Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2020-T
Data da decisão: 2020-12-22  IRC  
Valor do pedido: € 28.401,54
Tema: IRC – Artigo 23.º - dedutibilidade dos custos.
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Sumário:

I - O contribuinte beneficia da presunção legal de veracidade ínsita no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.

II - Não ficou provado que os capitais alheios não tenham sido utilizados pela Requerente para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, demonstração essa que caberia à própria AT fazer.

III - Na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo e não o do grupo de empresas.

IV - Ainda que a AT tivesse provado que as importâncias registadas a débito, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da Requerente, consubstanciavam empréstimos não remunerados, esses capitais poderiam ser considerados como gasto fiscal in casu.

V - É admissível que a Requerente proceda à concessão de créditos de natureza comercial adequados, que permitam a empresas que operam no mercado a jusante manter níveis adequados de aquisição de material o que, a acontecer, será sempre no interesse da Requerente.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 06.07.2020, decide nos termos que seguem:

I. RELATÓRIO

1. A..., SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o n.º..., apresentou, em 20/01/2020, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida AT).

2. A Requerente pede a declaração de ilegalidade dos seguintes atos de liquidação:

a) Demonstração de liquidação de IRC n.º 2018...;

b) Demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e

c) Demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao ano de 2014, assim como demonstração de liquidação de IRC n.º 2019... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., emitidas na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 21-01-2020 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

6. Em 10-03-2020 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 07-06-2020.

8. Por despacho de 14 de outubro de 2020, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como para a produção de prova testemunhal.

9. No dia 24 de novembro de 2020 teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 06 de janeiro de 2021 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.

10. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

13. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

II. DO PEDIDO DA REQUERENTE:

A Requerente solicita a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e, consequentemente, a anulação da demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., da demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao ano de 2014, assim como a demonstração de liquidação de IRC n.º 2019 .... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., emitidas na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa.

A Requerente refere, em síntese, que competia à Requerida AT alegar e provar factos que permitissem concluir no sentido de que os valores em conta corrente teriam sido efetivamente utilizados na exploração e na atividade das sociedades B... (B..., SA) e C... (C..., SA), o que não terá feito.

Mais considera a Requerente que a Requerida AT errou ao considerar que, entre a Requerente e as referidas empresas, existem relações especiais e que o elevado valor dos saldos da B... e C..., só seria possível atendendo às relações especiais entre as empresas, nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, presumindo existirem empréstimos não remunerados.

Conclui a Requerente que o artigo 23.º do CIRC, invocado pela AT, não podia ser usado como mecanismo de controlo dos atos da administração das sociedades, não podendo a AT, através da análise da dedutibilidade dos custos, colocar em causa operações que diz beneficiarem entidades relacionadas.

III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:

Em resposta, a Requerida AT considera que o acto impugnado deve ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.

IV. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objeto a preparação e fiação de fibras do tipo algodão;

2.            A Requerente é sujeito passivo de IRC com sede e direção efetiva em Portugal, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, a) CIRC, encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação, com um período de tributação coincidente com o ano civil, exercendo a título principal a atividade de fiação e acabamento de algodão, fibras artificiais e sintéticas, a que corresponde o CAE 13101, e nível secundário, a atividade do CAE 4641O - comércio por grosso de têxteis.

3.            No período de tributação de 2014 a Requerente submeteu, nos termos do n 1 do art.° 120 do CIRC, a declaração de rendimentos de IRC Mod. 22 identificada com o n.º..., em 2015-05-31, tendo na mesma declarado um lucro tributável de €1.165.673,27, uma matéria coletável de igual montante e um valor de imposto a recuperar de €69.490,76. O reembolso no montante de €69.490,76 foi concretizado por transferência eletrónica interbancária no dia 2016-07-05.

4.            Submeteu, nos termos do n.° 1 e do n.º 2 do art.º 122.º do CIRC, a declaração de rendimentos de IRC Mod. 22 de substituição, identificada com o n.º..., em 2016-05-31, tendo na mesma declarado um lucro tributável de €1.130.892,67, uma matéria coletável de igual montante e um valor de imposto a recuperar de €203.784,99. O reembolso no montante de €134.294,23 (€203.784,99 - €69.490,76) foi concretizado por transferência eletrónica interbancária no dia 2016-06-20.

5.            A autoliquidação de IRC que deu origem ao reembolso de €69.490,76 corresponde à liquidação n.°2015..., com data de 2015-07-17.

6.            A autoliquidação de IRC de substituição que deu origem ao reembolso de €134.294,23 corresponde à liquidação n.° 2016..., com data de 2016-06-06.

7.            A Requerente, em sede de IRC, foi objeto de uma ação de inspeção externa, ao período de tributação de 2014, com o objetivo de proceder ao controlo declarativo, credenciada pela ordem de serviço n.º 012018....

8.            Este procedimento de inspeção originou correções meramente aritméticas ao resultado fiscal declarado da Requerente, no montante de €329.788,83 e, em consequência, a emissão da liquidação de IRC n.º 2018 ... (inclui imposto e juros), e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., com imposto a pagar de €87.899,65.

9.            Na sequência da notificação da liquidação adicional supra mencionada e por não concordar com a mesma, a Requerente apresentou reclamação graciosa à qual foi atribuído o n.º ...2019... .

10.          O pedido de reclamação graciosa foi apreciado pela Divisão de Justiça Tributária (DJT) da Direção de Finanças de Braga tendo a requerente, em sede de direito de audição, sido notificada do Projeto de Despacho de deferimento parcial, com os fundamentos constantes em informação elaborada para o efeito, em cumprimento do princípio da participação previsto na al. b) do n. 1 do art.º 60.º da LGT.

11.          A Requerente exerceu o direito de audição e após análise do mesmo verificou a DJT que não haviam razões suscetíveis de alterar a decisão anterior, mantendo-se a proposta de decisão notificada à Requerente.

12.          Termos em que, na informação elaborada, foi proferido despacho de deferimento parcial do pedido da reclamação graciosa pela Diretora de Finanças, da Direção de Finanças de Braga, no dia 15 de outubro de 2019. Esta decisão alterou as correções fiscais para €123.485,39.

13.          Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa supra referenciada, foi emitida (1) a liquidação de IRC n.º 2019... (inclui imposto e juros) que procede à regularização parcial da liquidação anterior e (2) a demonstração de acerto de contas n.º 2019 ... que anulou o montante de €54.986,71.

14.          A Requerente foi devidamente notificada da nota de acerto de contas identificada com o n.º 2019..., por transmissão eletrónica, concretizada no dia 11 de novembro de 2019.

15.          A correção fiscal de €123.485,39 contestada no PPA foi efetuada com base na seguinte informação constante do PPA (cfr reclamação graciosa e informação do RIT):

•             No período de tributação de 2014 a Requerente considerou como gastos, encargos financeiros no montante total de €716.531,32, registados na contabilidade nas contas SNC 691 e 698, os quais se encontram associados a juros, despesas bancárias e Imposto de selo, decorrentes de operações de financiamento junto de diversas instituições financeiras, designadamente, Banco H..., SA, Banco I..., SA, J..., SA, K..., Banco L..., SA, Banco M..., Banco N..., SA, Banco O..., SA e P..., ..., SL.

•             Com referência aos saldos das contas dos fornecedores C..., S.A. (SNC 221202101108) e B..., S.A (SNC 221502101221), constatou a DF Braga (em sede de procedimento de inspeção e no âmbito da reclamação graciosa) que os mesmos não seriam coerentes com a natureza da relação de fornecedores, uma vez que (1) no decurso do ano de 2014, os valores registados a débito excedem os valores registados a crédito, de tal forma que no final do ano, ambas as subcontas apresentam um saldo devedor no valor de €1.103.940,21 e €3.633.950,79, respetivamente e (2) posteriormente transferidos para as subcontas SNC 211601101354 e SNC 211201101036.

•             Concluiu a DF Braga que as importâncias registadas a débito supra referidas, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da Requerente para a B... e C... alegadamente consubstanciavam empréstimos não remunerados.

•             E, considerou a DF Braga, a concessão de empréstimos por parte da Requerente, com vista ao financiamento da atividade da B... e C..., não integrava um ato da sua atividade normal e corrente, só servindo para o desenvolvimento da atividade e para a manutenção da fonte produtora das empresas em causa (B... e C...).

•             Assim entendeu a DF Braga, nos termos da alínea c), do n.º 1 do art.º 23. do CIRC, considerar fiscalmente os encargos financeiros com empréstimos obtidos pela Requerente, junto de terceiros, na parte e medida em que correspondam a recursos efetivamente empenhados na atividade estatutária da Requerente.

•             Face ao exposto a DF Braga, com o fundamento de que os supostos financiamentos não possuíam nexo de causalidade económica com a atividade da Requerente, conforme prescreve o art.º 23.º do CIRC, aplicou o rácio de 17,23% ao saldo dos encargos financeiros suportados, para apurar o montante dos encargos não dedutíveis (cfr. pág. 7 da reclamação graciosa),

•             A percentagem de 17,23%, aplicada pela DF Braga, corresponderia à proporção entre o saldo médio dos empréstimos concedidos à B... e C... (€1.868.779,30) e o saldo médio dos empréstimos obtidos - bancários e locações - correspondentes às subcontas SNC 2511 e 2513 (€10.843.702,95).

16.          As empresas C..., SA (C...) e B..., SA (B...) são simultaneamente clientes e fornecedores da Requerente.

17.          A Requerente faz importação de algodão e produz o fio que fornece à C... e à B... e estas continuam o processo produtivo.

18.          A C... produz atoalhados de felpo e roupões de banho e a B... produz artigos de têxteis lar.

19.          As três empresas – Requerente, C... e B... - fazem parte do mesmo grupo económico e a produção de cada uma destas empresas encontra-se verticalmente integrada, estando profundamente interligadas e dependentes reciprocamente.

20.          Há uma estratégia comercial comum entre as três empresas anteriormente referidas, que decorre da produção comum e da integração económica destas num mesmo grupo económico – D..., SGPS, S.A.

 

B. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

C. Fundamentação da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente –E...; F... e G...-, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade por esta alegada, sobre a qual depuseram, tendo-o feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto daqueles factos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade.

Assinale-se, em particular, a relevância dos testemunhos para a consideração dos factos dados como provados nos pontos 16 a 20 supra.

 

V. DO DIREITO:

A questão decidenda nos presentes autos prende-se, essencialmente, com saber se a Requerida AT provou factos que permitissem concluir no sentido de que tenham existido fluxos financeiros (empréstimos) sem remuneração que foram atribuídos, pela Requerente, às empresas C... e B..., de forma simultânea à que decorreu do financiamento com remuneração obtido pela Requerente junto de instituições financeiras e se, caso tal seja dado como provado, se a Requerente podia considerar tais fluxos como gastos fiscais, para efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 alínea c) do CIRC.

Cumpre, por isso, proceder a uma breve digressão a propósito do artigo 23.º do CIRC para, depois, o procurar subsumir no caso concreto.

i) Da interpretação do artigo 23º do CIRC e da questão da “indispensabilidade” dos gastos na jurisprudência fiscal:

A possibilidade de dedutibilidade dos custos, à luz do referido artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC – quer na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, quer na redação decorrente da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro -, tem sido objeto de diversa jurisprudência proferida quer pelo CAAD quer pelos tribunais administrativos que analisaremos de seguida.

O artigo 23.º, n.ºs 1 a 3 do CIRC dispunha, ao tempo a que se referem os factos controvertidos, da seguinte forma, na parte que aqui importa considerar:

«Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

(…)

A propósito da dedutibilidade de custos prevista no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC a Requerente diz, no artigo 111.º da p.i., o seguinte:

“Partindo do conceito de que as empresas estão em relações especiais (artigo 63º do Código do IRC), a AT concluiu que o gasto com os empréstimos equivalente aos saldos médios destas entidades C... e B..., não deve ser dedutível nos termos do artigo 23º do CIRC, “porque não terão sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Mais adiante, nos artigos 150.º a 155.º da p.i. a Requerente rebate a posição da Requerida AT nos seguintes termos:

“(…) todo este crédito que foi concedido às empresas da fileira do têxtil, o foi no quadro do negócio da empresa e foi fundamental para o seu desempenho e resultados apresentados, contribuindo do mesmo modo para os resultados das empresas em causa, tendo todas elas apresentado resultados positivos e beneficiado sinergeticamente da sua relação de parentesco.

A atividade empresarial que gera custos dedutíveis traduz-se no conjunto de operações que tenham como propósito a obtenção de rendimento ou a manutenção da fonte produtora, seja como resultado direto de uma efetiva atividade produtiva e operacional, seja por via da gestão, administração ou alienação dos seus ativos de investimento.

Aí se incluindo também a sua relação comercial com as sociedades têxteis supra referidas.

E é este sentido amplo de atividade empresarial que deverá ser considerado para efeitos de determinação dos gastos dedutíveis para efeitos do artigo 23º do Código do IRC, conforme refere a decisão do CAAD do processo n.º 732/2016-T.

Assim sendo, o financiamento não oneroso efetuado em benefício das participadas da Requerente não pode, só por se tratar de uma operação gratuita, levar à desconsideração como custo fiscal dos eventuais encargos financeiros suportados pela Requerente, uma vez que são essenciais para a obtenção de ganhos futuros ou para a manutenção da fonte produtora da sociedade participante não existindo qualquer nexo relacional direto entre o tipo de financiamento obtido e o crédito concedido aos seu clientes entre os quais as empresas ligadas.”

                Em sentido oposto, a Requerida AT entende o seguinte (cfr. artigo 11.º da resposta):

“Os gastos financeiros controvertidos foram apurados precisamente porque a requerente canaliza fluxos financeiros (empréstimos) sem remuneração para a C... e B... ao mesmo tempo que recorre ao financiamento com remuneração junto de de instituições financeiras.”

Cumpre, por isso, analisar se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro”.

Neste contexto entende-se que deve ser revisitada a jurisprudência passada, proferida a propósito do requisito que se verificava à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, de harmonia com o qual os gastos deviam ser indispensáveis. Seguiremos aqui de perto a jurisprudência afirmada no acórdão n.º: 45/2019-T do CAAD.

É certo que tal requisito não consta, atualmente, de forma expressa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.

Mas é igualmente certo que podemos, a partir da interpretação feita pelos tribunais daquela norma tentar alcançar a interpretação da atual redacção do artigo 23.º do Código do IRC procurando, em particular, perceber se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

A possibilidade de dedutibilidade dos custos, à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC – na redação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho – foi, no passado, objeto de diversa jurisprudência proferida quer pelo CAAD quer pelos tribunais administrativos que analisaremos de seguida.

Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCA Sul, de 27 de março de 2012, Processo n.º 053120/12).

Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".

Neste sentido, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial.

Ainda de acordo com o acórdão tirado no processo 444/2015-T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:

- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

- os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

“A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

“…da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.”

A noção legal de indispensabilidade recortava-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.

Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproximava, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

O gasto imprescindível equivalia a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que representasse um decaimento económico para a empresa.

Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo dependia, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11).

Ainda de acordo com o mesmo acórdão, “a regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori.

Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era exclusivo do empresário.

Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas fosse mal sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais.

Este é, aliás, o entendimento do STA que, em acórdão proferido em 2006, entendia que “(...) sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Diversamente, todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável.

De forma semelhante, foi afirmado no processo n.º 648/2017-T do CAAD que a aferição da comprovada indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, a que se referia o n.º 1 do artigo 23º do CIRC, começava por só poder fazer-se relativamente à entidade que os contabiliza e suporta, como resulta de reiterada jurisprudência do STA, de que é exemplo o seu Acórdão de 30.05.2012, proc. n.º 171/11, que concluiu: «os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades», bem como o acórdão do STA de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que decidiu: “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”.

Como afirma o acórdão do TCA Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1, “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Em síntese, o conceito de indispensabilidade não consta já da redacção atual do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.

Não pode, por isso, atualmente proceder-se à avaliação do gasto à luz de um juízo estrito de imperiosa necessidade.

No entanto, a jurisprudência anteriormente referida analisava, também, a conveniência da despesa, como ficou exposto.

A partir daqui podemos, por isso, procurar analisar se os gastos sub judice ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro.”

 

ii)            Do ónus da prova e da dedutibilidade dos custos no caso sub judice:

 

A Requerida AT alegou que a Requerente efetuou financiamentos não remunerados às sociedades B..., S.A. e C..., S.A. e presumiu que os fundos disponibilizados teriam origem em capitais alheios que geraram encargos financeiros para a Requerente.

Sucede que a Requerente beneficia da presunção legal de veracidade ínsita no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, de harmonia com o qual “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.

Ora não ficou provado, nos presentes autos, que os capitais alheios não foram utilizados pela Requerente para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, demonstração essa que caberia à própria AT fazer.

Recorde-se, a propósito do ónus da prova que cabia à AT fazer, a jurisprudência do CAAD vertida nos seguintes acórdãos:

i)             No acórdão n.º 932/2016-T do CAAD concluiu-se que “competiria à AT alegar e provar factos que permitissem concluir no sentido de que parte dos fundos mutuados à Requerente teriam sido efectivamente utilizados na exploração e na actividade das suas participadas e não da Requerente, uma vez que esta beneficia da presunção legal de veracidade e correcção da sua contabilidade e das declarações de rendimento apresentadas.”

ii)            Em sentido idêntico, o acórdão n.º 198/2018-T do CAAD concluiu que “assiste razão à Requerente quando alega que não é possível estabelecer uma ligação causal, direta, entre os financiamentos bancários e as prestações realizadas e que a AT não demonstrou os pressupostos da sua atuação, como lhe competia, de acordo com o preceituado no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, em concretização do princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil”.

Ora, como resulta dos factos provados, a AT limitou-se, em sede de procedimento de inspeção e no âmbito da reclamação graciosa, e com referência aos saldos das contas dos fornecedores C... e B... a considerar que os mesmos não seriam coerentes com a natureza da relação de fornecedores, uma vez que no decurso do ano de 2014, os valores registados a débito excedem os valores registados a crédito, de tal forma que no final do ano, ambas as subcontas apresentam um saldo devedor no valor de €1.103.940,21 e €3.633.950,79, respetivamente e (2) posteriormente transferidos para as subcontas SNC 211601101354 e SNC 211201101036.

A partir daqui a AT – rectius a DF Braga - presumiu que as importâncias registadas a débito supra referidas, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da Requerente para a B... e C... consubstanciavam empréstimos não remunerados.

A AT nada provou quanto à relação temporal e substancial entre o recurso ao crédito por parte da Requerente e a alegada beneficiação das demais entidades.

Em síntese a AT não logrou provar que os capitais alheios não foram utilizados pela Requerente para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Tratava-se de demonstração que caberia à própria AT fazer.

A esta luz conclui-se que a Requerida AT não podia ter desconsiderado os custos incorridos com os encargos financeiros da Requerente.

Aqui chegados deve observar-se o seguinte.

Ainda que a AT tivesse provado que as importâncias registadas a débito, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da Requerente para a B... e C..., consubstanciavam empréstimos não remunerados, esses capitais poderiam ser considerados como gasto fiscal in casu.

Em ordem a alcançar esta conclusão importaria considerar como provado que as importâncias registadas a débito, referentes a fluxos financeiros realizados através de transferências bancárias da Requerente para a B... e C..., consubstanciavam empréstimos não remunerados o que, reitere-se, a AT não provou.

Caso o tivesse feito, poder-se-ia indagar de saber se os gastos ocorreram “no âmbito e por força da (…) atividade empresarial [da Requerente], a qual por definição terá como escopo a obtenção do lucro”, para efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC na redacção resultante da lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

Como vimos anteriormente, o gasto equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos que represente um decaimento económico para a empresa.

A dedutibilidade fiscal do custo depende por isso, e apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.

Entendeu a Requerida AT reduzir o valor dos gastos não aceites fiscalmente de €329.788,83 para €123.485,39, por considerar que:

“no que se refere ao saldo médio da subconta 211601101354, o mesmo respeita ao valor em dívida resultante de um elevado diferimento temporal concedido pela A... à B... . No entanto, face à informação disponibilizada, o mesmo tem subjacente operações comerciais, referindo-se, por conseguinte, a um crédito de natureza comercial.”

Em síntese, a AT sustentava, ainda que não o tivesse provado, que o valor de €123.485,39 suportado pela Requerente com juros, não devia ser aceite como gasto fiscal, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Relativamente aos requisitos que decorrem do artigo 23.º do CIRC (indispensabilidade do gasto e ligação aos rendimentos sujeitos a imposto) a Requerida AT considerou que:

“(…) ainda que as empresas em causa tenham suportado uma média de encargos financeiros inferior à média bancária, sempre os encargos suportados com financiamento têm de ser alocados à sociedade a cuja esfera jurídica sejam efectivamente imputáveis.

Tanto assim que mesmo no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, estão estatuídas normas que se destinam a evitar a transferência intragrupo de gastos e de lucros.”

Concluindo da seguinte forma (cfr. artigos 25.º e 26.º da resposta):

“ (…) impugna-se toda a factualidade aduzida pela Requerente quanto aos resultados obtidos com a aludida estratégia integrada, por se entender que esta factualidade não se encontra comprovada,

Mais se impugnando, por não provado, que os financiamentos obtidos junto de terceiros não têm qualquer nexo de causalidade com os financiamentos gratuitos concedidos pela Requerente.”

Ora ficou provado que as empresas C... SA e B... SA, são, simultaneamente, clientes e fornecedores da Requerente.

É a Requerente que produz e fornece o fio que constitui matéria-prima dos produtos que a empresas C... e B... confecionam.

Todas as três empresas referidas formam um grupo têxtil organizado sob o teto da D..., SGPS, SA, que detém direta ou indiretamente 100% de todas as têxteis relacionadas, incluindo as três empresas referidas.

É certo que é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respetivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

Na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere, é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo e não o do grupo de empresas.

O interesse empresarial que importa apurar é o da Requerente.

A este propósito recorde-se o que o Supremo Tribunal Administrativo declarou, por diversas vezes, quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4 e o acórdão do TCA Sul de 16.10.2014).

A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento (neste sentido, cfr. as decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.ºs 695/2015-T e 80/2017-T).

Ora a Requerente tem interesse no funcionamento das sociedades B..., S.A. e C..., S.A. (C...) uma vez que todas se integram sinergeticamente na mesma cadeia de valor e dela são dependentes reciprocamente.

Na verdade, e como é afirmado pela Requerente (cfr. artigo 118.º da p.i.), quando o ciclo produtivo integrado é longo, é normal haver uma partilha de vantagens comparativas, como o financiamento do stock, mesmo após a sua transformação entre o produtor do fio e o produtor do artefacto, entre todos os elementos da cadeia de valor.

É, por isso, compreensível que a Requerente possa proceder, exemplificativamente, a adiantamentos de valor – v.g. em espécie – ou, dito de outra forma, à concessão de créditos C... e B...- manter níveis adequados de aquisição de material à Requerente o que, a acontecer, será sempre no interesse desta última.

Assim, e face ao conceito amplo de “atividade empresarial” adotado pela jurisprudência, sempre seria de considerar que o financiamento de stocks, caso tivesse sido provado, se integrava no âmbito da atividade empresarial da Requerente.

Na verdade, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”

Esses encargos financeiros seriam assim dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC uma vez que estaria verificado o pressuposto de indispensabilidade do gasto, que resulta do artigo 23.º do CIRC, o qual implica uma relação justificada entre os encargos financeiros assumidos pela Requerente e a atividade da empresa.

Assim, ainda aqui o requisito da comprovação do custo encontrar-se-ia preenchido.

Por fim podia-se especular sobre a possibilidade de o gasto em questão ser subsumível no disposto no artigo 63.º do EBF.

Porém, como é reconhecido por ambas as partes (cfr. artigo 96.º da p.i. e artigos 14.º e 15.º da resposta), a Requerida AT não fez uso do disposto no artigo 63.º do CIRC, mas antes do regime do artigo 23.º do CIRC.

Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e, consequentemente, anuladas a demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao ano de 2014, assim como demonstração de liquidação de IRC n.º 2019 ... e da demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., emitidas na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa.

 

VI - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado,

b)           Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e, consequentemente, anular a demonstração de liquidação de IRC n.º 2018..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2018... e a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativas ao ano de 2014, assim como a demonstração de liquidação de IRC n.º 2019... e a demonstração de liquidação de juros n.º 2019..., emitidas na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa.

c)            Condenar a Requerida AT nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

VII VALOR DO PROCESSO:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28.401,54 (vinte e oito mil quatrocentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

VIII CUSTAS:

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 22 de dezembro de 2020

 

O Árbitro Singular

Nuno Cunha Rodrigues