Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 424/2019-T
Data da decisão: 2019-11-15  IMT  
Valor do pedido: € 51.249,80
Tema: IMT – Isenção – Direito de Participação.
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DECISÃO ARBITRAL

               

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de agosto de 2019, decide o seguinte.

 

I. RELATÓRIO

I.1

1.            Em 23 de junho de 2019 a contribuinte A..., NIF..., residente na ..., Lote ..., ...-... Quarteira, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 27 de Junho de 2019.

3.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.            A AT apresentou a sua resposta em 07 de Outubro de 2019.

5.            Por despacho de 08.10.2019, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

6.            Em 24 de Outubro de 2019 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.

7.            Em 12 de Novembro de 2019 a Requerida apresentou as suas alegações de direito.

8.            Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação n.º 2019/..., de Imposto  Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de €45.220,80 e de Imposto de Selo (IS), no valor de €6.029,00, notificada através do oficio n.º..., do Serviço de Finanças da ..., de 26.03.2019 e condenada a AT ao reembolso integral da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios.

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.            Através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 23 de Fevereiro de 2018, no Cartório Notarial de ..., da Dra. B..., a Requerente comprou aos insolventes C..., casado com D..., e E..., solteiro, maior, na proporção de ½ a cada um, representados pelo Administrador Judicial F..., o prédio urbano denominado por Lote ..., sito em ...– ..., Freguesia de ..., Concelho de Loulé, inscrito sob o artigo matricial nº..., pelo preço total de 753.680,00,00 €, livre de ónus ou encargos.

2.            A compra foi precedida pelo título de adjudicação que foi emitido em 02 de Janeiro de 2018, na sequência da proposta formalizada em carta fechada, em face do anúncio publicado em 22.12.2017 no Jornal G..., pelo Administrador Judicial nº..., E..., na qualidade de Administrador da Insolvência no procº.../17...T8VFX – Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira – ..., no qual foram declarados Insolventes C... e a cônjuge D..., por sentença que foi proferida a 08/06/2017, transitada em julgado em 03/07/2017, e por substabelecimento conferido por H..., Administrador Judicial nº..., na qualidade de Administrador da Insolvência no procº. .../12...TBVFX-Comarca de Lisboa Norte-Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, no qual foi declarado Insolvente E... .

3.            No título de adjudicação, o Administrador Judicial fez constar e declarou que a referida transmissão, por se tratar de venda em processo de insolvência, encontra-se isenta do Imposto de Selo e de IMT, respetivamente nos termos dos artºs. 269º e 270º do CIRE.

4.            Para a outorga da citada escritura, a AT emitiu através do Serviço de Finanças da ..., em 05/02/2018 as Declarações de IMT e Imposto do Selo – Verba nº1.1, registadas sob o nº 2018/..., com o código do facto tributário 31 – Aquisição de imóveis por arrematação judicial, e o código de isenção 60 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (artº 270º, nº2 do D/L 53/04), para o IMT; e o código de isenção 101 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas em Planos de Insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da Massa Insolvente (Artº269º do CIRE, aprovado pelo DL 53/04), para o Imposto do Selo – Verba nº1.1..

5.            Do termo de entrega das chaves do imóvel adjudicado, processado pela “J...”, em 21 de fevereiro de 2018, também se faz referência às declarações de isenção de IMT e IS. 

6.            Pelo ofício nº..., de 26/03/2019, que tem como assunto: “…liquidação de IMT por perda  de benefício fiscal consignado nos artigos 269º e 270º do CIRE aprovados pelo D.Lei  53/04 (Código 60 IMT e 101 IS)…”, o Serviço de Finanças da ... notificou a Requerente para no prazo de 30 dias efetuar o pagamento de 45.220,80 € de IMT e 6.029,00 € de Imposto do Selo, que seriam devidos por ter beneficiado indevidamente do benefício do código 60 e do benefício do código 101, decorrente do facto de as aquisições não se enquadrarem no benefício fiscal consignado nos artºs 269º e 270º do CIRE.

7.            A Requerente decidiu efetuar em 17/06/2019 o pagamento do IMT e do Imposto do Selo de que foi notificada, no valor total de 51.648,77 € (45.220,80 € IMT + 6.029,00 € IS + 92,46 € JUROS), pela Declaração registada sob o nº 2019... .

8.            Da atuação da Requerente em todo o processo aquisitivo - ao suportar os encargos da venda judicial; ao ter sido declarado pelo Administrador Judicial no auto de adjudicação que a aquisição beneficiava da isenção de IMT e IS, ao abrigo do nº2 do artº270º, e nº1 do artº269º, ambos do CIRE, validada posteriormente pela AT – resulta de forma categórica e inequívoca que a mesma agiu em cumprimento do princípio da boa-fé, não lhe podendo ser imputadas quaisquer responsabilidades nos elementos fornecidos.

9.            Aliás, se ab origine, houve qualquer erro procedimental, tal é imputável à própria AT, a qual com base nos elementos fornecidos, foi quem viabilizou afinal, que se considerasse a isenção de IMT e IS na transação efetivada. .

10.          No caso dos presentes autos, estamos perante um benefício fiscal de reconhecimento automático, cuja concessão configura um ato constitutivo de direitos da Requerente.

11.          E como ato constitutivo de direitos, dispõe o artigo 14º, nº4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que o ato administrativo que conceda um benefício fiscal só pode ser revogado se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido.

12.          Como decorre da alínea c) do artº2º da Lei Geral Tributária, ao abrigo do novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de janeiro, a revogação dos atos administrativos apenas é possível por razões de mérito ou de conveniência, encontrando-se os atos inválidos sujeitos ao regime da anulação administrativa.

13.          Ocorre, porém, que nos termos do nº2 do artº168º do CPA, o ato constitutivo de direitos apenas pode ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano.

14.          Tendo a isenção de IMT e IS sido concedida em 05/02/2018, na Declaração registada sob o nº2018/..., a respetiva anulação apenas poderia ocorrer até ao dia 05/02/2019, por onde se verifica que, à data da anulação do ato em causa – 26/03/2019 -, já havia decorrido o prazo de um ano para anulação do ato de concessão de isenção de IMT e IS.

15.          Tendo o ato de anulação de isenção de IMT e IS sido praticado fora do prazo de um ano legalmente previsto para o efeito, o mesmo é ILEGAL, por violação do disposto no artº168º, nº2 do CPA, impondo-se por isso a sua anulação.

16.          Ao abrigo das alíneas a) e c) do nº1 do artº60º da Lei Geral Tributária (LGT), a AT sempre deveria ter notificado corretamente a Requerente, para efeitos da sua pronúncia no âmbito do “Direito de Audição”, sobre o projeto de decisão a proferir.

17.          Sendo que, houve preterição dessa formalidade essencial – isto é, houve preterição do respetivo “Direito de Audição”, que objetivamente, configura uma das garantias legais dos contribuintes, traduzida no assegurar, aos cidadãos, a sua participação na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito.

 

I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

1.            A redação atual do n.º2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevê que estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrassem sujeitos, só os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

2.            Esta isenção abrange assim todos os atos integrados no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou estabelecimento.

3.            A liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, pois que, no caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de pessoa singular com destino a habitação.

4.            Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para beneficiar da isenção de IMT em razão da sua transmissão ter sido efetuada num processo de insolvência de pessoa singular.

5.            Contrariamente ao invocado pela Requerente, não existiu qualquer ato constitutivo de direitos, porque, os benefícios constantes do artigo 269º e do n.º2 do art. 270º do CIRE são benefícios automáticos nos termos do artigo 5º do EBF.

6.            A isenção do artigo 269º e do n.º 2 do art. 270º do CIRE é automática, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos de isenção, contrariamente ao alegado pela Requerente.

7.            O que acontece é que o SP apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT promove uma fiscalização, analisando a verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF.

8.            Ora, esta liquidação de imposto não pode ser considerada uma revogação de isenção.

9.            O procedimento ocorrido posteriormente à efetiva fiscalização dos pressupostos indicados na declaração como fundamento do benefício se configura como liquidação e não ato administrativo revogatório de ato anterior concedente de benefício fiscal.

10.          Por tudo o supra exposto, no caso, não se verificando os pressupostos legais para a Requerente poder beneficiar da isenção de IMT, nos termos do nº 2 art. 270º do CIRE, nem do IS nos termos do artigo 269º do CIRA, a administração tributária não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitado o prazo de caducidade, que, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o Imposto de Selo e o IMT, da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).

11.          A liquidação emitida resultou dos elementos declarativos entregues pela Requerente, pelo que nos temos do n.º 2 do artigo 60º da LGT, dispensa a necessidade de direito de audição, e por outro lado, como supra se referiu esta liquidação não consubstancia a revogação de um benefício fiscal, pelo que não cabe na previsão da alínea c) do n.º1 da LGT.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

As questões a apreciar são as seguintes:

a)            Tendo o Requerente beneficiado de uma isenção de IMT e de IS, de forma indevida, pode a AT em data posterior proceder à liquidação do imposto devido?

b)           A contribuinte deve ser previamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação antes de ser efetuada a liquidação subsequente?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.            No dia 02 de Janeiro de 2018 foi emitido um titulo de adjudicação pelo Administrador Judicial nº..., F..., na qualidade de Administrador da Insolvência no procº.../17.1T...VFX – Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira –...a favor da Requerente do prédio urbano denominado por Lote ..., sito em ..., ..., Freguesia de ..., Concelho de Loulé, inscrito sob o artigo matricial urbano nº... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º... .

2.            No título de adjudicação o Administrador Judicial fez constar e declarou que a referida transmissão, por se tratar de venda em processo de insolvência, encontra-se isenta do Imposto de Selo e de IMT, respetivamente nos termos dos artºs. 269º e 270º do CIRE.

3.            A Requerente apresentou no Serviço de Finanças da ..., em 05/02/2018 as Declarações de IMT e Imposto do Selo – Verba nº1.1, registadas sob o nº 2018/..., com o código do facto tributário 31 – Aquisição de imóveis por arrematação judicial, e o código de isenção 60 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (artº 270º, nº2 do D/L 53/04), para o IMT; e o código de isenção 101 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas em Planos de Insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da Massa Insolvente (Artº269º do CIRE, aprovado pelo DL 53/04), para o Imposto do Selo – Verba nº1.1.

4.            Através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 23 de Fevereiro de 2018, no Cartório Notarial de ..., da Dra. B..., a Requerente comprou aos insolventes C..., casado com D..., e E..., solteiro, maior, na proporção de ½ a cada um, representados pelo Administrador Judicial F..., o prédio urbano denominado por ..., sito em ..., Freguesia de ..., Concelho de Loulé, inscrito sob o artigo matricial nº..., pelo preço total de 753.680,00,00 €.

5.            Pelo ofício nº..., de 26/03/2019, que tem como assunto: “…liquidação de IMT por perda  de benefício fiscal consignado nos artigos 269º e 270º do CIRE aprovados pelo D.Lei  53/04 (Código 60 IMT e 101 IS)…”, o Serviço de Finanças da ... notificou a Requerente para no prazo de 30 dias efetuar o pagamento de 45.220,80 € de IMT e 6.029,00 € de Imposto do Selo, que seriam devidos por ter beneficiado indevidamente do benefício do código 60 e do benefício do código 101, decorrente do facto de as aquisições não se enquadrarem no benefício fiscal consignado nos artºs 269º e 270º do CIRE.

6.            Em 16.05.2019 foi emitida a liquidação n.º 2019/..., no valor de €45.220,00 de IMT, e no valor de 6.029,00 de IS.

7.            A AT não notificou a requerente, para exercer o direito da participação, antes de efetuar a liquidação de IMT e de IS n.º n.º 2019/...

8.            A Requerente efetuou em 17/06/2019 o pagamento do IMT e do Imposto do Selo de que foi notificada, no valor total de 51.648,77 € (45.220,80 € IMT + 6.029,00 € IS + 92,46 € JUROS).

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados como assentes por acordo das partes, pela análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 8 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

Matéria de direito

 

Contrariamente ao alegado pela Requerida, a Requerente não põe aqui em causa a existência, ou, não, dos pressupostos para a concessão do benefício fiscal previsto no art. 269º e 270º, n.º2 do CIRE (vide art. X do pedido de pronúncia arbitral).  

 

Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, as questões que se impõem conhecer são as seguintes:

“Tendo o Requerente beneficiado de uma isenção de IMT e IS, de forma indevida, pode a AT em data posterior proceder à liquidação do imposto devido?”

“A liquidação n.º 2019/172427 deveria ter sido precedida de audição prévia?

 

V.1 Natureza do benefício fiscal

 

Quanto à primeira questão, no presente litígio está em causa um benefício fiscal (isenção de IMT e de IS) do qual a requerente beneficiou em 23.02.2018, aquando da transmissão do imóvel.

No que diz respeito ao IS o art. 269º do CIRE estatui o seguinte:

Artigo 269.º

Benefício relativo ao imposto do selo

Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:

 

a) As modificações dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos sobre a insolvência;

b) (Revogada.)

c) A constituição de nova sociedade ou sociedades;

d) A dação em cumprimento de bens da empresa e a cessão de bens aos credores;

 e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;

 f) A emissão de letras ou livranças.

g) A constituição ou prorrogação de garantias

 

Quanto ao IMT, o art. 270º, n.º2 do CIRE dispõe o seguinte:

Artigo 270.º

Benefício relativo ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis

1-(…)

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (Cfr. art. 2º, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais - E.B.F.).

Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o art. 14º, n.º1, do E.B.F. (Cfr. Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/12/2012, proc.5810/12; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/07/2013, proc.6629/13; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).

O art. 10º do CIMT regula o procedimento de reconhecimento de isenções, que com exceção das isenções resultantes de acordos celebrados com o estado e das isenções previstas no art. 8º, n.º1 do CIMT, estão condicionadas a reconhecimento prévio ou são de reconhecimento automático, estas dependentes da entregue da declaração mod.1 do IMT

Nos termos do art. 10º, n.º8, al d) do CIMT são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao código do IMT.

O CIRE é uma legislação extravagante face ao CIMT. Os benefícios previstos nos art. 269º e 270º, n.º2 do CIRE não dependem de qualquer reconhecimento prévio da AT, sendo por isso de aplicação automática.

Face ao estatuído na norma citada, a isenção em causa trata-se de um benefício fiscal de reconhecimento automático. A isenção está apenas dependente da entrega do mod 1 IMT (art. 19º, n.º1 do CIMT)

O artigo 5.° do EBF esclarece que:

 

1. Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

2. O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

3. O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, benefícios fiscais automáticos são os que resultam da lei, ou seja, aqueles não pressupõem qualquer ato de reconhecimento.

“Conforme dispõe o n.° 1 do art. 5.° do EBF, os benefícios fiscais podem ser automáticos ou dependentes de reconhecimento. Os benefícios automáticos resultam directa e imediatamente da lei, bastando que se verifiquem os pressupostos nela fixados. Os benefícios dependentes de reconhecimento pressupõem, para além da verificação dos pressupostos objectivos e subjectivos definidos na lei, a prática, pela administração tributária, de um ou mais actos posteriores de reconhecimento.” In JONATAS E. M. MACHADO e PAULO NOGUEIRA DA COSTA, in CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, Coimbra Editora, 2009, pág. 333.

“Nestes casos, verificados os pressupostos legais do benefício fiscal considerado, este surge, automaticamente, “ope lege” sem necessidade de qualquer iniciativa da entidade beneficiada ou intervenção da Administração Fiscal. Portanto, nestas situações, os benefícios fiscais não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos. E esta circunstância tem também naturais reflexos na análise económico — financeira dos benefícios fiscais, pois, tratando-se de medidas automáticas, não há actualmente, e é difícil, se não impossível, estabelecer, no futuro, modos de controlo de despesa ou gasto fiscal inerentes, que sejam e totalmente eficazes. E, por isso mesmo, a parte final do n.° 4, do art. 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, tratando-se de benefícios fiscais genéricos e automáticos dispensa os contribuintes da declaração dos rendimentos isentos, para efeito do controlo da respectiva despesa fiscal, cometendo tal encargo aos serviços fiscais.

E note-se: parece que o automatismo dos benefícios fiscais, quando tem lugar, não tem por fundamento, necessariamente, uma especial intensidade do interesse público com eles tutelado, que determina a dispensa de reconhecimento oficial, mas antes uma particular conformação legal, pelo que, nesses casos, tendo em vista uma certa economia processual, a lei julga aconselhável dispensar a respectiva apreciação casuística e correspondente reconhecimento pela Administração Fiscal, concedendo, assim, automática e genericamente os benefícios nas hipóteses previstas, sem necessidade de controlo da respectiva despesa fiscal, daí resultante” — NUNO DE SÁ GOMES, TEORIA GERAL DOS BENEFÍCIOS FISCAIS, Ciência e Técnica Fiscal, n.°359, pág. 136-138.

Sendo a lei a fonte imediata do benefício, sem necessidade de nenhum ato de intermediação autónomo ao nível tributário que expressamente o reconheça, tem forçosamente a isenção em apreço de qualificar-se como sendo de natureza automática, nos termos do disposto no art° 5.° do EBF

Alega a Requerente que a concessão de um benefício fiscal configura um ato constitutivo de um direito da requerente que só poderia ser revogado nos termos do art. 168º, n.º2 do CPA.

Sucede que, no caso em apreço, não existiu qualquer ato de reconhecimento de um benefício fiscal em procedimento tributário próprio e autónomo. Pelo que não pode ocorrer a violação do disposto no art. 168º, n.º 2, o qual pressupõe a existência de um ato a revogar.

A isenção prevista nos art. 269 e 270º do CIRE, configura um benefício fiscal de natureza automática (verificados os condicionalismos legalmente impostos), não necessitando de ser reconhecido.

No caso, a única condição que a lei impõe para a isenção total de IMT e IS é que seja entregue o Mod.1 do IMT, declarando essa isenção. Ou seja, não prevendo o legislador que o benefício em causa tenha que ser reconhecido previamente é evidente que a isenção de IMT opera direta e automaticamente.

Posto isto, é inevitável concluir pela improcedência da causa de invalidade que a Requerente imputa ao ato de liquidação apoiada na tese de estar em causa um benefício dependente de reconhecimento, não lhes sendo aplicável, portanto, para efeitos da alteração da situação de isenção com fundamento em erro nos respetivos pressupostos de facto, o prazo de revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos previsto no CPA.

Em face da natureza automática da isenção em apreço, nos termos do art.º 7º do EBF «Todas as pessoas […] a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios» e, ainda, do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto devido, previsto no art.º 35º do CIMT.

Deste modo nada impedia, antes o impunha o princípio da legalidade, que a AT fiscalizasse as circunstâncias de facto em que a Requerente obtivera a emissão do documento de cobrança do IMT devido pela aquisição do prédio em apreço nos autos com isenção nos termos do art. 269º e 270º do CIRE, e que, concluindo como concluiu pela inexistência dos pressupostos legais de que a mesma dependia procedesse, como procedeu, à liquidação do imposto devido pelas transação.

Em suma, o aludido benefício não opera a pedido do interessado, isto é, através de requerimento autónomo dirigido especificamente à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo, por conseguinte, ato administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo.

Face ao exposto, não faz sentido o aludir ao instituto da revogação. “A “revogação” é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo anterior”. In Direito Administrativo, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Vol. III, Lisboa 1989, Pág. 351. “A revogação (propriamente dita) consiste na extinção de todos ou parte dos efeitos de uma acto administrativo, provocado por um novo acto administrativo que se pratica, explicita ou implicitamente (…)” In CPA anotado, 2ª ed., Mário Esteves de Oliveira, e outros, Almedina, 1997, pág. 667.

No caso em apreço não existiu qualquer ato administrativo anterior à liquidação, sub judice. Não existindo qualquer ato administrativo anterior não podemos invocar o instituto da revogação. (No mesmo sentido Cfr. Decisão Arbitral, de 25.07.2014, proc. n.º 104/2014).

Assim não será, em qualquer caso, aplicável o regime decorrente do disposto nos artigos 165º do CPA. A liquidação em causa não se trata de um ato revogatório de um ato que concedeu um benefício fiscal (em processo de reconhecimento de benefício) mas da liquidação original de um tributo que ainda não tinha sido liquidado.

Inexistindo, no caso em análise, um ato administrativo a conceder um benefício fiscal, isto é, um ato administrativo em matéria tributária sujeito ao prazo de revogação de atos administrativos constitutivos de direitos previsto no art.º 168º, n.º 2 do CPA, não pode, naturalmente, ocorrer a violação desta norma.   

Na ausência de um ato administrativo a conceder um benefício fiscal, isto é, um ato administrativo em matéria tributária sujeito ao prazo de revogação de atos administrativos constitutivos de direitos previsto no artigo 168.º, n.º 2 do CPA, não se mostra, portanto, violado aquele comando legal.

O que, no caso, se verificou foi que a requerente, ao dar cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fez operar, de forma direta e automática, a isenção de tributação ao declararem o código do facto tributário 31 – Aquisição de imóveis por arrematação judicial, para o IS e o código de isenção 60 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas no âmbito da liquidação da massa insolvente (artº 270º, nº2 do D/L 53/04), para o IMT. A Requerente declarou a existência de uma realidade que faz automaticamente despoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.

Mas vindo a administração tributária a verificar, posteriormente, que o alienante insolvente era uma pessoa singular não empresário ou titular de empresa, constatou-se que a aquisição do prédio não estava isenta de IMT nem de IS, ao contrário do declarado pela Requerente. Deste modo, não se verificando os pressupostos para a isenção de que a Requerente havia beneficiado de forma automática mas indevida, a administração tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito”– cfr. art.º 35º do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar quaisquer normas e prazos previstos no CPA.

Não se apercebendo, nem a autoridade interveniente, nem as partes, de uma errada caracterização jurídica, ficam os contribuintes sujeitos a uma possível deteção do indevido tratamento como isenção, sendo a situação objeto de uma posterior liquidação.

No caso dos benefícios automáticos, a lei fiscal deixa para momento posterior a possibilidade dos serviços constatarem a situação tributária e liquidarem, caso seja devido, o imposto devido (art. 7º do EBF). Esse controlo impunha-se, tendo sempre como limite para a realização deste controlo o prazo de oito anos previsto no art. 35º, n.º1 do CIMT.

Neste sentido, a propósito das isenções automáticas de IMT, cfr. Acórdão de 22.03.2018, do STA, proferido no processo n.º128/16, aí se escrevendo: «(…) ainda que se considerasse que ocorreu um prévio acto de liquidação ou de autoliquidação para efeitos de emissão do documento de cobrança de IMT (“a zeros” na expressão dos impugnantes), o certo é que esse acto se limitou a assimilar e a fazer actuar a isenção que decorria, de forma automática, da declaração fiscal dos sujeitos passivos. O que nunca poderia impedir a administração tributária de proceder, posteriormente, a uma liquidação correctiva/adicional, tendo em conta que dispõe, para o efeito, de um prazo de quatro anos contado da liquidação a corrigir (cfr. art. 31º, nº 3, do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar as normas contidas nos arts. 78º e 79º da Lei Geral Tributária» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Tendo a AT apurado que os pressupostos de facto que permitiram ao sujeito passivo gozar da isenção não existiam, impunha-se a reposição automática da tributação (art. 14º do EBF). O direito à isenção nunca se chegou a constituir.

 

Alega ainda a Requerente que cabia à Notária que interveio na escritura, em complemento à competência para a fiscalização da AT, suprir o eventual erro da AT.

À data dos factos, apenas cabia à entidade que interveio na escritura pública de compra e venda, ou seja à notária, averbar a isenção e exigir o documento comprovativo (art. 49º, n.º3, do CIMT). Essa verificação não pressupôs a realização de qualquer ato administrativo a conceder a isenção, isto porque estamos perante um benefício fiscal automático. Não existe qualquer ato expresso, nem tácito.

Da conjugação de diversas normas do CIMT (arts. 49º e 54º) não é possível concluir que a intervenção da notária, no momento de outorga de uma escritura notarial, constitui a prática de um ato em matéria tributária em sentido amplo. O CIMT é muito claro ao qualificar a intervenção do notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção. Neste sentido Cfr. Decisão Arbitral de 02.08.2015, proc. 648/2014

Não é da competência do notário reconhecer ou não o direito a um benefício fiscal de um contribuinte. O notário não tem competências para a prática de atos tributários de reconhecimento de isenção.

A interpretação mais consentânea com as restantes normas do sistema jurídico (art. 9º do Código Civil) é a de que, cabendo ao notário a verificação dos pressupostos da aplicação da norma de isenção, deveria recolher os elementos necessários à qualificação da situação, aceitando as declarações e a caracterização feita pelos intervenientes no negócio.

Não está em causa um ato administrativo na aceção prevista no art. 148º do CPA, porque o notário não externaliza qualquer decisão sobre uma situação concreta, limitando-se a uma verificação dos pressupostos da existência do benefício fiscal.

Mais, o facto de o notário ter anuído na isenção de IMT, não é oponível à Autoridade Tributária, à luz nomeadamente do art.º 36.º, n.º 4 da LGT, segundo o qual “a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”.

Tudo visto, o Tribunal considera que a liquidação não viola o disposto no art. 168º, n.º2 do CPA, aplicável por remissão do art. 2º, al c) da LGT.

 

V.2 Direito de participação

 

Quanto à segunda questão a decidir, a Requerente alega a violação do direito de participação (art. 60º, n.º1, al. a) da LGT), por não ter sido notificado previamente, antes de ser elaborada a liquidação n.º 2019... . A Requerida aceita que não efetuou qualquer notificação prévia, defendendo, contudo, a aplicação da dispensa da audição prévia prevista no art. 60º, n.º2, al. a) da LGT, porque a liquidação sindicada foi supostamente efetuada conforme declarado pela Requerente.

O direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito resulta em primeiro lugar do art. 267º, n.º5 da CRP. No domínio tributário este direito está refletido no art. 60º da LGT.

Citado os Profs Saldanha Sanches e João Gama “O artigo 60º está pensado para aquelas situações em que a tributação seja de fazer de modo diferente daquele que resulta dos elementos fornecidos pelo contribuinte ou, pelo menos, do entendimento tributar que este faz daqueles elementos.” In Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 275

No caso em apreço, a liquidação sindicada não foi efetuada conforme declarado pela Requerente porque esta havia declarado uma isenção que a AT, agora, não reconhece. (cfr. 3º e 5º dos factos provados)

A fórmula “«com base na declaração do contribuinte» deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efetuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos fatual e jurídico.” In LGT anotada, Diogo Leite Campos e outros, Encontro da Escrita, 4º Ed., 2012, pág. 508

A liquidação não foi feita integralmente com base na declaração da contribuinte. Pelo que, impunha-se, ao abrigo do art. 60º, n.º1, al. a) da LGT e do art. 267º, n.º5 da CRP, que a Requerente fosse notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação.

Termos em que se verifica a ilegalidade da liquidação por violação do direito de participação (art. 60.º n.º 1, al . a) da LGT).

 

V.3 Juros Indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43, nº1, da LGT, são os seguintes:

1-Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

2-Que o erro seja imputável aos serviços;

3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.530)

A anulação da liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral ficou a dever-se à omissão de uma formalidade processual. A anulação de um ato de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a AT não ter notificado a contribuinte para querendo, exercer o seu direito de participação, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do ato de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT. Cfr. Acs. do STA de 22.05.2013, proc. n.º 0245/13 e de 04/02/2009, proc. n.º 0766/08

Nestes termos, deve considerar-se que não se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, em virtude da anulação das liquidações, dado não estarem reunidos todos os pressupostos previstos no artº43, nº1, da LGT.

Improcede, pois, o pedido de juros indemnizatórios.

 

VI) DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação nº2019/..., no valor de €45.220,80 de IMT e €6.029,00 de IS e em consequência anular a liquidação;

b) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

c) Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

Fixa-se o valor do processo em €51.249,80 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, 15 de novembro de 2019  

O Árbitro

 

 (André Festas da Silva)