Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 406/2020-T
Data da decisão: 2021-07-26  IRC  
Valor do pedido: € 631.693,61
Tema: IRC - Dedutibilidade dos gastos. Cessação oficiosa de actividade.
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Sumário:

I – A desconsideração de gastos documentados através de facturas emitidas por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente, nos termos no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), in fine, do CIRC, depende de a Autoridade Tributária ter disponibilizado, em tempo útil, a informação cadastral dos fornecedores de bens ou prestadores de serviços que se torne relevante para esse efeito, como prevê o n.º 4 desse mesmo artigo;

II – É sobre a Autoridade Tributária que impende o ónus da prova de ter facultado ao público a informação sobre a situação cadastral dos contribuintes que tenham sido objecto de cessação oficiosa de actividade.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., UNIPESSOAL, LDA., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Braga, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2020... e juros compensatórios, e da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., relativa ao ano de 2016.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto, entre outros, o comércio, assistência técnica e acessórios de telecomunicações, como telemóveis, telefones e outros equipamentos de comunicações, bem como o comércio e assistência técnica de equipamentos informáticos e eletrodomésticos.

 

Na origem da liquidação de IRC está uma acção de inspecção tributária em que a Autoridade Tributária considerou não dedutíveis, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), do CIRC, os gastos incorridos pela Requerente, no período de tributação em causa, decorrentes das compras efectuadas aos fornecedores B..., LDA., no valor de € 864.045,83, e C..., no valor de € 1.196.601,88, com base no entendimento de que essas entidades haviam sido objecto de declaração oficiosa de cessação de actividade, nos termos do n.º 6 do artigo 8.º do CIRC.

 

Do conhecimento que a Requerente detém das referidas sociedades, estas dedicavam-se à importação e distribuição de telemóveis para Portugal e exerciam a sua actividade em sistema de B2B (“business to business”), assumindo-se como entidades intermediárias nas cadeias de transmissão dos equipamentos de comunicações até ao consumidor final.

 

A Requerente baseava as suas transacções, à data dos factos, nas ofertas de fornecedores de telemóveis que recebia diária ou semanalmente por via eletrónica, fora das plataformas profissionais de comércio electrónico, e, por via de regra, a preços inferiores no âmbito de campanhas promocionais.

 

O legal representante da Requerente, por estar registado na plataforma GSM-B2B recebia vários emails e mensagens das entidades que vendem telefones nesse sistema, com informação de preços, campanhas promocionais e propostas de contrato, e foi neste contexto que a Requerente manteve uma relação comercial com a B... e C... .

 

Os contactos que a Requerente e o seu representante mantiveram com estas entidades limitavam-se à recepção e troca de emails, contactos telefónicos, recepção e envio de mensagens, nos quais os fornecedores publicitavam os artigos em stock, respectivas quantidades e preços de referência e as partes negociavam preços e prazos de entrega.

 

 Acresce que no início das relações comerciais que mantém com quaisquer fornecedores, incluindo com a B... e C..., a Requerente solicita a informação relevante, designadamente, o NIF, o código da certidão comercial e o IBAN, sendo que o nível de contacto tido com essas empresas não lhes permitiu tomar conhecimento sobre a sua estrutura comercial e empresarial e eventuais irregularidades declarativas ou incumprimentos fiscais.

 

No ano de 2016, a Requerente efectuou várias compras à B... e C..., que se encontram tituladas através de facturas que se encontram juntas ao procedimento inspectivo. As facturas correspondem a aquisições efectivas de bens, no âmbito da sua actividade comercial, e os proveitos obtidos através da posterior venda, com uma margem de lucro média de 6%, integraram a matéria colectável para o exercício de 2016, pelo que a Requerente realizou esses negócios no pressuposto de que poderia deduzir o custo correspondente ao preço de compra.

 

Por outro lado, não se verificam, na situação do caso, os pressupostos da recusa do direito à dedução dos gastos. A não dedução de gastos realizados com entidades cuja actividade tenha sido cessada oficiosamente, nos termos do n.º 6 do artigo 8.º, está dependente de a Administração disponibilizar aos contribuintes informação relativa à situação cadastral dessas entidades, que inclua a informação sobre a cessação oficiosa de actividade.

 

No caso concreto, a Autoridade Tributária não disponibilizou a informação, reportada à data dos factos, relativa à situação cadastral daquelas entidades, e, em especial, quanto à cessação oficiosa de actividade para os efeitos do n.º 6 do artigo 8.º do CIRC, sendo que é à Administração que cabe o ónus da prova dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

 

Segundo a informação disponível no sítio de internet https://publicacoes.mj.pt/, os registos dos actos de dissolução da B... e da C... ocorreram em 24.01.2017 e em 10.05.2017, respectivamente, não existindo qualquer outra informação pública disponível quanto ao encerramento da sua actividade, verificando-se assim que a publicitação da  dissolução das sociedades é posterior ao momento em que as transacções tiveram lugar, visto que a Requerente iniciou as relações comerciais com a B..., no início do ano de 2016, e com a C..., em Maio de 2016.

 

 Por outro lado, a insuficiente documentação de um gasto não acarreta de per si a sua inaceitabilidade para a determinação do lucro tributável, podendo o contribuinte demonstrar por qualquer meio probatório admissível a existência do gasto e sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos. E não tendo sido posta em causa a materialidade das operações, a Autoridade Tributária deveria ter considerado ultrapassada a eventual irregularidade imputável aos sujeitos passivos que emitiram as facturas mediante a prova da realização das transacções.

 

O acto tributário impugnado é ilegal por errónea aplicação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), e n.º 4 do CIRC e ainda por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Por outro lado, a Requerente, no exercício do direito de audição, no âmbito do procedimento inspectivo, suscitou novos elementos que deveriam ser tidos em consideração, nos termos do n.º 7 do artigo 60º da LGT, e que deveriam ter levado a Autoridade Tributária a promover a realização de diligências complementares, pelo que o acto tributário enferma ainda de vício de forma por deficiente fundamentação e incumprimento de formalidade essencial.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, em síntese, o seguinte.

 

A Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) promoveu a cessação oficiosa da B... e da C..., com efeitos desde 29 de Setembro de 2016 e 2 de Agosto de 2016, respectivamente, e no sítio https://publicacoes.mj.pt, foram publicados avisos em 26 de Setembro de 2016 e 24 de Agosto de 2016, tornando público que tinham sido instaurados procedimentos administrativos de dissolução da sociedade a cada dessas sociedades.

 

A Requerente contabilizou como gastos para efeitos fiscais facturas emitidas pela B.., no montante de € 864.045,83, após a data de 29 de Setembro de 2016,  e facturas emitidas pela C..., após a data de e 2 de Agosto de 2016, no montante de € 1.196.601,88, significando que a desconsideração dos gastos abrange apenas os montantes constantes de facturas emitidas após a cessação oficiosa de actividade e não a globalidade das transacções comerciais realizadas com aquelas entidades, que atingiram os valores de € 1.615.177,32, no primeiro caso, e de € 1.268.590,82, no segundo caso.

 

Por outro lado, a não dedução de encargos titulados por documentos emitidos por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente é uma determinação constante do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), do CIRC, não relevando para o caso que os gastos preencham os requisitos dedutibilidade para efeitos fiscais constantes do artigo 23.º do mesmo Código.

 

Acresce que o dever que incumbe à Autoridade Tributária de disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos é de carácter genérico e público, a que todos os contribuintes podem aceder através do portal das finanças em https://www.portaldasfinancas.gov.pt, não sendo exigível que seja disponibilizada uma informação individualizada em relação a cada um dos contribuintes interessados.

 

No caso, a informação relevante relativa à cessação oficiosa de actividade constava do item "consultar"->"identificação clientes/fornecedores" e essa informação e os consequentes efeitos jurídicos não tem a ver com os procedimentos de dissolução e liquidação das sociedades a que se referem os artigos 141.º e segs. do CSC e cuja publicitação incumbe ao Ministério da Justiça.

 

Acresce que qualquer vício de inconstitucionalidade que se pretenda invocar não é imputável ao acto tributário de liquidação, mas à norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c), que impõe a referida exclusão de dedução de gastos em caso de facturas emitidas por entidades cuja actividade se encontre cessada.

 

 Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal arrolada, determinando-se, na sequência, a notificação das partes para a apresentação de alegações escritas por prazo sucessivo.

 

Em alegações, a Requerente requereu a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no Processo n.º 386/2020-T, por verificação da excepção de litispendência, por nessa decisão se ter julgado não provado que a “Requerente tivesse conhecimento de que os fornecedores faltosos não dispunham de adequada estrutura empresarial, susceptível de exercer a actividade por si declarada, ou de, sobre essa matéria, lhe ser exigível um especial conhecimento.”  Argumenta que a referida decisão arbitral teve por objecto correcções tributárias efectuadas em sede de IVA, com base no mesmo procedimento inspectivo que igualmente originou as correcções em sede de IRC que são impugnadas nos presentes autos.

 

No mais, a Requerente procurou fixar os factos que considera como assentes e manteve a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29 de Outubro de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto, entre outros, o comércio, assistência técnica e acessórios de telecomunicações, tais como, telemóveis, telefones e outros equipamentos de comunicações, assim, como o comércio e assistência técnica de equipamentos informáticos e electrodomésticos.

B)           A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária ao exercício de 2016, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., que abrangeu a análise da sua situação tributária em sede de IVA e IRC.

C)           Por ofício de 22 de Dezembro de 2019, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, que propunha a realização de correcções à matéria colectável de IRC relativamente a transacções comerciais realizadas com a B..., Lda., no montante de € 864.045,83, após 29 de Junho de 2016, data da cessação oficiosa da actividade desta entidade, e com a C..., Unipessoal, Lda., no montante de € 1.196.601,86, após 16 de Setembro de 2016, data da cessação oficiosa da actividade desta entidade.

D)           A Requerente exerceu o direito de audição através de exposição que consta do documento n.º 4 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido, em que alega, em resumo, o seguinte:

As facturas emitidas pelas sociedades B... e C..., corresponderem a aquisições efectivas de bens e esses bens (telemóveis) foram adquiridos com vista à realização de proveitos, e, nessa medida, em ordem ao princípio da tributação segundo o rendimento real, a Autoridade Tributária, ao desconsiderar os gastos incorridos com a aquisição dos telemóveis deveria também desconsiderar os proveitos obtidos.

A Autoridade Tributária não disponibilizou, à data dos factos, a informação relativa à situação cadastral das sociedades B... e C..., pelo que a Requerente desconhecia aquando da apresentação das declarações fiscais a situação de cessação oficiosa da actividade dessas entidades.

A declaração anual de rendimentos com referência ao exercício de 2016 foi validada pela Autoridade Tributária como “declaração sem erros”.

Os documentos comprovativos dos custos para efeitos fiscais não têm de assumir as formalidades exigidas para as facturas em sede de IVA e a consideração fiscal dos custos depende apenas do requisito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, não sendo vedado ao contribuinte a  prova da existência dos gastos e da sua indispensabilidade por qualquer meio probatório admissível.

Para prova dos factos alegados, requereu a inquirição de duas testemunhas.

E)            No relatório final de inspecção tributária, a Autoridade Tributária fundamenta as correcções em IRC nos seguintes termos.

II.3. IRC – COMPRAS A ENTIDADES CESSADAS

Nos termos da alínea c) do artigo 23.º - A do Código do IRC, os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

III.3.1. Fornecedor B..., LDA.

Conforme consta do ficheiro SAF-T da contabilidade, que nos foi entregue pelo SP, no período compreendido entre fevereiro e setembro de 2016, o SP registou compras de  mercadorias a B..., LDA., com o NIF...,  representadas por 66 faturas, no montante de 1.615.177,32  EUR.

Já foi feito, anteriormente neste relatório, o enquadramento e o histórico desta entidade  B... .

Já foi referido que a entidade B..., LDA, com o NIF..., foi cessada oficiosamente pela AT, nos temos dos artigos 8.º, n.º 6 do Código do IRC e 34.º,   n.º 2 do Código do IVA,  na data de 2016-06-29.

Nos termos da alínea c) do artigo 23º-A do Código do IRC, os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

O sujeito passivo contabilizou, como compras do período em análise, facturas emitidas pela B... após a data de 2016-06-29, conforme relação  anexa, no montante de  864.045,83 EUR. Estas  compras, registadas na conta “31.113 - Compras, mercadorias,  mercado nacional taxa normal” foram relevadas em gastos na conta “61.1 - Custo das  mercadorias vendidas e matérias consumidas, mercadorias", pelo lançamento [2016-12-31 001 000784].

Em face do exposto propõe-se e a correção acrescendo ao lucro tributável, apurado na declaração de rendimentos modelo 22 entregue pelo SP, referente ao período de 2016, o montante de 864.045,83 EUR

III.3.2. Fornecedor C..., UNIPESSOAL, LDA

Conforme consta do ficheiro SAF-T da contabilidade, que nos foi entregue pelo SP, no período compreendido entre maio e dezembro de 2016, o SP registou compra de  mercadorias à C..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF...,  representadas por 37 faturas, no montante de  1.268.590.82 EUR.

Já foi feito, anteriormente neste relatório, o enquadramento e o histórico desta entidade C... .

Já foi referido que a entidade C..., LDA., com o NIF..., foi cessada oficiosamente pela AT, nos termos dos artigos 8.º, n.º 6 do Código do IRC e 34.º, n.º 2 do Código do IVA, na data de 2016-09-16.

Nos termos da alínea c) do artigo 23.º-A do Código  do  IRC, os encargos evidenciados   em documentos emitidos por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.

O sujeito passivo contabilizou, como compras do período em análise, facturas emitidas pela C... após a data de 2016-09-16, conforme relação anexa, no montante de 1.196.601,88 EUR. Estas compras, registadas na conta “31.113 - Compras,  mercadorias, mercado nacional, taxa normal” foram relevadas em gastos na conta “61.1 - Custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, mercadorias”, pelo lançamento  [2016-12-31 001 000784].

Em  face  do exposto propõe-se a correção acrescendo ao lucro tributável, apurado na  declaração de rendimentos modelo 22 entregue pelo SP, referente ao período de 2016, o montante de 1.196.601,88  EUR.

III.3.3 Resumo das correções relativas compras a entidades cessadas

No quadro seguinte sintetizam-se as correções propostas em sede de IRC, relativas a compras a entidades cessadas:

            Quadro 29 – IRC – entidades cessadas

Capítulo               Descrição            Correção

III.3.1.   Fornecedor B..., LDA.     864.045,83€

III.3.2    Fornecedor C..., LDA.     1.196.601.88€

                Soma    2.060.647,71€

 

F)            Com referência ao alegado e requerido no exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária, no mesmo relatório, consignou o seguinte:

Refere o n.º 1 do artigo 23.º-A, do Código do IRC, na sua alínea c), que:

«1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação (…)»

«c) (…) os encargos evidenciados em documentos emitidos (…) por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º »

Dispõe o n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa que «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.»

Parece as duas normas se contradizem, mas não. Sobre este assunto existe alguma jurisprudência, aliás descrita na decisão que recaiu sobre o processo n.º 188/2019-T do CAAD, que refere:

«O legislador constitucional marcou uma orientação pela tributação de acordo com o rendimento real, mas ao utilizar o adjetivo “fundamentalmente” não proíbe tout court a tributação de acordo com o rendimento normal. “Fundamentalmente significa «principalmente» e não «exclusivamente».

«Deste modo, o art.º 23º A do CJRC ao proibir a dedução de determinados gastos não é por si só contrária ao disposto no art.º 104º, n.º 2 da CRP.»

«Importa referir que também a jurisprudência tem sido pacífica não considerando a existência  de limitações à dedução de determinados gastos como a tributação de acordo com  o rendimento real»

Nesta sentença é ainda referida alguma jurisprudência. Veja-se:

Ac. do TC n.º 85/2010 de 03.03.2010: «Aliás, a impossibilidade de dedução integral de  alguns custos ou perdas, como tal contabilizados pelos contribuintes, para efeitos de determinação de base tributável, não só resulta de diversos números atual artigo 45º do CIRC, como já tem sido objeto de recurso para este Tribunal, nomeadamente nos processos decididos pelos Acórdãos n.ºs 418/2000 e 451/2002 (disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional em http://tribunalconstitucional.pt/), os quais não julgaram inconstitucional a solução encontrada. Jurisprudência que se entende dever agora igualmente reiterar.»

Pelo que se conclui que a não dedutibilidade de gastos impostos pela alínea c) do n.º 1   do artigo 23.º - A do Código do IRC não viola o disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa e obriga à desconsideração dos rendimentos obtidos pelo SP.

IX.3. SOBRE A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS

Na conclusão da sua exposição no exercício do direito de audição o SP vem requerer:

«B) para prova dos factos supra alegados, e a fim de se proceder a uma justa e correta apreciação dos factos ocorridos, requer que se procedam à inquirição das testemunhas seguidamente identificadas:

«1. D...;

«2. E..., ambos com domicílio profissional na sede da interessada e que a interessada se compromete a apresentar.»

Nada mais refere a propósito da identificação das referidas testemunhas, qual a relação com o próprio contribuinte, nem sobre que factos era pretendida a sua inquirição.

Devendo o exercício do direito de audição consistir na participação útil do contribuinte no procedimento, aquele pode requerer diligências complementares, incluindo a audição  de testemunhas.

Por outro lado, a Administração Tributária a Aduaneira deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

No entanto, decorre do princípio do inquisitório que deverá inferir-se que é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, ou seja, sobre  a relevância para o procedimento.

Cabe à Inspecção Tributária e Aduaneira ajuizar sobre a utilidade ou conveniência das  diligências complementares.

Não estando vinculada à iniciativa do contribuinte, Administração Tributária e Aduaneira pode rejeitar as diligências probatórias por ele solicitadas no caso de, fundamentadamente, entender elas serem desprovidas de interessa para a resolução do procedimento.

As conclusões do presente assentam em documentos que representam factos objectivos.  Assim, verifica-se já existir consistência da comprovação adquirida no procedimento.

Do procedimento já constam todos os elementos de facto e de direito necessários à sua tomada de decisão final.

O testemunho daquelas pessoas - empregados do contribuinte - por ser subjectivo, não iria de nenhuma forma alterar os fundamentos objetivos baseados em documentos e factos, pelo que se trataria de uma diligência inútil para a resolução do procedimento de  inspeção.                                                                                                  ··     ·

IX.4.  CONCLUSAO

O sujeito passivo exerceu o direito à audição prévia, previsto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, não apresentando qualquer facto novo que prejudicasse a  fundamentação e/ou  as  correções propostas no presente relatório, pelo que se mantém  as propostas de correção em sede de IVA e de IRC, devidamente fundamentadas e calculadas no capítulo III deste relatório.

G)           Na sequência das correções efectuadas em sede de inspecção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2020 ... e da respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, na qual se apurou um montante de imposto a pagar de € 631.693,61.

H)           A Requerente, através do seu sócio gerente F..., trocou com a empresa B... a correspondência por email, datada de Janeiro a Setembro de 2016, que consta dos documentos n.ºs 6 a 76 juntos ao pedido arbitral.

I)             A Requerente, através do seu sócio-gerente F..., trocou com a empresa C... correspondência por email, datada de Maio, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2016, que consta dos documentos n.ºs 77 a 97 juntos ao pedido arbitral.

J)            A Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE), a solicitação do tribunal, prestou a seguinte informação:

 A sociedade B..., LDA. NIPC ..., foi cessada oficiosamente nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 34º do Código do IVA e n.º 6 do artigo 8º do Código do IRC, com efeitos a 29-06- 2016, tendo disso sido dado conhecimento à Conservatória do Registo Comercial de Sintra através do nosso oficio n.º .../2016, de 08/07/2016;

A sociedade C..., Unipessoal NIPC ..., foi cessada oficiosamente nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 34º do Código do IVA e n.º 6 do artigo 8º do Código do IRC, com efeitos a 16-09- 2016, tendo disso sido dado conhecimento à Conservatória do Registo Comercial de Sintra através do nosso oficio n.º DSIFAE...2016, de 19/09/2016.

K)           Em 24 de Janeiro de 2017, foi publicado no site do Ministério da Justiça o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B..., Lda, na sequência de procedimento administrativo oficioso.

L)            Em 10 de Maio de 2017, foi publicado no site do Ministério da Justiça o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade C... Unipessoal, Lda., na sequência de procedimento administrativo oficioso.

M)          O pedido arbitral deu entrada em 11 de Agosto de 2020.

 

Factos não provados

 

Não se encontra provado que a Autoridade Tributária tenha disponibilizado no portal das finanças, na data de 29 de Junho de 2016, informação sobre a cessação oficiosa da actividade da sociedade B..., Lda.

Não se encontra provado que a Autoridade Tributária tenha disponibilizado no portal das finanças, na data de 16 de Setembro de 2016, informação sobre a cessação oficiosa da actividade data da cessação oficiosa da actividade da sociedade C..., Unipessoal.

 

O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e na prova testemunhal produzida em audiência.

 

Questão prévia: suspensão da instância

 

5.  A Requerente, na fase de alegações, veio requerer a suspensão da instância do presente processo até ao trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no Processo n.º 386/2020-T, por considerar que se verifica uma situação de litispendência entre ambos os processos.

 

A litispendência opera quando uma causa se repete estando a anterior ainda em curso e tem por objetivo “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”. Entende-se que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, o que significa que se exige não apenas a identidade de sujeitos processuais, mas  a identidade do pedido e da causa de pedir, ou seja, a identidade quanto ao próprio objecto do processo (artigos 580º, nº 2, e 581º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT).

Ora, o Processo n.º 386/2020-T, como se depreende da decisão arbitral nele proferida, teve por objecto a correcção tributária efectuada em sede de IVA ao passo que o presente Processo tem como objecto a correcção tributária realizada em sede de IRC, pelo que os processos em causa assentam necessariamente em diferente pedido e em diferente causa de pedir e não é a circunstância de as liquidações adicionais terem tido origem no mesmo procedimento inspectivo e terem sido analisadas no mesmo Relatório de Inspecção Tributária que determina a verificação da situação de repetição da causa.

Acresce que, como resulta do referido Relatório, as correcções nem sequer têm por base os mesmos fundamentos. Enquanto a recusa do direito à dedução do IVA resulta de se ter entendido que a dedução teve por base operações que foram simuladas e manipuladas, tendo por objectivo lesar o Estado, mediante a participação num mecanismo fraudulento (fls. 60 do RIT), a não dedutibilidade de gastos para efeitos de IRC resulta de respeitarem a facturas emitidas por entidades cuja actividade tinha sido oficiosamente declarada cessada.

E, nesse sentido, também se não compreende em que medida o julgado no Processo n.º 386/2020-T é susceptível de interferir na apreciação do objecto da causa no presente processo em termos de poder ser tido como uma questão prejudicial.

Não havendo identidade de pedido e de causa de pedir, nem se configurando a existência de uma questão prejudicial, não há motivo para julgar extinta a instância com fundamento na excepção dilatória da litispendência, nem para determinar a suspensão da instância com base no disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC.

 

Matéria de direito

 

6. A única questão em debate traduz-se em saber se tem fundamento a desconsideração para efeitos fiscais, na esfera jurídica da Requerente, de gastos relacionados com facturas emitidas pela B..., após a data de 29 de Junho de 2016, e de gastos relacionados com facturas emitidas pela C..., após 16 de Setembro de 2016, por em cada uma dessas datas se ter verificado a cessação oficiosa da actividade das entidades emitentes das facturas.

 

A Requerente alega que a não dedução de gastos realizados com entidades cuja actividade tenha sido cessada oficiosamente, nos termos do n.º 6 do artigo 8.º do CIRC, está dependente da disponibilização aos contribuintes da informação relativa à situação cadastral dessas entidades, que inclua a informação sobre a cessação oficiosa de actividade, o que, no caso, não se verificou, sendo que esse constitui um ónus probatório que incumbe à Administração Tributária.

 

A Autoridade Tributária contrapõe que o dever de disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos é de carácter genérico e público, tornando-se acessível a qualquer contribuinte através do portal das finanças, e que foram publicados, em 26 de Setembro de 2016 e 24 de Agosto de 2016, no sítio de internet https://publicacoes.mj.pt, avisos da instauração procedimentos administrativos de dissolução dessas sociedades.

 

A questão em análise prende-se com as disposições dos artigos 8.º, n.º 6, e 23.º-A, n.ºs 1, alínea c), e 4 do CIRC.

 

A primeira dessas disposições reporta-se às situações em que se considera verificada, para efeitos do Código de IRC, a cessação de actividade, e carece de ser interpretada em articulação com o precedente n.º 5.

 

O n.º 5 do artigo 8.º faz referência a situações específicas em que a cessação da actividade coincide com certas ocorrências da vida da empresa: a data do encerramento da liquidação, ou a data da fusão ou cisão, quanto às sociedades extintas, ou a data em que a sede e a direcção efectiva deixem de se situar em território português, ou a data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto, ou ainda, relativamente às entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português, a data em que cessarem totalmente o exercício da sua actividade através de estabelecimento estável ou deixarem de obter rendimentos em território português.

 

Para além dessas situações, o n.º 6 consigna a possibilidade de declaração oficiosa da cessação de actividade, por parte da Administração Fiscal, nos seguintes termos:

 

Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial em condições de a exercer.

 

Por seu lado, o artigo 23.º-A, n.º 1, especifica os encargos que não são dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, incluindo entre eles na alínea c), “os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º.

 

O n.º 4 do citado artigo 23.º-A explicita ainda que “a Autoridade Tributária e Aduaneira deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, que seja considerada relevante para efeitos do disposto na segunda parte da alínea c) do n.º 1.”

 

A falada disposição da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, com o objectivo de combate à fraude e evasão fiscais, determina a não relevância fiscal de gastos incorridos com aquisição de bens ou prestação de serviços cujos documentos comprovativos tenham sido emitidos por fornecedores ou prestadores de serviços não reconhecidos pela Administração Fiscal.

 

 Por sua vez, nos termos do citado n.º 4, impende sobre Autoridade Tributária o dever de disponibilizar a informação cadastral dos sujeitos passivos para permitir aos contribuintes certificarem-se que os terceiros com quem encetam relações comerciais não se encontram em qualquer das situações previstas na segunda parte da alínea c) do n.º 1, que implicam a não dedutibilidade dos gastos para apuramento do lucro.

 

Subsiste, por conseguinte, um dever procedimental da Administração Tributária de facultar ao público os dados sobre sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou cuja actividade tenha sido declarada oficiosamente cessada, a que corresponde um princípio de corresponsabilização dos adquirentes de bens ou serviços, no âmbito da sua actividade empresarial, que se lhes impõe conferir previamente através do portal das finanças a situação fiscal dos cocontratantes.

 

7. Na situação do caso, e como resulta evidência do Relatório de Inspecção Tributária,

o único fundamento invocado para a correcção tributária assenta na circunstância de os gastos se encontrarem documentados através de facturas que foram emitidas, pela B..., após 29 de Junho de 2016, e pela C..., após 16 de Setembro de 2016, datas em que tinha ocorrido a cessação oficiosa da respectiva actividade.

 

Não há, no entanto, nenhum indicador seguro de que a Administração Tributária tivesse facultado nessas mesmas datas a informação sobre a situação cadastral dos fornecedores dos serviços, em termos de a Requerente poder ter evitado, actuando diligentemente, manter a sua relação comercial com essas entidades.

 

  Mediante a informação prestada pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE), constata-se que a sociedade B... foi cessada oficiosamente, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 8º do Código do IRC, com efeitos a 29 de Junho de 2016, e a sociedade C... foi cessada oficiosamente, nos termos do mesmo preceito, com efeitos a 16 de Setembro de 2016. Consta ainda da mesma informação que foi dado conhecimento da cessação oficiosa de actividade à Conservatória do Registo Comercial de Sintra através dos ofícios de 8 de Julho seguinte, no caso da B..., e de 19 de Setembro seguinte, no caso da C... .

 

Demonstra-se ainda que, na sequência de procedimento administrativo oficioso, em 24 de Janeiro de 2017, foi publicado no site do Ministério da Justiça o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B..., e em 10 de Maio de 2017, o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade C... .

 

Conforme resulta do disposto no artigo 5.º, alínea c), do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução, constante do anexo III a que se refere o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, o  procedimento de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, designadamente quando a “administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de actividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária”.

 

Só quando tenha sido adoptada uma decisão definitiva, no âmbito do procedimento, é que o conservador lavra oficiosamente o registo de dissolução, como prevê o artigo 13.º

 

Em qualquer caso, o procedimento de dissolução é desencadeado em momento ulterior à declaração oficiosa de cessação de actividade e mediante a comunicação ao serviço de registo dessa ocorrência, e é a cessação oficiosa de actividade que constitui o facto tributário que, tal como se encontra descrito no artigo 8.º, n.º 6, do CIRC, determina a desconsideração de encargos  em que o sujeito passivo tenha incorrido no âmbito de relações  comerciais realizadas com entidades cuja actividade se encontre cessada.

 

Neste contexto, não é o procedimento de dissolução das sociedades e a subsequente publicitação do registo de dissolução que releva para efeito de se considerar verificada a disponibilização da informação cadastral  a que se refere o artigo 23.º-A, n.º 4, quando é certo que a informação que está aí em causa é a atinente à própria cessação oficiosa de actividade, visto que é essa circunstância que pode justificar, nos termos previstos na segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, a irrelevância fiscal dos gastos.

 

Mas mesmo que assim não fosse, também é de considerar que a publicitação do registo de dissolução e encerramento da liquidação das sociedades B... e C..., no site do Ministério da Justiça, ocorreu já em 2017, enquanto a correcção tributária impugnada respeita a transacções realizadas após 29 de Junho de 2016 ou 16 de Setembro de 2016, mas ainda no período de tributação de 2016, pelo que não é possível afirmar que a Requerente, por essa via, dispusesse de informação relevante, em tempo útil, que pudesse impedir a realização das transacções com as entidades inabilitadas.

 

A Autoridade Tributária, no artigo 140.º da sua resposta, reproduz ainda um print screen   do portal das finanças, em que se encontra indicada, como cessação da actividade da B...,  a data de 29 de Junho de 2016, e como cessação da actividade da   C..., a data de 16 de Setembro de 2016.

 

Mas como pode verificar-se através desses documentos, a consulta de pesquisa relativa à situação cadastral das entidades em causa reporta-se a 4 de Setembro de 2020, nada permitindo concluir que essa informação já estivesse patente ao público nas referidas datas de 29 de Junho de 2016 e de 16 de Setembro de 2016.

 

Não existe, por conseguinte, prova bastante do cumprimento do dever procedimental a que se refere o artigo 23.º-A, n.º 4, do CIRC, sendo que a disponibilização da informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, por parte da Autoridade Tributária, constitui pressuposto da não dedutibilidade de encargos incorridos com fornecedores de bens cuja actividade tenha sido oficiosamente cessada.

 

Subsistindo fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, é o suficiente para determinar a anulação da liquidação impugnada e correspondentes juros compensatórios.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

 

Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento de vícios procedimentais e de questões de constitucionalidade invocados.

 

Juros compensatórios

 

8.  A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação ao acto tributário de liquidação de IRC.

 

Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa actuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.

 

A procedência do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto tributário de liquidação de IRC e de juros compensatórios n.º 2020... .

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 631.693,61, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Julho de 2021,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Luís Menezes Leitão

 

O Árbitro vogal

Ricardo Marques Candeias