Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 419/2020-T
Data da decisão: 2021-05-03  ISV  
Valor do pedido: € 1.113,61
Tema: ISV; Componente ambiental; Intempestividade do pedido de pronúncia Arbitral
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SUMÁRIO:

A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral constitui uma exceção perentória que, nos termos dos art. 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo Requerente, extinguem o respetivo direito potestativo a pedir judicialmente o direito de que se arroga e que importa a absolvição total do pedido (ex vi art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT).

 

***

 

O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A)           Relatório:

 

1.            A… (doravante designado por “Requerente”), com domicílio na Rua …, titular do número de identificação fiscal …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 26 de agosto de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

 

2.            A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade, e que seja parcialmente anulado, o ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º … e, em consequência, seja devolvida o montante de € 1.113,61, acrescido de juros indemnizatórios.

 

3.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do art. 7.º do Código Deontológico.

 

4.            A 13 de novembro de 2020 foi constituído o tribunal arbitral.

 

5.            Notificada para o efeito na mesma data, a Requerida apresentou, a 15 de dezembro de 2020 a sua Resposta, pugnando pela improcedência do pedido arbitral, tendo remetido cópia do processo administrativo.

 

6.            Por despacho de 13 de janeiro de 2021, considerando que a AT também se defendeu por exceção foi o Requerente notificado para, querendo, exercer o contraditório. O Requerente não apresentou resposta quanto à matéria de exceção.

 

7.            Por despacho de 20 de abril de 2021 foram dispensadas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações, tendo sido indicado o dia 3 de maio de 2021 como data para ser proferida a decisão arbitral.

 

8.            O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

8.1. O Requerente impugna a liquidação do imposto efetuada por aplicação do artigo 7.º e do artigo 11.º do Código do Imposto sobre os Veículos, com fundamento na violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.

 

8.2. Defendendo que à liquidação não foi aplicada redução de anos de uso à componente ambiental vem, o Requerente, a final, embora não o afirme expressamente, pugnar pela anulação parcial do ato de liquidação de ISV e a devolução da quantia de € 1.113,61, acrescida de juros indemnizatórios.

 

8.3. Requerendo, caso subsistam dúvidas quanto à interpretação dos preceitos, o reenvio prejudicial da questão em apreço nos autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

8.4. Peticionando, em consequência, a anulação parcial da aludida liquidação e a devolução do montante do imposto no valor de € 1.113,61, acrescido de juros indemnizatórios.

 

9.            A Requerida, por sua vez, apresentou a sua resposta onde, sumariamente, alegou que:

 

9.1. O pedido de pronuncia arbitral foi deduzido extemporaneamente quanto à liquidação impugnada uma vez que, a introdução no consumo do veículo em apreço nos autos deu origem ao ato de liquidação n.º … de 2018, efetuado pela Alfândega do Freixieiro.

 

9.2. A introdução no consumo, processada através de uma DAV, a notificação do ato de liquidação é efetuada eletronicamente no sistema, constando da mesma declaração, apresentada pelo declarante, além de outra informação atinente ao veículo, todos os elementos necessários ao cálculo do imposto, liquidação, prazo e modo de pagamento, incluindo o montante de ISV a pagar e data limite do seu pagamento.

 

9.3. A liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 27 de junho 2018 (data de aceitação e da liquidação) tendo, o termo do prazo para pagamento ocorrido em 11 de juho de 2018.

 

9.4. Sendo, nos termos alegados pela Requerida, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, i.e., 9 de outubro de 2018.

 

9.5. Sendo que o pedido apresentado no dia 26 de agosto de 2020 é extemporâneo.

 

9.6. Para além disso, a AT defende-se ainda por impugnação concluindo que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, discriminação na tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.

 

9.7. Tendo o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, o mesmo ato de liquidação, na parte que vem impugnada, quanto ao cálculo do imposto efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 11.º e à não aplicação de redução à componente ambiental, considerar-se conforme ao direito constituído em vigor. 67. Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pelo Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional.

 

9.8. Está em causa um direito constitucional fundamental, o direito ao Ambiente e Qualidade de Vida consagrado no n.º 1 do artigo 66.º da CRP, isto é, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, e do qual resulta (n.º 2), a obrigação, para o Estado, de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP).

 

9.9. Concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado extemporâneo ou totalmente improcedente.

 

B) Saneador:

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O Requerente não indicou expressamente no pedido de pronúncia arbitral o valor da ação, como se lhe impõe mas, considerando que o indicou com a submissão do pedido e constando tal elemento dos autos considera-se suprida a omissão fixando-se o valor da ação em € 1.113,61.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O Requerente não constituiu mandatário. Cumpre apreciar da obrigatoriedade de patrocínio judiciário.

A omissão de regulamentação na legislação arbitral da obrigatoriedade ou não de representação por advogado, deverá ser suprida através da aplicação subsidiária do regime efetivamente aplicável nos tribunais tributários. De harmonia com uma interpretação teleológica do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o que se reconduz a que nos processos arbitrais apenas não seja obrigatória a constituição de advogado nos casos em que esta não é obrigatória nos tribunais tributários, em que há dispensa de constituição de advogado nas causas de valor inferior à alçada, que é de € 5.000,00 (arts. 6.º, n.º 1, do CPPT, 11.º, n.º 1 do CPTA, 40.º do CPC e artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, republicada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro).

Desta forma conclui-se que não sendo obrigatório o patrocínio judiciário, uma vez que o valor da ação é inferior a € 5.000,00, não se verifica qualquer exceção dilatória a suprir.

Não se verificam nulidades nem outras questões prévias a apreciar.

 

C)  Fundamentação:

 

1. Matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como prova testemunhal, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos infra elencados.

 

1.1. Factos Provados:

 

a.            O pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de ilegalidade do ato de liquidação resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.ºs …, de 29.06.2018, relativa a Imposto Sobre Veículos (ISV), praticado pelo Diretor da Alfândega do Freixieiro.

b.            A notificação da liquidação de ISV, após admissão em território nacional de veículo proveniente de outro Estado-membro, objeto de introdução no consumo através da Declaração Aduaneira de Veículo, relativa ao veículo automóvel da marca …, declarado pelo Requerente.

c.            A introdução no consumo do veículo deu origem ao ato de liquidação n.º …, de 27.06.2018, efetuado pela Alfândega do Freixieiro

d.            A liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 27.06.2018 (data de aceitação e da liquidação), tendo, o termo do prazo para pagamento, ocorrido em 11.07.2018.

e.            O PPA foi apresentado em 26 de agosto de 2020.

 

1.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Não há factos dados como não provados com relevância para a decisão.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo administrativo e o documento junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

2. Matéria de direito

 

2.1. Da caducidade do direito de ação

 

Nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 10.º do RJAT o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação, i.e., in casu, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

                No caso concreto, a liquidação foi notificada ao Requerente, através da DAV em 27.06.2018 (data de aceitação e da liquidação), tendo, o termo do prazo para pagamento, ocorrido em 11.07.2018 (cf. informação constante da mesma DAV, corroborada pelo DUC referente à mesma liquidação).

Nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (ex vi art. 29.º do RJAT), para a contagem dos prazos é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil, contando-se de forma contínua com termo inicial no dia seguinte ao termo do prazo para pagamento e não se suspendendo em férias judiciais. Nos termos do art. 17.º-A do RJAT não se está, neste âmbito, perante um prazo processual e, só a esses, se refere esta norma, mas antes perante um prazo para requerer a pronúncia arbitral pelo que, e conforme já vem sendo decidido – conforme, por exemplo, na decisão proferida no âmbito do processo n.º 9/2014-T do CAAD – as férias não prorrogam o prazo para requerer a pronúncia arbitral.

Desta forma, é forçoso concluir que o pedido de pronúncia arbitral deveria ter sido apresentado até 9 de outubro de 2018.

Porém tal não sucedeu, porquanto o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD a 26 de agosto de 2020, conforme resulta do próprio sistema de gestação processual do CAAD.

Assim, não tendo o Requerente deduzido atempadamente o pedido de pronúncia arbitral gerou-se a consolidação definitiva na ordem jurídica da liquidação sub judice.

Como tal, fica agora vedada ao Requerente a possibilidade de ver sindicada a legalidade do ato por si colocado em crise.

A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral constitui uma exceção perentória que, nos termos dos art. 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos a articulados pelo Requerente, extinguindo o respetivo direito potestativo a pedir judicialmente o direito de que se arroga e que importa a absolvição total do pedido (ex vi art. 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT).

 

Verificando-se a aludida exceção, que conduz à improcedência total do pedido do Requerente fica prejudicado o conhecimento de outras questões [artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. 

 

C) Decisão:

 

De harmonia com o exposto, decide-se,              

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

b)           Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

D) Valor do processo:

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.113,61.

 

E) Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 3 de maio de 2021

 

O árbitro,

(Marisa Almeida Araújo)