Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 41/2020-T
Data da decisão: 2021-02-02  IRC  
Valor do pedido: € 60.978,33
Tema: IRC - Encargos financeiros; Dedutibilidade.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I. Não está devidamente fundamentada a decisão de considerar como empréstimos créditos resultantes do diferimento do pagamento de preços em contratos comerciais de fornecimento, se apenas se alega que os valores respetivos são “elevados” e que o prazo de diferimento ultrapassa os 90 dias;

II. São de considerar como financiamentos transferências efetuadas para sociedades terceiras sem qualquer contrapartida em transações comerciais;

III. Na medida em que tais financiamentos não se enquadram na atividade do sujeito passivo nem servem o seu fim lucrativo, os encargos (juros) incorridos com os empréstimos bancários obtidos proporcionais a tais financiamentos não são de aceitar como gastos dedutíveis, ao abrigo do art. 23º CIRC;

IV. Não se baseando a decisão da Autoridade Tributária, de desconsideração dos gastos, na existência de relações especiais entre o sujeito passivo e as entidades beneficiárias dos financiamentos, mas sim e unicamente na falta de justificação desses gastos, a Autoridade Tributária não está obrigada a aplicar, nas suas correções, os critérios dos preços de transferência estabelecidos no art. 63º do CIRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Professora Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06.07.2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., SA, com o NIF ... e sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Guimarães (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A. Objeto do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada tendo em vista a anulação da liquidação de IRC n.º 2019..., referente ao exercício do ano de 2015, da qual resultou valor a reembolsar no montante de € 124 439,86, bem como a mesma liquidação, na medida em que foi mantida pela decisão proferida na reclamação graciosa, materializada na emissão da liquidação n.º 2019...na qual se apurou valor a reembolsar no montante de € 170 872,05.

A liquidação emitida em execução da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa teve por base as correções à matéria tributável da quantia de € 290 371,01 e a Requerente atribui ao pedido o valor económico de € 60 978,33, equivalente ao produto da aplicação da taxa de 21% sobre o valor daquelas correções, valor por que pretende ser reembolsada.

 

B. Síntese da posição das Partes

a.            Da Requerente:

A Requerente imputa à liquidação de IRC do exercício de 2015, à decisão da reclamação graciosa e ao relatório do procedimento de inspeção tributária o vício de violação de lei por erro de qualificação e quantificação dos factos tributários e o vício de fundamentação, por deles não constarem razões que permitam fundamentar as correções efetuadas à matéria coletável daquele exercício.

Alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

1.            A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objeto a preparação e fiação de fibras do tipo algodão, integrada no grupo têxtil de que fazem parte, entre outas, as empresas B... SA (B...) e C... SA, que são, simultaneamente, clientes e fornecedores da A...: esta produz e fornece o fio que constitui matéria prima dos produtos que aquelas confecionam;

2.            A AT, em sede de procedimento de inspeção tributária, efetuou correções à matéria coletável do exercício de 2015, por ter desconsiderado encargos financeiros suportados pela Requerente, da quantia de € 460 120,76 que, posteriormente, no âmbito da reclamação graciosa apresentada, reduziu para € 290 373,01, por considerar que os “saldos médios das subcontas 211601101036 e 211601101354, ambos respeitam a valores e dívida resultantes de um elevado diferimento temporal concedido pela A... à B... e C..., tendo subjacentes operações comerciais”;

3.            Não compreende a Requerente como é que, com base em tal fundamentação, a AT aceitou, na reclamação graciosa, gastos no montante de € 169 747,75 e não aceitou o restante, continuando a sustentar que não devem ser aceites como gasto fiscal, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, € 290 373,01 de juros suportados pela Requerente;

4.            Embora reconhecendo que a Requerente, a B... e a D... são empresas relacionadas, por se verificarem os critérios legalmente previstos no n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, para a existência de relações especiais entre essas entidades, não enunciou qualquer fundamento para aplicar uma correção através do recurso ao artigo 63.º, do CIRC, porque “a A... não debita juros, quer pelo elevado diferimento temporal nos recebimentos das vendas, quer pela canalização de fluxos financeiros entre elas. Nem sequer debita juros em operações com entidades não relacionadas. E não terá de ser a AT a efetuar qualquer presunção de juros, se essa nunca foi a política empresarial estabelecida entre elas”;

5.            As empresas referidas integram um grupo têxtil, têm contabilidades independentes e são tributadas autonomamente, tendo todas apresentado resultados positivos no ano de 2015, resultados que decorrem, em larga medida, das condições estratégicas de parceria e integração sinergética na mesma cadeia de valor;

6.            Na cadeia produtiva formada por estas empresas, em última análise e em substância, o que está em causa é o financiamento do stock ao longo da fileira do negócio, resultado que se verificaria entre empresas independentes que tivessem um relacionamento de subcontratação, em que o stock permanecesse na propriedade do fornecedor do fio ou subcontratante;

7.            A política de preços praticada e a margem alocada a cada interveniente, permite que todas as empresas identificadas tenham lucro e que paguem impostos, o que conduz a absoluta neutralidade fiscal, sem qualquer prejuízo para o Estado e potenciando o desenvolvimento individual das empresas do grupo;

8.            Não existe qualquer nexo de causalidade entre os financiamentos obtidos e o crédito concedido às empresas identificadas no relatório de inspeção, nem a  fundamentação vertida no relatório de inspeção e na decisão da reclamação graciosa são suficientes para demonstrar a sua existência, não bastando que a AT considere que se “pode entender” como um prazo médio de pagamento o de 90 dias, que no caso da D... é excedido, para, sem sequer qualquer fundamento legal, concluir que “O que não poderá ser aceite fiscalmente é que, não obstante seja política de ambas as sociedades, aceitar um deferimento temporal elevado no recebimento dos clientes, a consubstanciar um crédito concedido, e verificarem-se fluxos financeiros entre elas, a consubstanciarem empréstimos, sem os mesmos terem qualquer rendimento associado e, simultaneamente, recorrerem a financiamento bancário e suportarem encargos financeiros.”;

9.            Não é evidente no relatório a forma como foi apurado o desvio entre o saldo médio da C... e a B... e o saldo médio de 90 dias apurado pela AT, nem nele é referido qual é o prazo médio de cada uma destas empresas ou ponderada a existência de relações e opções de natureza estratégica associadas ao prazo efetivo acordado, nomeadamente, quem na cadeia de valor financia o stock e o crédito ao cliente final;

10.          A AT conclui que o elevado valor dos saldos da D... e B..., só é possível atendendo às relações especiais entre as empresas, nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, e, presumindo que os mesmos traduzam empréstimos não remunerados, assume que estes saldos não derivam da relação comercial entre as empresas, sem que para tal apresente os argumentos em que suporta essa presunção, como é exigido pelo n.º 3 do artigo 77.º, da LGT, ou efetuar as correções correlativas que resultariam da aplicação do artigo 63.º do CIRC;

11.          Os regimes dos artigos 23.º do CIRC e do artigo 63.º do CIRC não são complementares, pelo que a AT não pode lançar mão, aleatoriamente, de um deles, nem o artigo 23.º do CIRC pode ser usado como mecanismo de controlo dos atos da administração das sociedades, não podendo a AT, através da análise da dedutibilidade dos custos, colocar em causa operações que diz beneficiarem entidades relacionadas;

12.          Ao contrário do referido no relatório da AT, os gastos financeiros incorridos em 2015 referem-se a encargos com operações da atividade normal da empresa (cobranças internacionais, leasings, etc.) e atividades de investimento, não existindo nexo de causalidade entre os financiamentos obtidos e o crédito concedido às empresas mencionadas no relatório, inerente ao negócio desenvolvido;

13.          Mas a AT sustenta apenas que a Requerente, em data e forma que não concretiza, recorreu a capitais alheios e que, de acordo com o seu entendimento, realizou operações que beneficiaram diretamente a atividade prosseguida por sociedades com quem a Requerente tem relações especiais, não alegando nem provando a relação direta entre a contração de empréstimos e a alegada beneficiação das demais sociedades, designadamente, nada diz sobre a data em que a Requerente recorreu ao crédito, nem quanto à aplicação que, nessa data, fez desses fundos nem quanto à relação temporal e substancial entre o recurso ao crédito e a alegada beneficiação das demais entidades;

14.          Resulta, pois, evidente que a AT não alegou factos capazes de fundamentar, de facto e de direito, as correções efetuadas, não logrando, por isso, despoletar qualquer dúvida quanto à dedutibilidade dos custos, sendo certo que é à AT que cabe o ónus da prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente dos factos concretos existentes e comprovados que justificam e fundamentam a desconsideração dos gastos, ficando onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da Requerente e nos respetivos documentos de suporte, em homenagem ao princípio da declaração consagrado no artigo 75.º da LGT;

15.          A atividade empresarial que gera custos dedutíveis traduz-se no conjunto de operações que tenham como propósito a obtenção de rendimento ou a manutenção da fonte produtora, seja como resultado direto de uma efetiva atividade produtiva e operacional, seja por via da gestão, administração ou alienação dos seus ativos de investimento, aí se incluindo também a sua relação comercial com as sociedades têxteis referidas;

16.          Assim sendo, o alegado financiamento não oneroso efetuado em benefício das participadas da Requerente não pode, só por si, levar à desconsideração como custo fiscal dos eventuais encargos financeiros suportados, essenciais à obtenção de ganhos futuros ou à manutenção da fonte produtora da sociedade participante se não existir qualquer nexo relacional direto entre o tipo de financiamento obtido e o crédito concedido aos seus clientes, entre os quais as empresas ligadas;

17.          A AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, devendo aceitar os gastos adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, pois o artigo 23.º, do CIRC, apenas visa corrigir situações claramente abusivas, quando tais gastos não se inscrevem no âmbito da atividade e não foram incorridos no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios, o que não foi o caso;

18.          Com efeito, o crédito é usado pelas participadas para as suas atividades e no seu interesse, mas também no interesse da própria sociedade participante/Requerente, no contexto de atos normais de gestão e administração dos seus ativos, que lhe permitem produzir a pleno e vender a preços que lhe permitem recuperar os custos, maximizar os lucros e criar a expectativa de benefícios económicos futuros.

19.          Em suma, considerando que o relatório de inspeção é omisso quanto às razões de facto que sustentam as correções, é manifesto que o relatório padece de vício de falta de fundamentação que afeta, necessariamente as liquidações impugnadas, que sã ilegais, por não comprovadas e fundamentadas, não podendo ser aceite a correção efetuada pela AT.

 

b. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou

resposta e fez juntar o processo administrativo, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.            A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa, com o objetivo de proceder ao controlo declarativo do exercício de 2015, que originou correções meramente aritméticas no montante de € 460.120,76 ao resultado fiscal declarado da requerente, e, em consequência a emissão da liquidação de IRC impugnada;

2.            Na sequência da notificação da liquidação adicional mencionada e por não concordar com a mesma a requerente apresentou reclamação graciosa, cuja decisão alterou as correções fiscais para € 290.373,01, na origem da liquidação de IRC n.º 2019 ... (inclui imposto e juros) que procede à regularização parcial da liquidação anterior, pela anulação do montante de € 42.133,73;

3.            Tal como expresso no relatório da inspeção tributária e na decisão da reclamação graciosa, no período de tributação de 2015 a Requerente considerou como gastos, encargos financeiros no montante total de € 602.237,20, registados na contabilidade nas contas SNC 691 e 698, associados a juros, despesas bancárias e Imposto de selo, decorrentes de operações de financiamento junto de diversas instituições financeiras;

4.            Com referência aos saldos das contas dos fornecedores B... (221202101108) e C..., SA (221502101221), constatou a DF...  que estes não são coerentes com a natureza da relação de fornecedores, já que (1) os valores registados a débito excedem os valores registados a crédito, de tal forma que no final do ano, ambas as subcontas apresentam um saldo devedor no valor de € 594.277,07 e € 4.016.495,38, respetivamente, (2) posteriormente transferidos para as subcontas 211601101354 e 211201101036, através do lançamento contabilístico n.º 901/..., de 2015-12-31;

5.            Assim, concluiu a DF ... que as importâncias registadas a débito nas contas dos fornecedores B..., SA (221202101108) e C..., SA (221502101221), que excedem os valores registados a crédito, correspondem a fluxos financeiros realizados pela requerente que “não se referem a pagamentos relacionados com operações comerciais, consubstanciando operações de empréstimos que em última instância, deveriam estar relevadas contabilisticamente em contas correntes apropriadas para o efeito”;

6.            No que toca às subcontas de clientes D... (211601101354) e B... (211201101036) verificou-se que: (1) Em 2015-01-01, a conta SNC 211601101354 – C... apresenta um saldo inicial devedor de € 3.161.296,49, influenciado pelo saldo final devedor (€ 1.103.940,21) referente a 2014 e proveniente da conta subconta do fornecedor C... (221602101221), através do lançamento contabilístico n.º 901/... de 2014-12-31, o qual decorre da existência de fluxos financeiros direcionados da requerente para a C... e não tem subjacente quaisquer operações comerciais (2) A requerente realizou vendas durante o ano de 2015 para a C... no valor de € 2.252.274, 75. A C... efetuou pagamentos no valor de € 3.559.935,39. Os pagamentos realizados no ano de 2015 pela C... referem-se a operações reportadas ao ano anterior (saldo inicial) e a operações reportadas aos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2015; (3) Em 2015-01-01, a conta 211201101036 -B... SA (B...) apresenta um saldo inicial devedor influenciado pelo saldo final devedor (€ 3.633.950,79) reportado a 2014, e proveniente da conta subconta do fornecedor B... (221202101108), através do lançamento contabilístico n.º 901/... de 2014-12-31, o qual decorre da existência de fluxos financeiros direcionados da Requerente para a B... e não tem subjacente quaisquer operações comerciais; (4) A requerente realizou vendas durante o ano de 2015 para a B... no valor de € 9.132.296,21. A B... efetuou pagamentos no valor de €  14.426.504,00. Os pagamentos realizados no ano de 2015 pela B... referem-se a operações reportadas ao ano anterior (saldo inicial) e a operações reportadas aos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2015, sendo que o prazo médio de recebimento indicado pela B...- até ao 3.º mês seguinte, é excedido apenas no 1.º semestre do ano de 2015 (a B...pagou até 2015-06-30 o valor em dívida no saldo inicial e as faturas dos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2015);

7.            A requerente não relevou contabilisticamente qualquer imparidade, nem debitou quaisquer juros pelo elevado diferimento temporal concedido à D... e à B..., “o que só se concede, em termos de gestão empresarial, por se tratar de relações comerciais com empresas relacionadas.”, como concluiu a DF de ...;

8.            Paralelamente, verificou a DF de ... que o saldo final (€ 827.374,80) da subconta 27821606101007 E..., SA, é resultante de fluxos financeiros oriundos da Requerente, concluindo que os mesmos “configuram empréstimos remunerados entre entidades relacionadas”;

9.            A DF de ..., com o fundamento de que estes financiamentos não possuem nexo de causalidade económica com a atividade da Requerente, aplicou o rácio de 48,22% ao saldo dos encargos financeiros suportados, para apurar o montante dos encargos não dedutíveis, percentagem que corresponde à proporção entre o saldo médio dos empréstimos concedidos à C..., B... e E...(€ 4.594.291,23) e o saldo médio dos empréstimos obtidos - bancários e locações - correspondentes às subcontas SNC 2511 e 2513 (€ 9.528.616,66);

10.          Na reclamação graciosa, foi alterado o entendimento vertido no RIT, considerando que os saldos médios atinentes a transações comerciais efetivas, tinham afinal, subjacentes relações comerciais existentes entre a requerente e os seus clientes B... e C..., facto que originou uma redução das correções fiscais de € 490.120,76 para € 290.373,01;

11.          A correção fiscal de € 290.373,01 funda-se nos seguintes factos (i) o saldo médio dos fornecedores B... e C... apresentar -se permanentemente devedor (as contas de fornecedores são credoras por natureza), atipicidade devida ao facto dos valores registados a débito que excedem os registados a crédito não se referirem a pagamentos relacionados com operações comerciais; (ii) das contas de clientes B... e D... constarem registos não respeitantes a transações comercias; e (iii) a conta SNC 27821606101007 E... registar fluxos financeiros da requerente para E... sem associação a transações comerciais, correspondendo a fluxos financeiros que consubstanciam operações de empréstimos, que “deveriam estar relevados contabilisticamente em contas correntes apropriadas para o efeito.";

12.          Não foi com base nas relações especiais que a correção fiscal foi efetuada, mas pelo facto de a Requerente financiar a B..., C... e a E... através da canalização de fluxos financeiros por via de débitos nas contas correntes de fornecedores, clientes e outros devores e credores – E..., situação que configura a concessão de empréstimos a título gratuito às empresas em causa;

13.          Os gastos financeiros controvertidos foram apurados precisamente porque a Requerente canaliza fluxos financeiros (empréstimos) sem remuneração para a B... e C... e E... ao mesmo tempo que recorre ao financiamento com remuneração junto de instituições financeiras;

14.          Não há nem pode haver lugar a qualquer correção correlativa como pretende a Requerente, porquanto não foram cobrados juros à B..., C... e E..., pelos meios monetários entregues a estas sociedades;

15.          As evidências detetadas na contabilidade, de que a Requerente obtém empréstimos remunerados junto das instituições financeiras ao mesmo tempo que canaliza meios monetários para a B..., C... e E..., não foram documentalmente contrariadas pela Requerente nem no procedimento de inspeção nem no âmbito da reclamação graciosa, não tendo sido apresentada qualquer prova concreta que justifique os saldos devedores nem posta em causa a presunção de veracidade da contabilidade prevista no art.º 75.º da LGT;

16.          Conclui-se que não existiu qualquer erro de qualificação jurídica dos factos em apreço, sendo que a referência à relação especial existente entre as empresas, nos moldes em que também é consignado no art.º 63º do CIRC, se destina apenas a contextualizar as operações em causa, não implicando que essas operações de financiamento gratuito tenham o seu enquadramento naquela norma, por não existirem operações comparáveis praticadas entre empresas independentes, para efeitos de aplicação do regime de preços de transferência;

17.          Também não existe qualquer erro de excesso de quantificação uma vez que as importâncias em causa refletidas na contabilidade foram tratadas segundo critérios objetivos devidamente explicitados no Relatório Final, nem existe qualquer falta de fundamentação quanto aos factos e ao direito que suportam a correção em crise;

18.          Entende a Requerente que o ónus da prova a cargo da AT obriga esta a comprovar o nexo causal existente entre as disponibilidades financeiras canalizadas para terceiros e os financiamentos obtidos junto de terceiros; no entanto, esse nexo de causalidade, resulta do facto de que a obtenção de financiamento junto de terceiros não ocorreria se a Requerida não tivesse canalizado disponibilidades financeiras para outras empresas, no mesmo montante;

19.          Impugna-se toda a factualidade aduzida pela Requerente quanto aos resultados obtidos com a aludida estratégia integrada, por se entender que esta factualidade não se encontra comprovada.

Pelo Despacho Arbitral de 26.10.2020, foi decidido dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, fixando-se o dia 17.12.2020, como data limite previsível para a prolação da decisão final e advertindo-se a Requerente para o oportuno pagamento da taxa arbitral subsequente.

Ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram os argumentos expendidos nos respetivos articulados.

 

II.            SANEAMENTO

1.            O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 20 de janeiro de 2020 e foi automaticamente notificado à AT;

2.            O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 6 de julho de 2020, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT,

3.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

4.            Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar;

5.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.          QUESTÕES A DECIDIR

São as seguintes as questões a decidir:

             Se a Requerente, através do diferimento da cobrança de créditos resultantes de vendas a fornecedores, efetuou financiamentos a estes fornecedores;

             Se a Requerente, através de transferências de fundos, efetuadas para empresas associadas, sem contrapartida em transações comerciais, efetuou financiamentos a estas entidades;

             Se, tendo efetuado financiamentos a essas entidades, deixam de ser aceites como gastos os juros e outros encargos que a Requerente suportou a montante com a obtenção desses fundos junto da banca;

             Se, em face da existência de relações especiais entre a Requerente e as entidades financiadas, a Autoridade Tributária estava obrigada a efetuar as devidas correções ao abrigo dos artigos 63º.

 

IV.          IFUNDAMENTAÇÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial (PI) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

A – Factos Provados

1.            A Direção de Finanças de ..., através da ordem de serviço n.º OI2017..., de 29.11.2017, abriu à Requerente um procedimento de inspeção interna de âmbito parcial, tendo em vista o controlo declarativo em sede de IRC e de Imposto do Selo do exercício de 2015, no âmbito do qual foram efetuadas correções aritméticas à matéria coletável, na origem da liquidação de IRC impugnada (cfr. o Relatório da Inspeção Tributária, adiante RIT, com cópia junta ao PPA e ao PA);

2.            A Requerente encontrava-se, à data dos factos, registada pela atividade principal de “Preparação e fiação de fibras do tipo algodão”, com o CAE 13101 – Revisão 3, desenvolvendo a atividade secundária de comércio por grosso de fio e, residualmente, a de prestação de serviços de fiação e está integrada no Grupo “F...”, sendo o seu capital social detido em 71,43% pela sociedade G..., SGPS, SA e em 28,57% pela sociedade B..., SA (cfr. a certidão permanente junta ao PPA e págs. 3 e 4 do RIT);

3.            A Requerente mantinha, à data dos factos, relações comerciais com algumas das sociedades do Grupo, nomeadamente com a C..., SA e com a B..., SA (cfr. págs. 3 e 4 do RIT);

4.            As correções efetuadas no decurso do procedimento de inspeção tributária referido em 1., encontram-se justificadas da seguinte forma (cfr. págs. 7 a 9 do RIT):

“(…) as empresas B... SA e C... SA, são, simultaneamente, clientes e fornecedores da A..., ascendendo os saldos finais, reportados a 2015-12-31, aos seguintes valores:

Quadro XIII – Saldos finais da C..., SA e B..., SA

(Valores em euros)

Subconta            Empresa              Valor     Tipo Saldo

211601101354   C... SA   2.447.912,92      Devedor

221602101221   C... SA   0,00       Nulo

211201101036   B... SA   3.419.099,08      Devedor

221202101108   B... SA   0,00       Nulo

 

A natureza do saldo devedor das subcontas 211601101354 e 211201101036, é coerente com a relação existente entre empresas, uma vez que estamos perante transações comerciais entre a B... (na qualidade de fornecedor) e a C... SA e B... SA (na qualidade de clientes). O mesmo já não sucede com o elevado valor que os mesmos apresentam, pois só atendendo à existência de relações especiais entre as empresas, é que se pode entender um prazo de pagamento superior a 90 dias. No caso em apreço, o prazo efetivamente estabelecido pela A... para pagamento das faturas emitidas decorre até ao final do 3.º mês após a emissão da fatura. Em ambos os casos, esse prazo é excedido, pelo que o saldo existente configura um empréstimo da A... para com as mesmas, sem ocorrer o débito de quaisquer juros pelo elevado diferimento temporal no pagamento das importâncias em dívida. Refira-se que no caso da B... SA, o prazo foi excedido apenas no primeiro semestre do ano, pelo que o saldo médio calculado até 30-06-2015 representa um efetivo empréstimo.

No que se refere aos saldos devedores das subcontas 221602101221 e 221202101108, os mesmos não são coerentes com a natureza da relação de fornecedores da A... por parte da C... SA e da B... SA. De facto, no decurso do ano de 2015, os valores registados a débito excedem os valores registados a crédito, de tal forma que no final do ano, ambas as subcontas apresentam um saldo devedor no valor de 594.277,07 EUR e 4.016.495,38 EUR, respetivamente, posteriormente transferido, através do lançamento n.º 901/..., de 2015-12-31, para as subcontas 2116601101354 e 211201101036. Também nestes casos, as referidas importâncias registadas a débito, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da A... para a C... SA e B... SA, configuram operações de empréstimos não remuneradas.

Refira-se também o caso do saldo devedor da subconta 27821606101007 E..., Lda, o qual ascende em 2015-12-31, a 827.374,80 EUR, e é resultante de fluxos financeiros oriundos da A..., que configuram empréstimos não remunerados entre entidades relacionadas.

No ano de 2015 a A... considerou como gastos, encargos financeiros associados a juros, despesas bancárias e imposto de selo, decorrentes de operações de financiamento junto de diversas instituições financeiras (…).

A A... e as empresas C... SA, B... SA e E..., Lda são sociedades comerciais independentes, com personalidade e capacidade tributárias distintas. Todas elas têm contabilidades independentes umas das outras. Pelo que cada uma delas tem os seus próprios rendimentos e os seus próprios gastos.

A concessão de empréstimos não integra a atividade da A..., não sendo necessários para a obtenção de rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que os juros suportados pelos financiamentos obtidos, despesas bancárias e imposto de selo não podem ser aceites como gastos da sua atividade, uma vez que os mesmos foram incorridos não para a prossecução da atividade da empresa, mas para outros interesses alheios. Com efeito, e de acordo com a certidão permanente obtida em 2017-01-03 através do Portal da Empresa, o objeto social da  A... consiste na fiação e acabamento de algodão, fibras artificiais e sintéticas, a que corresponde o CAE 13101, exercendo, a título secundário, a atividade de CAE 46410 Comércio por grosso de têxteis. Assim, não se pode considerar que a concessão de empréstimos com vista ao financiamento da atividade da C... SA, B... SA e E..., Lda, integre um ato da sua atividade normal e corrente. Atendendo a que a dedutibilidade fiscal de um gasto depende, por regra, de uma relação de causalidade económica, justificada com a atividade produtiva, com o escopo societário e, consequentemente, com o interesse empresarial, tais quantias, suportadas a título de gastos financeiros, a serem efetivamente necessárias e a terem ligação direta na obtenção de rendimentos, seriam para o desenvolvimento da atividade e para a manutenção da fonte produtora das empresas C... SA, B... SA e E..., Lda.

E, assim sendo, os encargos financeiros com empréstimos obtidos pela A..., junto de terceiros, só podem legalmente ser havido como gastos abrangidos pela al. c), do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC e como tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efetivamente empenhados na atividade estatutária da empresa, de acordo com o princípio da especialidade. Procedeu-se, assim, ao cálculo da parte dos encargos financeiros relativos a juros suportados com empréstimos bancários e outros encargos com serviços bancários, que não foi indispensável para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

Para apurar esse valor, calculou-se o saldo médio dos empréstimos obtidos junto das instituições financeiras, e atento o valor dos gastos financeiros existentes, relevados contabilisticamente em 2015-12-31, nas subcontas 691 (526.861,10 EUR) e 698 (75.376,17 EUR), aplicou-se a taxa determinada, ao saldo médio dos empréstimos concedidos à C... SA, B... SA e E..., Lda. (…).

 

Quadro XIV – Apuramento dos gastos financeiros não dedutíveis

(valores em euros)

Descrição                            31-12-2015

2511 e 2513 Empréstimos bancários e locações financeiras         (1)          9.528.616,66

211201101036 B... SA (saldo médio)      (2)          2.090.583,42

211601101354 C... SA (saldo médio)      (3)          2.826.407,05

221202101108 B... SA (saldo médio)      (4)          1.528.951,54

221602101221 C... SA (saldo médio)      (5)          265.726,20

2781606101007 E..., Lda (saldo médio) (6)          568.377,54

TOTAL   (7)=(2)+(3)+(4)+(5)+(6) 7.451.404,35

Proporção de empréstimos a terceiros no total de financiamentos obtidos junto de instituições de crédito e sociedades financeiras  (8)=(7)/(1)          76,40%

691 Juros Suportados    (9)          526.861,10

698 Outros Gastos e Perdas de Financiamento  (10)        76.386,17

TOTAL   (11)=(9)+(10)     602.237,20

Encargos com juros suportados não considerados fiscalmente   (8)*(11)               460.120,76

 

5.            Em resultado das correções aritméticas descritas, o lucro tributável declarado pela Requerente para o exercício de 2015, de € 1 042 852,07 foi corrigido para € 1 502 972,83 (cfr. RIT);

6.            Na sequência da notificação do RIT pelo ofício n.º ... da Direção de Finanças de..., de 09.01.2019, foi emitida em nome da Requerente a liquidação de IRC n.º 2019..., de 16.01.2019 e a nota de acerto de contas n.º 2019... (compensação n.º 2019..., de 18.01.2019), de que resultou o reembolso de € 124 439,86 (cfr. Docs. 4 a 6 juntos ao PPA);

7.            Inconformada, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC de 2015 (processo n.º ...2019...), parcialmente (in)deferida por despacho da Senhora Diretora de Finanças de..., decisão notificada por ofício da mesma Direção de Finanças, de 15.10.2019 (cfr. Doc. 1 junto ao PPA e PA);

8.            A fundamentação da decisão da reclamação graciosa assenta na informação da Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de ..., de 26.07.2019, que procedeu à revisão das correções efetuadas no procedimento de inspeção, que foram reduzidas de € 460 120,76 para € 290 373,01(cfr. Doc. 1 junto ao PPA e PA);

9.            Consta da referida informação, designadamente, o seguinte: “(…) a B... SA, doravante designada de B..., e a C... SA, doravante designada de C..., são, simultaneamente, empresas clientes e fornecedores, sendo efetuados no final do ano, lançamentos de encontro de contas.

(…) conforme corroborado pelo próprio sujeito passivo (…) «as três empresas integram-se sinergeticamente na mesma cadeia de valor, fornecendo a reclamante o fio com que a D... e a B... trabalham».

Daí ser coerente com a referida relação comercial que a D... e a B... surjam como clientes da A... e que os saldos sejam devedores. A incoerência denota-se apenas no valor do saldo que as mesmas apresentam no final de cada ano, muito elevado face ao valor que os restantes valores da A... apresentam (…).

 

                Valor a débito   Valor a crédito  Saldo     Peso do saldo %

2111 Clientes CC Gerais 50.600.000,12    43.342.514,69    7.257.485,43       55,54 %

2112Clientes CC Empresa Mãe  17.845.603,08    14.426.504,00    3.419.099,08      26,17 %

2116 Clientes CC Outras Partes Relacionadas     8.727.024,10       6.337.057.66      2.389.966.44      18,29%

TOTAL   77.172.627,30    64.106.076,35    13.066.550,95    100%

 

(…) 44,46% dos valores por receber de clientes reportam-se a dívidas geradas com as empresas relacionadas (relevadas nas subcontas 2112 e 2116), sendo que estas representam menos de 50% do total das operações comerciais relevadas a débito das subcontas de clientes (…).

A subconta 2112 Clientes C/C Empresa Mãe subdivide-se apenas na subconta 211201106036 B... SA e a subconta 2116 Clientes CC Outras partes relacionadas, subdivide-se nas subcontas 211601101080 H... SA (0,00 EUR), 211601101354 C... SA (2.447.912,92 EUR) e 21160111757 I... Lda (-57.946,98).

Resulta, portanto, que as dívidas geradas com empresas relacionadas, referem-se, quase na sua totalidade, aos clientes B... e C... .

Analisada a conta corrente de cada uma das subcontas verifica-se, em ambos os casos, a existência de um prazo médio de recebimento muito elevado. (…)

(…) os pagamentos realizados no ano de 2015 pela C... SA referem-se a operações reportadas ao ano anterior (saldo inicial) e a operações reportadas aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2015.

(…)

A B... efetuou pagamentos no valor de 14.426.504,00 EUR, sendo que o prazo médio de recebimento indicado pela B...– até ao fim do 3.º mês seguinte, é excedido apenas no primeiro semestre do ano de 2015.

A A... não releva contabilisticamente qualquer imparidade, nem debita quaisquer juros pelo elevado diferimento temporal concedido à C... e à B..., o que só se concebe, em termos de gestão empresarial, por se tratar de relações comerciais entre empresas relacionadas.

Para além das empresas B... e C... figurarem como clientes, as mesmas surgem também como empresas fornecedoras da A... (…).

Não obstante ambas apresentarem um saldo nulo no final do ano, resultante de um lançamento entre contas correntes realizado, em 2015-12-31, através do lançamento n.º 901/...2, refira-se que o saldo de ambas é permanentemente devedor ao longo do ano, o que configura um saldo atípico face à natureza da relação.

Analisada a conta corrente de cada uma das subcontas verifica-se o seguinte;

221202101108 B... SA

Na qualidade de empresa fornecedora, realizou, durante o ano de 2015, operações de natureza comercial, no valor de 994.833,36 EUR. No entanto, os valores relevados a débito excedem em larga medida as operações de natureza comercial, totalizando o valor de 5.011.328,74 EUR.

Em 31-12-2015 apresenta um saldo devedor atípico no valor de 4.016.495,38 EUR que transfere para a subconta 211202101108, fazendo com que esta apresente um saldo devedor, em 31-12-2015, no valor de 3.419.099,09 EUR.

221602101221 C... SA

Na qualidade de fornecedor realizou durante o ano de 2015, operações comerciais com a A... no valor de 18.070,04 EUR. No entanto, a A... realiza pagamentos que excedem em larga medida as operações de natureza comercial. De facto, a A... realiza transferências a débito que totalizam o valor de 612.317,11 EUR.

Em 31-12-2015 apresenta um saldo devedor no valor de 594.277,07 EUR que transfere para a subconta 211601101364, fazendo com que esta apresente um saldo devedor, em 31-12-2015, no valor de 2.447.912,92 EUR.

Refira-se desde já a incoerência subjacente ao saldo devedor que ambas as subcontas de fornecedores apresentam, e que só se justifica perante a situação de adiantamentos por conta de compras ou adiantamentos a fornecedores (…).

(…) refira-se o caso da subconta 27821606101007 E... SA, o qual ascende em 31-12-2015, a 827.374,80 EUR, e é resultante de fluxos financeiros oriundos da A... que configuram empréstimos não remunerados entre entidades relacionadas.

(…)   

Saldo médio em 2015-12-31

221202101108 B... SA    1.528.951,54

221602101221 C... SA    265.726,20

2721606101007 E... SA 568.377,54

 

(…) a A... e as empresas B..., C... e E... são empresas relacionadas, por se verificarem os critérios legalmente previstos no n.º 4 do art.º 63.º do Código do IRC, para a existência de relações especiais entre duas entidades. No entanto, não foi enunciado qualquer fundamento para aplicar uma correção através do recurso ao art.º 63.º da LGT. De facto, a A... não debita juros, quer pelo elevado diferimento temporal no recebimento das vendas, quer pela canalização de fluxos financeiros entre elas. Nem sequer debita juros em operações com entidades não relacionadas (…).

Ora, no caso sob escrutínio, corrige-se a dedução fiscal dos juros de uma operação praticada entre o sujeito passivo e uma entidade bancária independente, por não lograr passar o teste da cláusula anti-abuso estatuída no art.º 23.º do Código do IRC.

 (…)

No caso em apreço, a concessão de créditos/empréstimos não remunerados não integra o objeto social da A..., pelo que todo e qualquer gasto suportado relacionado com este tipo de opção empresarial, não poderá, à luz da cláusula geral estatuída no n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, ser dedutível para efeitos fiscais. (…) O que efetivamente se confirmou, é que o financiamento por ela concedido, seja por via de um diferimento temporal excessivamente alargado, no recebimento por parte de clientes, empresas com ela relacionadas e integrantes do grupo F..., seja por via de fluxos financeiros canalizados para outras empresas do grupo, culminando até na existência de contas de fornecedores com saldos devedores de valor elevado, teve como efeito uma diminuição das suas disponibilidades financeiras, e por essa via, implicou o recurso, na mesma medida, a um endividamento junto da Banca.

(…)

No que se refere aos valores registados a débito nas subcontas 221202101108 e 221602101221, apesar de relevados em subcontas de terceiros, que, teoricamente, deveriam registar os movimentos relacionados com operações estritamente comerciais, confirmou-se que os mesmos em nada se referem a operações comerciais, correspondendo a fluxos financeiros concedidos pela A... às empresas B... e C..., a consubstanciar empréstimos não remunerados.

Os valores que consubstanciam empréstimos concedidos não remunerados, representam 48,22% do saldo médio calculado nas subcontas 2511 e 2513 Empréstimos bancários e Locações Financeiras (…)

(…) Assim, para apurar o valor de gastos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais, e atento o valor dos gastos financeiros existentes, relevados contabilisticamente, em 2015-12-31, nas subcontas 691(526.861,10 EUR) e 698 (75.386,14 EUR) aplica-se a taxa acima determinada ao saldo médio dos empréstimos concedidos, correspondendo o valor apurado ao montante dos encargos com juros suportados não dedutíveis para efeitos fiscais:

Descrição                            31-12-2015

691 Juros Suportados    (1)          526.861,10

698 Outros Gastos e Perdas de Financiamento  (2)          75.386,17

TOTAL   (3)=(1)+(2)         602.237,20

Encargos com juros suportados não considerados fiscalmente                   290.373,01

 

10.          Em execução da decisão da reclamação graciosa, a AT emitiu em nome da Requerente a liquidação de IRC n.º 2019..., de 21.10.2019, sobre a matéria coletável corrigida de € 1 333 225,08, de que resultou o reembolso da quantia de € 166 573,59 (cfr. Doc. 7 junto ao PPA).

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, importa começar por frisar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao PPA e ao PA, bem como da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

2 - MATÉRIA DE DIREITO

 

1.            Dedutibilidade de gastos incorridos com obtenção de fundos utilizados para financiar entidades terceiras

A questão jurídica principal a decidir nos autos é a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode recusar a dedução fiscal dos gastos incorridos pela Requerente (essencialmente juros e imposto de selo) relacionados com empréstimos bancários contraídos, na medida em que os fundos obtidos através de tais empréstimos tenham sido aplicados no financiamento de entidades terceiras.

A norma central nesta matéria é o nº 1 do art. 23.º do Código de IRC que, após a redação dada pela reforma de 2014, estabelece que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Na parte final deste preceito encontra-se estabelecido o requisito da “justificação do gasto”, o qual é um requisito de natureza finalística: para poder ser fiscalmente dedutível, o gasto deve ter sido incorrido “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

A lei deixou de falar em “indispensabilidade” dos gastos, como fazia anteriormente à reforma de 2014. No entanto, a jurisprudência anterior (à atual redação do art. 23º) já não interpretava o termo “indispensáveis” de forma literal, no sentido de “necessidade estrita” dos gastos (STA 29-03-2006, proc. nº 1236/05, em que o Tribunal afirma que “o conceito de indispensabilidade não (...) pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade”).

Também se deve dar por certo, sempre à luz da jurisprudência firmada, que a dedutibilidade dos gastos não pode ficar dependente de um juízo sobre a “oportunidade ou conveniência do gasto”, ou virtualidade concreta do gasto para gerar proveitos, seja esse juízo efetuado a priori, ie antes do momento em que o gasto se revela ou não gerador de proveitos, seja a posteriori, ie após aquele momento, sempre que tal juízo envolva uma apreciação do mérito da gestão. Por exemplo, “os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis” (STA, 29-03-2006, proc. nº 01236/05, já citado).

Mas se resulta incontroverso destes e de outros pronunciamentos o que não deve entender-se por “indispensabilidade dos gastos”, bastante mais difícil se revela extrair da jurisprudência uma definição positiva dos requisitos de dedutibilidade dos gastos, já que nesta matéria o julgamento dos tribunais se tem revelado marcadamente casuístico (como se reconhece no acórdão STA 05-11-2014, proc. nº 0570/13: “O conceito de indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado tendo cabido à jurisprudência o seu preenchimento, mas de forma casuística não tendo surgido de tal labor uma definição concreta do mesmo”).

Revendo a jurisprudência sobre a matéria, encontramos dois critérios fundamentais para aferir a dedutibilidade dos gastos, que os tribunais usam umas vezes disjuntivamente, outras cumulativamente.

O primeiro refere-se à motivação do gasto e consiste em o mesmo ter ou não sido incorrido no interesse da empresa.

Neste sentido, e como forma de clarificar o critério, podem citar-se os seguintes acórdãos:

             STA, 04-07-2018, proc. nº 01432/17: “Devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objeto social (...)

             TCA Norte, 12-01-2012, proc. nº 00624/05.0BEPRT: “Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, seja, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Quer isto dizer, pois, que fora do conceito de indispensabilidade ficarão os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

             TCA Sul, 10-11-2016, proc. nº 05325/12: “Os custos indispensáveis serão aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é que foram incorridos para outros fins.”

O “interesse da empresa”, por seu turno, confunde-se com “fim lucrativo” em sentido amplo (vg. ac. STA, 30-11-2011, proc. nº 107/11. Relator: Cons. Casimiro Gonçalves: “A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros”).

O segundo critério refere-se à inserção do gasto na atividade normal da empresa.

Para ilustrar a aplicação deste segundo critério podem citar-se os seguintes arestos:

             STA, acórdão de 28-06-2017, proc. nº. 0627/16: “Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. (...) Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.”

             TCA-Norte, acórdão de 16-10-2014, proc. n.º 00438/06.0BEBRG.: “Assim, os gastos fiscais, em regra, são os derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, e para que relevem fiscalmente têm de estar afectos à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre os custos e os proveitos da empresa, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção maximalista de resultados

             Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS: “A indispensabilidade do custo há de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.”

             TCA-Sul, acórdão de 16-10-2014, proc. n.º 06754/13: “Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.”

Em alguns casos, os tribunais trataram os dois critérios como se de um apenas se tratasse (TCA-Sul, 27-03-2012, proc. n.º 53120/12: “A dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”; Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12: “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.”

Embora se reconheça que os dois critérios se verificam normalmente em simultâneo e que assim é por estarem, de facto, intimamente ligados, consideramos que, ao menos num plano abstrato, devem manter-se separados, precisamente por se observarem situações em que se verifica um dos critérios, mas não o outro.

A título de exemplo, mencione-se o acórdão do STA de 04-12-2019 (proc.º 01775/15.8BELRA 1299/17), em que, estando em causa, precisamente, despesas efetuadas pela impugnante com operações estranhas ao seu objeto social, o tribunal se pronunciou pela dedutibilidade de tais gastos, dizendo: “Um custo reconhecidamente suportado pela empresa e cuja operação não deva ser enquadrada na prossecução de objetivos alheios à empresa (designadamente por ser de concluir que tem potencialidade para gerar lucros no seio da própria empresa) não passa a custo dispensável por não ser possível estabelecer uma conexão aparente com a atividade estatutariamente definida. Até porque o significado desta discrepância pode nem redundar apenas na falta de conexão entre o custo e a fonte produtora (conhecida), mas também no exercício de uma atividade lucrativa não declarada. E não é por isso que uma tal operação escapa à tributação.”

A situação inversa – um gasto que, inserindo-se plenamente na atividade normal do sujeito passivo, aparenta não ter qualquer virtualidade para gerar lucros – também se pode verificar, como mostra o acórdão do STA de 24-09-2014 (proc.º n. 0779/12), em que se lê: “Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo”.

Parece-nos, portanto que, num plano abstrato, os dois critérios – motivação lucrativa do gasto e inserção do gasto na atividade normal da empresa – devem ser considerados separadamente.

Não se afigura que a alteração de 2014 à redação do nº 1 do art. 23º contenha elementos que modifiquem substancialmente os requisitos de dedutibilidade dos gastos, face à jurisprudência que se acaba de descrever.

Conclui-se, assim, que gastos dedutíveis, à luz do art. 23º, nº 1, serão aqueles motivados pelo fim lucrativo (interesse da empresa). Esta motivação deve ser suscetível de ser aferida em termos objetivos, ie. através de critérios de razoabilidade ou de normalidade (não podendo ficar vinculados a uma motivação puramente subjetiva do gestor). A contribuição do gasto para a obtenção ou para a garantia dos proveitos pode ser mais ou menos imediata. A conexão do gasto com a atividade normal da empresa pode ser relevante para determinar a coerência do gasto com o fim lucrativo, sobretudo quando não for evidente a virtualidade do gasto para gerar proveitos.

No caso dos autos, os gastos desconsiderados pela Autoridade Tributária são juros e outros encargos (entre os quais imposto de selo) suportados pela Requerente com a obtenção de financiamento bancário.

Em regra, os juros (e outros encargos financeiros) suportados serão gastos dedutíveis se os meios de financiamento a que correspondem se destinarem a ser aplicados na exploração (art. 23º, nº 1, al. c) CIRC).

Tal norma nada mais é do que uma aplicação da regra geral do art. 23º, nº1. Pois se os capitais alheios obtidos não forem aplicados (em sentido lato) “na exploração”, ie na atividade do sujeito passivo, os mesmos não poderão contribuir nem para obter nem para garantir os rendimentos, o mesmo acontecendo com os juros respetivos, que assim não poderão ser deduzidos.

O relatório de inspeção, analisando a contabilidade da Requerente, chega à conclusão de que uma parte dos capitais obtidos pela Requerente através de empréstimos bancários não foi aplicada na respetiva exploração, porquanto foi utilizada para financiar três sociedades suas associadas – a C... S.A. e a B... S.A.

Em face do que antes ficou dito sobre os requisitos para a dedutibilidade dos gastos nos termos do art. 23º, nº 1 CIRC, devemos começar por analisar em que medida, verificando-se efetivamente a transferência, da Requerente para as associadas, dos fundos obtidos pela primeira através de empréstimos bancários, os gastos (juros e imposto do selo) suportados pela Requerente com tais empréstimos poderiam ser deduzidos.

A jurisprudência tem unanimemente considerado que, quando uma empresa incorre em gastos com a obtenção de capitais alheios destinados a serem colocados gratuitamente noutras empresas, suas associadas ou não, tais gastos não são dedutíveis, precisamente porque a utilização de tais capitais é alheia ao interesse da própria empresa.

No acórdão do STA de 07/02/2007 (proc. nº 01046/05), em que estava em causa, como nos presentes autos, a dedução de gastos (juros e imposto de selo) relativos a empréstimos contraídos pelo sujeito passivo e por este aplicados no financiamento de empresas associadas, sob a forma de prestações acessórias, o tribunal pronunciou-se pela não dedutibilidade de tais gastos, dizendo:“ A questão em apreço é, pois, a de saber se os encargos suportados pela recorrente resultantes de empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuadas a uma sua associada pelos quais não cobrou quaisquer juros devem ser ou não considerados custos fiscais à luz do artigo 23.º do CIRC. (...) os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.” A mesma doutrina foi confirmada nos acórdãos: STA 20/5/2009, proc. nº 01077/08; STA 30-11-2011, proc. 0107/11, já citado; STA 30-05-2012, proc. nº 171/11; TCAN 14-03-2013, proc. nº 01393/06.1; CAAD 11-12-2018, proc. nº 30/2018-T.

Consideramos correta a doutrina exposta. Ainda que se possa compreender que, no âmbito de relações entre empresas associadas, o “interesse” de uma das sociedades possa, de forma remota, projetar-se no interesse de outra sociedade associada, de tal forma que, ao assumir custos que não incorpora diretamente no seu processo produtivo, a empresa que os assume pode ainda, remotamente, beneficiar de tais custos, quando estes geram proveitos na esfera da sua associada, afigura-se-nos que, para efeitos de dedutibilidade fiscal, esse interesse remoto não pode considerar-se relevante. E isto porque o “interesse” relevante para aferir a dedutibilidade dos custos é, nos termos do art. 23º, nº 1 e como resulta da sua letra, aquele que se traduz em obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, ie. do próprio sujeito passivo e não os rendimentos de qualquer outro sujeito passivo, associado ou não.

E nem sequer julgamos necessário, para assim poder concluir, justificar qualquer desvio ao princípio da tributação segundo o rendimento real, uma vez que o rendimento real (também para efeitos do direito contabilístico-comercial) só deve incluir os custos da própria entidade, como se deduz do disposto no parágrafo 92 da “Estrutura Conceptual” do Sistema de Normalização Contabilística  que diz que “os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos e a obtenção de rendimentos específicos.” Ou seja, os custos só podem ser reconhecidos quanto tenham relação direta com a atividade ou a operação que propicia a obtenção dos rendimentos.

 

2.            Existência, no caso concreto, de financiamento de entidades terceiras

Já dilucidada a questão jurídica sub judice, resta agora solucionar a questão de facto de saber se a Requerente efetivamente utilizou uma parte dos capitais obtidos através de empréstimos bancários para financiar empresas suas associadas.

De acordo com o RIT, a Requerente aplicou parte dos capitais alheios no financiamento de empresas suas associadas de dois modos:

A)           Através do diferimento da cobrança de créditos decorrentes de fornecimentos, da Requerente sobre duas associadas (saldos devedores das contas de clientes 211601101354 e 211201101036);

B)           Através de transferências de fundos da Requerente para três associadas, sem que tais transferências tenham por base qualquer transação comercial (saldos devedores das contas de fornecedores 221602101221 e 221202101108 e da conta 27821606101007).

Analisemos os fundamentos do RIT e da decisão sobre a reclamação graciosa, separadamente, em relação a cada uma destas situações.

 

A)           Diferimento da cobrança de créditos da Requerente sobre as duas associadas, referentes a fornecimentos

De acordo com o RIT (pág. 10), os saldos devedores das contas de clientes das empresas C... S.A. e a B... S.A. – saldos que correspondem a créditos da Requerente sobre estas entidades provenientes de transações de fornecimento de matérias primas – apresentam um “elevado valor”, o qual decorre do não pagamento das dívidas comerciais por prazos superiores a 90 dias.

O RIT acrescenta que, no caso da B... S.A., o prazo de 90 dias apenas foi excedido no primeiro semestre do ano.

Em consequência das duas condições apontadas – serem os saldos devedores “elevados” e resultarem os mesmos do diferimento da cobrança por período superior a 90 dias – o RIT conclui que tais créditos da Requerente sobre as associadas configuram empréstimos. 

Já na decisão da reclamação graciosa (pág. 2 da “Informação” integrada na decisão sobre a reclamação graciosa, junta ao processo administrativo, adiante referida como “Informação”), os saldos devedores das contas de clientes das associadas C... S.A. e a B... S.A. apresentam valores “muito elevados”, “face ao valor que os restantes clientes da A... apresentam”. Pois, “de facto, 44,46% dos valores por receber de clientes reportam-se a dívidas geradas com as empresas relacionadas (...), sendo que estas representam menos de 50% do total de operações comerciais relevadas a débito das subcontas de clientes.

A mesma “Informação” acrescenta ainda que se verifica a “existência de um prazo médio de recebimento muito elevado”. E especifica que, no caso da C... S.A., os pagamentos efetuados por esta no ano 2015 referem-se a operações reportadas ao ano anterior (...) e a operações reportadas aos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2015; e que, no caso da B... S.A., esta paga “até 2015-06-30 o valor em dívida no saldo inicial e as faturas dos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2015.”

Acrescenta a mesma “Informação”, na sequência dos argumentos anteriores, que a Requerente “não releva contabilisticamente qualquer imparidade, nem debita quaisquer juros pelo elevado diferimento temporal concedido à D... e à B..., o que só se concebe, em termos de gestão empresarial, por se tratar de relações comerciais com empresas relacionadas.”

Como é sabido, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (artigo 75º da LGT)”.

Para afastar a presunção de veracidade da contabilidade, basta à administração tributária (nos termos da al. a) do nº 2 do art. 75º LGT) demonstrar a existência de indícios de que a mesma não reflete a matéria tributável real do sujeito passivo.

Quando a administração tributária demonstre a existência de indícios de que os gastos contabilizados não são reais, incumbe ao sujeito passivo provar a sua dedutibilidade, de acordo com o art. 23º, nº 1 CIRC, porque assim resulta da citada al. a) do nº 2 do art. 75º LGT, mas também atendendo a que é o sujeito passivo quem pode, com mais facilidade, “documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos” (ATCA Sul 26-06-2001, proc. nº 4736/01).

Ora, ao dizer o RIT que “os saldos são elevados e resultam do diferimento da cobrança por período superior a 90 dias”, sem dizer porque considera tais saldos elevados, a Autoridade Tributária não demonstra a existência de indícios de que os saldos devedores das contas de clientes com as duas associadas configurem empréstimos. Desde logo, um mero diferimento da cobrança superior a 90 dias, em geral, não configura um financiamento, atendendo às regras da experiência.

Na “Informação”, diz-se que os mesmos saldos apresentam valores “muito elevados”, “face ao valor que os restantes clientes da A... apresentam”. Pois, “de facto, 44,46% dos valores por receber de clientes reportam-se a dívidas geradas com as empresas relacionadas (...), sendo que estas representam menos de 50% do total de operações comerciais relevadas a débito das subcontas de clientes. Ora, as percentagens de 44,6% e 50% afiguram-se, ao contrário do que sugere a “Informação”, muito próximas, logo consistentes.

Da mesma forma, ao dizer-se que se verifica “um prazo médio de recebimento muito elevado”, especificando que, no caso da C... S.A., os pagamentos efetuados por esta no ano 2015 referem-se a operações reportadas ao ano anterior (...) e a operações reportadas aos meses de janeiro, fevereiro e março do ano de 2015; e que, no caso da B... S.A., esta paga “até 2015-06-30 o valor em dívida no saldo inicial e as faturas dos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2015”, não se justifica a conclusão de que os saldos devedores são muito elevados, nem de que os prazos de recebimento são excessivos. Como observa a Requerente, a Autoridade Tributária não chega a quantificar os prazos médios de recebimento no caso das entidades em questão.

Sendo comum, no giro comercial, que os clientes não paguem as suas dívidas nos prazos acordados, e sendo igualmente comum que essas dívidas se mantenham por períodos por vezes longos (obrigando até o credor a recorrer a financiamento externo), seria necessária uma demonstração mais detalhada de que os prazos são excessivamente longos, do que simplesmente aludir a que “excedem os 90 dias”. O facto de a Requerente não ter reconhecido “imparidades” nada significa, pois a provisão só deve ser efetuada quando exista risco de incobrabilidade.

Em suma, no que diz respeito às correções relativas aos saldos devedores das contas de clientes 211601101354 e 211201101036, verifica-se que:

i)             Estes saldos credores resultam de transações comerciais cuja realidade não é contestada;

ii)            As únicas razões apontadas para a sua desconsideração como gastos são:

a.            o facto de serem “elevados”, quando este juízo não está justificado e quando o seu valor corresponde ao preço das vendas efetuadas;

b.            o facto de o prazo de cobrança praticado ultrapassar os 90 dias, quando não se diz qual é o prazo praticado. (O facto, também mencionado, de haver créditos que transitam de um ano para o outro não quer dizer que o prazo seja anormal, dependendo da data em que foram gerados no ano anterior e da data em que são pagos no ano corrente. E nada disso está concretizado).

Assim, afigura-se que, nesta parte, a administração tributária não demonstra a existência de indícios de que o diferimento dos prazos de pagamento configure verdadeiros financiamentos, pelo que deve prevalecer a presunção de veracidade dos dados contabilísticos, não se verificando assim os pressupostos da atuação da requerida AT.

 

B)           Transferências de fundos da Requerente para empresas associadas, sem que tais transferências tenham por base qualquer transação comercial.

Quanto às contas de fornecedores de empresas associadas - diz-se na “Informação” que o saldo de ambas é permanentemente devedor ao longo do ano. A conta 221202101108 revela compras ao fornecedor no valor de 994.833,36 Euros, e pagamentos (transferências a débito) no valor de 5.011.328,74 euros; a conta 221602101221 mostra compras no valor de 18.070,04 euros, e pagamentos no valor de 612.347,11 euros.

A Autoridade Tributária interpreta tais fluxos financeiros como adiantamentos efetuados pela Requerente às duas associadas, ou seja, como financiamentos.

Tais adiantamentos afiguram-se, efetivamente, anormais (no caso da conta 221202101108 os adiantamentos representam aprox. 500% do valor das compras; no caso da conta 221602101221 os adiantamentos representam aprox. 3400% do valor das compras) e tal é suficiente como indício de que se trata de efetivos financiamentos, implicando a conclusão de que os gastos foram indevidamente reconhecidos, à luz do art. 23º, nº 1 CIRC.

Aplicando o mesmo raciocínio do ponto anterior, tendo a administração tributária demonstrado a existência de indícios de que os gastos foram indevidamente reconhecidos, incumbia à Requerente demonstrar que os adiantamentos reconhecidos nas contas em causa decorriam de circunstâncias próprias da atividade, e não do intuito de financiar as empresas beneficiadas.

A Requerente, quanto a estes factos registados na sua contabilidade, defende-se dizendo: “Durante o ano de 2015, a Requerente financiou a sua atividade com recurso a capitais próprios e alheios, representando os empréstimos bancários em 31.12.2015, um valor de 10.514.000 euros, correspondendo 24,76 % do ativo contra um rácio de 55,42 % do sector, de acordo com as estatísticas do Banco de Portugal. Pelo que o valor dos encargos financeiros suportados é muito inferior à média do setor. Os gastos financeiros incorridos em 2014 referem-se a encargos com operações da atividade normal da empresa (cobranças internacionais, leasings, etc) e atividades de investimento. Não existe qualquer nexo de causalidade entre os financiamentos obtidos e o crédito concedido às empresas identificadas no relatório de inspeção. Sem o financiamento que obteve junto da Banca, a Requerente não conseguiria desenvolver a sua atividade de forma normal.”

Esta argumentação não se afigura procedente, pois os adiantamentos a empresas associadas forçosamente diminuem as disponibilidades, e os empréstimos contraídos são determinados pelo nível das disponibilidades. Ou seja, se a Requerente colocou fundos nas suas associadas, necessariamente uma parte dos empréstimos por si contraídos serviu esse propósito.

Por outro lado, a Requerente diz ainda: “(...) Entende a Requerente que todos os seus gastos de financiamento incorridos em 2015 devem ser aceites fiscalmente como gastos.  Conforme consta do relatório da AT “as empresas B... SA e C... SA, são, simultaneamente, clientes e fornecedores da A...”, sendo certo que esta produz e lhes fornece o fio que constitui matéria prima dos produtos que confecionam. Por outro lado, as empresas referidas formam um grupo têxtil organizado sob o teto da G..., SGPS, SA, que detém direta ou indiretamente 100% de todas as têxteis relacionadas, incluindo as 3 empresas supra referidas. Nos termos do artigo 489.º do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade que, diretamente ou por outras sociedades domine totalmente uma outra sociedade, por não haver outros sócios, forma um grupo com esta última, numa relação de domínio total. Ora, a existência de grupo permite estratégias integradas com políticas que potenciam os resultados globais sem qualquer prejuízo para o Estado e potenciam o desenvolvimento individual das empresas e do grupo. De facto, as três empresas integram-se sinergeticamente na mesma cadeia de valor, fornecendo a Requerente o fio com que a C..., SA e a B..., SA trabalham. Na cadeia produtiva formada por estas empresas, em última análise e em substância, o que aqui está em causa, é o financiamento do stock ao longo da fileira de negócio. Empresas independentes conduziriam aos mesmos resultados se, por exemplo, tivessem um relacionamento de subcontratação, em que o stock permanecesse na propriedade do fornecedor do fio ou subcontratante.”

Desde logo, a Requerente não explica especifica e claramente como os financiamentos a beneficiam, o que era seu ónus.

Mas além disso, o que a Requerente parece dizer neste ponto é que, efetivamente, financia o stock das suas associadas e o faz pelas relações de sinergia existentes.

Ora, não se põe em causa que, de um ponto de vista da gestão, a estratégia adotada possa fazer sentido.

Mas já do ponto de vista do direito fiscal, que tem fins e fundamentos próprios que nada têm a ver com os da gestão de empresas, a Requerente não faz mais do que confirmar os pressupostos da atuação da administração tributária: a Requerente, através de adiantamentos às suas associadas, financia os stocks destas.

A Requerente suscita também, na sua reclamação e já em sede de processo arbitral, a fundamentação, não já da decisão de proceder a correções, mas das correções em si mesmas, ou seja a justificação dos métodos utilizados pela AT na quantificação das correções, dizendo – a Requerente – nomeadamente, que “não é evidente no relatório a forma como foi apurado o desvio entre o saldo médio da D... e B... e o saldo médio de 90 dias apurado pela AT”.

Ora, concordamos com a Requerente em que não resulta clara, nem no RIT nem na “Informação”, a justificação para os cálculos utilizados, mas apenas no que diz respeito aos saldos das contas 211601101354 e 211201101036, e sobre estes cálculos não precisamos de nos pronunciar, uma vez que já se concluiu não se verificarem os pressupostos para a decisão de efetuar correções.

Quanto às correções relativas aos saldos das contas 221602101221 e 221202101108 e da conta 27821606101007, parece-nos que a base para a correção é clara: todos os adiantamentos foram considerados como não justificados e, portanto, como financiamento; e calculou-se o saldo médio devedor das associadas para com base nele calcular os juros correspondentes.

Não se verifica assim falta de fundamentação no que diz respeito a esta correção, nem no que concerne aos pressupostos para efetuar a correção, nem no que toca ao modo como a mesma foi calculada.

 

3.            Obrigatoriedade de recurso ao regime dos preços de transferência

Quer no RIT quer na “Informação”, a Autoridade Tributária alude várias vezes às relações especiais existentes entre a Requerente e as empresas associadas. Estaria a AT, por esse motivo, obrigada a aplicar o mecanismo de correção dos lucros tributáveis das várias entidades envolvidas ao abrigo do art. 63º, nº 13 CIRC e do art. 77º, nº 3 LGT, como alega a Requerente?

Entendemos que não existe qualquer preceito legal que permita afirmar a existência dessa obrigação no caso em apreço.

Tanto o CIRC, no seu art. 63º, nº 13, como a LGT, no seu art. 77º, nº 3, preveem a possibilidade de a Autoridade Tributária efetuar correções ao lucro tributável de entidades associadas, aplicando nessas correções os métodos previstos no art. 63º CIRC, os chamados “preços de transferência”.

Acontece que o nº 13 do art. 63º se aplica quando a Autoridade Tributária proceda a correções “necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo”. Ou seja, o regime do art. 63º impõe-se à Autoridade Tributária quando esta fundamenta a necessidade de efetuar correções no próprio facto da existência de relações especiais.

Tal não é o caso dos autos. A Autoridade Tributária dispõe de um preceito, o art. 17º, nº 1 CIRC, que lhe permite efetuar correções ao lucro contabilístico sempre que qualquer componente do mesmo não se mostre acorde com as regras estabelecidas na lei para a determinação do lucro tributável. No caso, a Autoridade Tributária demonstrou existir uma desconformidade entre certos gastos e o art. 23º nº 1. Nada se encontrando na lei que permita concluir que o art. 23º, nº 1 não tem aplicação quando estejamos na presença de relações especiais entre empresas, tal basta para que a Autoridade Tributária possa efetuar a correção.

A posição aqui adotada não será pacífica, contudo não encontramos na jurisprudência fundamentos que a invalidem.

No acórdão do STA de 21-09-16, proc. 0571/13, estava em causa a desconsideração de um custo cujo quantitativo era fixado pelo próprio sujeito passivo em aplicação de uma política de preços de transferência. A AT considerou que esse quantitativo fixado ao abrigo do método dos preços de transferência não estava devidamente fundamentado e, em consequência disso, decidiu aplicar o art. 23º CIRC.

No acórdão do STA de 27-06-2018, proc. nº 01402/17, motivado por um recurso por oposição de julgados, quer no acórdão fundamento quer na sentença recorrida estava em causa a desconsideração de mais-valias, ao abrigo do art. 23º CIRC. Mas em ambos os casos, ao contrário do que ocorre nos presentes autos, a AT havia invocado a existência de relações especiais, como fundamento – como fundamento, sublinha-se – da sua atuação. Por esse motivo o tribunal diz: “tendo a Administração Tributária referido que as transações com ações seriam credíveis se de facto estas fossem efetuadas com respeito pelo princípio da independência, ou seja, se as transações de compra e venda de ações fossem efetuadas entre pessoas juridicamente independentes e que se comprovasse a efetiva movimentação dos meios monetários que conferissem alguma credibilidade às mesmas, e sendo este o fundamento, as «relações especiais” existentes entre as partes no contrato, a conclusão lógica de tais premissas é que o que estava em causa não era a apreciação da indispensabilidade dos custos mas sim a adequação e admissibilidade de tais custos, face ao regime legal dos preços de transferência, consagrado no artigo 58° do CIRC”.

Concordamos inteiramente com este posicionamento do STA, o qual está de acordo, aliás, com o que já expusemos acima: se a Autoridade Tributária, perante uma transação entre empresas associadas, efetua correções ao seu resultado, invocando como fundamento da sua atuação a existência de relações especiais, então não haverá dúvida de que a Autoridade Tributária deverá, para isso, aplicar todo o regime do art. 63º, por força do nº 13 do mesmo.

Já se a Autoridade Tributária, embora constatando a existência de relações especiais, como faz no caso presente, corrige os respetivos resultados de uma transação com base em critérios que decorrem diretamente do art. 23º, nº 1, e verificando-se no caso concreto que tais critérios são procedentes, não se lhe pode exigir que, em vez disso, aplique o regime do art. 63º.

É o nº 13 do art. 63º que diz quando é que a ATA está obrigada a aplicar, nas correções ao lucro tributável dos sujeitos passivos, os critérios dos preços de transferência: quando “proceda às correções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais”.

Quando a Autoridade Tributária, embora constatando a existência de relações especiais, corrige os respetivos resultados com base em critérios que decorrem diretamente do art. 23º, nº 1 – ausência de justificação em face do fim lucrativo - não tem por que estar obrigada a aplicar o regime dos preços de transferência.

Ora, é o que acontece no caso dos autos, relativamente às correções que considerámos justificadas à luz do art. 23º. Em relação a essas correções, revejamos o que diz a Requerida: “No que se refere aos saldos devedores das subcontas 221602101221 e 221202101108, os mesmos não são coerentes com a natureza da relação de fornecedores da A..., por parte da C... S.A. e B... S.A. De facto, no decurso do ano de 2015, os valores registados a débito excedem os valores registados a crédito, de tal forma que no final do ano, ambas as subcontas apresentam um saldo devedor no valor de 594.277,07 EUR e 4.016.495,38 EUR, respetivamente, posteriormente transferido, através do lançamento nº 901/..., de 2015-12-31, para as subcontas 211601101353 e 211201101036. Também nestes casos, as referidas importâncias registadas a débito, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da A... para a C... S.A. e B..., S.A., consubstanciam operações de empréstimos não remuneradas. Refira-se também o caso do saldo devedor da subconta 27821606101007 E... Lda, o qual ascende em 2015-12-31, a 827.374,80 EUR, e é resultante de fluxos financeiros oriundos da A..., que configuram empréstimos não remunerados entre entidades relacionadas”.

Fica patente nesta argumentação que o fundamento da correção é o facto de os fluxos financeiros da Requerente para as associadas não terem contrapartida em transações comerciais, o que permite dizer que se trata de empréstimos não remunerados, sendo esta a justificação que, por sua vez, e só por si, permite desconsiderar os gastos financeiros respetivos através do art. 23º, nº 1 CIRC.

 

V.           DECISÃO

 

Por todo o exposto decide-se:

(I)           Julgar verificada a ilegalidade, por vício de violação de lei, das correções correspondentes às contas 211201101036 e 211601101354, e consequentemente anular, quanto a essa parte, a decisão da reclamação graciosa n.º ...2019...;

(II)          Anular, quanto às correções correspondentes às contas 211201101036 e 211601101354, a liquidação de IRC n.º 2019 ... e a liquidação de IRC n.º 2019...;

(III)        Julgar não verificada a alegada ilegalidade, por vício de violação de lei, das correções correspondentes às contas 221602101221, 221202101108 e 27821606101007.

 

VI.          Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 60.978,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII.         Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 448.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar:

             pela Demandada em € 1713,60;

             pela Demandante em € 734,40.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de fevereiro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Poças Falcão)

 

O Árbitro Vogal

(Doutora Mariana Vargas)

 

O Árbitro Vogal

(Doutora Nina Aguiar)