado, insuscetíveis de, por si, produzirem qualquer peça, não conduzindo ao aumento da capacidade do estabelecimento, nem constituindo investimento inicial.

 

                Do adquirido processual constata-se que a Requerente utiliza na sua atividade “Robots” constituídos por um tronco central, com um período de vida útil alargado, permitindo produzir diferentes peças e produtos em função dos equipamentos e máquinas que lhes sejam acoplados. É da combinação das peças e máquinas mais pequenas com o dito tronco central que resulta a operacionalidade do conjunto e a possibilidade de fabrico dos produtos, sendo, não obstante, máquinas e equipamentos distintos (o tronco central e os demais equipamentos acoplados). Foram adquiridos equipamentos desta natureza, bem como equipamentos de programação e eletrificação dos “Robots” e de eletrificação e automação de prensas.

 

                As referidas aquisições não representam simples melhorias ou benfeitorias de equipamento usado, são novas máquinas de menor porte, ou, no caso de equipamentos de programação de “Robots”, de eletrificação e de automação das prensas, consubstanciam novos componentes, aquisições de ativos fixos tangíveis em estado de novo que modificam substancialmente a funcionalidade dos “Robots” e das prensas, revestindo caráter incremental. Estamos assim perante aquisições de ativos fixos tangíveis em estado de novo, o que a Requerida não discute, tendo alguns destes casos a natureza de adições, que estão de igual modo, previstas como aplicação relevante e investimento elegível, para efeitos de RFAI e de DLRR, nos termos do disposto nos artigos 22.º, n.º 5 e 30.º, n.º 3, ambos do CFI. Os investimentos em causa são, desta forma, enquadráveis no conceito de um investimento inicial relacionado com o aumento da capacidade do estabelecimento da Requerente. O facto de as máquinas e equipamentos adquiridos não produzirem, por si só, qualquer peça, não tem relevância, por não ser um requisito legal.

 

                Procede, neste ponto, a alegação da Requerente, sendo inválida, por erro nos pressupostos de facto e de direito, a desconsideração do valor de € 86.647,39  pela Requerida, para efeitos de dedução à coleta (RFAI e DLRR).

                 

                D. Investimento em material informático

 

                Algumas aquisições de material informático em estado de novo – portáteis, computadores fixos, impressoras, monitores, servidores, um projetor, unidades UPS e um tablet – destinadas aos departamentos técnicos, de exportação, de marketing, para a receção e para o SAT/Call Center foram desconsideradas pela Requerida, para efeitos do RFAI e DLRR, por falta de enquadramento no conceito de investimento inicial com vista ao aumento da capacidade do estabelecimento.

 

                Importa atender a este respeito que tal qualificação derivou de o mencionado investimento respeitar a aquisições isoladas de equipamento de substituição. Em relação ao SAT/Call Center a Requerida entendeu ainda tratar-se de uma área de serviço pós-venda que decorre da atividade normal da empresa, não sendo, por isso, subsumível ao conceito de investimento inicial.

 

                Apesar da discordância em relação a este último argumento, pois a assistência pós-venda é uma responsabilidade do fabricante que está direta e indissociavelmente associada à atividade produtiva, pelo que o aumento da capacidade de produção, a nosso ver, encerra necessariamente o reforço do apoio pós-venda (em relação aos novos produtos fabricados, ou fabricados em maior quantidade) e, portanto, o investimento no SAT/Call Center pode configurar um investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade do estabelecimento da Requerente, o facto de se tratar de equipamento de substituição de outro preexistente comporta a não elegibilidade para os benefícios fiscais sob escrutínio, conforme preconiza a Requerida.

 

                Neste âmbito, remete-se para as considerações supra tecidas sobre o “investimento em equipamento de substituição”, não sendo o mesmo enquadrável nos termos do artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC. Nesta parte, conclui-se pela validade das correções efetuadas à dedução à coleta de IRC declarada pela Requerente, tendo por base o valor de € 24.084,94.

 

 

                E. Investimento em software e licenças de utilização de software

 

                A aquisição de programas de computador, incluindo licenças periódicas para operar softwares massificados e o desenvolvimento do website, constitui um investimento em ativo intangível, sob a forma de “licenças” e cabe na previsão do artigo 22.º, n.º 2, alínea b) do CFI, em sintonia com o decidido na decisão arbitral n.º 488/2019-T, de 17 de fevereiro de 2020, pelo que deve ser dedutível à coleta no âmbito do RFAI.

 

                A interpretação restritiva subjacente a estas correções, no sentido de as despesas com transferência de tecnologia apenas estarem associadas a aquisições de propriedade intelectual e não à mera atribuição de licenças periódicas para operar softwares massificados, afigura-se desprovida de suporte gramatical, atento o facto de a hipótese normativa referir de forma expressa as “licenças” e “know-how” ou conhecimentos técnicos não protegidos por patentes.

 

                Tal restrição não tem, de igual modo, lugar no recorte que nos é dado pelo RGIC no artigo 2.º, n.º 30 que define ativos incorpóreos como “os ativos sem qualquer materialização física ou financeira, como patentes, licenças, saber-fazer ou outros tipos de propriedade intelectual”.

               

                Deve, assim, concluir-se pela invalidade (e anulação) da correção efetuada pela AT em relação ao RFAI, no valor de € 55.069,42.

 

                Contudo, no que se refere à DLRR, o artigo 30.º do CFI, na redação vigente à data dos factos, não contemplava como aplicação relevante o investimento em ativos intangíveis, facto que é reconhecido pela Requerente, que não contesta e se conforma com o impacto dessa correção levada a efeito pela Requerida.

 

5.3.        Segundo grupo – falta de enquadramento num projeto de investimento inicial – alínea a) do n.º 49 do artigo 2.º do RGIC

 

                Em relação a este grupo está fundamentalmente em discussão o argumento da Requerida de que estamos perante aquisições isoladas de ativos, não inseridas no âmbito de um projeto de investimento inicial, como sejam o do lançamento de um novo produto, ou o de aumento da capacidade do estabelecimento. Vejamos cada uma das rubricas em análise.

 

                A. Serviço de assistência técnica (SAT) e Call Center

 

                Os investimentos desconsiderados neste âmbito respeitam a aquisições de ativos fixos tangíveis em estado de novo destinados ao serviço de pós-venda (assistência técnica e reclamações), nomeadamente sistemas SMS, gravação, videovigilância, obras, aparafusadoras, entre outros.

 

                É certo que, conforme diz a Requerida, o serviço pós-venda decorre da atividade normal de produção de comercialização. No entanto, é de igual modo verdadeiro que investimentos novos, que incrementam a capacidade produtiva e permitem a fabricação de novos eletrodomésticos (aumentando efetivamente de forma expressiva a produção e o volume de negócios da Requerente entre os anos 2014 e 2017), como sucedeu com os projetos para a ..., ..., ..., ... e ..., têm necessariamente reflexo no reforço dos meios materiais e humanos afetos à assistência pós-venda, que, como acima se salientou, é uma responsabilidade do fabricante.

 

                Assim, o aumento da capacidade de produção postula de forma inevitável o incremento do apoio pós-venda (em relação aos novos produtos fabricados, ou fabricados em maior quantidade) e, nesta medida, o investimento no SAT/Call Center preenche os requisitos dos artigos 22.º, n.º 2 (RFAI) e 30.º, n.º 1 (DLRR) do CFI e configura um investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade do estabelecimento da Requerente (artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC), com a consequente invalidade da não aceitação do valor de € 139.492,80 como elegível para efeitos de dedução à coleta, quer no RFAI, quer na DLRR.

 

               

                B. Telemóveis e componentes para telemóveis

 

                A Requerente não cumpriu o ónus, que sobre si recaía, de demonstrar que a compra de telemóveis e componentes para telemóveis estava relacionada com os projetos de investimento inicial que declarou para efeitos dos benefícios fiscais em apreciação, tendo enquadrado estas aquisições numa rúbrica que designou de “geral”. Por outro lado, não se constata qualquer compartimentação artificial por parte da AT, pois foi a própria Requerente que não associou as aquisições em apreço aos referidos projetos de crescimento da capacidade de produção (referimo-nos especificamente à ..., ..., ..., ... e ...), nem alegou quaisquer factos dos quais essa conexão pudesse ser inferida, concluindo-se pela validade das correções ao RFAI e à DLRR tendo por base o valor de € 9.099,40.

 

                C. Sistema de deteção de incêndios, videovigilância, controlo de assiduidade, LED receção e máquina de lavar camiões 

 

                De forma idêntica em relação aos itens assinalados que, independentemente de serem essenciais ao processo produtivo (afigurando-se-nos que o são), não foram relacionados com um projeto de investimento inicial de aumento da capacidade (produtiva) do estabelecimento, ónus que, como referido, impende sobre a Requerente, pelo que soçobra, neste ponto, a arguição de vício de erro nos pressupostos, mantendo-se válidas as correções ao RFAI e à DLRR tendo por base o valor de € 39.209,70. 

 

                D. Obras de manutenção geral

 

                Resulta dos autos que as obras respeitantes à construção da linha de produção ... tiveram lugar no decurso dos anos 2015 e 2016, com alguns ajustamentos até fevereiro de 2017. Deste modo, as obras de manutenção geral subsequentes, cuja dedução à coleta para efeitos de RFAI e de DLRR não foi aceite pela Requerida, embora possam ser consideradas aplicações relevantes por respeitarem a instalações fabris e a atividades produtivas (v. artigos 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii) a contrario e 30.º, n.º 1, alínea b) do CFI), não derivam do projeto de investimento ..., nem foram associadas pela Requerente a um outro projeto que aumente a capacidade do estabelecimento existente, pelo que, à semelhança do exposto a respeito das duas correções que antecedem, a Requerente não logrou demonstrar a conexão das obras a um projeto de investimento inicial de aumento da capacidade (produtiva) do estabelecimento, improcedendo, neste ponto, a alegação de invalidade, mantendo-se as correções ao RFAI e à DLRR tendo por base o valor de € 191.376,86. 

 

                E. Ar condicionado carrinha ...

 

                A Requerente não demonstrou que a adição de um equipamento de ar condicionado a uma carrinha usada estivesse relacionada com um projeto de investimento inicial de aumento da capacidade do estabelecimento, pelo que não assiste razão à Requerente, mantendo-se válidas as correções ao RFAI e à DLRR tendo por base o valor em € 1.544,00.

 

                F. Aquisições isoladas de equipamento

 

                Por fim, as aquisições isoladas de equipamento identificadas pela Requerida, não foram, à semelhança das anteriores, associadas a um investimento inicial de aumento da capacidade do estabelecimento da Requerente, sem prejuízo de respeitarem a equipamentos adquiridos em estado de novo e afetos à sua atividade corrente. Não estando satisfeito tal requisito – da conexão das aquisições com um investimento para incremento da produção ou para o lançamento de um novo produto – falecem os pressupostos de aplicação dos benefícios fiscais, mantendo-se válidas as correções ao RFAI e à DLRR tendo por base o valor de € 30.676,00.

 

5.4.        DLRR – remissão

 

                Tendo em conta que o investimento considerado relevante para efeitos de DLRR foi o mesmo que foi tido em conta para efeitos de RFAI, a invalidade (parcial) das correções efetuadas ao investimento elegível pela Requerida são pertinentes para ambos os benefícios, como foi sendo assinalado em relação a cada uma das rubricas analisadas.

                A única exceção prende-se com os ativos intangíveis que, à data, eram elegíveis para efeitos de RFAI, mas não em sede de DLRR, não tendo a Requerente contestado a validade das correções efetuadas nesta rubrica (software e licenças) em relação à DLRR, mas apenas quanto ao RFAI, pelo que a anulação da liquidação, nesta parte, é restrita ao RFAI e não abrange a DLRR, em relação à qual se mantém.

 

5.5.        Quadro resumo

 

                À face do exposto, as correções ao investimento elegível, para efeitos de RFAI e de DLRR, efetuadas pela Requerida e impugnadas pela Requerente no valor de € 2.091.361,79, vão anuladas:

             no valor de € 1.780.709,04, para efeitos de RFAI; e

             no valor de € 1.725.639,61, para efeitos de DLRR (= 1.780.709,04 – 55.069,42),

 

conforme resulta do quadro seguinte:              

                EM SÍNTESE,

 

                Os atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios e de mora de que a Requerente foi alvo, acima identificados, são parcialmente anuláveis por vício substantivo de erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.

 

V.           DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros supra identificados, na medida em que resultam da desconsideração, para efeitos de RFAI, de investimento elegível no valor de € 1.780.709,04, e, para efeitos de DLRR, de investimento elegível no valor de € 1.725.639,61, com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 729.279,36, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VII.         CUSTAS

               

                Custas no montante de € 10.710,00, sendo € 9.103,50 (85%) a cargo da Requerida e € 1.606,50 (15%) a cargo da Requerente, na proporção do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 28 de setembro de 2021

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

Paulo Mendonça

António Pragal Colaço