Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 418/2020-T
Data da decisão: 2021-05-10  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.980,16
Tema: IMT; Imposto do Selo; Regime Fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH).
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SUMÁRIO:

 

I.O reconhecimento automático de um benefício fiscal não consiste num acto de liquidação (prévia ou inicial), daí decorrendo que a liquidação levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira na ausência do cumprimento da iniciativa para a liquidação que compete ao sujeito passivo traduza uma liquidação oficiosa;

 

II.  O prazo para promover a liquidação do IMT, de conformidade ao estatuído no artigo 35º, nº 1 do CIMT é de oito anos, sendo de igual prazo o previsto para o imposto do Selo, de conformidade à estatuição do artigo 39º, nº 1 do respectivo código;

 

III. Na redacção original do regime jurídico dos FIIAH, introduzido pela Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dezembro (LOE 2009) não se encontrava prevista a necessidade de o imóvel adquirido vir a ser efetivamente arrendado e/ou permanecer na propriedade do fundo dentro de um certo prazo para efeitos do benefício de isenção em sede de IMT e do Imposto do Selo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1.A…, LDA., sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e pessoa colectiva nº…, com sede na Rua …, …, …, …-… Lisboa, na qualidade de sucessora, por transmissão global do património, dos direitos e obrigações do … – … (Liquidado), (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo)  veio em 2020-08-26,  com cumulação de pedidos, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º, 5º, nº 1, alínea a), 6º, nº 1, 10º nºs 1 e 2 e 3º, nº 1 todos do(Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante designado por RJAT),  e artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), Imposto do Selo,  e respectivos juros compensatórios constantes do ofício nº  … de 2020-04-30 emanado do Serviço de Finanças …,  com referência ao ano de 2012, e incidentes sobre o prédio urbano inscrito no artigo …, sito na U… … …, … … …, no concelho de …, de onde resultou um valor global a pagar de 1.989,16 €.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2020-08-28,

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2020-10-14, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2020-11-13, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-11-13 a Requerida apresentou, em 2020-12-15 a sua resposta e o processo administrativo.

7. Por despacho proferido em 2020-12-15, devidamente notificado às partes que, fundamentou para além do mais, a dispensa da realização a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar alegações escritas, em simultâneo e indicada data previsível para a prolação da decisão e sua notificação às partes,

8. Em 2021-01-21, a Requerida procedeu à junção das suas alegações escritas, onde remete para o seu articulado de resposta, tendo junto às mesmas, cópia do processo nº 56/2020-T do CAAD,

9. Em 2021-01-21 a Requerente procedeu à junção das alegações escritas, onde, fundamentalmente reitera o argumentário vertido em sede de pedido de pronúncia arbitral,

10. Em resultado do despacho arbitral proferido em 2021-03-25, veio a Requerente em 2021-04-08, pronunciar-se sobre o documento junto pela AT (cópia do processo nº 56/2020-T do CAAD

11. A Requerente estriba o seu pedido na imputação de vários vícios aos actos tributários em questão dos presentes autos, discriminados como segue:

I. caducidade do direito à liquidação,

II. ilegalidade das correcções ao IMT e IS proposta pelos serviços de inspecção tributária por errónea interpretação do Regime Jurídico dos FIIAH e da violação do princípio da tipicidade,

III. falta de fundamentação da liquidação quanto ao apuramento dos juros compensatórios,

IV. falta de pressupostos para liquidação dos juros moratórios,

Aborda ainda a Requerente a problemática decorrente do Decreto-Lei nº 1/87 de 3 de Janeiro que, salvo o devido respeito, e melhor opinião se afigura despicienda para a decisão a proferir nos presentes autos.

12. Como se referiu, em 2020-12-15, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta, rebatendo os vários pontos em que a Requerente sustentou o seu pedido e que se reconduzem, em brevíssima síntese, à não verificação da caducidade do direito à liquidação pugnando pela manutenção das liquidações subjacentes, à inaplicabilidade in casu do regime previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro e pela verificação dos requisitos conducentes ao direito a liquidar juros compensatórios, concluindo a sua resposta no sentido de que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, com todas as legais consequências”.

13. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

14. A cumulação de pedidos efectuada pela Requerente é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, n 1 do RJAT, uma vez que a procedência dos pedidos depende essencialmente das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

15.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devidas e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

16. Foi suscitada a excepção de caducidade do direito à liquidação, que será apreciada e decidida infra,

17. O processo não enferma de nulidades;

18. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

A.1.Factos dados como provados

A.1.1. O … … – … … … … … (doravante também designado por “Fundo …”) foi constituído em 6 de Junho de 2012;

A.1.2. Tal fundo era representado e gerido pela sociedade designada P… …  …- … … … …, S.A. (doravante também designada por “…”);

A.1.3. Por escritura pública de 06 de Abril de 2017, o Fundo … foi dissolvido e liquidado, aí tendo sido acordada a transferência global do seu património, a favor da Requerente (…), que à data era a única participante do Fundo;

A.1.4. Na prossecução da sua actividade, a sociedade … adquiriu durante os anos de 2012 e 2013, para além de outros, o prédio objecto dos presentes autos;

A.1.5. Nas aquisições realizadas, o fundo beneficiou da isenção de IMT e IS a coberto da previsão do artigo 6º e 7º do regime jurídico dos FIIAH, com previsão no artigo 104º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro de 2008:

 

A.1.6. Em 12 de Fevereiro de 2018, a coberto das ordens de serviços nºs OI 2018…, 2018…, 2018… e 2018…, foi o Fundo alvo de um procedimento inspetivo de carácter interno e de âmbito parcial, com referência aos exercícios fiscal de 2012 a 2016;

A.1.7. Em 07 de Janeiro de 2019 a Requerente, em representação do Fundo foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária;

A.1.8. Na sequência do qual foram emitidas liquidações adicionais de IMT e IS, e, no que aqui importa para o caso subjacente o acto de liquidação adicional de IMT e IS com referência ao prédio urbano … … da … … …, …, … . concelho de ..., notificado à Requerente com data de 2020-04-30 pelo Serviço de Finanças de …, que indicou um prazo de trinta dias para pagamento.

A.1.9. No Relatório de Inspecção Tributária, que consta do processo administrativo, e cujo teor e dá como reproduzido, refere-se, para além do mais, o seguinte:

1.4. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

Em resultado da presente ação inspetiva interna, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), Imposto do Selo (IS) e Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) efetuada ao sujeito passivo para, para os exercícios de 2012 a 2106, foram detetadas irregularidades”,

“Na análise efetuada foi detetado que o sujeito passivo beneficiou da isenção de IMT e IS (verba 1.1. da Tabela Geral do IS) em todas as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação por ter declarado que estes se destinavam exclusivamente a arrendamento para habitação permanente (…)”.

“Após análise às aquisições, aos arrendamentos e às alienações de imóveis efetuadas pelo SP entre 2012 e 2016, verificou-se que, pelo facto de não cumprir com os requisitos do Regime Especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), as isenções de IMT, IS e IMI, caducaram”.

III.1.Factos e fundamentos das correções

“(…) verificou-se que, pelo facto de não cumprir com os requisitos do Regime Especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), as isenções de IMT, IS e IMI caducaram.

O sujeito passivo em causa adquiriu 501 imóveis, para os quais requereu isenção de IMT e IS, nas modelos 1 de IMT (artigo 19º do CIMT, respetivamente nos termos da alínea a) do nº 7 e nos termos do nº 8 do artigo 8º do Regime Especial aplicável aos FIIAH), e para os quais beneficiou da isenção requerida de IMT e IS, conforme liquidações de IMT e de IS dos anos de 2012 e 2013, todas consumadas no Serviço de Finanças (SF) …- Lisboa -…;

“(…) Verificou-se que todos os imoveis adquiridos pelo FUNDO … (FIIAH) foram alienados por uma única sociedade, o BANCO …, S.A, (…)”.

“Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO … S.A, que também é o depositário dos ativos do FUNDO e a entidade comercializadora responsável pela colocação das unidades de participação do FUNDO junto dos investidores, conforme o ARTIGO 4º o ARTIGO 5º, respetivamente, do Regulamento de Gestão, datado de 2016-11-17”

“Assim não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros nos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009) que está na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e Portaria nº 1553-A/2008, de 31 de Dezembro”.

A.1.10 Em 8 de Maio de 2020 a Requerente procedeu ao pagamento dos impostos em causa (cfr. documentos nºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral)

A.1.11. Em 26 de Agosto de 2020, a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral com cumulação de pedidos que deu origem ao presente processo arbitral.

 

A.2.Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3.Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. artº 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr. artº 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados nem como não provados as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B. DO DIREITO

Dos vários vícios que a Requerente imputou aos actos tributários objecto dos presentes autos, de que supra se deu nota, abordar-se-á em primeira linha a caducidade do direito da liquidação, porquanto o seu provimento preclude a análise das demais.

 

- a posição das partes

 

1. A Requerente invoca no pedido de pronúncia arbitral a caducidade do direito à liquidação aduzindo em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

As notificações dos atos tributários em crise nos presentes autos relativos ao IMT e IS ocorreram após decorrido o prazo de caducidade, o que determina  a respetiva ilegalidade desses atos (cfr. artigo 26º do pedido de pronúncia arbitral);

.(…) o artigo 35, nº 1 do Código do IMT fixa os prazos de caducidade do direito à liquidação da seguinte forma: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte, e quanto ao restante, nos artigos 45º e 46º da lei geral tributária” (cfr. artigo 27º do pedido de pronúncia arbitral);

.(…) o Código do IS, nos termos do nº 1, do artigo 35º, fixa o mesmo prazo; “Só pode ser liquidado imposto nos prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT, salvo tratando-se das aquisições de bens tributados pela verba 1.1. da Tabela Geral ou de transmissões gratuitas, em que o prazo de liquidação é de oito anos contados da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes” (cfr. artigo 28º do pedido de pronúncia arbitral);

. (…) no caso vertente, para os atos tributários de IMT e IS, aplica-se o prazo de quatro anos, previsto no artigo 31º do Código do IMT e artigo 39º, nº1, primeira parte do Código do IS, a contar das datas das certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa – … (…) de 14.11.2012. 20.12.2012, 15-02.2013, 22.05.2013, 20.06.2013, 20.09.2013 e 23-12-2013, na sequência da apresentação da declaração Modelo 11 (cfr. artigo 29º do pedido de pronúncia arbitral);

Assim sendo, os prazos de caducidade das liquidações de IMT e IS, terminou nos dias 14.11.2016 e 20.12.2016 ( cfr. artigo 30º do pedido de pronúncia arbitral);

 No caso dos impostos em causa, a iniciativa da liquidação é do sujeito passivo e a competência para tal liquidação pertence à administração tributária, com base na declaração do sujeito passivo ou oficiosamente, sendo, em regra, antes do ato ou facto translativo dos bens (cfr. artigos 19º a 22º do Código do IMT e artigo 23º do Código do IS) [cfr. artigo 32º do pedido de pronúncia arbitral];

 A liquidação é promovida oficiosamente sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer, bem como quando houver lugar a qualquer liquidação adicional (cfr, artigo 19º, nº2 do Código do IMT e artigo 23º, nº 4 do Código do IS [cfr. artigo 33º do pedido de pronúncia arbitral];

No caso vertente verificou-se tal iniciativa do sujeito passivo antes do ato translativo do imóvel, perante a qual os serviços competentes da administração tributária entenderam não promover a liquidação do IMT e IS por aplicação de isenção, tendo emitido certidão nesse sentido por forma a viabilizar a escritura notarial (cfr. artigo 34º do pedido de pronúncia arbitral);

Como referem os serviços de inspeção tributária “O sujeito passivo em causa adquiriu 501 imóveis para os quais requereu isenção de IMT e IS, nas modelos 1 de IMT (artigo 19º do CIMT, respetivamente nos termos da alínea a) do nº 7 e nos termos do nº 8 do artigo 8º do Regime Especial aplicável aos FIIAH) e para os quais beneficiou de isenção requerida da IMT e  IS conforme liquidações de IMT e IS dos anos de 2012 e 2013, todas consumadas no Serviço de Finanças (SF) …- LISBOA …, e conforme os 9 resumos das escrituras notariais (…) [artigo 35º do pedido de pronúncia arbitral];

. Assim, a liquidação em crise é uma liquidação adicional extraordinária nos termos dos artigos 19º, 2º, e 31º, nº 2 do Código do IMT e artigo 23º, nº 4 do Código do IS (cfr. artigo 36º do pedido de pronúncia arbitral).

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A AT, por seu turno, em sede de resposta, e no que concerne a este particular segmento (caducidade do direito à liquidação) veio dizer o seguinte (que igualmente se menciona por transcrição);

. o sujeito passivo apresentou uma declaração prevista no nº 1 do artigo 19º do CIMT, e só posteriormente é que a AT promove uma fiscalização, analisando a verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7º do EBF (cfr. artigo 7º da resposta);

. Este normativo determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo, é que á aferida a verificação dos pressupostos da isenção (cfr. artigo 8º da resposta);

. (…) na situação em causa, ou seja, só depois de realizada a fiscalização é que foi aferido que não se verificavam os pressupostos, razão pela qual foi liquidado o imposto (cfr. artigo 9º da resposta);

(…) as liquidações de imposto agora impugnadas não podem ser consideradas como liquidações adicionais (cfr. artigo 10º da resposta);

O documento emitido para permitir a realização da escritura e que por vezes, faz referência ao valor da liquidação a 0,00 € não foi uma liquidação no verdadeiro sentido do termo (cfr. artigo 11º da resposta);

. Mas antes um documento que teve como objectivo permitir efectuar o contrato de aquisição (escritura pública ou outro) [cfr. artigo 12º da resposta];

. Não há portanto, um acto de reconhecimento de isenção, nem uma liquidação a “zeros” mas sim, um efeito automático do benefício, em função apenas da declaração do sujeito passivo (cfr. artigo 13º da resposta)

No caso em apreço as liquidações impugnadas constituem o exercício originário de uma liquidação (cfr. artigo 14º da resposta);

. De acordo com o artº 35º, nº 1 do CIMT, conjugado com o disposto nos nºs 1 e 4 do artº 45º da LGT, o prazo para praticar o ato tributário, sob pena de caducidade do respetivo direito é fixado em 8 anos, contado da data em que ocorra o facto tributário (cfr. artigo 15º da resposta);

.(…) verifica-se que as liquidações foram efectuadas e validamente notificadas ao contribuinte dentro do referido prazo (cfr. artigo 16º da resposta);

.(…) não tendo existido qualquer liquidação de imposto, antes da celebração da escritura, não se pode considerar que as liquidações impugnadas sejam uma liquidação adicional (cfr. artigo 19º da resposta);

. Não sendo, assim, esse facto uma liquidação e, tendo ocorrido posteriormente a cessação dos benefícios fiscais, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 8 anos e não de 4 anos (cfr. artigo 20º da resposta).

 

Perante a posição das partes acabada sinteticamente de evidenciar, poder-se-á então dizer em resumo útil, que a Requerente defende que os actos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis subjacentes emitidos pela AT se configuram como actos de liquidação adicional, e como tal deveriam ser emitidos e notificados no prazo de 4 anos de acordo com a previsão do artigo 35º, nº 1 do Código do IMT.

O mesmo se verificando relativamente ao acto de liquidação relativo ao imposto do selo, perante o disposto no artigo 39º do CIS.

Em contraponto com a perspetiva da AT que sustenta que as liquidações aqui em crise não são liquidações adicionais e, como tal, foram em tempo útil notificadas à Requerente.

 

Dito de outra forma, o dissenso entre as partes reconduz-se à resposta que competirá dar quanto à qualificação dos actos de liquidação em crise, como actos de liquidação oficiosa ou de liquidação adicional, subscrevendo-se o que a respeito vem dito no âmbito do processo nº 56/2020-T, de 5 de Janeiro de 2021, que, data venia, seguiremos quanto a este particular segmento:

 

“A resposta a tal questão está dependente da qualificação do acto através do qual foi reconhecida a isenção daqueles impostos, isto é, está dependente de aquele ser,ou não, um verdadeiro acto tributário de liquidação. Ora, tal como referiu a Requerida, a emissão de certidão pela AT por forma a viabilizar a escritura notarial da aquisição dos imóveis pelo Fundo Popular de Arrendamento, consiste num efeito automático do benefício fiscal concedido nos termos do artigo 8º do regime jurídico dos FIIAH. Quer isto dizer que ao estar em causa um benefício fiscal automático, concedido aos fundos de investimento mencionados no regime jurídico dos FIIAH sob a condição de estes destinarem os imóveis adquiridos de forma exclusiva, ao arrendamento para habitação permanente, o benefício fiscal é previamente concedido aos sujeitos passivos e só num momento posterior é aferido pela AT, por via de fiscalização, o cumprimento dos respectivos pressupostos de concessão, tal como decorre do artigo 7º do EBF. Desta forma, só após a realização da referida fiscalização, no âmbito da qual a AT aferiu que o Fundo Popular havia gozado dos benefícios concedidos pelo regime dos FIIAH sem, contudo preencher os pressupostos de que dependia a sua concessão, é que aquela emitiu, a título originário, os actos de liquidação de IMT, IS e IMI ora impugnados, não se vislumbrando a emissão de actos de liquidação que houvessem sido emitidos antes da celebração das escrituras pelo sujeito passivo.”

 

Concluindo-se no acórdão arbitral que vimos parcialmente de citar que: “(…) o reconhecimento automático do benefício fiscal constante ao artigo 8º, do regime jurídico dos FIIAH, não consiste num acto de liquidação (prévia ou inicial), razão pela qual os actos de liquidação emitidos pela AT (…) consubstanciam actos de liquidação oficiosa e não actos de liquidação adicional. Tendo em conta que nos termos do artigo 35º, nº 1 do Código do IMT, do artigo 39º, nº 1, segunda parte, do Código do IS, o direito à liquidação do imposto apenas caducava no prazo de 8 anos a contar da verificação do facto tributário (…)”

 

Em sentido idêntico ao que vem de se evidenciar, pode ver-se a doutrina que dimana do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Setembro de 2011, prolatado no âmbito do processo 0294/11, que passa a transcrever-se, na parte que para aqui releva;

 

“I- Nos termos do artº 35º do CIMT, conjugado com o artº. 45º, nº 1, in fine, da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.

II- Todavia, no caso de liquidação adicional, por força do nº 3 do art. 32 do CIMT, esse prazo será de quatro anos a contar da liquidação a corrigir.”

 

Adicionalmente, (e ainda que circunscrito a uma liquidação de IMT), pode ver-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2017 (processo nº 054/14) de cujo sumário se extrai:

 

“I- A liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.

II- A liquidação de IMT efectuada em consequência de avaliação do imóvel que no acto de transmissão dos bens se mostrava isento desse imposto não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeito de liquidação.

III- Não se tratando de uma liquidação adicional, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é, nos termos do artº 35º, nº 1, do CIMT, de oito anos contados da data de transmissão ou daquela em que a isenção ficou sem efeito”.

 

Não vislumbrando este tribunal razões sérias e ponderáveis para discordar com a doutrina que dimana das decisões sinalizadas, julga-se improcedente o vício da caducidade do direito à liquidação suscitado pela Requerente quanto aos actos de liquidação de IMT e IS.

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Conforme supra se deu nota a Requerente imputou vários vícios aos actos tributários objecto dos presentes autos, designadamente, e para além da caducidade do direito à liquidação a saber;

. ilegalidade das correcções ao IMT e IS propostas pelos serviços de inspecção tributária por errónea interpretação do Regime Jurídico dos FIIAH e da violação do princípio da tipicidade, e mera intenção de arrendamento dos imoveis;

.falta de fundamentação da liquidação quanto ao apuramento dos juros compensatórios:

.falta de pressupostos para liquidação dos juros compensatórios.

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Decorre do previsto no artigo 124º do CPPT aplicável, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, nos seguintes termos.

Artigo 124º

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

1.            Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.            Nos referidos grupos a apreciação de vícios é feita pela ordem seguinte:

a)            No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável tutela dos interesses ofendidos;

b)           No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles   relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior”.

 

Assim sendo, não vislumbrando este tribunal que a Requerente tenha, de forma expressa, estabelecido qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á a apreciar e decidir o vício supra referido  (ilegalidade das correções ao IMT e IS propostas pelos serviços de inspeção tributária, por errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH e da violação do princípio da tipicidade) por se entender ser este cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

Nos presentes autos, e como claramente decorre da resposta, a Requerida reconhece que “as liquidações impugnadas foram emitidas com fundamento na caducidade da isenção da IMT e de IS a que se referem os nºs 6,7,e 8 do artº 8º do Regime Jurídico Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH),  de que o “…- … …”, beneficiara aquando da aquisição, ao “…”, nos anos de 2012 e 2013, do acervo de imóveis identificados nos autos”. (cfr. artigo 26º da resposta) e que “(…) mostram-se reunidos os pressupostos de caducidade de isenção de IMT e de IS em causa, uma vez que o imóvel não foi objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente nos termos das alterações introduzidas pelos artigos 235º e 236º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao Regime Jurídico dos FIIAH”. (cfr. artigo 27º da resposta).

 

- o quadro normativo

 

O artigo 102º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE 2009), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), nos termos do qual e sob o seu nº 8 foi estabelecido o seu “regime tributário”.

Na parte que para aqui releva haverá a destacar os números 6, 7 e 8 do artigo 8º que dispõem como segue:

“6. Ficam isentos da IMI, enquanto se mantiveram na carteira dos FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arredamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimentos referidos no nº1.

7. Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº ;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício a opção de compra a que se refere o nº3 do artigo 5º, pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1.

8.  Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com  a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como o exercício da opção de compra previsto no nº 3 do artigo 5º.”

 

Renovando-se que resultante do RIT “o fundamento exclusivo das liquidações oficiosas objecto da presente acção arbitral é a não verificação do pressuposto de todas as referidas normas, relativas à destinação dos prédios adquiridos ao arrendamento habitacional permanente”, como se evidencia no processo nº 318/2019-T, de 20 de Março de 2020 (onde estava em causa situação similar à dos presentes autos), perfilha-se também, data venia, o entendimento vertido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão 175/2018 de 5 de Abril, que passa a citar-se na parte que para aqui releva;

“(…)

11. Em face dos enunciados constantes da alínea a) do nº7 e do nº do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão resultante da Lei nº 64-A/2008, a questão que se coloca é a seguinte: sendo o IMT e o Imposto do Selo, a que se referem as isenções ali previstas, impostos de obrigação única, bastar-se-á a condição legal a que tais isenções se encontram sujeitas- destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente – com a manifestação, por parte do sujeito passivo, da intenção de afetar o prédio adquirido a esse fim, de modo que, uma vez declarada essa intenção, se pode dizer que aquela condição se cumpriu e o evento tributário se completou ?

Logo do ponto de vista da letra da lei (elemento literal), é possível sustentar-se a conclusão inversa: ao dispor que ficam isentas de IMT e IMI as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos, quando realizadas pelos fundos, desde que destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, o legislador terá sujeitado a atribuição do benefícios fiscal à efetiva disponibilização do imóvel adquirido para esse exclusivo fim e, como tal, a uma condição resolutiva cujo pressuposto se projeta necessariamente para além do momento em que tem lugar o facto tributário. É esse o sentido para que aponta o emprego do verbo destinar, que significa determinar antecipadamente o fim a dar a algo.

Comportando uma dupla dimensão – subjetiva e objetiva -, a destinação implicada na condição aposta ao benefício tenderá a supor, a par da manifestação de uma vontade de correspondente sentido, a adoção de um comportamento revelador da vinculação do imóvel adquirido ao fim legalmente prescrito.

Tal conclusão parece sair reforçada ao encararmos o enunciado pela negativa, isto é, a partir das situações em que o mesmo se poderá dizer desatendido ou inobservado: linguisticamente, a obrigação de destinar exclusivamente um imóvel para arrendamento habitacional não poderá deixar de ter-se prima facie violada caso o imóvel, em ato consecutivo ao da sua aquisição fosse, por exemplo, alienado ou dado de arrendamento comercial: neste caso, estar-se-ia a dar ao prédio adquirido um destino diverso daquele que é imposto legalmente – e fora declarado – ao imóvel.

Mais decisivo do que elemento linguístico é, porém, o elemento racional ou teleológico – isto é, aquele que, na determinação do enunciado legal, manda atender à finalidade prosseguida a norma interpretanda, isto é, à sua razão de ser (ratio legis).

Sabendo-se que a clarificação do espírito da lei que institui determinado regime não passa sem a identificação das situações a que a mesma procurou dar resposta (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Coimbra: Almedina, 2012, pp 366 ss), é altura de retomar aqui o que ficou dito a propósito das razões subjacentes à criação do regime jurídico aplicável aos FIIAH e SIIAH, em especial no âmbito tributário: tratou-se da consagração de um conjunto de benefícios fiscais destinados a incentivar investidores privados a, mediante a criação de fundos imobiliários, adquirir, para ulterior colocação no mercado de arrendamento, imóveis particulares cuja compra fora financiada através do recurso ao crédito à habitação, de forma a dar resposta à situação de um amplo conjunto de famílias que, no contexto da crise económico-financeira iniciada em 2008, haviam deixado de conseguir suportar o pagamento das correspondentes prestações, proporcionando-lhes, assim, a possibilidade de alienar as respetivas frações ao fundo, mantendo, ao mesmo tempo, a disponibilidade sobre o imóvel mediante a celebração, por renda de valor inferior ao daquelas prestações, de contratos de arrendamento com os fundos adquirentes.

Aqui residindo o ponto de referência do regime tributário instituído no artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, aprovado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, duas conclusões parecem-se impor-se desde já, com evidência, pelo menos, suficiente para afastar a possibilidade de ter por certa a caracterização como um facto instantâneo – e, por isso, integralmente pretérito – do evento tributário em causa nos presentes autos.

A primeira é a de que os benefícios fiscais consagrados naquele artigo 8º são, não estáticos, mas dinâmicos, no sentido em que visam incentivar a prática do sucessivo conjunto de atos que integram o iter necessário à colocação no mercado de arrendamento habitacional de frações adquiridas pelos fundos imobiliários para esse fim, através do estabelecimento entre as vantagens fiscais em cada momento atribuídas e a atividade em concreto estimulada de uma relação de causa-efeito.

A segunda é a de que, no que toca aos benefícios consagrados na alínea a) do nº 7 e no nº 8 do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro- isenções de IMT e Imposto de selo -, a causa do benefício só pode residir na efetiva disponibilização do imóvel adquirido para arrendamento habitacional.

A atividade fomentada- isto é, a atividade suja realização aquelas isenções se propõem incentivar – não é uma mera aquisição do imóvel, ainda que acompanhada da declaração do propósito de o afetar ao arrendamento habitacional: é sim a colocação no mercado de arrendamento habitacional do imóvel adquirido, sendo essa, em definitivo, a atividade cujo exercício se pretendeu estimular através da concessão dos referidos benefícios. Á luz da ratio subjacente ao regime tributário previsto para os FIIAH na própria Lei nº 64-A/2008, dificilmente se compreenderia que o pressuposto das isenções concedidas em sede de IMT e de Imposto de Selo pudesse residir exclusivamente no animus do ato de aquisição do imóvel- isto é, pudesse bastar-se com a mera intenção, ainda que verídica e séria, expressa pelo fundo no ato de aquisição, de destinar o arrendamento habitacional o imóvel adquirido - , independentemente de qual viesse da ser o destino efetivamente fixado ao prédio.

Pode, por isso, legitimamente duvidar-se de que, antes mesmo das alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013, a mera declaração de vontade expressa no ato de aquisição pelo fundo, ainda que conforme à respetiva vontade real, constituísse, tal como entendeu o Tribunal a quo, o único pressuposto da condição- nesse caso necessariamente suspensiva- aposta aos benefícios concedidos na alínea a) do nº 7 e no nº 8 do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH.

Existe, pelo contrário, um conjunto suficientemente convincente de elementos que  apontam para a ideia de que as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontram sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário: a não disponibilização do imóvel para arrendamento habitacional do imóvel adquirido pelo fundo em momento ulterior ao da respetiva aquisição determinava a caducidade do benefício, com consequente renascimento da correspondente obrigação tributária-

12. Para sustentar a solução interpretativa extraída do artigo 8º, nº 7, alínea a) e nº 8 do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei nº 64-A/2008 – acolhida, de resto, em diversos acórdãos do Tribunal Arbitral (cf., a título ilustrativo, a decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do Processo nº 684/2015-T) -, são essencialmente dois argumentos apresentados na sentença recorrida.

Apelando ao elemento sistemático da interpretação, o primeiro argumento emerge do confronto entre os conceitos legais de destinação e afetação: que, para o legislador, “destinar um prédio exclusivamente a habitação” não equivale a afetá-lo a esse fim é conclusão para a qual, de acordo com o Tribunal recorrido, aponta o nº 7 do artigo11º do Código do IMT, em cuja alínea b) se prescreve, como causa de caducidade de certas das isenções previstas naquele Código, o facto de os imóveis não serem “afetos à habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data de aquisição”.

O “lugar paralelo “invocado na sentença recorrida para demonstrar que, no complexo normativo em que se integra a norma interpretanda, “destinar” e “afetar” constituem conceitos utilizados pelo legislador de modo particularizado, para traduzir ou exprimir realidades diversas, perde grande parte da sua impressividade ao recuperarmos a versão do Código do IMT à data da criação do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH.

Com efeito, aquando da aprovação do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH criado pela Lei nº 64-A/2008, o nº 7 do artigo 11º do Código do IMT tinha uma redação, não apenas distinta daquela que lhe veio a ser dado pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro, como, no segmento que aqui releva, em larga medida coincidente com aquela que viria a ser adotada no âmbito do artigo 8º. nº 7, alínea a) e nº 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH.

Tratava-se da redação conferida pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, cujo teor era o seguinte:”[d]deixam de beneficiar igualmente de isenção e de redução da taxas previstas no artigo 9.º e nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 17º, quando aos bens for dado destina diferente daquela em que assentou o benefício, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo na caso de venda.”

Quer isto significar que, mesmo para lá das conhecidas dificuldades de reconstituição da vontade do legislador, a convocação do nº do artigo 11º do Código do IMT é insuficiente para sustentar, enquanto elemento sistemático da interpretação, a conclusão de que, ao empregar o termo “destinar” nas formulações insertas na Lei nº 64-A/2008, o legislador teria pretendido excluir o sentido que adviria de uma eventual replicação do conceito de “afetar”, constante já daquela disposição. Ou, mais explicitamente ainda, de que, no pensamento unitário do legislador fiscal, contemporâneo da publicação da Lei nº 64-A/2008, “destinar” e “afetar” correspondessem a conceitos de conteúdo diverso nos termos em que essa diversidade lhes foi apontada pelo Tribunal a quo.

O segundo argumento invocado na sentença recorrida prende-se com o sentido das alterações levadas a cabo pela Lei nº 83-C/2013: ao impor, nos novos nºs 15 e 16 do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, um “prazo dentro do qual a mudança de destinação do imóvel implica também a perda da isenção”, o legislador terá reconhecido que, “na ausência de tal prazo, a mudança de destinação não implicaria a perda da isenção”.

Ora, da imposição a posteriori de um prazo dentro do qual a alteração do destino legalmente fiado para o imóvel implica a caducidade do benefício não pode inferir-se, a contrário, que, na ausência de tal prazo, a não afetação pura e simples do imóvel àquele fim não implicasse a perda da isenção. Trata-se aqui de um non sequitur, já que uma coisa não decorre necessariamente da outra.

O estabelecimento de um prazo dentro do qual o imóvel adquirido terá de ser efetivamente arrendado sob pena de caducidade das isenções – é o que decorre dos nºs 14 e 15, aditados pela Lei nº 83-C/2013 ao artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH -não significa que, no âmbito da Lei nº 64-A/2008,a disponibilização do imóvel para aquele fim não integrasse já a condição aposta ao benefício; significa sim que, em todos os casos em que o contrato de arrendamento não venha a ser efetivamente celebrado dentro daquele prazo, ainda que por causa não imputável ao fundo, o benefício caduca renascendo a correspondente obrigação tributária.

Do mesmo modo, também o estabelecimento de um prazo dentro do qual o imóvel adquirido pelo fundo não pode ser alienado sob penas de caducidade das isenções – é o que estabelece o nº 16 do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão resultante das alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013-, não significa que a efetiva colocação do prédio no mercado de arrendamento habitacional não fosse já legalmente exigida; significa sim que, mesmo que o imóvel haja sido efetivamente disponibilizado para a arredamento habitacional, o fundo é obrigado a conservar a propriedade do imóvel durante aquele prazo, ainda que a celebração efetiva do contrato de arrendamento se haja frustrado por razões atinentes à retração do próprio mercado e, portanto, por causas que lhe não sejam imputáveis.

Em suma: mesmo atentando nos argumentos invocados na sentença recorrida, encontramo-nos longe de poder afirmar com segurança que o pressuposto da aplicação da norma excecional isentiva- destinação do imóvel a arrendamento para habitação perante – tinha, na versão aprovada pela Lei nº 64-A/2008, a mesma natureza instantânea que o ato de aquisição do imóvel; o conjunto de elementos acima considerados, aponta, ao invés, para a conclusão de que tratava, já então, de um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas de completava com a efetiva disponibilização do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício. (…)

14.De acordo como entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, tanto o facto tributário em discussão nos autos – aquisição do imóvel pelo fundo imobiliário, aqui recorrido -, como a condição aposta às isenções previstas no artigo 8º, nº 7, alínea a) e nº 8 do Regime Jurídico aplicável aos FIIAH – destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente -, completaram-se integralmente no âmbito da vigência do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei nº 64-A/2008, constituindo, por isso, relativamente à Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, factos jurídicos-tributários passados ou pretéritos. Daí que, ao sujeitá-los à aplicação dos novos pressupostos previstos para aquelas isenções nos nºs 14  a 16 do artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, aditados pela Lei nº 83-C/2013, a norma constante do nº 2 do respetivo artigo 236º fosse autenticamente retroativa: fazendo caducar a isenção prevista no artigo 8º, nº 7, alínea a) e nº 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, em caso de alienação do imóvel adquirido dentro dos três anos subsequente à respetiva entrada em vigor, o nº 2 do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 originava a extinção de um benefício fiscal plenamente consolidado no domínio da lei antiga, agravando a situação tributária do fundo imobiliário adquirente em termos incompatíveis com a proibição constante do nº 3 do artigo 103ºda Constituição.

Tendo sido diversa a caracterização a que, em alternativa, se admitiu poder ser plausivelmente sujeita a condição aposta às isenções previstas no artigo 8, nº 7, alínea a), e nº 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, dificilmente tal conclusão poderia neste momento integralmente secundada.

Em face da solução consagrada no nº 2 do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013, o primeiro aspeto que cumpre esclarecer é o de que não se trata de uma norma de natureza interpretativa, isto é, de uma norma que, “por contraposição à lei inovadora, visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior” (cf. Acórdão nº 27/2017).

Ao invés das leis interpretativas propriamente ditas – que, apedar de formal e inerentemente retroativa, se limitam a fixar uma das interpretações já admitidas pela lei anterior, declarando apenas o direito anterior, a norma constante do nº 2 do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 veio fixar uma solução de que não era de todo extraível, sequer como um dos seus possíveis sentidos, da lei anterior, constituindo por isso, direito novo.

Com efeito, ali se prescreve a aplicação dos novos pressupostos da isenção em matéria de IMT e de Imposto de Selo, o do aditamento ao artigo 8º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH dos seus atuais nºs 15 a 17, à celebração de contrato de arrendamento para habitação permanente dentro dos três anos subsequentes ao momento do ingresso do imóvel adquirido no património do fundo e a conservação do imóvel na propriedade do fundo dentro do mesmo prazo, às aquisições realizadas sob a vigência da Lei nº 64-A/2008, estipulando-se concomitantemente, ainda que para o futuro, um prazo dentro do qual tais pressupostos carece, de ser preenchidos sob pena da caducidade do beneficio .

O segundo aspeto a clarificar prende-se com a estrutura do evento tributário atingido retroativamente pela lei nova.

Este, conforme visto já, é integrado pelo facto jurídico sujeito a IMT e a Imposto de selo à aquisição do direito de propriedade de bens imóveis, e pela contradição aposta às isenções fiscais legalmente previstas à destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

Enquanto o primeiro, surgindo isolado no tempo, é de verificação instantânea é o que decorre do facto de os impostos sobre o património serem impostos de obrigação única, a segunda tinha, já no âmbito da Lei nº 64-A/2008, não apenas natureza resolutiva, como carácter prospetivo: se, em momento subsequente à respetiva aquisição pelo fundo, o imóvel adquirido não viesse a ser disponibilizado para arrendamento habitacional, o benefício caducaria, ressurgindo a obrigação tributária.

Uma vez que, no âmbito da Lei nº 64-A/2008, o pressuposto integrativo da condição resolutiva aposta aos benefícios se projetava já necessariamente para o futuro, não é possível afirmar, através da mera análise dos dados normativos relevantes, que a norma constante do nº 2 do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 atinja factos completados ao abrigo da lei anterior e seja, por isso, autenticamente retroativa. Tal conclusão pressuporia que o facto jurídico-tributário, globalmente considerado, se pudesse dizer integralmente ocorrido ao abrigo da lei antiga (a Lei nº 64-A/2008), o que, em face do carácter prospetivo da condição resolutiva aposta ao benefício, não pode, conforme se viu, ser afirmado, pelo menos com a segurança necessária ao reconhecimento do desvalor constitucional correspondente à violação das leis fiscais retroativas, consagrada no nº 3 do artigo 103º da Constituição.  (…)

17. Conforme salientado já, o conjunto de benefícios fiscais incluídos no Regime jurídico especial aplicável aos FIIAH e SIIAH teve como propósito atrair o investimento privado para a constituição de fundos imobiliários, bem como a aquisição por estes de imóveis destinados ao mercado de arrendamento habitacional.

Embora o objetivo último de tal regime fosse dar resposta à situação das famílias que haviam deixado de conseguir suportar o empréstimo contraído para financiamento da aquisição dos imóveis em que residiam, permitindo-lhes manterem-se nos prédios adquiridos, mediante a celebração de contratos de arrendamento habitacional, apesar da respetiva alienação aos fundos imobiliários, o meio escolhido para o alcançar passou pela instituição de um conjunto de benefícios fiscais destinados a incentivar a constituição de fundos imobiliários e a fomentar o investimento destes na aquisição de imóveis para aquele efeito: era através do investimento a realizar pelos fundos imobiliários, incentivado pelo conjunto de vantagens fiscais associadas à aquisição de imóveis para ulterior arrendamento habitacional, que, na lógica subjacente ao regime instituído, tal finalidade seria em definitivo alcançada.

Sob a vigência da lei antiga, a destinação do imóvel adquirido do arrendamento habitacional, através da sua efetiva disponibilização para tal efeito, constituía condição simultaneamente necessária e suficiente para atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e do imposto de selo. Conforme notado, e bem, pelo Tribunal a quo, nada ali se previa sobre a necessidade de o imóvel adquirido vir a ser efetivamente arrendado e/ou permanecer na propriedade do fundo adquirente durante um certo prazo, sob pena de caducidade do benefício.

Incentivados pelo regime fiscal previsto na Lei nº 64-A/2008, os fundos imobiliários realizaram um conjunto de investimentos na aquisição de imóveis, na legítima convicção de que os benefícios fiscais associados a tais aquisições apenas caducariam se o imóvel adquirido não viesse a ser disponibilizado para arrendamento habitacional após a respetiva aquisição e  não também se, não obstante essa disponibilização, nenhum contrato de arrendamento viesse efetivamente a ser celebrado dentro de determinado prazo por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado e/ou a fração adquirida acabasse por ser alienada por ausência de qualquer outra alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização.

A confiança depositada pelos fundos na constância do regime fiscal contemporâneo dos investimentos que decidiram realizar, para além de digna de tutela, não pode deixar de considerar-se atingida pelas consequências da aplicação retroativa dos novos pressupostos da isenção,

Ao determinar a caducidade dos benefícios fiscais no caso de o imóvel adquirido, apesar de disponibilizado para arrendamento habitacional, não vir a ser efetivamente arrendado dentro de determinado prazo por razões não imputáveis ao fundo e/ou acabar por ser essa razão alienado de modo a conter ou minorar os prejuízos advenientes da objetiva impossibilidade da sua rentabilização no âmbito do destino legalmente prescrito, a lei nova transfere para os fundos o risco inerente ao funcionamento do mercado em termos que não só não tinham paralelo no domínio da lei antiga como eram, em face dos que aí de previam, de modo algum antecipáveis.

De forma totalmente inovatória, passou a decorrer do regime aprovado pela lei nova que, independentemente das razões que possam ter inviabilizado a efetiva celebração do contrato de arrendamento sobre o imóvel, o benefício fiscal caduca pelo mero facto de tal contrato não chegar a ser efetivamente celebrado e/ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do fundo por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção. Deste último ponto de vista, que é o que diretamente releva no caso sub judice, decorre da aplicação do novo regime às aquisições realizadas sob a vigência da Lei nº 64-A/2008 que o fundo imobiliário, ainda que tenha envidado todos os esforços para viabilizar a celebração de um contrato de arrendamento sobre o imóvel adquirido, é obrigado, sob pena de extinção do benefício, a manter a propriedade do prédio, suportando todos os encargos respetivos, durante os três anos subsequentes à entrada em vigor da Lei nº 83-C/2013, mesmo na duradoura e persistente impossibilidade de concretização daquele desiderato.

Ao originar a caducidade das isenções fiscais previstas no âmbito do IMT e do Imposto de selo por via do aditamento dos novos pressupostos, não contemplados na lei vigente à data da aquisição dos imóveis, a aplicação retroativa das alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/2013 frustra as expectativas legitimamente incutidas nos fundos investidores pelo regime fiscal em vista (e sob incentivo) do qual tais aquisições foram decididas realizar, violando aquela mínimo de certeza e de segurança que todos os intervenientes no tráfego jurídico, ao planearem a sua ação e ao realizarem as suas escolhas, devem poder depositar na ordem jurídica de Direito”.

 

Perante os termos em que o Tribunal Constitucional veio a interpretar o regime decorrente da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, afigura-se que deverá concluir-se pelo facto de a mesma não ter previsto qualquer obrigatoriedade ou exigência de que os imóveis adquiridos pelos fundos, viessem a ser objecto de arrendamento ou permanência na sua esfera patrimonial por certo prazo, sob pena de caducidade do benefício das isenções de IMT e Imposto do Selo.

 

Tal conclusão tem vindo a ser perfilhada por várias decisões proferidas sob a égide do CAAD, referenciando-se, a título exemplificativo, a relativa ao processo nº 40/2018-T, onde pode ler-se:

“ (…) De forma totalmente inovatória, passou a decorrer do regime aprovado pela lei nova que, independentemente das razões que possam ter inviabilizado a efetiva celebração do contrato de arrendamento sobre o imóvel, o benefício fiscal caduca pelo mero facto de tal contrato não chegar a ser efetivamente celebrado e/ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do fundo por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer  alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção. Deste último ponto de vista que é o que diretamente releva para o caso subjudice, decorre da aplicação do novo regime às aquisições realizadas sob a vigência da Lei nº 64-A/2008 que o fundo imobiliário, ainda que tenha envidado todos os esforços para viabilizar a celebração de um contrato de arrendamento sobre o imóvel adquirido, é obrigado, sob pena de extinção do benefício, a manter a propriedade do prédio, suportando todos os encargos respetivos, durante os três anos subsequentes à entrada em vigor da Lei nº 83-C/2013, mesmo na duradoura e persistente impossibilidade de concretização daquele desiderato.”

 

Podendo ainda retirar-se do processo arbitral nº 583/2019-T, de 2020/05/12;

 

“(…) Quanto ao aspeto de os prédios não terem sido, todos eles, objeto do arrendamento, há que dizer que a lei, o já mencionado artigo 8º, torna irrelevante tal argumentação porquanto face à redação do mesmo à data dos factos tal obrigação não constava expressamente da lei.

Com efeito, o aspeto primordial é que, como se viu da descrição anterior das sucessivas alterações legislativa, e da decisão do Tribunal Constitucional, nada na lei determinava, à data dos factos, em que é que se traduzia a obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria, pelo que a exigência em que se fundou a AT para determinar no relatório a caducidade das isenções carece de base legal. Nada, a nosso ver, proibia que ao fim de um lapso de tempo o FIIAH não pudesse vender os imóveis que não conseguisse arrendar (…)”.

 

Face ao que vem de expor-se, deverá concluir-se pela não verificação da caducidade dos benefícios fiscais aqui em causa, tornando ilegais as liquidações subjacentes.

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade das correcções de IMT e IS por errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH, que assegura a efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicada o conhecimento dos outros vícios que são imputados aos actos tributários em causa.

Com efeito, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no artigo 124º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de conhecer os outros que lhe sejam imputados. Na verdade, se se mostrasse necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

IV- JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, a até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O nº 5 do artigo 24º do RJAT a afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Desde modo, atento o sentido decisório já indiciado decide este tribunal singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data dos pagamentos efectuados, que ocorreram em 08 de Maio de 2020, até à sua integral devolução.

 

V- DECISÃO

Face ao que vem de expor-se, decide o tribunal arbitral singular em:

a.            Julgar improcedente a excepção de caducidade do direito à liquidação;

b.            Anular as liquidações de IMT e IS e juros compensatórios objecto da presente pronúncia arbitral, consubstanciadas no ofício … de 2020-04-30 do Serviço de Finanças de …;

c.            Condenar a AT na restituição dos impostos e juros indevidamente pagos;

d.            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios até efectivo e integral pagamento,

e.            Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais, no montante infra indicado.

 

VI- VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estabelecido nos artigos 32º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.980,16 € (mil novecentos e oitenta euros e dezasseis cêntimos).

 

VII-CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 306,00 € (trezentos e seis euros).

 

NOTIFIQUE-SE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

 

Dezasseis de Abril de dois mil e vinte e um

 

O árbitro

(J. Coutinho Pires)