Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 423/2020-T
Data da decisão: 2021-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 5.484,11
Tema: CIRC – Artigo 23.º e Artigo 23.º-A (dedutibilidade de gastos do exercício)
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo                 Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, o qual foi constituído em 13 de novembro de 2020.

 

I.             RELATÓRIO

 

1. A… –…, S.A., Pessoa Coletiva N.º …, com sede na Rua …, Lote 46, Zona Industrial …, … …, (doravante, Requerente), apresentou no dia 27 de agosto de 2020 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, Requerida).

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:

(I) a anulação das liquidações adicionais de IRC que concernem os períodos de tributação de 2016 e 2017 — a Demonstração de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o n.º 2020 …, relativa a 2016 e a Demonstração de Liquidação de IRC com o n.º 2020 …, relativa a 2017 (doravante, ato impugnado);

(II) a condenação da Requerida à restituição do valor do imposto, de Euro 5.484,11, e respetivo montante de juros compensatórios associado, previamente pagos pela Requerente;

(III) a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios em relação à parte da liquidação impugnada; e

(IV) a condenação da Requerida nas custas do processo.

A Requerente alega que não concorda com as seguintes correções efetuadas pela AT no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), com os fundamentos melhor expostos na PI:

a) Gastos com trabalhos de remoção de cobertura de amianto no período de tributação de 2016 (referência no RIT III – 1.4.3.);

b) Indemnizações a clientes - B... III/C... no período de tributação de 2016 (referência no RIT III – 1.5.1.);

c) Indemnizações a clientes – D... no período de tributação de 2016 (referência no RIT III – 1.5.2.);

d) Gastos com aquisição de serviços de consultoria no período de tributação de 2016 (referência no RIT III – 1.6.);

e) Tributações autónomas relativas a despesas de representação no período de tributação de 2016 (referencia no RIT III – 2.1.);

f) Indemnizações a clientes – E... no período de tributação de 2017 (referência no RIT III – 5.4.1.);

g) Gasto com conservação e reparação no período de tributação de 2017 (referência no RIT III – 5.5.); e

h) Tributações autónomas relativas a despesas de representação no período de tributação de 2017 (referencia no RIT III – 6.2.).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28 de agosto de 2020, e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 14 de outubro de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 14 de outubro de 2020 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 13 de novembro de 2020.

 

6. Em 15 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.

 

7. A Requerida veio aos autos apresentar Resposta (na qual pugnou pela legalidade de todas as correções impugnadas pela Requerente) e juntar o processo administrativo em 21 de dezembro de 2020, dentro do prazo legal.

 

8. Em 22 de dezembro de 2020, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:              “Por aplicação do princípio da celeridade processual (e uma vez que não foram alegadas exceções na Resposta da Requerida) notifica-se a Requerente para: (i) informar os autos se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral; e, em caso afirmativo, (ii) indicar quais os factos que, em seu entender, deverão ser objeto desse meio de prova. Prazo: 10 dias”.

 

9. Em 4 de janeiro de 2021, em resposta ao despacho referido supra, a Requerente veio apresentar Requerimento no qual veio “(...) esclarecer que pretende inquirir as testemunhas arroladas, nomeadamente, à matéria constante dos pontos 12, 15, 16, 17, 22 a 25, 26, 30 a 35, 38, 40, 41, 43 a 46, 49 a 51 e 53 da petição inicial – o que se afigura útil como instrumento probatório em si mesmo, atenta a temática em causa, e também como complementar da prova documental constante nos autos.”

 

10. Em 25 de janeiro de 2021 foi proferido o seguinte despacho arbitral “Por se perspetivar útil ao apuramento da verdade material, determina-se a realização da reunião, prevista no art. 18.º do RJAT, no próximo dia 17 de março às 15h00, na qual se procederá à inquirição das testemunhas, a apresentar, que serão ouvidas nas instalações do CAAD, em Lisboa. A reunião será realizada por meios telemáticos, através do sistema de videoconferência Cisco Webex, utilizado pelo CAAD e de subscrição livre”.

 

11. A reunião foi realizada na data agendada, conforme Ata de Inquirição de Testemunhas por videoconferência, na qual: (i) a Requerente e a Requerida concordaram com a realização da diligência pelos meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS e com a respetiva gravação; (ii) foram ouvidas duas testemunhas, ambas arroladas pela Requerente; (iii) o Tribunal advertiu a Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente; (iv) o Tribunal fixou a data de dia 13 de maio para que seja proferida a decisão arbitral; e (v) foi concedido à Requerente e à Requerida o prazo de dez dias para que apresentassem alegações escritas (decorrido o prazo fixado, não foram apresentadas alegações).

 

II.            SANEAMENTO

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III.          MATÉRIA DE FACTO

 

III.1        FACTOS PROVADOS

 

1.            A Requerente é uma sociedade que se dedica essencialmente à importação, construção, comercialização e montagem de equipamentos industriais, com particular enfoque para a indústria de alimentos compostos para animais e para a indústria da biomassa, dispondo ainda de soluções para a indústria da madeira e indústria química;

 

2.            Em 2018, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributária, credenciado pelas Ordens de Serviço Externa n.º OI2018… e n.º OI2018…, que teve como objetivo o controlo da situação tributária global da Requerente, assumindo assim um âmbito geral, em sede de IRC, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto do Selo, e incidiu sobre os períodos de tributação de 2016 e 2017;

 

3.            Na sequência do procedimento de inspeção desencadeado, a Requerente foi notificada do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, através do Ofício n.º DIT1-… de 7 de novembro de 2019, conforme Documento n.º 3 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) proposto diversas correções;

 

4.            Nesse seguimento, no dia 6 de dezembro de 2019 a Requerente exerceu o seu direito de audição, por escrito.

5.            Ainda no âmbito daquele direito de audição, a Requerente optou por regularizar voluntariamente algumas correções propostas pela AT;

 

6.            Pese embora o alegado pela Requerente em sede de audição prévia, a AT entendeu que algumas das correções sindicadas seriam de manter, tal como resulta do Relatório Final da Inspeção (RIT);

 

7.            A Requerente procedeu ao pagamento do valor de imposto liquidado;

 

8.            No ano de 2016, na contabilidade da Requerente encontra-se contabilizado um gasto relativo a “Trabalhos de remoção de cobertura de amianto” cujo documento de suporte é a fatura no FAO 2016/293, emitida por “E...-..., SA”, NIF …, no montante de 25.796,40 €;

 

9.            11. Esta fatura encontra-se emitida nominalmente à Requerente, contudo o NIF aposto na fatura (NIF …) corresponde à sociedade “… - Trabalhos …, SA”. A Requerente juntou aos autos uma Declaração emitida pela E...-..., S.A. em 2 de janeiro de 2020 (Documento 8) com o seguinte teor:

 

 

 

10.          No decurso do ano de 2016, a Requerente pagou uma indemnização a uma das suas clientes, C... – …, Lda. (“C...”), à data dos factos designada “B… III – I…, Lda.”, que decorreu do incumprimento do prazo para a conclusão do fornecimento e montagem de um equipamento de uma linha para a produção de biocomposto;

 

11.          A proposta inicialmente apresentada para o referido fornecimento, no dia 4 de setembro de 2013, (Documento n.º 9), não previa qualquer penalização por incumprimento contratual, estabelecendo apenas um prazo de conclusão de, aproximadamente, 180 dias após a confirmação da encomenda;

 

12.          Quanto ao pagamento, estava previsto que 30% do valor acordado fosse pago com a confirmação da encomenda, sendo que o pagamento do remanescente ocorreria de acordo com a evolução da obra;

 

13.          No seguimento da adjudicação dos trabalhos, foi em 6 de junho de 2014 emitida a fatura nº 2014A15/326 no valor global da proposta (1.200.000,00 €) com o descritivo “Proposta nº 161-A/13 de 04.09.2013, Projeto Biocomposto para processamento de composto orgânico composto por...”;

 

14.          Esta fatura (junta ao relatório da inspeção como anexo 14) foi integralmente liquidada em 6 pagamentos efetuados entre 08/08/2014 e 22/10/2014;

 

15.          Em 6 de junho de 2015, foi celebrado entre as partes um acordo onde se previa que, por motivos relacionados com o projeto de investimento, bem como com os trabalhos prévios relativos aos pavilhões onde a unidade seria instalada, os trabalhos relativos à entrega dos equipamentos, à montagem e ao arranque da unidade estariam concluídos até ao dia 31 de maio de 2016;

 

16.          Este acordo previa ainda uma cláusula de penalização que determinava que, em caso de atraso a Requerente pagaria à “B...” a multa diária de 1.000,00 € até à conclusão da obra com o limite global de 314.500,00 €.

 

17.          Porém, em 23 de maio de 2016 (por aditamento ao referido acordo), as partes definiram o montante único de 236.340,00 € a pagar pela Requerente à sua cliente a título indemnizatório pelos atrasos verificados na obra tendo a “B...” emitido a fatura/recibo nº FC14/2 datada de 20.12.2016 com o descritivo “Indemnização” (pagamento que foi efetuado através da execução da garantia prestada sob a forma de letra comercial nº …, aceite nº 2015/001, no valor de 314.500,00€, com data de vencimento de 5 de junho de 2016, sendo que nessa mesma data, a B... III se obriga a devolver a diferença entre o valor da garantia prestada e o valor da indemnização ora fixada, ou seja a devolver o valor de 78.160,00€);

 

18.          A Requerente não deu cumprimento às normas contabilísticas e fiscais. Pois, da consulta à Declaração Anual do período de 2015 (denominada vulgarmente por IES) constata-se que não se encontra preenchida a informação relativa a contratos de construção, o que evidencia que a obra ainda estava em curso, sendo que no caso da obra não estar acabada em 2015, deveria constar; até porque teriam que existir rendimentos a reconhecer decorrentes da fatura emitida em 2014;

 

19.          Os registos contabilísticos do ano de 2016 não evidenciam a existência de centros de custo da obra, assim como não foram identificados gastos relacionados com a obra em causa, nem foram aplicadas as regras dos contratos de construção previstas na NCRF 19 e no artigo 19º do CIRC (regras estas minuciosamente dissecadas a fls. 46 do relatório da inspeção tributária);

 

20.          A contabilidade não reflete a existência desta obra em curso no final de 2015, nem a existência de gastos com a mesma incorridos em 2016;

21.          Em abril de 2014, a Requerente e a D... celebraram um contrato de empreitada para a conceção, fornecimento, transporte, instalação, montagem e arranque do equipamento integrante de uma fábrica de tratamento de rações a executar em …, no valor global de Euro 4.500.000,00, conforme cópia da proposta de fornecimento n.º 397-D/13 e do contrato que se juntam como Documento n.º 13 e 14;

 

22.          O referido contrato previa, na cláusula 5.ª, que a conclusão da empreitada devia ocorrer até ao dia 10 de julho de 2015;

 

23.          Por outro lado, a cláusula 13.ª do referido contrato de empreitada, atinente às penalidades, estabelecia que a Requerente incorria no pagamento de uma multa diária de 1/1000 do valor do contrato se, por causa que lhe fosse imputável, não cumprisse o prazo global de execução previsto naquele contrato (n.º 1 da referida cláusula) e que a referida multa não podia exceder o valor correspondente a 3% do preço da empreitada (n.º 2 da referida cláusula);

 

24.          As partes acordaram o pagamento de uma indemnização no valor de 135.000,00 €, que correspondeu ao valor máximo de indemnização prevista na referida cláusula (Euro 4.500.000,00 * 3%);

 

25.          A obra foi entregue pela Requerente à D... em dezembro de 2015;

 

26.          A Requerente realizou testes de produção na sequência dos quais verificou que existiam diversos problemas no funcionamento das máquinas (designadamente no moinho que era a peça fundamental para o funcionamento da fábrica da D...), problemas esses que levaram “dezenas de vezes” à paragem da fábrica por não poder funcionar em pleno sem que o moinho estivesse também a funcionar;

 

27.          No ano de 2016 a D... acionou a cláusula que prevê o pagamento de uma indemnização, para ressarcimento da D... pelos danos causados pelas ineficiências de funcionamento dos equipamentos, designadamente do moinho;

 

28.          No decurso do ano de 2016, a Requerente contabilizou como gasto a título de prestação de trabalhos especializados uma fatura/recibo relativa à aquisição de serviços de consultoria a G…, NIF …, no valor de 10.363,00€, com o descritivo: “Serviço de Consultoria”;

 

29.          Em 2016, foram identificados um conjunto de despesas contabilizados na rúbrica deslocações e estadas que diziam respeito a gastos com alimentação, alojamento, refeições e viagens com terceiros, nomeadamente a clientes e fornecedores;

 

30.          Os serviços da inspeção consideraram que parte destes gastos, no valor de 19.798,78 € correspondiam a despesas de representação, como tal enquadráveis na parte final do nº 7 do artigo 88º do CIRC e sujeitas ao agravamento de 10% nos termos do nº 14 do mesmo artigo, em virtude de a Requerente se encontrar numa situação de prejuízo fiscal no período em análise;

 

31.          Nas despesas requalificadas como despesas de representação: (i) não está identificado quem se deslocou, (ii) em que âmbito ocorreu essa deslocação de serviço, e, (iii) em que circunstâncias essas deslocações ocorreram, por forma a comprovar a natureza do gasto;

 

32.          Em 2017, a Requerente pagou uma indemnização, no valor total de Euro 100.000,00, à sua cliente E... – Produtos …, Lda. (“E...”), em virtude do atraso na entrega de equipamentos fabris, conforme cópia da fatura e proposta de fornecimento que se juntam como Documento n.º 16;

 

33.          A referida indemnização respeitou a uma proposta de fornecimento de equipamentos, no valor global de Euro 500.000,00 (Proposta n.º 631-D/14), para uma fábrica de rações e uma fábrica de fuba / milho britado, ambas localizadas em Angola, acordada em 2015, que previa que a entrega dos mesmos fosse realizada em, aproximadamente, 4 meses, contados a partir do dia 1 de maio de 2015 (i.e., até 31 de agosto de 2015);

 

34.          Posteriormente, e no que respeita à montagem daqueles equipamentos, teria esta que ser realizada no prazo de cerca de 3 meses, caso contrário encontrava-se contratualmente prevista uma penalização, por respeito ao incumprimento de qualquer daqueles prazos, no valor de 1/1000 do valor do contrato (Euro 500.000,00) por cada dia de atraso, até a um máximo de 30 dias;

 

35.          Conforme relatado pelos serviços da inspeção, esta proposta foi objeto de faturação nos seguintes termos: (i) Fatura n.º FT 2015A15/738, de 2015-11-13, no valor de 200.000,00€, relativa a 40% do valor da proposta nº 613-D/14, pela adjudicação (pagamento antecipado em 17-4-2015); (ii) Fatura n.º FT 2015A15/822, de 2015-12-15, no valor de 250.000,00€, relativa a 50% do valor da proposta nº 613-D/14, pela disponibilidade da carga; (iii) Fatura n.º FT 2016A29/2, de 2016-01-18, no valor de 50.000,00€, relativa a 10% do valor da proposta nº 613-D/14, com a conclusão dos trabalhos;

 

36.          Os equipamentos em causa se destinavam a ser exportados para Angola e não ficaram todos disponíveis para ser expedidos na mesma data, — a Requerente juntou aos autos três Certificados Comprovativos de Exportação (o primeiro com a data de 23-11-2015, com a data de saída 18-11-2015 e com o descritivo “Maquina”; o segundo com a data de 28-12-2015, com a data de saída 24-12-2015 e com o descritivo “MAQ IND DE RACOES”; e o terceiro com a data de 11-02-2016, com a data de saída 06-02-2016, com o descritivo “MÁQUINAS P/ INDUSTRIA DE RACOES”), referindo-se os três ao Exportador E... – Produtos Agrícolas e Pecuários, Lda. (“E...”) e ao Fornecedor (a Requerente);

 

37.          Da análise à documentação de suporte relacionada com este gasto, verifica-se que o pagamento desta indemnização resultou do facto de a Requerente não ter cumprido o prazo contratualizado para a entrega dos equipamentos fabris;

 

38.          O incumprimento deste fornecimento é, também, corroborado pelos certificados comprovativos de exportação que evidenciam que só em 18 de janeiro de 2016 os equipamentos se encontravam disponíveis para montagem;

 

39.          Ora, perante esta situação de incumprimento contratual (matéria em que a inspeção tributária e a Requerente estão em acordo), designadamente no prazo para entrega dos equipamentos, a proposta de fornecimento adjudicada previa (como supra referido vimos anteriormente, uma penalização 1/1000 por dia de atraso, no máximo 30 dias, o que levaria a uma indemnização máxima de 15.000,00 € (500.000,00€/1000 = 500,00€/dia, isto é 500,00€x30=15.000,00€) pelo que, este seria, o valor máximo a pagar a título de indemnização por incumprimento);

 

40.          Ora, tal como consta dos autos, o valor da indemnização paga ascendeu a 100.000,00€, valor acordado entre as partes, conforme fatura nº FA2 B117/15 de 29.02.2017 (ver anexo 34 junto ao relatório da inspeção tributária);

 

41.          Em 2017, a Requerente recebeu a indicação por parte de um dos seus maiores clientes, a “D...”, de que se verificaram algumas anomalias técnicas numa das suas instalações de líquidos, em resultado de trabalhos por si efetuados;

 

42.          No seguimento destas anomalias, a “D...” debitou à Requerente as despesas suportadas, no valor total de 13.140,57 €, conforme fatura nº 2/000127 de 24.02.2017 (cópia da fatura junta em anexo 35 ao relatório da inspeção). Em anexo à fatura que suporta este gasto, a fatura nº 2/000127, de 24.02.2017, consta uma listagem com a descrição dos gastos suportados pela “D...”;

 

43.          Deste modo resulta demonstrado que a fatura emitida pela “D...” diz respeito aos gastos por esta suportados com a resolução desta anomalia;

 

44.          A fatura emitida pela “D...” vem acompanhada de uma listagem denominada “Descrição dos Encargos Suportados pela D...” e de um Relatório de Assistência Técnica com o n.º 006, aberto em 2016-12-12;

 

45.          A Requerente dispõe de um seguro de responsabilidade civil exploração, apólice … da H… Seguros (…,SA, NIF …);

 

46.          A Requerente, informada das anomalias, acionou o seu seguro de responsabilidade civil para a cobertura dos danos verificados nos equipamentos da D... na sequência dos trabalhos de intervenção realizados e a seguradora pagou uma indemnização à Requerente;

 

47.          Em 2017, a Requerente contabilizou na rúbrica deslocações e estadas, um conjunto de despesas que diziam respeito a gastos com alimentação, alojamento, refeições e viagens com terceiros, nomeadamente a clientes e fornecedores;

 

48.          Pelo efeito, os serviços da inspeção consideraram que parte destes gastos, no valor de 27.123,28 € correspondiam a despesas de representação, como tal enquadráveis na parte final do nº 7 do artigo 88º do CIRC e sujeitas ao agravamento de 10% nos termos do nº 14 do mesmo artigo, em virtude de a Requerente se encontrar numa situação de prejuízo fiscal no período em análise.

 

 

III.2        FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

 

 

III.3        FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados  em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos foram dados como provados com base:

(i) nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles, e

(ii) nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente, ouvidas na audiência identificada no Relatório da presente Decisão Arbitral. A Requerente prescindiu do depoimento da testemunha G..., e foram ouvidas as testemunhas I… (trabalhador da D..., que trabalhou como fiscal da obra realizada pela Requerente) e J… (trabalhador da Requerente). Ambas as testemunhas prestaram os seus depoimentos (sobre os factos descritos nos artigos 26.º a 32.º e 94.º e 104.º da PI) de forma clara, revelando ter conhecimento direto e pessoal dos factos sobre os quais prestaram o seu depoimento.

 

 

 

 

IV.          DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

 

Uma vez que estão em causa diversas questões, cada uma delas com diversas particularidades, a presente Decisão Arbitral seguirá a mesma lógica dos articulados, analisando individualmente cada um dos gastos em análise:

 

A) GASTOS COM TRABALHOS DE REMOÇÃO DE COBERTURA DE AMIANTO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.4.3.):

 

A Requerida desconsiderou os gastos declarados pela Requerente com “Trabalhos de Remoção de cobertura de amianto” cujo documento de suporte é a fatura FAO 2016/293, emitida por “E...-..., SA”, no montante de 25.796,40 €, que se encontra emitida nominalmente à Requerente. Contudo, o NIF aposto na fatura corresponde à sociedade “… - Trabalhos …, SA” (entidade distinta da Requerente). Considera a Requerida que a fatura não respeita as formalidades previstas nos artigos 36.º n.º 5 do CIVA e no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC e, por conseguinte, entende que a fatura não pode ser aceite como documento de suporte do gasto, devendo assim o gasto ser desconsiderado. A Requerente insurge-se contra esta correção, defendendo a aplicação do princípio da substância sobre a forma, defendendo tratar-se de um lapso.

 

Vejamos:

 

O n.º 4 do disposto no artigo 23.º do CIRC prevê:

“No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional”;

 

A redação do atual número 4 do artigo 23.º do CIRC foi introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, passando a prever para efeitos de IRC as formalidades que devem ser respeitadas (para efeitos de IRC) pelas faturas utilizadas pelos Sujeitos Passivos para que os gastos considerados sejam dedutíveis para efeitos fiscais. Até à entrada em vigor do diploma que republicou o CIRC, o entendimento da jurisprudência era o transcrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de maio de 2015:

 

“A questão que se coloca é saber, em concreto, em sede de IRC, qual o conteúdo que o documento deve ter, ou seja, quais as formalidades que deve respeitar determinado documento, para que se tenha por “devidamente documentado”, uma vez que o CIRC não estabelece qualquer noção, ao contrário do que sucede em sede de IVA em que se estabelece a obrigatoriedade de emissão de factura (art. 29.º, .º 1, alínea b) do CIVA) com as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA.

Como se decidiu no Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11 “[e]m sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”

Nesse mesmo sentido, veja-se também o Acórdão do TCAS, de 23/04/2015, proc. n.º 06468, no qual também fomos Relatora, no qual se sumariou o seguinte: “I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam; II. Os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.”

Em suma, conclui-se então, que em sede de IRC, o documento justificativo do gasto para efeitos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as faturas em sede de IVA”.

 

O artigo 42.º do CIRC (na versão em vigor antes da republicação), corresponde ao atual artigo 23.º-A do CIRC, que prevê no n.º 1 al. (c) que não são dedutíveis para efeitos fiscais, “Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem  como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º”.

 

Na situação em análise, os encargos que a Requerente deduziu ao seu lucro tributável não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º-A n.º 1 al. (c) do CIRC, porque o documento de suporte (a fatura) não respeita as regras previstas nas alíneas do artigo 23.º n.º 4 alínea (a) e (b) CIRC, uma vez que tem de haver uma correspondência entre: o titular da denominação social indicada na fatura, nos termos da alínea (a) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, e o titular do NIPC indicado na fatura, nos termos da alínea (b) do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC. Para efeitos de IRC, a jurisprudência tem entendido que a falta de formalidades da fatura faz incidir sobre o Sujeito Passivo o ónus da prova da efetiva realização da operação, prova essa que pode ser produzida por prova documental e/ou por prova testemunhal.

 

A Requerente defende a admissibilidade do gasto com base no princípio da substância sobre a forma, defendendo que o gasto deverá ser considerado “conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos”, defendendo a sua posição com base no Acórdão do TJUE de 15 de setembro de 2016 (Processo C-518/14) que afirma          “(…) a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (…) Ora, como recordado no n.º 29 do presente acórdão, a posse de uma fatura com as menções previstas no artigo 226.º da Diretiva 2006/112 constitui um requisito formal e não um requisito substancial do direito à dedução do IVA”.

 

A Requerente recorre às regras do ónus da prova para defender que “a AT não recolheu ou apresentou qualquer prova que suscitasse algum tipo de dúvida sobre a utilidade ou necessidade das despesas em que a Requerente, reconhecidamente, incorreu” “E, ao ser incapaz de provar, sem dúvida razoável, a sua suspeição, a AT incumpriu com o princípio estatuído no artigo 74.º da LGT, que faz pender sobre a primeira o ónus de provar os factos invocados”. A Requerente não tem razão.

 

Começando pela regra do ónus da prova, prevista no disposto no artigo 74.º da LGT, esta regra tem de ser interpretada em consonância com o disposto no artigo 75.º da LGT. O n.º 1 do artigo 75.º da LGT prevê: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. No caso concreto, não estão verificados os requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos (artigo 23.º n.º 4 e artigo 23.º-A n.º 1 al. c) do CIRC), uma vez que existe uma desconformidade entre a identificação da denominação social e do NIPC do adquirente do serviço descrito na fatura, justificando-se assim que passe a caber ao Sujeito Passivo o ónus da prova do direito que invoca — ou seja, o ónus da prova da efetiva ocorrência do custo formalizado na fatura que não cumpre os pressupostos legais.

 

Mesmo recorrendo à jurisprudência exposta supra, que respeitava ao disposto no artigo 23.º do CIRC na redação em vigor antes da republicação, teremos de concluir que na PI a Requerente limita-se a afirmar que o erro registado na fatura: “ tratou-se de um lapso da F..., que inclusive, quando solicitado, elaborou uma declaração esclarecendo esse aspeto, juntando elementos que evidenciam que o serviço se destinava à Requerente e era a si que devia ser faturado, conforme Documento n.º 8 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”.

 

Ora, a declaração identificada pela Requerente, junta como Documento 8, foi emitida e assinada pela F... S.A. em 2 de janeiro de 2020, ou seja, quando o procedimento de inspeção tributária se encontrava concluído. Na referida declaração a entidade emitente assume um “lapso”, contudo, tal declaração não constitui meio de prova idóneo para demonstrar os elementos essenciais da fatura, designadamente (i) que o serviço foi efetivamente prestado à Requerente, e (ii) que tipo, quando e porque valor o serviço foi prestado. Esta questão assume particular importância uma vez que as faturas emitidas pelos Sujeitos Passivos com contabilidade organizada são remetidas para a AT através do ficheiro SAF-T (criado pela Portaria n.º 321-A/2007 de 26/03), o que determina que deva ser dada uma particular importância à identificação do número de contribuinte do destinatário do serviço, uma vez que as informações que constam das faturas são automaticamente remetidas para a AT — sendo os intervenientes identificados sobretudo com base no número de contribuinte — permitindo o cruzamento de dados, e justificando a instauração de procedimento de inspeção no caso de as informações não serem precisas.

 

Do exposto, facilmente se conclui que os elementos de prova apresentados pela Requerente não permitem a aplicação do princípio a substância sobre a forma, uma vez que a substância (a efetiva prestação do serviço à Requerente e a imputação do gasto com o serviço à mesma) não está demonstrada nos presentes autos pela Requerente, sendo certo que conforme resulta amplamente da jurisprudência, essa prova poderia ser feita através de qualquer meio de prova como a prova testemunhal. Vide neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07 de maio de 2020, proferido no processo n.º 543/05.0BELSB, entre muitos outros, designadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 9 de Março de 2006, proferido no processo n.º 00132/04, que assumiu o seguinte entendimento:

 

“I - As despesas, para que relevem como custos fiscais, devem estar devidamente documentadas, como resulta do art. 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, ou seja, devem estar comprovadas por documento externo que respeite as formalidades impostas pelo art. 35.º, n.º 5, do CIVA, disposição legal que deve considerar-se aplicável a todo o ordenamento jurídico-tributário.

II - Não o estando, cessa a presunção de que a contabilidade é verdadeira (prevista, à data, no art 78.º do CPT e, hoje, no art. 75.º da LGT).

III - No entanto, caso as despesas estejam insuficientemente documentadas (contrariamente ao que sucede em sede de IVA, onde não é possível a dedução do imposto, atento o que dispõe o art. 19.º, n.º 2, do respectivo código), admite-se ainda que o contribuinte comprove o respectivo custo, como lho impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente e do montante do gasto, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal).

IV - Compete então ao contribuinte demonstrar inequivocamente, por aqueles meios, a realidade da operação subjacente ao lançamento contabilístico e respectiva quantificação.

V - Não logrando o contribuinte fazer essa demonstração, não merece censura a correcção ao lucro tributável efectuada pela AT com base na insuficiente documentação da despesa”.

Concluímos assim que, a declaração junta aos autos pela Requerente não constitui meio de prova suficiente para que o Tribunal considere legítima a dedução do gasto refletido na fatura, devendo assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

B) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES - B... III/C... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.5.1.):

 

A Requerente entende que a decisão de pagamento da indemnização em análise neste ponto do RIT, em consequência do atraso no cumprimento do Acordo assinado em 5 de junho de 2015 com a B... III/C..., constitui uma decisão de gestão, no âmbito da qual a AT não se deverá imiscuir por respeito ao princípio da autonomia privada. Defende a Requerente que a indemnização teve uma motivação empresarial genuína, preenchendo-se assim o disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

Note-se que os argumentos apresentados pela Requerente não poem em causa os argumentos apresentados pela Requerida, que no artigo 42.º da contestação põe em causa a argumentação da Recorrente, ao afirmar que:

 

“Foram solicitados à Requerente, e também ao cliente da obra, documentação que comprovasse a situação de atraso invocada, nomeadamente o cronograma da obra, comunicações entre as empresas, guias de transporte do material em data posterior à data-limite da acordada para a conclusão da obra, entre outros documentos detalhadamente descriminados no relatório da inspeção tributária (fls. 46 e 47). Contudo nem a ora requerente, nem o cliente, apresentaram qualquer prova de que tenha de facto existido atraso e que o mesmo seja da responsabilidade do fornecedor;

Também não foram apresentados quaisquer elementos de suporte ao valor fixado a título de indemnização, não é possível conhecer porque foi fixado o valor de 236.340,00 € e não qualquer outro.

Por outro lado, a Requerente não deu cumprimento às normas contabilísticas e fiscais. Pois, da consulta à Declaração Anual do período de 2015 (denominada vulgarmente por IES) constata-se que não se encontra preenchida a informação relativa a contratos de construção, o que evidencia que a obra ainda estava em curso, sendo que no caso da obra não estar acabada em 2015, deveria constar; até porque teriam que existir rendimentos a reconhecer decorrentes da fatura emitida em 2014;

Os registos contabilísticos do ano de 2016 não evidenciam a existência de centros de custo da obra, assim como não foram identificados gastos relacionados com a obra em causa, nem foram aplicadas as regras dos contratos de construção previstas na NCRF 19 e no artigo 19º do CIRC (regras estas minuciosamente dissecadas a fls. 46 do relatório da inspeção tributária)”.

 

Remetemos no que respeita a esta questão, também para o exposto no ponto anterior relativamente à repartição do ónus da prova, uma vez que o que a Requerida põe em causa quando desconsidera este gasto, é a substância da operação, ou seja, a Requerida põe em causa a alegada fundamentação que levou à consideração do valor descrito a título de indemnização, uma vez que não foi apresentada documentação de suporte que “comprovasse a situação de atraso invocada, nomeadamente o cronograma da obra, comunicações entre as empresas, guias de transporte do material em data posterior à data limite da acordada para a conclusão da obra, entre outros documentos detalhadamente descriminados no relatório da inspeção tributária”, e não foi também apresentada documentação de suporte que justifique o pagamento da indemnização.

 

Na PI a Requerente veio trazer os seguintes elementos para os autos:

(i) a proposta inicialmente apresentada pela Requerente (Proposta Nº 161-A/13 de 04/09/2013) que refere um prazo de execução da obra de “Aprox. 180 Dias após confirmação de encomenda” que efetivamente não refere o pagamento de qualquer indemnização;

(ii) carta remetida pela Requerente à B... III – … Lda., em 18/12/2015 que refere um pedido de desculpas e compreensão pelos inconvenientes de ainda não terem a linha de processo totalmente montada e a funcionar, referindo ser previsível que em fevereiro de 2016 tal acontecerá;

(iii) Acordo assinado em 5 de junho de 2015 entre as mesmas entidades que assinaram a proposta, que refere que estabelece um novo prazo para a conclusão dos trabalhos previstos na Proposta com termo em 31 de maio de 2016 (mais de dois anos após a data da Proposta), e estabelece na cláusula segunda que em caso de atraso, a Requerente ficaria obrigada ao pagamento de uma multa diária de EUR 1000 (mil euros) até à conclusão da obra, até ao limite global de EUR 314500 (trezentos e catorze mil e quinhentos euros), tendo sido entregue pela Requerente uma letra comercial, melhor identificada na matéria de facto, no valor máximo da indemnização com data de vencimento de 5 de junho de 2016.

 

Na PI a Requerente entende que está claramente provado que o atraso se verificou. Contudo, os documentos juntos aos autos pela Requerente não demonstram, de forma inequívoca, por um lado que o atraso se verificou, e por outro lado de quanto tempo teria sido efetivamente o atraso, por forma a justificar o montante de indemnização alegadamente pago pela Requerente (note-se que o montante era variável em função dos dias exatos de atraso). O incumprimento do dever de esclarecimentos, através da apresentação de documentação de suporte, constitui uma das circunstâncias que permite afastar a presunção de verdade do artigo 75.º da LGT, e fazer recair sobre o Sujeito Passivo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito alegado (remetemos no que respeita a este ponto para o exposto no ponto anterior).

 

Alega a Requerida que solicitou à Requerente, e também ao cliente da obra, documentação que comprovasse a situação de atraso invocada, nomeadamente o cronograma da obra, comunicações entre as empresas, guias de transporte do material em data posterior à data limite da acordada para a conclusão da obra, entre outros documentos detalhadamente descriminados no relatório da inspeção tributária (fls. 46 e 47). Contudo nem a ora requerente, nem o cliente, apresentaram qualquer prova de que tenha de facto existido atraso e que o mesmo seja da responsabilidade do fornecedor.

 

Aplicando as regras de experiência comum, não é razoável a inexistência de trocas de emails, documentos relativos ao desenvolvimento dos trabalhos como o cronograma da obra, que permitam demonstrar nos autos a efetiva verificação dos factos constitutivos do direito à indemnização, e do valor da indemnização alegadamente paga. Note-se que é uma obra no valor de um milhão e duzentos mil euros na qual:

(i)           70% do preço é pago de acordo com a evolução da obra; mas

(ii)          a fatura da obra, pelo valor integral, é emitida em 2014; e

(iii)         um ano depois da emissão da fatura (em 5 de junho de 2015) é assinado um acordo que prevê o pagamento de uma multa num valor correspondente a cerca de 26% do preço da obra, num momento em que o prazo (180 dias) já se encontrava há muito excedido.

 

Retomando o exposto no ponto anterior, a prova poderia ter sido produzida pela Requerente ainda que fosse através de prova testemunhal. Contudo, as testemunhas arroladas pela Requerente não prestaram qualquer declaração relativamente aos elementos essenciais da indemnização descrita. Concluímos assim que a documentação junta aos autos pela Requerente não constitui meio de prova suficiente para que o Tribunal considere legítima a consideração do gasto com a indemnização declarado pela Requerente, o que implica que esta designada indemnização não pode ser considerada como gasto admissível ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, devendo assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

C) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES – D... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.5.2.):

 

Em abril de 2014 a Requerente e a D... celebraram um contrato de empreitada para a conceção, fornecimento, transporte, instalação, montagem e arranque do equipamento integrante de uma fábrica de tratamento de rações a executar em …, no   valor global de Euro 4.500.000,00, conforme cópia da proposta de fornecimento n.º 397-D/13 e do contrato que se juntam como Documento n.º 13 e 14, contrato este melhor descrito na matéria de facto dada como provada para a qual remetemos.

 

A Requerida decidiu não admitir o gasto deduzido pela Requerente correspondente ao valor máximo da indemnização prevista no contrato (3% de EUR 4.500.000), uma vez que a Requerida entende que não foram apresentados elementos comprovativos da situação invocada, que demonstrem designadamente: (i) a existência de atrasos, e (ii) a responsabilidade da Requerente que justifique a indemnização — elementos estes que a Requerida entende que devem estar comprovados documentalmente.

 

Ora, na sequência de todo o exposto na presente Decisão Arbitral, uma vez que o gasto está documentado através da fatura apresentada pela Requerente e do contrato de empreitada (analisado nos autos) — documentação essa que a Requerente juntou aos autos, em cumprimento do ónus da prova que lhe cabia — a Requerente complementou esta documentação com o depoimento das testemunhas arroladas que demonstraram de forma clara (i) quer a existência de atrasos (a primeira testemunha reforçou que embora a fábrica estivesse concluída em dezembro de 2015, os atrasos no funcionamento verificaram-se até 2020), (ii) quer a responsabilidade da Requerente (que foi a entidade responsável pela instalação e colocação em funcionamento das máquinas que integraram a fábrica).

 

Ambas as testemunhas declararam ter conhecimento de que houve lugar ao pagamento da indemnização, para ressarcimento dos danos causados pelas dezenas de vezes que a D... se viu impedida de exercer a sua atividade em consequência das falhas de funcionamento do moinho (que era uma das máquinas mais importantes para o funcionamento da fábrica da D...). Resulta assim do exposto que, no que respeita a este ponto, o Tribunal não dá razão à Requerida, uma vez que a prova testemunhal produzida nos autos permitiu à Requerente reforçar a prova produzida pela documentação de suporte apresentada — que traduz o pagamento de uma indemnização, que corresponde a um valor que está de acordo com o valor previsto no contrato celebrado pelas partes. Pelo que — partindo da linha orientadora da presente Decisão Arbitral, na qual acompanhamos a jurisprudência que entende que o suporte documental dos gastos pode ser complementado através da apresentação de prova testemunhal — no que respeita a este ponto, este Tribunal considera que a Requerente cumpriu o ónus da prova que lhe cabia, devendo, por conseguinte, o ato impugnado ser corrigido nesta parte.

 

D) GASTOS COM AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.6.);

 

No que respeita a este ponto, a Requerida alega que “o descritivo desta fatura-recibo se revela insuficiente para avaliar o tipo de serviço em causa, em face do que foram solicitados à Requerente elementos adicionais que permitissem comprovar os serviços prestados pelo Engenheiro G..., nomeadamente cópia do contrato de prestação de serviços, troca de correspondência (como por exemplo emails trocados), relatórios das reuniões realizadas, evidencia das deslocações ao escritório da Requerente para as alegadas reuniões entre o Engenheiro e o Diretor Comercial/Administrador”.

 

A Requerente reforça mais uma vez o seu entendimento com base nas regras do ónus da prova, fazendo incidir sobre a AT o dever de elidir a presunção de verdade de que gozam os documentos de suporte (designadamente as faturas) apresentadas pelo Sujeito Passivo, e refere ainda ter-se disponibilizado para entregar elementos adicionais, embora não tenha junto qualquer dos elementos mencionados com a PI, conforme era seu ónus.

 

A questão colocada pela Requerida prende-se não com a substância da operação que deu origem à emissão da fatura (aliás a Requerida nunca põe em causa que o serviço de consultoria tenha sido prestado), mas sim com uma das suas formalidades: o descritivo do serviço prestado, que segundo a Requerida “se revela insuficiente para avaliar o tipo de serviço em causa”.

 

Voltando à letra do atual artigo 23.º do CIRC:

“3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados”.

 

No caso concreto, a fatura em causa constitui uma fatura/recibo emitida no sistema informático da AT (no Portal das Finanças). Contudo, o prestador de serviços está registado para exercício da atividade de “consultoria” e na descrição dos serviços prestados afirma genericamente que prestou serviços de “consultoria”, o que não permite aferir, com o grau de certeza exigível, a que serviços respeitou a mencionada fatura, não tendo resultado provado que se tratou de serviços relacionados com a atividade da Requerente.

 

Conforme decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07 de maio de 2020, proferido no processo n.º 543/05.0BELSB (o qual acompanhamos):

 

“Considerou o Tribunal a quo, a este respeito, que a Recorrida logrou demonstrar que tal custo se enquadra no âmbito do art.º 23.º do CIRC, atento o contrato de prestação de serviços junto, celebrado entre a Recorrida e J….., e, bem assim, a listagem discriminada das alegadas prestações de serviços.

Desde já se adianta que não se acompanha este entendimento, por se considerar que a prova produzida não permite concluir nos termos em que foi feito.

Em primeiro lugar, e quanto ao contrato de prestação de serviços, o mesmo apresenta-se como um contrato amplo, onde é globalmente referido que J….. prestará os serviços de elaboração, coordenação e acompanhamento de projetos de consultoria e estudos, abrangendo as diversas vertentes da gestão, em particular na vertente comercial e marketing e, bem assim, serviços de formação.

Não estão minimamente circunstanciados no tempo os serviços a prestar nem a sua concreta configuração ou caraterização.

Portanto, este contrato, isoladamente, não é passível de suprir as insuficiências constantes da fatura emitida.

Por outro lado, essas mesmas insuficiências não se podem considerar supridas pelo documento de “justificação da factura n.º 32”, mencionado em 12 do probatório. Com efeito, trata-se de um documento sem qualquer indicação da sua autoria, onde se elenca as prestações de serviços que terão sido efetuadas e seu valor individual. Ou seja, trata-se de documento de origem interna, que por si só não tem a apetência para suprir as insuficiências do descritivo da fatura.

Com efeito, face às mencionadas insuficiências do descritivo da fatura, é exigido que sejam cabalmente demonstradas as prestações de serviços em causa, o que não é atingido com um mero documento interno como a mencionada listagem, o qual, por si só, não contém qualquer elemento que permita considerar que a sua origem seja externa à Recorrida.

Assim, face à prova produzida não é possível aferir, com o grau de certeza exigível, a que serviços respeitou a mencionada fatura, não tendo resultado provado que se tratou de serviços relacionados com as empresas C….., I….., G….. e K….., ao contrário do alegado pela Recorrida.

Não tendo tal ficado provado, face à prova produzida, sendo que caberia à Recorrida o ónus da prova em causa, tal implica que não se possa considerar o custo admissível ao abrigo do art.º 23.º do CIRC. Este entendimento de modo algum atenta contra os princípios enformadores da tributação, porquanto trata-se de exigências em termos de ónus da prova, determinadas por insuficiências da documentação de suporte a um custo que caberia à própria Recorrida evitar e/ou suprir”.

 

No caso concreto, à semelhança da situação exposta no Acórdão em referência, face às mencionadas insuficiências do descritivo da fatura, era exigido à Requerente que fossem cabalmente demonstradas as prestações de serviços em causa, ónus que a Requerente não cumpriu, desde logo porque na PI não apresenta qualquer prova documental que complemente a fatura emitida (e que permita relacionar a atividade da Requerente com os serviços alegadamente prestados pela entidade emitente da fatura).

 

Neste sentido, para além das eventuais propostas/orçamentos apresentados (que não se compreende porque razão não foram juntos com a PI), teria sido importante a apresentação da troca de correspondência, designadamente mensagens de correio eletrónico (meio usual de comunicação), bem como o produto final deste trabalho de consultoria. Diz-nos as regras de experiência comum que tendo sido faturados serviços de consultoria num valor superior a dez mil euros, é expectável que o consultor produza um parecer escrito (nem que seja através de mensagem de correio eletrónico).

 

Mais uma vez remetendo para o exposto no ponto (A) da apreciação jurídica da presente decisão arbitral, este Tribunal dá razão à Requerida, uma vez que, face à prova produzida pela Requerente, não é possível aferir com o grau de certeza exigível, a que serviços respeitou a mencionada fatura. Desta forma, no que respeita a este ponto, este Tribunal considera que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que lhe cabia, devendo assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

E) TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS RELATIVAS A DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERENCIA NO RIT III – 2.1.);

 

A Requerida desconsiderou ainda os custos melhor descritos no RIT que respeitam a lançamentos contabilísticos relativos a “deslocações e estadas” que dizem respeito a gastos com alimentação, alojamento, refeições e viagens. A Requerida encontrou diversas incongruências designadamente no que respeita à identificação das pessoas que beneficiaram dessas despesas, melhor descritas no RIT, que levaram a Requerida a requalificar as referidas despesas como despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º n.º 7 do CIRC.

 

Mais uma vez, em sua defesa, a Requerente limita-se a invocar a aplicação do artigo 74.º da LGT e a defender que a Requerida não logrou cumprir o ónus da prova da          factualidade que alega. Contudo, a Requerente, mais uma vez, (i) não identifica claramente os beneficiários das viagens/alojamentos/refeições identificados pela Requerida; e                 (ii) não apresenta qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, que comprove que os beneficiários das viagens eram clientes, ou que as viagens realizadas tinham como objetivo a prospeção de mercados.

 

Nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de janeiro de 2018 “II. Por força do artigo 74.º n.º 1 LGT, compete à Administração Fiscal o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo visado, em ordem a exercer o seu direito de corrigir as pretendidas deduções dos montantes respetivos a título de custos fiscais. III. É sobre a Administração Fiscal que incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos que a determinaram a efetuar correções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material. IV. Tendo a Administração Fiscal, posto em dúvida a necessidade do custo contabilizados pela Recorrente, competia-lhe provar a existência da indispensabilidade tais despesas o que não logrou fazer”.

 

Nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de janeiro de 2017, proferido no processo n.º:09894/16:

“6. As despesas de deslocações e estadas são as suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C., quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respetivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal.

7. A prova do custo pode ser efetuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respetivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efetividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele refletidos.

8. O P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

9. Actualmente para o conceito de despesas de representação deve atender-se ao artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

10. A tributação autónoma das despesas de representação está actualmente incluída no artº.81, nº.3, do C.I.R.C., sendo a taxa de 20%. A sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo.

11. Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados.

12. Se do exame da factualidade provada se conclui que estamos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, não se podem qualificar tais custos como despesas de representação, mas antes como custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade.”

 

O atual artigo 88.º n.º 7 do CIRC prevê que: “São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

 

No caso concreto, conforme exposto supra, a Requerente (i) não identifica claramente              os beneficiários das viagens/alojamentos/refeições identificados pela Requerida; e                 (ii) não apresenta qualquer meio de prova, designadamente prova testemunhal, que comprove que os beneficiários das viagens eram clientes, ou que as viagens realizadas tenham como objetivo a prospeção de mercados.

 

O que significa que a Requerente não logrou afastar a prova produzida pela Requerida no âmbito do procedimento de inspeção tributária que permitiu o enquadramento de tais despesas na letra do artigo 88.º nº 7 do CIRC, por constituírem “despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

 

Note-se que a Requerida nem tão pouco apresenta qualquer elemento de prova (como os bilhetes de avião, os comprovativos de reserva do Hotel ou mesmo prova testemunhal) que permita criar uma relação entre o gasto suportado pela empresa, o beneficiário, e o fim empresarial pretendido. Pelo contrário, a Requerente limita-se a suscitar a aplicação do disposto no artigo 74.º da LGT, o que não chega, uma vez que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que a Requerente se arroga cabe à mesma, conforme resulta amplamente da jurisprudência citada supra, pelo que, o Tribunal não pode considerar as despesas apresentadas como gasto dedutível ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, devendo assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

F) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES – E... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2017 (REFERÊNCIA NO RIT III – 5.4.1.);

 

No que respeita a esta correção, entende a Requerente que, não obstante a indemnização prevista no acordo celebrado com a E... (que a Requerente entende que respeita a atrasos na entrega e/ou montagem dos equipamentos adquiridos pela E..., e que tem a função de garantia mínima para a última) ser limitada ao valor de EUR 15000, ao abrigo da necessidade de salvaguardar a relação profissional com o cliente, deve ser considerado pela Requerida, nos termos do artigo 23.º do CIRC, o gasto correspondente ao pagamento de uma indemnização no valor de EUR 100000 (cem mil euros).

 

No que respeita a este ponto, remetemos para o exposto no ponto “B) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES - B... III/C... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.5.1.)” da presente Decisão Arbitral.

 

No caso concreto, a Requerente não apresenta qualquer meio de prova que seja suscetível de permitir comprovar o atraso na exportação dos equipamentos, e os atrasos subsequentes na montagem e preparação dos mesmos para o início da sua utilização — factos que seriam facilmente comprováveis através (i) de troca de correspondência, designadamente mensagens de correio eletrónico, e (ii) de documentos de suporte dos cálculos efetuados para apuramento da indemnização num valor várias vezes superior ao valor fixado inicialmente. Note-se que nesta situação, nem foi junta aos autos a correspondência trocada pelas partes com vista à fixação do acordo de pagamento de uma indemnização no valor de EUR 100000 (valor correspondente a 20% do preço do contrato).

 

A correção determinada pela AT (no valor de EUR 85000) foi efetuada com base na inexistência de documentação de suporte que justifique qualquer valor que exceda o valor inicialmente fixado pelas partes (com o limite de EUR 15000). E esteve bem a Requerida ao realizar tal correção, uma vez que o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC determina que: “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. Na falta de documentação que suporte o gasto, cabe à Requerente lançar mão dos meios de prova ao seu dispor, como a prova testemunhal — o que também não fez. Face ao exposto, deverá assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

G) GASTO COM CONSERVAÇÃO E REPARAÇÃO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2017 (REFERÊNCIA NO RIT III – 5.5.); E

 

Alega a Requerente que em 2017 recebeu a indicação por parte de um dos seus maiores clientes (a D...) que se verificavam algumas anomalias técnicas numa das suas instalações de líquidos em resultado de trabalhos efetuados pela Requerente nas instalações da D.... Após inspeção realizada pela equipa técnica da Requerente, a D... debitou à Requerente as despesas suportadas (num valor de EUR 13140,57), e a Requerente acionou o seu seguro de responsabilidade civil. Afirma a Requerente que a indemnização foi paga pela seguradora, embora num valor inferior ao valor previamente pago pela Requerente à D....

 

Também no que respeita a esta correção, o Tribunal terá de dar razão à Requerida. Efetivamente, o disposto no artigo 23.º n.º 1 e n.º 2 al. (m) do CIRC determina que:

 

“Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, considerando-se abrangidos pela norma “Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável”.

No caso concreto, a própria Requerente assume que o risco é segurável — tanto assim é que a Requerente assume que tinha um seguro de responsabilidade civil que cobria este risco, e a seguradora pagou a indemnização — o que significa por conseguinte, que esta despesa não é dedutível nos termos do artigo 23.º n.º 1 e n.º 2 al. (m) do CIRC.

 

Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de maio de 2019, proferido no processo n.º: 01064/14.5BEPRT, o qual acompanhamos na íntegra:

“I - Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea j), do CIRC, na redacção em vigor em 2009, eram considerados custos ou perdas para efeitos de determinação do lucro tributável as indemnizações suportadas pelo sujeito passivo «resultantes de eventos cujo risco não seja segurável» e nos termos do art. 45.º, n.º 1, alínea e), do mesmo Código, não eram dedutíveis as «indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável».

II - Atentas as regras da hermenêutica jurídica (cfr. art. 9.º do CC), não pode extrair-se das referidas normas o sentido de que as indemnizações serão custos fiscalmente relevantes na parte em que excedam os limites do seguro obrigatório, pois nem a letra da lei (que constitui o ponto de partida e o limite da actividade interpretativa) consente essa interpretação nem dos demais elementos interpretativos resulta ser essa a intenção do legislador.

III - O legislador terá pretendido, numa opção legítima, proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito passivo acautele o risco normal da sua actividade – intenção que só resulta plenamente realizada se o sujeito passivo transferir totalmente a sua responsabilidade para uma seguradora, e não apenas a que resulta do seguro obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o pagamento dos prémios de seguro, ao invés de confiar na álea em ordem à obtenção de lucro mais elevado”.

 

Mais uma vez, com os fundamentos expostos, assiste razão à Requerida uma vez que nos termos do disposto no artigo 23.º n.º 1 e n.º 2 al. (m) do CIRC, tratando-se de um risco segurável, os gastos suportados pela Requerente com a indemnização paga à D... não são dedutíveis, devendo assim manter-se a correção determinada pela Requerida.

 

H) TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS RELATIVAS A DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2017 (REFERENCIA NO RIT III – 6.2.).

 

São igualmente de manter estas correções, com os argumentos já alegados no ponto “E) TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS RELATIVAS A DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERENCIA NO RIT III – 2.1.)” da presente Decisão Arbitral, para o qual se remete integralmente por uma questão de economia processual.

 

I) JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

No que respeita à obrigação de pagamento de juros indemnizatórios — (à taxa de 4%, nos termos do artigo 43.º n.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril) em virtude da procedência total ou parcial de reclamação graciosa a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo:

(i)           a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e

(ii)          o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento   indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso seja efetivamente efetuado.

 

No caso concreto só haverá direito a juros indemnizatórios relativamente à parte da liquidação que foi efetuada em consequência da desconsideração dos gastos relativos ao ponto “C) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES – D... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.5.2.)”, uma vez que só relativamente aos gastos analisados neste ponto, existe procedência do pedido de pronúncia arbitral que justifica o pagamento de juros indemnizatórios. Desta forma, só relativamente às correções determinadas neste ponto estão verificados os pressupostos do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

V.           DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e por conseguinte:

 

a)            Anular parcialmente o ato impugnado, no que respeita à correção relativa ao ponto “C) INDEMNIZAÇÕES A CLIENTES – D... NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016 (REFERÊNCIA NO RIT III – 1.5.2.)”, devendo a Requerente ser reembolsada do IRC pago em excesso;

b)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios na proporção do seu decaimento;

c)            Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo, proporcionalmente ao seu decaimento, sendo a Requerente condenada ao pagamento do valor correspondente a 76% das custas do processo, e a Requerida condenada ao valor remanescente (24%).

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A          n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 5484,11.

 

VII.         CUSTAS

 

O montante das custas é fixado em EUR 612,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), sendo o valor a cargo da Requerente EUR 465,12 (76%) e o valor a cargo da Requerida EUR 146,88 (24%).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de maio de 2021.

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Singular)