Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2019-T
Data da decisão: 2020-06-30  IMI  
Valor do pedido: € 3.456,00
Tema: AIMI - Prédios situados em centro histórico classificado como monumento nacional. Terrenos para construção com afetação a “serviços”.
*Decisão arbitral anulada no segmento recorrido por acórdão do STA de 26 de maio de 2022, recurso n.º 89/20.6BALSB que decide em substituição;
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

A..., S.A. (doravante designada “Requerente”), pessoa coletiva número..., com sede em ..., ..., ... ...-... Évora, e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, apresentou, no dia 31-05-2019, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do art. 2º e dos art.s 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT)  pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:

1)            A anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida contra o ato de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante “AIMI”) nº ...2018..., referente ao ano de 2018;

2)            A anulação deste ato de liquidação.

3)            A restituição do imposto pago com base na liquidação impugnada, acrescido dos competentes juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 03-06-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 23-07-2019, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 12-08-2020.

A Requerente fundamenta o seu pedido, resumidamente, na seguinte argumentação:

             Era, à data de 1 de janeiro de 2018, proprietária de um terreno e duas frações habitacionais de prédio urbano todos situados dentro do perímetro do Centro Histórico de Évora, que se encontra classificado como Património Mundial pela UNESCO;

             A inclusão de um imóvel na Lista de Património Mundial tem como consequência imediata a sua classificação como imóvel de interesse nacional e, logo, como "monumento nacional" face à Lei de Bases do Património Cultural;

             Sendo o Centro Histórico um “conjunto,” deve ser considerado como formando um todo para efeitos de reconhecimento do património protegido;

             Os prédios da Requerente, integrados nesse conjunto, devem também ser considerados classificados como Património Cultural da Humanidade;

             Sendo classificados como Património Cultural da Humanidade, recebem a classificação de “monumento nacional” face à Lei de Bases do Património Cultural;

             Tratando-se de monumentos nacionais estão automaticamente isentos de IMI pela al. n) do nº 1 do Art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, já que a isenção aí prevista é uma isenção automática;

             A isenção produz efeitos a partir do facto da classificação e não depende da comunicação prevista no nº 5 do art. 44º EBF, a qual tem mera função instrumental ou declaratória;

             Além de que o nº 2 do art. 135º-B do CIMI exclui da incidência do AIMI os “prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros", nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 6º CIMI;

             E encontrando-se o terreno para construção da Requerente avaliado com base no coeficiente de localização “serviços”, o mesmo deve considerar-se abrangido pela exclusão, e, por conseguinte, fora da incidência do AIMI;

             No entendimento da Requerente, ao excluir de tributação, em sede de AIMI, os prédios urbanos destinados a comércio, serviços ou indústria, o legislador quis evitar a tributação da propriedade que constitua um fator de produção.

             Se assim é, o mesmo raciocínio deverá aplicar-se aos proprietários, nomeadamente empresas, que tenham por objeto a actividade hoteleira, como é o caso da Requerente, tendo o terreno para construção como fim a prossecução de uma actividade comercial.

             A norma de delimitação negativa da incidência do AIMI, que exclui do imposto os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços, se interpretada restritivamente, não excluindo os terrenos para construção cuja edificação se destine a comércio, indústria ou serviços, será inconstitucional por violação do princípio da igualdade e do subprincípio da capacidade contributiva.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou exceção de litispendência, por se encontrar pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, processo com o n.º .../19...BEPRT, em que a Requerente, autora, pede a anulação da decisão de indeferimento do pedido de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis sobre os mesmo imóveis objeto da liquidação de AIMI aqui impugnada.

Na sua resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu também a improcedência do pedido, o que fez resumidamente nos seguintes termos:

             O nº 5 do art. 44º do EBF faz depender a isenção de IMI da apresentação, por parte do sujeito passivo, perante os serviços da administração Tributária, de uma certidão emitida pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que comprova a classificação de um prédio como imóvel de interesse nacional, com a designação de «monumento nacional», e que determina o averbamento da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

             Ao não juntar tal documento, mas sim uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Évora, a Requerente não provou que os imóveis em causa se encontram classificados como “monumento nacional”;

             Logo não pode beneficiar da isenção prevista no art. 44º, nº 1, al. n) do EBF;

             A interpretação segundo a qual todo e qualquer prédio, apenas e só́ por se encontrar localizado no perímetro, quer de um conjunto classificado quer de uma paisagem cultural, se encontra, também ele, individualmente classificado e apto a beneficiar da isenção de IMI, por força do artigo 44.º/1-n) do EBF, em articulação com o artigo 15.º, n.os 3 e 7, da LBPC, e com o artigo 3.º/3 do Decreto-Lei 309/2009, ofende o princípio da igualdade tributária, pois este entendimento de concessão de isenção fiscal coletiva, não atende ao facto de, no interior do conjunto patrimonial, existirem realidades desprovidas de qualquer valor patrimonial cultural.

Quanto à defendida pela Requerente exclusão de terrenos para construção da incidência de AIMI:

             Foram expressa e exclusivamente afastados da incidência objetiva do Adicional de IMI “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”;

             Assim, estão sujeitos ao adicional de IMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6.º do CIMI;

             A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os ''terrenos para construção", e isto independentemente da afectação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.

Em 09-10-2019 a Requerente apresentou requerimento em que respondeu à matéria de exceção suscitada pela Requerida, dizendo que entre ambas as ações inexiste identidade de pedidos, uma vez que os efeitos pretendidos numa e noutra são manifestamente diferentes, visando, um a anulação de um ato tributário (liquidação de AIMI) e o outro a anulação de um ato em matéria tributária (despacho de indeferimento de pedido de isenção de AIMI).

Por despacho de 29-12-2019, o Tribunal decidiu admitir este requerimento com base no princípio do contraditório, da autonomia dos tribunais arbitrais na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, e ainda ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos processuais.

No mesmo despacho o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT e convidou as Partes a apresentarem alegações escritas, o que as Partes não fizeram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

QUESTÕES A APRECIAR

São questões a apreciar no presente processo arbitral:

a)            A existência de litispendência que obste ao conhecimento do mérito da causa;

b)           A classificação dos prédios objeto da liquidação de AIMI como bens culturais;

c)            A isenção de IMI dos referidos prédios, decorrente da sua classificação como bens culturais;

d)           A verificação do requisito de “comunicação” exigido no artigo 44º, nº 5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais para a “operatividade” da isenção;

e)           A não incidência de AIMI sobre terrenos para construção afetos a “serviços”;

f)            A constitucionalidade da tributação, em AIMI, dos terrenos para construção que integram o património de empresas e destinados à sua atividade produtiva.

MATÉRIA DE FACTO

a.            Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1)            A Requerente era, em 1 de janeiro de 2018, proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (..., ..., ... e ...) sob os artigos ..., ...-D e ...-E;

2)            O prédio correspondente ao artigo ... era, em 1 de janeiro de 2018 um terreno para construção com o valor patrimonial tributário de 728.878,90 euros, situado na T... nº ... em Évora;

3)            O prédio correspondente ao artigo ...D era, em 1 de janeiro de 2018, uma fração autónoma habitacional de prédio urbano, com o valor patrimonial tributário de 57 280,00 euros, situado na ... nº ... em Évora;

4)            O prédio correspondente ao artigo ...-E era, em 1 de janeiro de 2018, uma fração autónoma habitacional de prédio urbano, com o valor patrimonial tributário de 77 840,00 euros, situado na ... nº ... em Évora;

5)            Os imóveis sitos na Rua ... nºs ... em Évora estão situados dentro do perímetro geográfico do “conjunto” designado por “Centro Histórico de Évora”, que se encontra classificado como Património Cultural da Humanidade pela Unesco;

6)            A Requerente foi notificada da liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis sobre os prédios correspondentes aos artigos matriciais ..., ...-D e ...-E da União das Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), na qual foi apurado imposto a pagar pela Requerente no montante de 3.456,00 euros (três mil quatrocentos e cinquenta e seis euros);

7)            A Requerente efetuou, em 26-09-2018, o pagamento do imposto apurado na liquidação impugnada, no valor de 3.456,00 euros (três mil quatrocentos e cinquenta e seis euros); 

8)            Na avaliação do prédio correspondente ao artigo matricial ... da União das Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), que é um terreno para construção, foi utilizado o “coeficiente de localização – serviços”;

9)            A Requerente é uma sociedade comercial que tem como atividade a exploração hoteleira.

b.            Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

MATÉRIA DE DIREITO

c.            Exceção de litispendência

A Requerente interpôs uma ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que deu origem ao processo n.º .../19...BEPRT, contra a decisão de indeferimento do pedido de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis referente aos prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos..., ...-B, ...-D e ...-E, da União de Freguesias de ...(..., ..., ... e ...), formulado ao abrigo do disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ação esta que se encontra pendente.

Com efeito aí se diz: “a presente ação administrativa tem por objeto o despacho proferido em 21 de dezembro de 2018, pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto, ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu o pedido de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis, com referência aos prédios urbanos inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ..., ..., ...-D e ...-E, da União de Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), formulado ao abrigo do disposto na alínea n) do nº 1 do art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (..).”

É em vista da pendência desta ação que a Requerida invoca a exceção de litispendência nos presentes autos.

Sobre a matéria regem os art.ºs 580º a 582º do Código de Processo Civil, lendo-se no primeiro que a exceção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso.

O art. 581º diz-nos que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

No caso vertente os sujeitos na relação processual são os mesmos.

Quanto a uma identidade da causa de pedir, cabe observar que, a existir, ela seria sempre parcial, já que na presente ação a Requerente alega, em termos subsidiários, uma causa de pedir que não invoca na ação perante o TAF de Beja, qual seja a inclusão dos “terrenos para construção” afetos a serviços no nº 2 do art. 135º-B do CIMI.

Cite-se a respeito o acórdão do TCA-S de 10-10-2019 no processo nº 267/18.8BESNT, em que o Tribunal diz: “(...) não haverá litispendência entre impugnações judiciais se a causa de pedir numa e noutra forem tão-só parcialmente idênticas.” A identidade parcial da causa de pedir obsta a que haja litispendência, é o que se conclui.

Mas ainda que se considerasse idêntica a causa de pedir nas duas instâncias, o pedido formulado nas duas ações não é, a nosso ver, o mesmo, já que na ação primeiramente interposta, junto do TAF de Beja, se pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a praticar um ato de reconhecimento de isenção ao abrigo do art.º 44º, nº 1 , al. n) do EBF, enquanto na presente ação se pede a anulação de um ato de liquidação.

Quando muito, verificar-se-ia a situação de pendência de causa prejudicial, que poderia servir de base, mas não determinaria obrigatoriamente uma suspensão da instância nos termos do art. 272º, nº 1 CPC (Ac. STJ de 06.07.2017, proc. nº 1220/15.9T8STR.E1.S1).

E cremos que efetivamente se verifica no caso dos autos uma situação de pendência de causa prejudicial (parcial), uma vez que o destino de ambas as ações depende (mas apenas em parte, como já se explicou) de um mesmo juízo, o qual consistirá em determinar se os imóveis da Requerente estão isentos de AIMI por se encontrarem classificados como “monumento nacional”.

Ora, existindo questão prejudicial numa causa anteriormente proposta, nos termos do art. 272º do CPC, a suspensão da instância é um poder do Tribunal, e não uma imposição legal absoluta, como no caso da litispendência. Poder que obviamente não é de natureza discricionária. E por isso nos socorremos neste juízo do nº 2 do preceito citado, o qual nos diz que, “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se (...) a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

Sendo a presente a causa dependente e encontrando-se tal causa em fase de decisão, afigura-se que os prejuízos da suspensão poderiam superar as vantagens, nomeadamente o prejuízo decorrente de se ver prejudicada a obtenção, por parte da Requerente, de uma definição célere da sua situação jurídica, sendo que tal constitui o principal escopo da jurisdição arbitral  tributária.

Gozando a administração tributária do privilégio da execução prévia, para ela não resultaria nenhum prejuízo da suspensão do processo.

No sentido da não suspensão da instância, consideramos dever pesar também, de modo decisivo, o princípio pro actione ou de prevalência da justiça material.

Há que recordar que o princípio pro actione, decorrendo do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, consagrado no art.º 268, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, está consagrada no texto constitucional especificamente a propósito do contencioso administrativo (“direitos e garantias dos administrados”). Não sem razão, pois num contexto, como o administrativo, em que as partes na relação controvertida se encontram em desigualdade, gozando a administração do privilégio de execução prévia, uma abordagem formalista da relação processual favorecerá sempre a administração pública.

A importância do princípio pro actione, e uma certa cultura formalista instalada, tem levado o legislador a tomar medidas enérgicas na sua defesa, sendo disso expressão o art.º 7º do CPTA, que dispõe que, “para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”

Não há dúvida de que esta norma (aplicável ao processo arbitral tributário em virtude do art. 29º,  nº 1, al. c) do RJAT), enraizando-se no enunciado abstrato do princípio pro actione consagrado na lei constitucional, vai além deste, dirigindo ao julgador, seu destinatário, um comando de ação concreto: em caso de dúvida, deve ser privilegiada a interpretação das normas processuais mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (Carlos Carvalho, juiz conselheiro do STA, Princípios do Processo Administrativo, in Direito e Processo Administrativo, Centro de Estudos Judiciários, 2016).

Assim sendo, considerando não existir identidade de pedido, considerando apenas existir identidade parcial da causa de pedir, e ponderando ainda o prejuízo que a suspensão da instância, em processo arbitral tributário, traz ao sujeito passivo (como já se explicou o prejuízo será sempre, por natureza, apenas do sujeito passivo), julga-se que todas as razões pesam no sentido da não suspensão da instância ao abrigo do art. 272º do CPC.

d.            Consideração dos imóveis situados dentro de um “conjunto” classificado como património mundial, como imóveis “classificados”

i.             O direito tributário relevante

A norma de incidência ao abrigo da qual foram emitidas as liquidações impugnadas é o art. 135º-A do CIMI, que diz que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”.

A seguinte disposição relevante é o 135º-C do CIMI, referente à determinação do valor tributável para efeitos de AIMI e cujo nº 3 contém uma norma de exclusão da tributação, com a seguinte redação: “não são contabilizados para a soma referida no n.º 1 do artigo 135.º-B: a) O valor dos prédios que no ano anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI”.

A referência a “prédios que no ano anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a IMI” remete-nos para o art. 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

De acordo com o nº 1, al. n) deste preceito legal, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis “os prédios classificados como monumentos nacionais (...), nos termos da legislação aplicável.”

Em relação ao momento da tributação, o nº 2 do mesmo dispositivo legal diz que “as isenções a que se refere o número anterior iniciam-se (...) d) relativamente às situações previstas na alínea n), no ano, inclusive, em que ocorra a classificação.”

Já o nº 5 do mesmo preceito, referindo-se à distinção entre benefícios fiscais de caráter automático e dependentes de reconhecimento, diz que “as isenções a que se referem as alíneas n) e q) do n.º 1 são de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, do reconhecimento pelo município como estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local e de que integram o inventário nacional dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local, respetivamente, a efetuar pela Direção-Geral do Património Cultural ou pelas câmaras municipais, conforme o caso, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados ou reconhecidos e integrados, mesmo que estes venham a ser transmitidos”.

Que a isenção é de caráter automática não há qualquer dúvida, o que significa, de acordo com o art. 5º, nº 1 do EBF, que a isenção não depende de um “reconhecimento”, ato pelo qual o órgão competente avalia se a pessoa ou situação preenchem os requisitos que a lei impõe como condição para a atribuição da isenção.

A al. d) do nº 2 do mesmo preceito legal completa a regra anterior, esclarecendo que a isenção se “inicia” “no ano, inclusive, em que ocorra a classificação.”

Portanto, atribuída a classificação do prédio como “monumento nacional”, o mesmo fica imediatamente, ie. ope legis, isento de IMI.

Contudo, a lei (nº 5 do art. 44º do EBF) acrescenta que, embora sendo automática, a isenção “opera” mediante “a comunicação da classificação.”

Afigura-se-nos que esta norma, relativa à forma como a isenção “opera”, se refere não à “aplicação da isenção” no sentido de qualificação jurídica de uma dada situação como isenta, pois essa é uma qualificação ope legis, mas ao aspeto mais prático de passar da norma ao ato. Ou seja, o prédio, estando classificado como monumento nacional, está automaticamente, ie. ope legis isento, mas a Administração Tributária só fica obrigada a abster-se de lançar o imposto após uma “comunicação da classificação.” Enquanto não se verificar essa “comunicação” a que a lei se refere, mesmo estando o imóvel isento, a Administração Tributária continuará a lançar o imposto e, para ela, é como se o imóvel não estivesse isento.

Temos então que ver que “comunicação” é essa que a lei exige para que a isenção “opere”, ie, se aplique na prática, passando da lei ao ato.

A Administração Tributária, na sua resposta, defende que esta “comunicação” tem que consistir numa apresentação, nos serviços da AT, do modelo do documento (certidão) emitido pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que comprova a classificação de um prédio como imóvel de interesse nacional, com a designação de «monumento nacional».

Contudo, o formulário que a Administração Tributária indica como sendo o que o sujeito passivo deve apresentar nos seus serviços é um modelo para um requerimento, não para uma certidão. É o modelo ou formulário através do qual uma entidade pede a classificação de um imóvel. Aliás, o próprio formulário é bem explícito no seu título, enunciando destinar-se a um “requerimento inicial do procedimento de classificação de bens imóveis.”

Ora, se um imóvel já se encontra classificado, poderá não existir razão para que o seu proprietário requeira uma nova classificação. E, nesse caso, não é plausível exigir que o proprietário requeira uma classificação para que a isenção, que é automática, “opere.”

Já se o imóvel não está classificado, e essa classificação depende do impulso do seu proprietário, uma vez deferido o requerimento, não há dúvida de que a notificação do deferimento será uma “comunicação” adequada para efeitos do nº 5 do art. 44º, sem necessidade de obtenção de uma certidão.

Ou seja, não cremos que a Autoridade Tributária possa exigir ao proprietário do prédio nem um requerimento de classificação, nem uma certidão.

Por conseguinte, sempre ainda em tese geral, afigura-se-nos que a “comunicação” a que se refere o artigo 44º, nº 5 EBF, quando esteja em causa um imóvel classificado, será a comunicação que a Direção Geral do Património faz normalmente dessa classificação. Sendo certo que as situações de “classificação” dos imóveis são variadas, e nem sempre a comunicação da sua classificação será feita de forma individualizada e dirigida ao seu proprietário, ou pelo menos terá que se admitir essa possibilidade, a qual só deverá ser excluída se tal resultar inequivocamente da lei.

Temos então que indagar, por um lado, se os imóveis da Requerente, efetivamente e como esta defende, estão “classificados” como bens culturais imóveis. E por outro, se foi e como foi “comunicada” essa classificação.

ii.            O conceito de “prédio classificado.”

Devemos então começar por clarificar o significado do termo “classificado” no contexto do art. 44º, nº 1, al. n) do EBF.

A norma menciona três situações: i) “prédios classificados como monumentos nacionais”; ii) “prédios individualmente classificados como de interesse público”; e ii) “prédios individualmente classificados como de interesse municipal.” E acrescenta “nos termos da legislação aplicável”. Para que um imóvel beneficie da isenção do art. 44º, nº 1, al. n) EBF, ele tem que entrar numa destas categorias tal como elas são definidas pela legislação competente.

Diz o art. 14º, nº 1 da Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro (que estabelece as bases da politica e do regime de proteção e valorização do património cultural) que se consideram “bens culturais” os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos n.os 1, 3 e 5 do artigo 2.º, representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura.

O que significa, indo ao que nos interessa, que, quando um imóvel é “classificado” lhe é atribuída a qualidade de “bem cultural”.

Seguidamente, o artº 15º da mesma lei distingue as várias categorias de bens culturais, dizendo no seu nº 1 que “os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional”.

O direito internacional aqui aplicável é a Convenção para a protecção do património mundial, cultural e natural da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO), cujo art. 1º define “monumentos”, “conjuntos” e “sítios”.

Significa isto que, no contexto da legislação sobre proteção do património cultural, “bem cultural imóvel” pode ser um “monumento,” um “conjunto” ou um “sítio”, não tendo o mesmo significado do termo “coisa imóvel” previsto no art. 204º do Código Civil, ou de “prédio” do art. 2º, nº 1 do CIMI.

Assim sendo, um centro histórico de uma cidade, desde que classificado como “bem cultural”,  será um “bem cultural imóvel”, não havendo que discutir se tal classificação se harmoniza com a noção de bem imóvel do direito civil ou tributário.

Além disso, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, cada bem cultural deverá ser classificado como “de interesse nacional”, “de interesse público” ou “de interesse municipal”.

Enquanto a primeira classificação tem a ver com as características estruturais físicas do bem (um edifício, um conjunto de edifícios, um local, etc.), já a segunda reflete uma escala de valor dos bens culturais, como fica bem patente nos números 4, 5 e 6 do art. 15º da Lei n.º 107/2001.

É importante referir que a Convenção para a protecção do património mundial, cultural e natural define “conjuntos” como “grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excecional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência”.

Finalmente, o nº 3 do mesmo preceito diz que “Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adotar-se-á a designação «monumento nacional»”.

Referindo-se ao procedimento conducente à classificação, dispõe o art. 25º, nº 1 da lei n.º 107/2001 que “o impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro. Acrescentando, no nº 2, que “a iniciativa do procedimento pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas, às autarquias locais ou a qualquer pessoa singular ou coletiva dotada de legitimidade, nos termos gerais.”

De onde se conclui que a classificação de um imóvel não depende sempre de um requerimento a apresentar pelo seu proprietário, como sustenta a Requerida.

No mesmo sentido, o art. 4º do Decreto-Lei nº 309/2009, que estabelece o procedimento de classificação dos “bens imóveis de interesse cultural,” (bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda), o qual estatui que “o procedimento administrativo de classificação de um bem imóvel inicia-se oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 107/2001.”

Quanto à forma que reveste o ato que determina a classificação, diz o art. 28º da Lei n.º 107/2001 que (nº 1 ) “a classificação de um bem como de interesse nacional reveste a forma de decreto do Governo,” (nº 2) “a classificação de um bem como de interesse público reveste a forma de portaria” e (nº 3) “a forma dos demais atos a praticar obedecerá ao disposto na legislação aplicável.”

A lei acrescenta, contudo, no art. 29º, nº 1, que “a decisão final é notificada aos interessados, bem como ao município da área a que o bem pertença, quando não seja deste o serviço instrutor, e ainda às associações que tenham participado na instrução do procedimento”.

De onde se conclui que a classificação de um imóvel é, pelo menos em regra, objeto de uma comunicação individualizada aos interessados sob a forma de “notificação”. Tal não impede, a nosso ver, que se considere cumprida a formalidade de “comunicação”, cabendo a forma de decreto ou portaria ao ato de classificação e uma vez que o mesmo tenha sido publicado.

iii.           O Centro histórico de Évora como “bem cultural imóvel” do tipo “monumento nacional”

Vejamos como o “Centro histórico de Évora” se encaixaria no quadro legal traçado.

O art. 15º, nº 7 da Lei n.º 107/2001 dita que “os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional.”

E assim há que concluir que um “bem cultural imóvel”, quando incluído na lista do património mundial, adquire por esse facto, automaticamente, a qualidade de “bem cultural de interesse nacional” face à lei portuguesa.

E em face do nº 3 do art 15º da Lei de Bases, tal bem integra-se na categoria de “monumento nacional.”

Desta forma, conclui-se que o “Centro Histórico de Évora”, integrado na Lista do Património Mundial conforme aviso da Direção de Serviços Culturais do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 20-01-88, publicado no DR, II série, nº 39, de 17-02-88, é um “bem cultural imóvel”, cabendo nas categorias de “conjunto de interesse nacional” (quanto às suas características físicas estruturais) e de “monumento nacional” (quanto ao seu valor).

Não havendo dúvida de que o Centro Histórico de Évora se encontra classificado, face à lei portuguesa, como um “bem cultural imóvel de interesse nacional” e, consequentemente, como um “monumento nacional,” torna-se necessário ainda clarificar se todo e qualquer prédio localizado dentro do respetivo perímetro se encontra classificado como “monumento nacional” e, em caso afirmativo, se a comunicação dessa classificação se encontra efetuada.

Quanto à primeira questão, ela não é passível de discussão, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo a esclareceu de forma definitiva no acórdão proferido em recurso de revista excecional em 22-05-2019, judiciando-se aí nos seguintes termos:

“Trata-se de questão jurídica já analisada e decidida em diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, em várias decisões arbitrais do CAAD, e também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/12/2018, no processo nº 0134/14.4BEPRT, sempre no sentido perfilhado no acórdão recorrido, isto é, no sentido de que os imóveis inseridos nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO têm de classificar-se como de interesse nacional, adotando a designação de “monumentos nacionais”, e, como tal, beneficiam da aludida isenção de IMI.”

Por ser útil à compreensão da interpretação jurisprudencial, refere-se também o acórdão do TCAN de 30-04-2019, proc. nº 01417/13.6BEPRT, em que se diz:

 “Está, assim, em causa determinar se os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados como Património Mundial da Unesco, como o Centro Histórico do Porto, beneficiam de isenção de IMI.

(...)

Da articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, adotando a designação de “monumentos nacionais” (mesmo pertencendo à categoria de conjunto) e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.”

Em vista desta jurisprudência, seguida por várias decisões arbitrais, não é preciso mais para concluir que, em geral, os imóveis situados nos centros históricos incluídos na Lista do Património Mundial são, eles próprios, imóveis classificados como “monumento nacional”. Em nossa opinião, esses imóveis devem ser considerados não um monumento, mas parte de um monumento nacional, pois o monumento nacional é o “conjunto”, de acordo com a Convenção da UNESCO, mas não cremos que esta questão linguística seja verdadeiramente relevante.

O que, sim, nos parece relevante é a definição de “conjunto” da Convenção da UNESCO.

Relembremos que o art. 1º da Convenção define “conjuntos” como “grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excecional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência”. E que o art. 15º da Lei de Bases diz no seu nº 1 que “os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional”.

Daqui se conclui que o Centro Histórico de Évora é um grupo de construções, que em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excecional.

Significa isto que o “monumento nacional” que é o Centro Histórico de Évora é um grupo de “construções”.

No caso concreto, ainda pode e deve acrescentar-se que o Centro Histórico de Évora é um grupo de construções “reunidas”, pois não é um grupo de construções “isoladas.”

Sendo um grupo de “construções”, ele é delimitado por um perímetro geográfico, mas não tem por que abranger os terrenos de construção nele situados.

Ou seja, sendo o “Centro Histórico” delimitado por um perímetro geográfico, as construções que se situam dentro desse perímetro são peças ou parte do “monumento nacional”, mas já os terrenos de construção são apenas imóveis que se encontram dentro do perímetro geográfico. Não fazem parte do “conjunto” classificado como monumento nacional, porque o “conjunto”, de acordo com o direito internacional, apenas abrange as “construções”.

Poderá dizer-se que mesmo dentro das construções situadas no perímetro do “conjunto”, algumas poderão não ter valor para a classificação do “conjunto”. Esse, porém, é um problema da legislação sobre proteção do património que transcende a interpretação da lei tributária. Aliás, por alguma razão a lei (art. 72º, nº 1 do DL 309/2009) determina que “a inclusão de um bem imóvel na lista indicativa do património mundial determina oficiosamente a abertura de procedimento de classificação, no grau de interesse nacional, e de fixação da respetiva zona especial de proteção, nos termos do presente decreto-lei.”

Que, já em sede de direito tributário, poderá haver razões para tratar diferenciadamente as várias construções do “conjunto” ou para incluir na isenção os terrenos situados no respetivo perímetro, que sofrem limitações na sua utilização, é também plausível.

Contudo, o que hoje a norma diz é que estão isentos de IMI os monumentos nacionais, nos quais se incluem os “conjuntos” incluídos no património mundial, os quais são “grupos de construções”. E que estas construções podem integrar o “conjunto” “isoladas”, o que significa que são consideradas individualmente, ou “reunidas” o que significa que não se distinguem no conjunto construções isoladas.

Neste sentido, concluímos que o prédio correspondente ao artigo matricial ..., com a classificação de terreno para construção, não faz parte do monumento nacional que é constituído pelo Centro Histórico de Évora, o qual é um “conjunto de construções reunidas”.

Nesta parte divergimos do decidido no processo arbitral n.º 77/2019-T, de 04-10-2019.

iv.           A questão de saber se existiu “comunicação” da classificação

Sendo o Centro histórico de Évora um “monumento nacional” por virtude da sua inclusão no património mundial, a forma normal da sua comunicação é o aviso, conforme o artigo 72º, nº 3 do DL nº 309/2009.

E não há dúvida de que a inclusão do Centro Histórico de Évora na Lista do Património Mundial foi objeto de Aviso da Direção de Serviços Culturais do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 20-01-88, publicado no DR, II série, nº 39, de 17-02-88.

O procedimento de notificação individual previsto no art. 29º da Lei de Bases é apenas necessário quando há uma “decisão”, o que não é o caso, pois a classificação do conjunto como “bem cultural imóvel”, face à lei portuguesa, verifica-se ope legis pela integração do conjunto na Lista de Património Mundial. 

Por conseguinte, há que considerar que a “comunicação,” a que se refere o nº 5 do art. 44º do EBF, foi efetuada através do Aviso da Direção de Serviços Culturais 20-01-88.

Mas além disso, não se vê razão para que a comunicação individualizada, como forma de conferir maior segurança jurídica às situações abrangidas, não pudesse ou até não devesse ser efetuada pela Câmara Municipal, como órgão da administração pública que em melhor situação se encontra para poder identificar os prédios individuais situados dentro do perímetro do “Centro Histórico”. E no caso dos autos existe uma comunicação, sob a forma de certidão, emitida pela Câmara Municipal de Évora atestando que o “imóvel sito na ... nºs ...  a ...” se encontra dentro do Centro Histórico de Évora.

Pelo que se considera verificado o requisito da “comunicação” da classificação do bem cultural imóvel, no qual se integra, como parte, o prédio urbano ao qual pertencem as frações da Requerente, para efeitos do nº 5 do art. 44º EBF.

e.            Questão da não incidência do imposto sobre terrenos “afetos a serviços”

Sustenta a Requerente, subsidiariamente, que o seu prédio “terreno para construção”, ainda que não isento por se considerar “monumento nacional”, sempre deveria ter-se por excluído do âmbito de aplicação do AIMI ao abrigo do art.º 135º-B, nº 2 do CIMI, por na sua avaliação ter sido aplicado o coeficiente de localização “serviços”.

Em termos abreviados, é o seguinte o raciocínio da Requerente.

Ao excluir da tributação, no nº 2 do art. 135º-B do CIMI, os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», o propósito do legislador foi restringir o campo do imposto aos prédios urbanos cuja afectação seja a habitação, excluindo dele qualquer imóvel afeto a atividade produtiva.

Ponderado este elemento subjetivo (intenção de legislador) na interpretação da expressão “prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços” do nº 2 do art. 135º-B do CIMI, a mesma deve incluir os terrenos que se destinem à construção de edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços, uma vez que não têm afetação habitacional.

Acontece que, com o devido respeito pela posição da Requerente, o preceito em causa (o nº 2 do art. 135º-B do CIMI) se encontra redigido com uma tal clareza que não permite que lhe seja dado o sentido que a Requerente pretende dar-lhe, baseado na intenção do legislador.

Nos termos do art. 135º-B do CIMI, são excluídos da incidência do AIMI os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

A expressão “nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código” só pode significar que a locução anterior – “prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»” – deve ser lida com o significado que tem nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 6º do CIMI.

Poderia ainda acontecer que, ao buscar o significado da locução nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 6º do CIMI, estas disposições não se mostrassem aptas a fornecer esse significado sem uma exegese onde coubesse o recurso à intenção do legislador.

Mas não é assim, pois as expressões coincidem exatamente em ambos os dispositivos.

O nº 1 do art.º 6º do CIMI enuncia as categorias dos prédios urbanos existentes na legislação tributária. E são elas: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; e d) Outros. Sendo claro que, no nº 2 do art.º 135º-B, o legislador escolheu duas destas alíneas e deixou de fora outras duas.

E deixou de fora, precisamente, os “terrenos para construção”. Categoria que é definida de acordo com o nº 3 do art. 6º, nela cabendo os terrenos em que seja possível a construção de edifícios habitacionais, industriais, de comércio ou para serviços.

Ainda que na avaliação do terreno da Requerente tenha sido usado um “coeficiente de localização serviços” – e de facto assim é – a categoria “para serviços” prevista na al. b) do nº 1 do art.º 6º do CIMI não tem qualquer relação com os fatores de avaliação dos imóveis, mas unicamente com a sua afetação, a qual nos termos do nº 2, resulta ou do licenciamento, ou do destino normal dos prédios. E que nesta categoria não podem incluir-se os terrenos para construção resulta de no nº 1 do art. 6º se prever especificamente a categoria “terrenos para construção”, a par dos prédios urbanos “comerciais, industriais ou para serviços”.

É certo que, de acordo com o artº 9º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1). Mas é igualmente verdadeiro que na interpretação não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2), e que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).

Ora, a interpretação que a Requerente faz do nº 2 do art. 135º-B CIMI, excede, em nossa opinião, e com o devido respeito, a letra da lei, para alcançar um sentido que só é possível assumindo que o legislador ou não consagrou uma solução acertada –  não excluiu os terrenos para construção afetos a serviços, quando o deveria ter feito – ou não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – queria dizer “prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços” e não “prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» nos termos da al. b) do nº 1 do art. 6.” 

Pelo que se considera que na liquidação de imposto sobre o prédio “terreno para construção” não existiu erro nos pressupostos de facto ou de direito.

f.             Questão da inconstitucionalidade da tributação em AIMI dos terrenos para construção sem atender ao fim da sua detenção

Sustenta ainda a Requerente que a tributação em AIMI dos terrenos para construção sem atender ao caráter da pessoa que os detém (pessoa coletiva ou pessoa singular) e à função que os mesmos têm no respetivo património é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da tributação segundo a capacidade contributiva.

Parte a Requerente de dois pressupostos relativamente ao AIMI.

Um, o de que este imposto visa tributar exclusivamente os imóveis destinados a habitação; O segundo, o de que, com a norma de exclusão do nº 2 do art. 135º-B do CIMI, o legislador pretendeu excluir do âmbito do imposto, genericamente, “os ativos que constituem fatores de produção e que, de algum modo, estejam ligados à prossecução de uma actividade produtiva.”

E assim, sendo o terreno para construção da Requerente um ativo destinado à sua atividade produtiva, o mesmo deve ficar excluído do campo do imposto.

A Requerente conclui: “Assim, a norma de delimitação negativa da incidência do AIMI, na qual se

indica que são excluídos do AIMI os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços, se interpretada restritivamente, sem excluir os terrenos para construção cuja edificação se destine a comércio, indústria ou serviços, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e do subprincípio da capacidade contributiva”.

A Requerente alega ainda que esta norma, interpretada literalmente, com o sentido de abranger todos os terrenos para construção, será materialmente inconstitucional, por incompaginável com o príncípio da igualdade tributária, ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a indústria e não a titularidade dos prédios neles construídos.

A questão suscitada assim pela Requerente foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 299/2019, de 21-05-19, em que o Tribunal declarou que a norma não é inconstitucional quando interpretada no sentido de não excluir do imposto os terrenos para construção com afetação a serviços.

Em termos resumidos, o Tribunal considera que a norma do nº 2 do art. 135º-B do CIMI, que exclui da tributação os “os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»”, tendo uma ratio de ordem extrafiscal, a qual reside em proteger a atividade económica das empresas titulares de prédios urbanos, constitui já ela uma exceção ao princípio da igualdade tributária, não fazendo, pois, sentido, a sua apreciação à luz de tal princípio. O Tribunal reforça este entendimento dizendo que, “para prosseguir aquele objetivo de política económica, é patente que a exclusão tributária não se apresenta inadequada, desnecessária ou excessiva, já que o desagravamento tributário constitui um dos instrumentos de política fiscal com aptidão e capacidade para prosseguir o objetivo de proteção e estímulo das atividades económicas visadas. Com efeito, a proteção do comércio, assim como das indústrias, dos serviços ou outras atividades económicas, é um interesse extrafiscal que se pode revelar de maior grandeza do que os ganhos obtidos por via da arrecadação da receita do AIMI.”

Tanto basta para concluir que a alegação da Requerente, em matéria de constitucionalidade do art. 135º-B, nº 2 do CIMI, não se harmoniza com a posição do Tribunal Constitucional, devendo, por conseguinte, ser rejeitada.

Improcede, pois, a pretensão da Requerente neste trecho do seu pedido.

g.            Reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios

A Requerente pede a restituição do imposto pago correspondente à liquidação impugnada acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

O ato de liquidação de AIMI objeto da presente ação, no que diz respeito às frações autónomas correspondentes aos artigos matriciais ...-D e ...-E, enferma de vício material por erro nos pressupostos, estando em causa a errada interpretação e aplicação de normas de incidência tributária por parte da AT.

Tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

Retomando a situação em análise, a Requerente comprovou a ilegalidade substantiva do ato de liquidação no que diz respeito às duas frações. Esta prestação tributária não decorria da lei e é atribuível a erro na interpretação e aplicação do regime previsto no art. 44.º, nº 1 al. e) e nº 5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o qual não pode deixar de ser imputável à AT, que emitiu o ato tributário, cobrando com caráter indevido, por ilegal, a correspondente prestação tributária.

Nestes termos, consideram-se verificados os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios, em conformidade com o artigo 43º, n.º 1 da LGT, limitados à parte anulada do ato de liquidação.

 

DECISÃO

Nestes termos decide-se:

A)           Julgar parcialmente ilegal, por erro nos pressupostos de direito, o ato de liquidação de AIMI n.º ...2018..., relativo ao ano de 2018, na parte referente às frações autónomas correspondentes aos artigos matriciais ...-D e ...-E da matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (..., ..., ... e...), de que a Requerente era proprietária em 1 de janeiro de 2018;

B)           Anular o ato de liquidação de AIMI n.º ...2018..., por ilegal, na parte referente às frações autónomas correspondentes aos artigos matriciais ...-D e ...-E da matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (..., ..., ... e ...), de que a Requerente era proprietária em 1 de janeiro de 2018;

C)           Julgar procedente o pedido de reembolso e juros indemnizatórios na parte proporcional à parte anulada do ato de liquidação impugnado.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 3.456,00 euros (três mil quatrocentos e cinquenta e seis euros), nos termos da al. a) do nº 1 do art. 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo:

b.            Da Autoridade Tributária e Aduaneira em 95,71 euros;

c.            Da Requerente em 516,29 euros.

               

Porto, 30 de junho de 2020

 

O Árbitro

 

(Nina Aguiar)