Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2021-T
Data da decisão: 2022-02-09  IVA  
Valor do pedido: € 182.224,14
Tema: IVA – Pedido de reembolso - Direito à dedução – Utilização de imóvel em atividades tributadas – Exploração turística de apartamentos mobilados
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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro presidente), João Taborda da Gama (árbitro vogal) e Raquel Montes Fernandes (árbitra vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 31.08.2021, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

A..., LDA, contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Guimarães, doravante designada por “Requerente”, apresentou, em 25.06.2021, pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

 

Pretende a Requerente a declaração de ilegalidade e consequente anulação das seguintes liquidações adicionais de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios:

i.             Liquidação n.º 2021 ..., no montante de € 34.917,14, relativa ao período 201903T e liquidação de juros compensatórios no montante de € 2.353,31;

ii.            Liquidação n.º 2021 ..., no montante de €49.871,69, relativa ao período 201906T e liquidação de juros compensatórios no montante de € 2.852,93;

iii.           Liquidação n.º 2021 ..., no montante de € 44.562,78, relativa ao período 201909T e liquidação de juros compensatórios no montante de € 2.080,41;

iv.           Liquidação n.º 2021 ..., no montante de € 44.953,16, relativa ao período 201912T e liquidação de juros compensatórios no montante de € 632,72;

Adicionalmente, a Requerente pretende a condenação da Requerida (i) no pagamento de juros indemnizatórios e (ii) no montante de € 1.668,12 a título de indemnização pela prestação de garantia indevida.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, de acordo com os artigos 5.º, n.º 3, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 2, do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro presidente e os árbitros vogais supra identificados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 12.08.2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, em 31.08.2021, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

Na mesma data, foram proferidos despachos arbitrais a (i) solicitar às partes a disponibilização das peças processuais em formato word, a (ii) solicitar à Requerente a indicação dos factos sobre os quais pretendia apresentar prova testemunhal e a (iii) informar as partes de que o Tribunal, em momento oportuno, se pronunciaria sobre o requerimento de inspeção judicial constante do pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 04.10.2021, defendendo, por impugnação e por exceção, que o pedido de pronúncia arbitral sub judice devia ser julgado improcedente. Em 07.10.2021 foi a Requerente notificada pelo Tribunal para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a exceção invocada pela AT, ao abrigo do princípio do contraditório, o que veio a suceder em 18.10.2021. Entretanto, em 11.10.2021, a Requerente indicou os pontos do pedido de pronúncia arbitral que seriam objeto de prova testemunhal.

 

Ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, sem oposição das Partes, por via de despacho arbitral de 20.10.2021, tendo sido de imediato designado o dia 30.11.2021, pelas 10h, para a inquirição de testemunhas. Nesta audiência foram ouvidas 4 testemunhas, tendo a Requerente prescindido de outras 2 (a saber, B... e C...).

 

Com a concordância do Tribunal e sem oposição por parte da AT, a Requerente solicitou, na sessão de inquirição de testemunhas, autorização para juntar ao processo arbitral, no prazo de 10 dias, documentos suplementares, o que veio a suceder em 13.12.2021. Tendo sido concedido prazo para alegações sucessivas, foram as mesmas apresentadas pelas Partes em 13.12.2021 (Requerente) e em 12.01.2022 (Requerida), pronunciando-se ambas sobre a prova produzida e sobre as respetivas posições jurídicas.

 

II.            LITÍGIO

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem insurgir-se contra as liquidações de IVA e de juros acima identificadas, as quais refletem as correções efetuadas pela AT, em sede inspetiva, ao IVA por si previamente deduzido, relativo às obras de reconstrução de imóveis que adquiriu em ..... No essencial, a Requerente alega que a não aceitação deste IVA deduzido é manifestamente ilegal, porquanto:

a)            Os imóveis em causa foram adquiridos para, após a sua reabilitação, servirem para alojamento a turistas;

b)           A atividade de prestação de serviços de alojamento a turistas consta do objeto social da Requerente e do seu registo da AT, e já vem sendo por si exercida em Guimarães;

c)            A reabilitação dos referidos imóveis foi, desde o início, idealizada, projetada e concebida com o intuito de neles ser exercida esta atividade;

d)           Não obstante a memória descritiva e justificativa do projeto fazer alusão a espaços destinados a habitação, certo é que o objetivo da reabilitação dos edifícios sempre foi a prestação de serviços de alojamento turístico, o que será corroborado pelos depoimentos das testemunhas indicadas;

e)           À data do projeto não era necessária a menção ao regime de exploração do edifício, sendo corrente nestes projetos, nesta fase, fazer-se apenas menção ao uso para habitação; mesma na fase de pedido de licença de utilização seria necessária apenas a identificação do uso para habitação;

f)            O Decreto-Lei n.º 128/14 não concretiza qual a utilização que deverá ser autorizada para o imóvel, i.e., se deverá ser uma autorização para o uso específico como alojamento ou se bastará, de forma genérica, a utilização para habitação ou, mesmo, para o comércio ou serviços;

g)            O facto de no projeto de arquitetura apenas se fazer menção a uso para habitação não significa que os imóveis não tivessem como destino o alojamento turístico;

h)           Em desprezo absoluto pelo princípio da verdade material, a AT “agarrou-se” à ausência de qualquer menção a alojamento para turismo para as correções promovidas;

i)             Na proposta de projetos de engenharia, elaborada pela sociedade D..., S.A. (Doc. 16 do PPA e novamente junto em sede de alegações) é manifesta a finalidade de utilização dos imóveis para a prestação de serviços de alojamento, mencionando que se projetam instalações mecânicas para um hotel, o que será corroborado pelas testemunhas a apresentar;

j)             Os imóveis em causa dispõem de receção para atendimento geral e realização de check-in e check-out de hóspedes, de zona de bar e de restauração, e cada unidade de alojamento dispõe de um código QR para gestão centralizada dos quartos, com indicação de horas de entrada e saída dos hóspedes ou pessoal de limpeza;

k)            Os quartos estão decorados com colchas, cortinados e almofadas gravados com o logotipo/marca do estabelecimento e todas as unidades de alojamento dispõem de sistema de comunicação interno, que permite contactar a receção a todo o momento;

l)             Os imóveis em causa não são, portanto, um bloco de apartamentos isoladamente considerados, destinados a arrendamento, mas um empreendimento em que as diferentes unidades de alojamento integram um conceito único, gerido como uma unidade, que dispõe de um conjunto de serviços (receção, limpeza, refeições, concierge, comunicação) indissociáveis da prestação principal (alojamento);

m)          Pelo que se conclui pelo exercício de uma atividade de alojamento para turismo, ao invés do mero arrendamento “paredes-nuas”;

n)           Os serviços prestados pela Requerente – sejam estes abrangidos pelo regime do arrendamento local ou dos empreendimentos turísticos – estão sempre sujeitos a IVA, permitindo, desta forma, o direito à dedução do IVA incorrido;

o)           A AT deveria ter procedido à realização de uma inspeção ao local, a fim de dissipar as suas dúvidas, o que nunca se verificou, em violação do princípio do inquisitório (art.º 58 da LGT), corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atuação, e que obriga a administração tributária à realização de todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material;

p)           O facto de o IVA em causa ter sido suportado previamente ao início da exploração do imóvel não retira à Requerente o direito à dedução do IVA, na condição de esta ter a intenção, confirmada por elementos objetivos, de aí desenvolver uma atividade tributada, o que é confirmado pela jurisprudência do TJUE;

q)           No RIT, a AT faz alusão ao Regulamento Municipal de alojamento local do município de ...., publicado pelo Aviso n.º 17706-D/2019, de 7 de novembro, dando a entender que os imóveis em causa se encontram numa área de contenção absoluta e que a autorização excecional necessária para o exercício desta atividade já foi indeferida, razão pela qual se infere a não realização futura de atividades tributáveis;

r)            Não obstante, o documento anexo ao RIT é um mero projeto de decisão da Câmara, ao qual a Requerente já reagiu e sobre o qual ainda não existe decisão definitiva;

s)            Acresce que as regras daquela zona de contenção absoluta apenas entraram em vigor em novembro de 2019, ou seja, 4 anos após a entrada do pedido de licença de construção na Câmara, pelo que o direito à dedução subsiste mesmo que, por razões alheias à sua vontade, o sujeito passivo jamais tenha realizado operações tributadas;

t)            Para além do regime do alojamento local, a Requerente pode explorar os imóveis em causa nos termos do regime jurídico dos empreendimentos turísticos (Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março), designadamente na tipologia de estabelecimento hoteleiro ou apartamentos turísticos, que não estão sujeitos (nem, portanto, limitados) às regras de contenção absoluta;

u)           Em 14.04.2021 a Requerente apresentou junto da CM... um pedido de autorização de utilização para fins turísticos e emissão de alvará (nos termos do art.º 30 do Decreto-Lei n.º 39/2008 já acima referido), tendo pago a respetiva taxa;

v)            Não tendo a CM... emitido decisão nem procedido à emissão do respetivo alvará no prazo legal previsto para o efeito (art.º 30 n.º 3), a Requerente estava em condições de proceder à abertura do empreendimento turístico a partir do momento em que o comunicasse à CM... e ao Turismo de Portugal, I.P., o que veio a suceder em 23.06.2021 (conforme documentos 28 a 30 juntos aos autos);

w)          Face ao exposto, é manifesta a ilegalidade das liquidações ora reclamadas;

x)            E, em consequência, existindo erro imputável aos serviços – de apreciação da matéria de facto e na interpretação e aplicação do direito – a Requerente solicita, ainda, o reembolso dos custos incorridos com a constituição de hipoteca voluntária sobre imóvel indispensável à suspensão do respetivo processo executivo, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.    

Em sede de Resposta, a AT remeteu integralmente para o processo administrativo – em particular, o RIT – e apresentou, adicionalmente, os seguintes argumentos:

a)            No doc. 16 anexo ao PPA refere-se amplamente que o imóvel a construir é um imóvel habitacional e, notoriamente, não estamos perante um hotel, pelo que a referência a hotel, quando existe, se entende como uma gralha;

b)           Todos os documentos relativos ao pedido de licenciamento como alojamento local são posteriores ao procedimento de inspeção;

c)            Apesar das declarações de vários intervenientes no projeto referirem que a intenção sempre terá sido a construção de uma unidade habitacional, com vista à prestação de serviços de alojamento local, não foram apresentados, por ex., emails entre a Requerente e os seus arquitetos, engenheiros, banca, etc., que, numa fase embrionária do projeto, inequivocamente demonstrem a vontade da Requerente à data dos factos;

d)           Caso tais comunicações inexistam, requer-se, ao abrigo da descoberta da verdade material e do princípio da colaboração, que este Tribunal oficie os vários declarantes para juntarem essas comunicações eletrónicas aos autos;

e)           Facto é que a Requerente não logrou provar aos serviços de inspeção tributária a afetação do imóvel à realização de operações que confirmem o direito à dedução do imposto, não alegando, sequer, que se previsse a sua utilização futura em operações tributadas;

f)            A alegação, pela Requerente, de que os apartamentos não são suscetíveis de utilização para arrendamento (isento) é contrariado pela incontestável prova documental, que é a memória descritiva da unidade habitacional – apartamento de tipologia T0, T1 e T3 – um espaço para comércio e outro para restauração que, para efeitos de licenciamento, têm necessariamente de ter uma utilização independente das demais frações;

g)            E tal não é alterado pela existência de uma chave eletrónica (por meio de código), para acesso às frações, nem por o apartamento estar mobilado, nem por o prédio ter zona de receção (o que sucede com muitos prédios habitacionais, ora com porteiras, ora com seguranças) ou uma fração autónoma para restauração;

h)           Pelo que não se pode dar como provado que as frações autónomas do edificado não são suscetíveis de utilização individual e, assim, não são suscetíveis de serem vendidas ou arrendadas, como unidades independentes, para habitação;

i)             A alegação de que a Requerida violou o princípio do inquisitório ao não se ter deslocado ao local não tem cabimento, porquanto a Requerente não exerceu direito de audição prévia e cabia a esta, ao abrigo do princípio da colaboração, alegar uma realidade divergente da apurada e solicitar a realização das diligências que entendesse convenientes.

Foram ouvidas 4 testemunhas neste processo:

a)            E..., diretora de serviços da Requerente e encarregue da operacionalidade desta (testemunha n.º 1);

b)           F..., arquiteta e coordenadora da equipa de projeto (testemunha n.º 2);

c)            G..., engenheiro de desenvolvimento dos projetos de especialidade (testemunha n.º 3);

d)           H..., direção de fiscalização da obra (testemunha n.º 4). 

Em sede de alegações, a Requerente juntou aos autos 15 documentos adicionais sobre os imóveis, os quais respeitam quer à fase de conceção e reconstrução imobiliária (propostas, projetos e ensaios técnicos vários), quer à utilização atual / efetiva do imóvel (Doc. 14 - Autorização da Câmara Municipal de 24.11.2021 para alteração de utilização, sem obras, de uso habitacional para uso de turismo/apartamentos turísticos e Doc. 15 – Mapa de vendas por cliente, desde 01.10.2021 a 10.12.2021, demonstrando, igualmente, a cobrança da respetiva taxa turística).

 

III.          SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.

 

As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

Face ao exposto, importa delimitar as questões a decidir.

 

Em primeiro lugar, importa apreciar a exceção suscitada pela Requerida. Caso esta seja julgada improcedente, haverá lugar à apreciação, e decisão, da questão material, a qual versa sobre o direito à dedução, pela Requerente, do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços relacionados com os imóveis em discussão.

 

 

IV.          DEFESA POR EXCEÇÃO – DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

Na sua Resposta, a Requerida defendeu-se por exceção, invocando a incompetência material do Tribunal Arbitral, e por impugnação.

 

O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria [cfr. art.º 16 do CPPT e art.º 13 do CPTA, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT]. Invocada a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral, impõe-se que essa seja de conhecimento prioritário e, caso seja procedente, ficará prejudicado o demais conhecimento do processo.

 

a.            Posição da Requerida

In casu, entende a Requerida estar verificada uma exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, que determinaria a sua absolvição da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por estar em causa a sindicância de um “autêntico acto de indeferimento de reembolso solicitado pela Requerente” (ponto 22 da Resposta) e, no entender da Requerida, “[a]o contrário do que se possa pensar, os actos de indeferimento de reembolsos não se subsumem à clássica definição de actos de liquidação de imposto” (ponto 23 da Resposta).

 

Mais refere que “[e]nquanto que um acto de liquidação é um acto tributário no sentido estrito do termo, a decisão de um pedido de reembolso é um acto administrativo-tributário produzido em matéria tributária, mas que não abarca actos de liquidação de tributos” (ponto 30 da Resposta).

 

Em favor da sua posição, a Requerida invoca ainda diversas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 0239/16, de 21.02.2018, e processo n.º 0303/07, de 12.07.2007) e pelos tribunais arbitrais do CAAD (processo n.º 48/2015-T, de 03.10.2015, processo n.º 238/2013-T, de 04.04.2014 e processo n.º 295/2019-T, de 20.12.2019), concluindo, então, que “sendo verdade que o meio próprio para recorrer judicialmente do acto de indeferimento (no caso, parcial), de um pedido de reembolso de IVA, é a impugnação judicial, também é verdade que, não estamos por via disso em face de um acto tributário de liquidação em sentido estreito e, por via disso, atento o supra exposto, é o Tribunal materialmente incompetente para apreciar a questão” (ponto 84 da Resposta).

 

b.            Posição da Requerente

Respondendo expressamente à matéria de exceção, a Requerente invocou, em suma, que os atos em discussão neste processo configuram verdadeiros e próprios atos de liquidação, porquanto destes resultou imposto a pagar, no montante de € 174.304,77, não se limitando estes a expressar uma decisão de deferimento/indeferimento de um pedido de reembolso de IVA. E, como tal, defendeu que estes atos tributários provocaram uma modificação da sua situação tributária – uma obrigação de pagamento que, inclusive, deu origem à instauração de processos de execução fiscal de cobrança coerciva, no âmbito do qual foi necessário prestar garantia (hipoteca voluntária sobre imóvel) para garantir a sua suspensão.

 

 

c.            Decisão sobre a exceção invocada pela Requerida

Importa, então, decidir sobre a matéria de direito aqui em discussão, a qual versa sobre o conceito de liquidação de IVA e a consequente competência, ou não, da arbitragem tributária para apreciar todos os atos de liquidação, ou apenas aqueles aqui apelidados pela Requerida de “atos em sentido estrito”.

 

A este propósito importa recordar que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, definida pela norma de delimitação de competência constante do art.º 2, n.º 1, do RJAT, a qual prevê que tal competência compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)            A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria coletável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. 

Verifica-se, assim, que os tribunais arbitrais apenas têm competência para apreciar a declaração de ilegalidade de:

i.             Liquidação de tributos

ii.            Atos de autoliquidação

iii.           Atos de retenção na fonte

iv.           Pagamentos por conta

v.            Atos de fixação da matéria coletável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo

vi.           Atos de determinação da matéria coletável

vii.          Atos de fixação de valores patrimoniais,

Encontrando-se as restantes pretensões excluídas do âmbito de jurisdição dos tribunais arbitrais do CAAD.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, ainda, num segundo momento, limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. É esta Portaria que concretiza os litígios a que a arbitragem se aplica, determinando, nos termos do seu art.º 2, a vinculação da AT à jurisdição da arbitragem tributária sempre que aqueles tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, com as exceções aí elencadas, nomeadamente no que respeita a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa.

 

Como bem se refere na decisão arbitral proferida no processo 660/2017-T, que acompanhamos neste ponto, o conceito de liquidação tem evoluído ao longo dos tempos – começou por ser um ato stricto sensu, reconduzível à ideia de aplicação de uma taxa à matéria coletável, e foi, progressivamente, expandindo o seu âmbito, afirmando-se atualmente como um ato de conteúdo amplo e complexo. Em particular, no que respeita ao sistema comum do IVA, que funciona numa lógica contínua de liquidação, de dedução e de crédito de imposto, resulta da própria estrutura deste imposto uma noção de liquidação que, para além do seu conceito stricto sensu, abrange, ainda, outras figuras tributárias, tais como atos de autoliquidação, deduções e regularizações de imposto (veja-se o capítulo V, secção I do Código do IVA, que regula a liquidação e pagamento do imposto), bem como liquidações administrativas decorrentes de atos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto (capítulo VI do mesmo diploma).

 

Da conjugação destes dois capítulos do Código do IVA, infere-se que a liquidação do imposto pode ser promovida quer pelo próprio sujeito passivo, quer pela administração tributária, dependendo da situação in casu, podendo, ainda, assumir diversas formas (liquidação stricto sensu, autoliquidação, liquidação oficiosa, dedução de imposto, regularização de imposto, etc.).

 

Ora, o pedido de reembolso de imposto não é mais do que uma modalidade do direito à dedução – veja-se o art.º 22 do Código do IVA que, regulando o mecanismo do reembolso de crédito de imposto nos seus números 5 e seguintes, tem por epígrafe momento e modalidades do exercício do direito à dedução – e, portanto, à semelhança do mecanismo (direto) de dedução de imposto constante do art.º 19 do Código do IVA, parte integrante da própria liquidação de imposto. Tal como referem José Xavier de Basto e Gonçalo Avelãs Nunes, “um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse ato da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte, a liquidação de imposto” . É esta identidade dos vários tipos de liquidação que justifica que os meios de reação previstos na lei fiscal (art.º 22 n.º 13 do Código do IVA) contra atos de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA sejam, precisamente, o recurso hierárquico, a reclamação ou a impugnação judicial (e, por inerência, a arbitragem tributária).

 

Nos presentes autos importa recordar que o objeto deste processo arbitral é a declaração de ilegalidade de atos de liquidação (oficiosa) de IVA, não sendo requerido a este Tribunal que aprecie a conformidade legal do ato de indeferimento do pedido de reembolso e/ou que determine a restituição do montante do reembolso solicitado pela Requerente (como sucedeu noutros processos arbitrais em que esta exceção foi igualmente suscitada pela AT). Os atos tributários in casu apresentam número e data de liquidação, são designados de Liquidação adicional feita com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária ou Demonstração de liquidação de juros de IVA pela própria AT, e referem que podem ser objeto de reclamação graciosa ou impugnação judicial.

 

Ou seja, o que está em causa nos presentes autos é (apenas) a análise, por este Tribunal, da legalidade ou ilegalidade de liquidações de imposto, devidamente identificadas na primeira parte do pedido de pronúncia arbitral, pelo que se considera inexistir qualquer limitação, nesta matéria, à atuação deste Coletivo. Como se refere no processo arbitral 238/2013-T, “face aos elementos documentais disponíveis, dever-se-á concluir que, em concreto, bem ou mal, foi praticado um acto de liquidação. (…) A legalidade de tal acto – bem ou mal praticado – é susceptível de ser apreciada e enquadra-se, directamente, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, pelo que a invocada excepção de incompetência absoluta, haveria de improceder. Mesmo que assim não se entendesse, desde há muito que se vem adoptando o entendimento de que os administrados não devem ser prejudicados no exercício de direitos processuais quando forem induzidos em erro por actos de entidades públicas competentes (…). Ou seja, tem-se entendido, em suma, que quando um administrado seja induzido à utilização de um determinado meio processual por uma determinada conduta da Administração, não poderá esta pretender obstar ao conhecimento do mérito do pedido, escudando-se na inadequação do meio processual cuja utilização ela própria, objectivamente, induziu”.     

 

Face ao exposto, julga-se improcedente a exceção invocada pela Requerida.  

 

V.           MATÉRIA DE FACTO

 

A.           Factos provados

 

a)            A Requerente é uma sociedade comercial, registada para efeitos de IVA no regime normal trimestral, que tem por objeto social o arrendamento de bens imobiliários (CAE 68200), a promoção imobiliária (desenvolvimento de projetos de edifícios – CAE 41100), a confeção e comércio a retalho de vestuário (CAEs 14132 e 47711) e o alojamento mobilado para turistas (CAE 55201).

b)           Atualmente a Requerente dedica-se à exploração de espaços em .... e em Guimarães e venda de vestuário em loja.

c)            Em 29.12.2016 foi publicada a fusão por incorporação, e transferência total de património, da sociedade I..., Lda. (sociedade incorporada) para a Requerente (sociedade incorporante).

d)           Estando em situação de crédito de imposto, a Requerente solicitou, na declaração periódica de 2019/12T, um reembolso de IVA no montante de € 51.546,46.

e)           Na sequência do referido pedido de reembolso, foi emitida a ordem de serviço n.º OI2020... e iniciada, em 06.11.2020, uma ação de inspeção externa, tendo em vista aferir da legitimidade desse pedido.

f)            O relatório de inspeção de 01.02.2021, da Direção de Finanças de ..., apresenta as seguintes conclusões, que sumariamente se apresentam:

a.            A Requerente, para além da atividade de arrendamento de imóveis e de venda de vestuário, desenvolve a atividade de alojamento local em dois edifícios em Guimarães, liquidando IVA à taxa reduzida nesta atividade e deduzindo IVA à taxa normal nas aquisições de bens e serviços que efetua;

b.            Em finais de 2014 e início de 2015, a Requerente adquiriu 4 edifícios (praticamente devolutos) em ...., tendo iniciado as respetivas obras de reconstrução e remodelação em finais de 2017 e início de 2018;

c.            Em 31.03.2020 a Requerente foi notificada para remeter à Inspeção Tributária a resposta da Câmara Municipal de .... ao pedido de informação prévia, apresentado em 21.02.2020, para um futuro licenciamento dos edifícios em reconstrução em .... para a atividade de alojamento local;

d.            Em 22.09.2020 a Requerida recebeu cópia do ofício e despacho do Diretor do Departamento de Licenciamento de Projetos Estruturantes da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de ... (anexo I do relatório de inspeção), que indeferiu o pedido de informação prévia da Requerente sobre a viabilidade de emissão de uma autorização excecional de registo como estabelecimento de alojamento local dos imóveis de ....;

e.            A Requerente realizou, no decurso de 2019, gastos relacionados com a reabilitação dos mencionados imóveis, tendo deduzido o respetivo IVA;

f.             Não obstante, os edifícios em causa estão localizados numa área de contenção absoluta de novos registos de alojamento local, e o pedido de informação prévia apresentado pela Requerente à Câmara Municipal já foi indeferido;

g.            A AT solicitou, à Câmara Municipal de ...., fotocópias das plantas, licenças e memória descritiva, tendo concluído, após análise desta última, que os imóveis se destinam a fogos habitacionais de tipologia T0, T1 e T3, um espaço comercial, um espaço de restauração e bebidas e três pisos de estacionamento de áreas técnicas, não constando desta qualquer indicação ou adequação dos imóveis ao alojamento local;

h.            Razão pela qual se entende que a Requerente não demonstrou que os imóveis vão ser afetos a uma atividade tributada em IVA e não isenta, não obstante ter procedido à dedução do IVA das obras;    

i.             Nos termos do art.º 20 n.º 1 do Código do IVA, os sujeitos passivos que desenvolvem uma atividade económica só podem deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a realização de operações que conferem esse direito, tais como operações sujeitas e não isentas;

j.             O arrendamento de imóveis encontra-se isento de IVA ao abrigo da alínea 29) do art.º 9 do Código do IVA, não permitindo o direito à dedução dos bens ou serviços adquiridos exceto em caso de renúncia à isenção;

k.            Tratando-se de sujeito passivo misto, i.e., que realiza simultaneamente operações tributadas e operações isentas de IVA, o exercício do direito à dedução do imposto suportado a montante encontra-se limitado;

l.             A AT não dispõe de elementos objetivos de que nos referidos edifícios se irá desenvolver uma atividade tributada, pelo que se promovem as necessárias correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo e afeto aos imóveis de .....

g)            As correções propostas em sede de relatório de inspeção foram as seguintes:

 

h)           Em função de ações tributárias realizadas aos anos de 2016 a 2018, o valor do pedido de reembolso foi corrigido para € 28.952,17 e, posteriormente, na sequência das correções propostas neste relatório de inspeção, o sujeito passivo deixou de ter crédito de imposto, pelo que a Requerida indeferiu na totalidade o reembolso solicitado na declaração periódica de 2019/12T e emitiu as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios acima identificadas;

i)             Em 25.06.2021 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a este processo, requerendo a declaração de ilegalidade das mencionadas liquidações de IVA e de juros compensatórios, com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e de uma indemnização pela prestação de garantia indevida, no montante de € 1.668,12.

j)             Tendo sido requerida prova testemunhal, da inquirição de testemunhas resultou, sumariamente, o seguinte:

a.            Desde a aquisição dos terrenos / imóveis que a intenção da Requerente era construir e explorar uma unidade para fins turísticos com a marca ... – inicialmente sob a forma de apartamentos para alojamento local e, posteriormente, após a alteração das regras de licenciamento e a consequente recusa de licenciamento pela CM..., sob a forma de apartamentos turísticos, nunca tendo existido intenção de construir uma mera unidade habitacional não turística / de longa duração (todas as testemunhas);

b.            O imóvel em causa está registado sob um artigo único, não estando constituído em propriedade horizontal (testemunha 1);

c.            Desde a conclusão das obras, o edifício encontra-se em funcionamento como estabelecimento hoteleiro de 4 estrelas, sob a vertente de apartamentos turísticos, tendo recebido o 1º hóspede em setembro de 2021 e, desde aí, já recebeu muitos outros clientes, essencialmente estrangeiros e em regime de estadia curta (a estadia máxima até à data foi de 12 dias) (testemunha 1);

d.            O estabelecimento turístico disponibiliza atividades comuns, tais como, aulas de personal trainer, aulas de yoga no jardim e aulas para crianças (testemunha 1);

e.            Os acessos aos quartos são feitos pela receção, a qual está encarregue do check-in dos hóspedes e do controlo da respetiva documentação pessoal (testemunha 1);

f.             É possível comunicar diretamente com a receção por telefone, a partir de qualquer quarto / apartamento, selecionando a tecla “9” (testemunha 1);

g.            Os apartamentos turísticos estão publicitados em sites especializados, tais como ..., ..., ..., ... (testemunha 1);

h.            Em fevereiro de 2021 foi concluído o registo deste empreendimento turístico na CM... e no Turismo de Portugal tendo, ainda, sido obtido o selo SAFE & CLEAN no decurso da pandemia (testemunha 1);

i.             A Requerente dispõe de staff apropriado para a atividade desempenhada no referido imóvel, em particular elementos da receção, housekeeping e bagageiros (testemunha 1).

    

B.            Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da decisão da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, ao invés, o dever de (i) selecionar os factos que importam para a decisão e (ii) discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

Os factos foram dados como provados ou não provados com base (i) nos documentos juntos aos autos, quer com o pedido de pronúncia arbitral, quer em sede de alegações da Requerente, (ii) no processo administrativo apresentado e (iii) na prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas realizada em 30.11.2021, pelas 10h, nas instalações do CAAD. As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram. Todas as provas deste processo foram criticamente analisadas por este Tribunal Coletivo.

 

VI.          DO MÉRITO

Conforme supra referido, é solicitado a este Tribunal que ateste se à Requerente assiste direito à dedução do IVA suportado com a construção dos imóveis em causa. No entender da Requerente, o direito à dedução deste IVA fundamenta-se no facto de sempre ter existido intenção – e, mais recentemente, concretização – de desenvolver nestes edifícios uma atividade tributada de exploração de empreendimento turístico; como tal, a Requerente imputa aos atos tributários in casu vícios de lei sobre os pressupostos de facto e errada aplicação da lei e, ainda, violação do princípio do inquisitório. Por sua vez, a Requerida defende que a intenção de utilizar os referidos imóveis numa atividade tributada não resultou provada em sede de inspeção e que, aliás, os indícios apontam para uma utilização puramente habitacional (não turística) dos espaços, a qual não confere direito à dedução do IVA suportado.

 

A.           Considerações prévias

 

1)            Do conceito de sujeito passivo do imposto para efeitos do direito à dedução

 

O art.º 2 do Código do IVA, na esteira da Diretiva IVA, define o conceito de sujeito passivo de forma muito abrangente. Conforme jurisprudência constante do TJUE, “[q]uanto à qualidade de sujeito passivo do emitente da fatura relativa aos referidos serviços, importa recordar a definição deste conceito prevista no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112. Segundo o primeiro parágrafo da dita disposição, entende‑se por «sujeito passivo» qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade. Nos termos do segundo parágrafo da mesma disposição, entende‑se por «atividades económicas» todas as atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. Daqui resulta que o conceito de «sujeito passivo» é definido de forma ampla, baseando‑se em circunstâncias factuais. Em contrapartida, não decorre do referido artigo 9.°, n.° 1, que a qualidade de sujeito passivo dependa de qualquer autorização ou licença concedida pela Administração para o exercício de uma atividade económica” .

 

2)            Da natureza do exercício do direito à dedução

 

O direito à dedução do IVA suportado a montante, pelos sujeitos passivos, no âmbito das suas atividades constitui um pilar essencial do sistema comum do IVA, enquanto imposto indireto de matriz comunitária. O direito à dedução tem por objetivo principal garantir a neutralidade do imposto nas operações realizadas pelos sujeitos passivos.

 

O sistema do IVA assenta, assim, no denominado método de dedução do imposto (também apelidado por alguns autores de método de crédito de imposto ou método subtrativo indireto), de acordo com o qual, conforme resulta do disposto no art.º 19 do Código do IVA, ao imposto liquidado nas operações tributadas se deduz o IVA suportado a montante para a realização das mesmas. O direito à dedução garante que o imposto suportado pelos sujeitos passivos não configura um custo operacional, assegurando, desta forma, a neutralidade do IVA em cada operação.

 

Sendo o direito à dedução do IVA um elemento fundamental do funcionamento do sistema deste imposto, não surpreende que a jurisprudência (europeia e nacional) seja, frequentemente, chamada a apreciar situações concretas de exclusão (ou, pelo menos, limitação) do seu exercício pelas autoridades tributárias nacionais. Todas essas decisões jurisprudenciais têm em comum o facto de afirmarem um direito (quase) absoluto à dedução do IVA, admitindo a sua exclusão apenas em situações excecionais, e com base numa interpretação restrita das normas limitadoras.

 

Veja-se, meramente a título exemplificativo, o acordão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferido, em 01.10.2020, no caso C-405/19 (caso Vos Aannemingen BVBA), onde se refere, que   “[s]egundo jurisprudência constante, o direito à dedução previsto nesta disposição constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado” (ponto 23); “[c]om efeito, o regime de deduções instituído pela Sexta Diretiva visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA” (ponto 24). No mesmo sentido, o acórdão proferido em 11.02.2021, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 273/10.0BELRS: “[a] este respeito, sublinhe-se, que a jurisprudência do Tribunal Justiça já por diversas vezes declarou que as derrogações ao direito à dedução do IVA por constituir de um regime que constitui uma derrogação ao princípio do direito a dedução do IVA, é de interpretação estrita” (disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/58b87d8182fdfcd38025867d003f179f?OpenDocument).

 

Não obstante, o exercício do direito à dedução de IVA não é livre ou incondicionado, dependendo da verificação de determinados requisitos subjetivos e objetivos. Em primeiro lugar, determina a al. a) do n.º 2 do art.º 19 do Código do IVA (regra geral) que somente confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal (i.e., que contenham os elementos previstos nos artigos 36 ou 40 daquele diploma, consoante aplicável), emitidas em nome do sujeito passivo e que se encontrem na sua posse. Por sua vez, o direito à dedução do IVA apenas pode ocorrer na esfera de sujeitos passivos deste imposto atuando enquanto tal (os particulares, na aceção do conceito usado para efeitos de IVA, não podem deduzir imposto por si suportado a montante), e somente quanto a IVA suportado no exercício da sua atividade. Por último, o art.º 20 do Código do IVA enquadra o direito à dedução de IVA por referência a determinadas operações que conferem esse mesmo direito, quer por serem sujeitas a IVA e dele não isentas, quer por se tratar de operações isentas às quais, por motivos vários, o legislador entendeu reconhecer direito à dedução do IVA suportado a montante. 

 

Exige-se, portanto, um nexo de causalidade entre os bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo (inputs) e a realização de operações (outputs) tributáveis (ou equiparáveis para efeitos do direito à dedução), para que o IVA suportado possa ser deduzido . Tal nexo de causalidade pode fundamentar-se numa relação direta e imediata entre inputs e outputs ou, pelo menos, entre os inputs e o exercício do conjunto da atividade económica do sujeito passivo, pressupondo, nesse caso, a incorporação do seu custo nos preços dos bens e serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas .

 

No que respeita aos sujeitos passivos que apenas realizam operações tributáveis, existe direito à dedução integral do imposto por estes suportado, desde que os bens e serviços adquiridos sejam (i) utilizados para a realização dessas operações tributáveis ou, pelo menos, (ii) suscetíveis de tal utilização no contexto da atividade da empresa, não se exigindo, portanto, nestes casos, uma relação direta entre cada input e cada output. No reverso da medalha encontram-se os sujeitos passivos que apenas praticam operações isentas que não conferem direito à dedução, os quais são obrigados a internalizar o custo do IVA dos seus inputs, nada podendo deduzir desses montantes. Entre estes dois cenários encontram-se os sujeitos passivos que realizam simultaneamente operações tributáveis e operações isentas (denominados sujeitos passivos mistos), e que usam recursos comuns a ambas as atividades, os quais sofrem limitações à sua capacidade dedutiva. Para estes casos, o legislador estabeleceu um conjunto de regras que permitem determinar o montante de imposto que pode ser deduzido – nos casos em que inexiste uma relação direta entre input e output que sustente o direito à dedução, o montante a deduzir corresponde a um pro rata (i.e., uma percentagem de dedução) do total do IVA suportado, proporcional ao montante correspondente às operações económicas tributáveis do sujeito passivo, o qual é calculado nos termos do art.º 23 do Código do IVA. 

 

3)            Dos princípios da prevalência da substância sobre a forma e da neutralidade fiscal

 

Como vimos supra, o direito à dedução do IVA, enquanto pilar fundamental do sistema do IVA, está dependente da verificação de determinados requisitos subjetivos e objetivos que, no essencial, respeitam à utilização efetiva dos bens ou serviços adquiridos, por um sujeito passivo do imposto, no exercício de uma atividade económica tributável. A essencialidade do direito à dedução no contexto do sistema do IVA justifica que a jurisprudência do TJUE afirme este direito mesmo nos casos em que tenham sido negligenciados alguns requisitos formais (por exemplo, a fatura emitida não cumprir os requisitos de faturação ), desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas. A título de exemplo, atente-se ao que refere o TJUE no processo C-101/16:“[s]egundo jurisprudência constante, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais estiverem satisfeitas, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certas exigências formais (acórdãos de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.° 62 e jurisprudência referida, e de 28 de julho de 2016, Astone, C‑332/15, EU:C:2016:614, n.° 45)” .

 

O raciocínio aqui expresso quanto a exigências materiais vs. formais ao nível das regras de faturação é aplicável, mutatis mutandis, a outras situações equivalentes – ou seja, desde que, genericamente falando, existam provas objetivas que permitam atestar a utilização dos bens ou serviços em operações tributáveis do sujeito passivo, para o exercício da sua atividade económica, o direito à dedução não pode ser recusado, em nome do princípio da neutralidade do imposto, exceto em caso de fraude fiscal: “[d]o mesmo modo, decorre de jurisprudência constante que o direito a dedução pode ser recusado quando se provar, com base em elementos objetivos, que esse direito é invocado de maneira fraudulenta ou abusiva. Com efeito, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva 2006/112, e os sujeitos passivos não podem, de maneira fraudulenta ou abusiva, invocar as normas do direito da União (acórdão de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11, EU:C:2012:373, n.os 42 e 43, e jurisprudência referida)” .

 

É o próprio princípio da neutralidade do imposto, pilar essencial do sistema do IVA, que exige que o direito à dedução seja aplicado de forma ampla pelos vários ordenamentos jurídicos europeus, sob pena de o IVA constituir um custo (injustificado e não pretendido pelo legislador europeu) na esfera dos agentes económicos que sejam sujeitos passivos deste imposto.

 

B.            Apreciação do Tribunal

 

A Requerente é um sujeito passivo misto, que exerce a sua atividade em diversos ramos de negócio, praticando simultaneamente operações tributadas e operações isentas. Como tal, conforme resulta do supra exposto, e no que respeita aos imóveis em discussão, revela-se essencial, para efeitos de determinação do direito à dedução do IVA da reconstrução/remodelação destes, aferir da utilização efetiva dos mesmos. Vejamos, então, o que resulta provado a este respeito.

 

Os serviços de inspeção da AT concluíram pela inexistência de provas objetivas de uma intenção de utilização dos referidos imóveis numa atividade tributada, baseando, resumidamente, a sua posição (i) na configuração/tipologia dos espaços em construção (que permitiria uma utilização habitacional tout court), (ii) na existência de uma regra de contenção absoluta no que respeita a novos registos de alojamento local na área em causa e (iii) numa decisão preliminar da CM... no sentido de não permitir esse registo a título excecional. E apesar de a AT ter permitido, em sede de alegações, a disponibilização, pela Requerente, de documentação adicional relativa ao imóvel – a qual versa sobre a fase inicial de projeto da obra, bem como sobre a utilização efetiva do imóvel em momento posterior à inspeção – o entendimento inicial da Requerida foi mantido.

 

Entende, no entanto, este Tribunal que a prova produzida em juízo – quer por via documental, quer por via testemunhal – se afigura suficiente e adequada para suportar o direito à dedução da Requerente.

 

De facto, em sede testemunhal resultou provado que o projeto de reconstrução dos imóveis em causa teve, desde o início, um intuito de exploração dos mesmos, pela Requerente, para efeitos turísticos – inicialmente, na tipologia de apartamentos em regime de alojamento local e, posteriormente, quando tal se revelou impossível por vicissitudes relacionadas com as regras de licenciamento destas unidades pela CM..., na tipologia de apartamentos turísticos / empreendimento turístico. Para além da diretora de serviços da Requerente, todas as outras testemunhas arroladas que exerceram funções na obra propriamente dita – ao nível da coordenação do projeto de arquitetura, do posterior desenvolvimento de projetos de especialidade e/ou da direção e fiscalização de obra – foram perentórias em afirmar que a reconstrução destes imóveis foi motivada, desde o início, por uma intenção de exploração turística dos espaços, nunca tendo sido equacionada a sua utilização como um conjunto de unidades habitacionais. Os projetos de arquitetura e de engenharia desenhados e executados para esta obra visaram, portanto, desde o seu início, uma orientação comercial e turística dos espaços em causa.

 

O depoimento das testemunhas corroborou a prova documental junta ao processo pela Requerente, a qual consistiu, em particular, no seguinte:

a)            Fotografias dos espaços, que evidenciam aspetos particulares dos mesmos – a entrada por código, a decoração personalizada em função da marca, etc.

b)           Correspondência (via email) e propostas de honorários para projetos de engenharia, de ensaios geotécnicos, projetos de especialidade, projetos de escavações e instalação de estruturas, datados entre março e agosto de 2015, nas quais se fazem inúmeras referências expressas ao projeto Hotel ... (documentos 1 a 12 juntos em sede de alegações) – nestes documentos inexiste qualquer indicação de, a qualquer momento deste projeto imobiliário, ter havido intenção da Requerente em afetar estes apartamentos a uma utilização habitacional em vez de turística;

c)            Declarações de arquitetos diretamente envolvidos no projeto, a atestar a conformidade deste, em termos de licenciamento, com a intenção (manifestada e conhecida) de exploração turística dos espaços (documentos 14 e 15 juntos com o PPA);

d)           Cópia da memória descritiva e justificativa do pedido de autorização de utilização dos apartamentos turísticos em causa, apresentando-se por esta via as telas finais do projeto de arquitetura (documento 13, datado de julho de 2020, junto em sede de alegações) e consequente autorização emitida pela CM... para alteração de uso habitacional para uso de turismo/apartamentos turísticos (documento 14, de novembro de 2021);

e)           Carta dirigida à CM... a comunicar a abertura ao público do empreendimento turístico objeto de pedido de autorização de utilização (documento 28 junto com o PPA);

f)            Mapa de vendas por cliente, com o respetivo detalhe de cada estadia de hóspedes, entre outubro e dezembro de 2021, que atesta os seguintes dados: (i) nome dos hóspedes, (ii) datas de entrada e saída, (iii) valor líquido de cada estadia e respetivo valor do IVA e (iv) correspondentes taxas turísticas cobradas em nome da CM... por cada estadia (documento 15, junto em sede de alegações).

 

Da análise da referida documentação extraem-se as seguintes conclusões:

i.             À data da inspeção, os imóveis em causa ainda não se encontravam devidamente licenciados para o exercício de uma atividade turística; não obstante, os vários documentos de obra (projetos de arquitetura, engenharia e especialidades) juntos a estes autos já apontavam, no essencial, para uma intenção da Requerente em desenvolver naquele espaço uma unidade hoteleira, e não um projeto meramente habitacional, pelo que as conclusões dos serviços de inspeção (em sentido contrário) assentam num erro dos pressupostos de facto deste projeto;

ii.            Tal conclusão não resulta prejudicada pelo facto de a CM... ter entretanto adotado uma política de contenção absoluta no que respeita aos novos registos de alojamento local, porquanto outras soluções de exploração turísticas continuavam disponíveis à Requerente, como veio a suceder com o registo destes espaços como apartamentos turísticos (e, em todo o caso, uma exploração turística que não estivesse conforme às regras de licenciamento e urbanismo não seria, por si só, motivo para impedir o direito à dedução da Requerente in casu);

iii.           Os documentos 14 e 15 juntos em sede de alegações também comprovam que, após a construção, os imóveis em causa têm sido efetivamente explorados/utilizados em regime de apartamentos turísticos (i.e., numa atividade tributada) e o respetivo IVA liquidado aos clientes/hóspedes à taxa reduzida de 6%. 

 

C.            Conclusões

 

Face ao supra exposto, retiram-se as seguintes conclusões:

1)            Foi provado que a Requerente concebeu e desenvolveu um projeto imobiliário com o intuito de explorar turisticamente os respetivos espaços nos imóveis em causa;

2)            Foi provado que, após a conclusão das obras, os referidos imóveis têm vindo a ser efetivamente utilizados no âmbito de uma atividade tributada, com a correspondente liquidação de imposto;

3)            A exploração turística destes espaços confere à Requerente o correspondente direito à dedução do IVA incorrido a montante com este projeto imobiliário;

4)            Consequentemente, as conclusões da Requerida enfermam de erro nos pressupostos de facto e na correta aplicação das normas aplicáveis, inquinando, por vício de lei, as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios objeto deste processo.

 

Atendendo às conclusões acima referidas, julga-se desnecessária a realização de prova de inspeção judicial aos imóveis em causa.

 

VII.         DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O art.º 43 n.º 1 da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações adicionais controvertidas, por erro nos pressupostos de facto e consequente errónea aplicação do direito, é imputável à AT, por ter promovido uma incorreta aplicação do direito à dedução da Requerente, mormente ao abrigo do art.º 19 do Código do IVA. Como tal, encontram-se verificados os requisitos legais para a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa legalmente prevista no n.º 4 do referido art.º 43, até à data da respetiva nota de crédito em que são incluídos.  

 

VIII.       DA INDEMNIZAÇÃO PELA PRESTAÇÃO DE GARANTIA DEVIDA

A Requerente peticiona, por último, a condenação da AT no pagamento de € 1.668,12 a título de indemnização pela prestação de garantia (hipoteca voluntária sobre imóvel) devida para suspensão da cobrança coerciva das liquidações controvertidas.

 

Determina o art.º 53 da LGT (n.ºs 1 e 2) que o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente, será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, sempre que se verifique erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

 

Conforme resulta do exposto, comprovou-se in casu a existência de erros de facto e de direito imputáveis à Requerida na emissão dos atos tributários controvertidos, razão pela qual, tendo a Requerente prestado garantia para suspender a execução dos mesmos, que ora se julgam feridos de ilegalidade, procede o pedido de indemnização, pela Requerida, dos encargos totais incorridas pela Requerente com a prestação da referida garantia, no montante de € 1.668,12 (conforme comprovativo junto como documento n.º 32 do PPA).

 

IX.          DECISÃO

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:

•             Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal suscitada pela Requerida;

•             Julgar procedente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios controvertidas, e consequente anulação total desses atos tributários;

•             Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

•             Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização a título de prestação de garantia devida, no montante de € 1.668,12.

 

X.            VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no art.º 97-A, n.º 1, do CPPT e art.º 3, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 182.224,14.

 

XI.          CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 9 de fevereiro de 2022

 

Os Árbitros,

 

(Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros)

(Prof. Dr. João Taborda da Gama)

(Dra. Raquel Montes Fernandes)