Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 378/2019-T
Data da decisão: 2020-06-25  IRC  
Valor do pedido: € 115.389,05
Tema: IRC – Artigo 18.º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 31 de Maio de 2019, A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., Oliveira de Azeméis, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC referente ao ano de 2015, da qual resultou o imposto adicional a pagar no montante de € 106.045,46, e de liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., derivadas da autoliquidação atrás referida, de que resultou um montante a pagar de € 9.343,59, tudo, correspondente a um valor total de € 115.389,05.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a ocorrência de erro na qualificação e quantificação do facto tributário, e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

3.            No dia 03-06-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários José Pedro Carvalho e Rui Ferreira Rodrigues, bem como o Exm.º Sr. Professor Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 23-07-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-08-2019.

 

7.            No dia 29-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 14-01-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas, nos termos do n.º 2 daquele mesmo artigo.

 

11.          Por despacho do Sr. Presidente Deontológico do CAAD, de 21-02-2020, foi determinada a substituição do Exm.º Sr. Professor Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, pelo Exm.º Sr. Dr. Amândio Silva.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente dedica-se à fabricação de artigos metálicos de cozinha, nomeadamente louças metálicas e artigos de usos doméstico.

2-            No exercício da sua actividade, a Requerente desenvolveu uma patente industrial que registou em sua propriedade.

3-            Uma empresa concorrente da Requerente, a sociedade “B...” introduziu no mercado produtos que a Requerente considerou violadores dos direitos por si patenteados.

4-            A Requerente intentou uma acção judicial contra a referida empresa para obter indemnização pela invocada lesão dos seus direitos (p.º n.º.../08...T…, que acabou a correr os seus termos no 1º do Juízo Central Cível de …, Comarca de Aveiro).

5-            O valor do pedido formulado no processo judicial foi de € 4.300.000,00.

6-            Em 2012 foi proferida decisão judicial nesse processo que reconhecia o direito da Requerente sem que, contudo, lhe tivesse sido dada razão quanto ao montante indemnizatório, cuja determinação foi remetida para incidente de liquidação do valor indemnizatório.

7-            O mandatário que patrocinou a causa informou a Requerente, antes do fecho de contas de 2012 que, em função da sentença que julgara a acção procedente era necessário prosseguir judicialmente com a liquidação do valor indemnizatório.

8-            O mesmo mandatário informou também a Requerente que não lhe seria possível determinar o valor a receber atendendo às contingências da lide, mas referiu uma hipótese provável de vencimento que se situaria entre um terço (1/3) e metade (1/2) do valor do pedido.

9-            Em face da decisão judicial e da informação do advogado, a Requerente decidiu então reconhecer nas suas contas referentes ao exercício de 2012 um proveito prudentemente estimado correspondente a uma terça parte do valor mínimo referido pelo mandatário – uma terça parte de um terço do valor do pedido –reconhecendo, assim, contabilisticamente, um proveito no montante de € 477.682,23.

10-         O referido proveito foi incluído no resultado tributável do exercício de 2012 para efeitos de incidência do correspondente IRC.

11-         No ano de 2015 o processo judicial foi redistribuído e passou a uma fase de realização de perícias para apuramento se, e em que medida, a Requerente teria sofrido danos (nomeadamente lucros cessantes) com a actuação da ré que já tinha sido declarada ilícita.

12-         Esta situação originou na Requerente a incerteza sobre a existência e a extensão do seu eventual crédito.

13-         A perícia referida era susceptível de originar uma conclusão no sentido de que, apesar do ilícito praticado pela Ré, a Requerente não teria sofrido danos por lucros cessantes (nem quaisquer custos emergentes), o que teria como consequência que nenhuma indemnização receberia por não terem sido sofridos quaisquer danos relevantes.

14-         A prova dos danos por lucros cessantes, implicava a prova do aproveitamento comercial por parte da ré da patente copiada, bem como a causalidade em perda de negócios e lucros por parte da autora.

15-         Face ao exposto, a Requerente no ano de 2015, considerou que existia uma contingência no efectivo direito ao proveito registado em 2012, quer quanto à sua existência quer quanto à sua dimensão.

16-         Mais considerou a Requerente que, dado o estado em que o processo judicial entrou (a fase de instrução com realização de perícias colegiais), não seria possível antever um desfecho decisório nos anos seguintes.

17-         No exercício de 2015, a Requerente decidiu anular o reconhecimento contabilístico antecipado do proveito de € 477.682,23 que tinha registado em 2012, pelo que o lucro tributável do exercício de 2015 foi diminuído nessa medida.

18-         Assim, no período de 2015 a Requerente procedeu ao registo contabilístico, na subconta 68889 – Outros Gastos e perdas - Outras, por contrapartida da conta 27803 – Indemnização a Receber, do montante de € 477.682,23, através do documento cujo identificador SAFT tem o n.º 2015- 12-31 ... .

19-         No exercício de 2018 o processo chegou a termo, por acordo de transacção celebrado entre as partes (e não por decisão judicial) em que a Ré se confessou devedora e assumiu a obrigação de pagar à Requerente a quantia de € 300.000,00, a receber em prestações mensais.

20-         Esta transação judicial foi homologada, e as partes condenadas a cumpri-la, tendo havido transito em julgado de tal homologação.

21-         A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo externo incidente sobre os exercícios de 2014 e 2015 de âmbito parcial (IRC) realizado ao abrigo das Ordens de Serviço OI2017... e OI 2017....

22-         No âmbito dessa acção inspectiva foi-lhe notificado (pelo Ofício n.º ... datado de 18-06-11, o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para efeitos de exercício do direito de audição.

23-         Em relação ao exercício de 2015, o referido projecto considerou como não aceitável a dedução fiscal, como gasto, do montante de € 477.682,23 referente à anulação em 2015 do reconhecimento, feito no exercício de 2012, de um rendimento esperado referente à eventual indemnização que viesse a ser obtida no processo judicial em que a Requerente era Autora e era Ré a empresa B..., Lda.

24-         No decurso da inspecção tributária realizada, a AT considerou que não era legítima a anulação do proveito no exercício de 2015 (com o correspondente reflexo na redução do lucro tributável), e projectou a correspondente correcção por via de liquidação adicional.

25-         Entendeu a inspecção tributária que “o registo contabilístico [a anulação do proveito] foi efectuado tendo por base uma decisão da Administração sem qualquer sustentação quanto ao momento”, e que a Requerente terá actuado “refugiando-se em argumentos vagos e indefinidos e nada objectivos: a morosidade da justiça portuguesa”, bem como que “não foi apresentada qualquer razão válida e objectiva que possibilite a anulação de um gasto reconhecido anteriormente como ganho”.

26-         Do Projecto de Relatório de Inspecção, consta, para além do mais, o seguinte:

“Em 2012, foi registado na nossa contabilidade um proveito de 477.682,23 Euros: na conta 78811 – Correções de Exercícios Anteriores - referente a 2006 até 2011 (409.441,91 Euros) e na conta 78888 - Outros Não Especificados - referente ao valor de 2012 (68.240,32 Euros), em contrapartida de Outras Contas a Receber.

Esta contabilização foi feita após o recebimento de uma comunicação do nosso advogado em Fevereiro de 2013 (o ano de 2012 ainda não estava encerrado), sobre um processo que tínhamos em tribunal, com a empresa B..., Lda, em que era dado como certo, o recebimento de uma indemnização, uma vez que, já havia uma sentença de condenação do Reu a pagar uma indemnização pela utilização de uma patente nossa. Desta forma, a Administração decidiu reconhecer um proveito, de uma forma muito cautelosa, em que pegou no valor mais baixo que o advogado referiu, um terço do valor pedido (4.300.000,00 Euros), e só considerou um terço desse valor (ou seja, um terço de um terço), que perfazia mais ou menos 11% do valor total que realmente seguiu para tribunal.

Para melhor compreensão, enviamos a Nota 39 - Eventos Subsequentes, do Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados de 2012, onde explica o registo destes movimentos.”.

27-         Na sequência do Projecto de Relatório de Inspecção, e para evitar outros inconvenientes em matéria tributária, a Requerente apresentou em 25-06-2018 uma declaração de substituição Mod. 22 de IRC para o exercício de 2015, retirando do apuramento do respectivo resultado fiscal o gasto de € 477.682,23.

28-         Essa declaração de substituição que deu origem à autoliquidação objecto da presente acção arbitral, de que resultou um imposto de IRC a pagar no montante de € 106.045,46 que a Requerente pagou em 27-06-2018.

29-         A autoliquidação referida autoliquidação deu origem à liquidação de juros compensatórios no montante de € 9.343,59, que a Requerente também pagou em 17-07-2018.

30-         A Requerente apresentou ao Director Distrital de Finanças de ... em 08-10-2018, Reclamação Graciosa contra a autoliquidação referida.

31-         A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 29-04-2019 notificado à Requerente pelo Ofício n.º ... datado de 02-05-2019.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, os factos dados como provados nos pontos 3, 7 a 9, 11 a 16, assentaram essencialmente na prova testemunhal produzida, que apresentou depoimentos coerentes e seguros, evidenciando conhecimento directo dos factos, tal como dados como provados, e em consonância com a prova documental disponível.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                A questão a resolver nos presentes autos de processo arbitral reconduz-se a aferir se deve ou não ser fiscalmente aceite a anulação (com o correspondente reflexo na redução do lucro tributável), no exercício de 2015, do proveito no montante de € 477.682,23, contabilizado pela Requerente no ano de 2012,  relativo aos ganhos que estimou prováveis, derivados da acção judicial interposta contra a sociedade “B...”.

                A AT considera, em suma, que a Requerente não incorreu em qualquer gasto no período de 2015, antes decidiu promover a anulação de um ganho que tinha reconhecido no período de 2012, refugiando-se em argumentos vagos e indefinidos e nada objectivos, designadamente a morosidade da justiça portuguesa, pelo que, para a AT, o cenário aquando do reconhecimento daquele gasto não foi em nada alterado no ano de 2015, pelo que não estarão reunidos os pressupostos necessários, para que fosse fiscalmente considerado o tal gasto, no montante de € 477.682,23, no período de 2015.

                Já a Requerente sustenta que foi em 2015 que se concluiu que o activo/ganho de € 477.682,23 registado em 2012 não só não existia, como não se sabia se algum dia viria a existir nem em que medida.

                Acrescenta a Requerente que o reconhecimento do proveito de € 477.682,23 em 2012 e a sua anulação em 2015 apenas representaram uma antecipação do pagamento de imposto – não tendo produzido qualquer prejuízo para o Estado – não tendo ocorrido qualquer redução ou dilação temporal de IRC que houvesse a pagar.

                Ambas as partes assentam as respectivas pretensões no art.º 18.º do CIRC aplicável (redacção de 2015), que dispõe que:

“Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”.

                Vejamos.

                 Da matéria de facto apurada nos presentes autos de processo arbitral resulta, para além do mais e com relevância para a concreta questão a resolver, que:

                               - No ano de 2015 o processo judicial foi redistribuído e passou a uma fase de realização de perícias para apuramento se, e em que medida, a Requerente teria sofrido danos (nomeadamente lucros cessantes) com a actuação da ré que já tinha sido declarada ilícita;

                               - Esta situação originou na Requerente a incerteza sobre a existência e a extensão do seu eventual crédito;

                               - A perícia referida era susceptível de originar uma conclusão no sentido de que, apesar do ilícito praticado pela Ré, a Requerente não teria sofrido danos por lucros cessantes (nem quaisquer custos emergentes), o que teria como consequência que nenhuma indemnização receberia por não terem sido sofridos quaisquer danos relevantes;

                               - A prova dos danos por lucros cessantes, implicava a prova do aproveitamento comercial por parte da ré da patente copiada, bem como a causalidade em perda de negócios e lucros por parte da autora.

                Ora, face a tais factos, não se poderá concluir de outra forma que não no sentido do acerto da anulação pela Requerente do proveito, em causa nos autos, anteriormente contabilizado em 2012.

                Assim, se, a esta data, seria razoável esperar o recebimento do montante estimado pela Requerente – que, note-se, se aproximou bastante daquela que, a final, veio efectivamente a receber – uma vez que, para além do mais, aquela ficou na posse de uma decisão judicial condenatória, transitada em julgado, reconhecendo o seu direito a uma indemnização, apesar de não quantificada, o mesmo juízo já não se poderá dizer que se mantivesse em 2015.

                Efectivamente, em 2012 não era previsível, tanto quanto se apura, que houvesse necessidade de instaurar processo para execução de sentença, nem, muito menos, que o desfecho do mesmo, no que à fixação do quantum indemnizatório, ficasse dependente do resultado de prova pericial, a qual podia resultar que não seria devida qualquer indemnização à Requerente, nem que, para que tal não acontecesse, esta tivesse de produzir prova do aproveitamento comercial por parte da ré da patente copiada, bem como da causalidade em perda de negócios e lucros.

                Toda esta factualidade conjugada, sustenta, adequadamente, o juízo de que, em 2015, a probabilidade de recebimento do montante contabilizado em 2012 pela Requerente, se desvaneceu substancialmente, deixando de ser elevada ou, sequer, razoável, para passar a ser, objectivamente, incerta.

                Ora, tendo-se alterado em 2015, de forma relevante, os pressupostos em que assentou a contabilização do proveito em 2012, nada haverá a censurar, à anulação de tal contabilização naquele referido ano de 2015, designadamente do no que diz respeito ao regime do art.º 18.º do CIRC aplicável.

                Desta forma e pelo exposto, atento o exposto erro nos pressupostos de facto e consequente erro de direito, deverão as liquidações de imposto e juros objecto da presente acção arbitral ser anuladas, procedendo, consequentemente, o pedido arbitral formulado pela Requerente.

 

*

                Com o pedido anulatório, cumula a Requerente, para além do mais, o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido da prestação tributária.

                Como se esclarece no acórdão do TCA-Sul de 16-10-2017, proferido no processo 1388/15.4BELRS :

“1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.

2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).

3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

4. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.).

5. Os pressupostos para a constituição do direito aos juros indemnizatórios são distintos consoante o seu enquadramento legal, o que resulta, aliás, da parte final do artº.100, da L.G.T., norma que contém implícita uma remissão para o disposto no artº.43, do mesmo diploma, bem como para o artº.61, do C.P.P.T.

6. Nos termos do artº.43, nº.1, da L.G.T., o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à A. Fiscal. Face a esta norma, em princípio, compete ao lesado fazer a prova, no âmbito desses meios de reacção, da culpa do autor da lesão, salvo presunção legal de culpa (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).

7. Já nos casos descritos nas várias alíneas do artº.43, nº.3, do mesmo diploma, o direito a estes juros parece exclusivamente dependente da verificação dos respectivos pressupostos de facto, ou seja, incumprimento do prazo legal de restituição oficiosa do tributo [al.a)], atraso no processamento da nota de crédito, em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da Fazenda Pública [al.b)], ou concretização da revisão do acto tributário mais de um ano após o pedido do contribuinte [al.c)]. Estamos perante situações em que se verifica o atraso da A. Fiscal na restituição de tributos.

8. Nos termos da lei os juros de mora são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória (artº.102, da L.G.T.), prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional.”.

                Conforme se explica no aresto indicado, o direito a juros indemnizatórios depende do reconhecimento, em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, de que houve erro imputável à AT.

                No caso, e como a Requerida aponta na sua Resposta, não é viável formular o juízo de censura necessário à conclusão de que, no caso, ocorreu erro imputável à AT.

                Com efeito, e como resulta dos factos provados, os actos tributários objecto da presente acção arbitral emergiram, em primeira linha, de declaração (de substituição) apresentada pelo próprio contribuinte.

                É certo que a referida declaração foi apresentada na sequência de procedimento inspectivo, em que a AT se propôs efectivar correcções, correspondentes às que foram feitas constar da declaração de substituição apresentada pela Requerente.

                Não obstante, essa decisão coube, exclusivamente, à própria Requerente, que não estava obrigada a aceitar as correcções projectadas pela AT, e que, ao assumi-las, assumiu, igualmente, as consequências, positivas e negativas, da opção que tomou.

                Por outro lado, é igualmente certo que a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo como objecto os actos tributários ora anulados, e que a AT manteve, naquela sede, os referidos actos na ordem jurídica.

                Todavia, menos certo não é que apenas em sede arbitral a Requerente arrolou prova testemunhal relativa aos factos que alegou, e foram aqui dados como provados, prova essa que, nos termos que melhor constam da fundamentação da matéria de facto dada como provada, era essencial para o conhecimento de tais factos, pelo que não se pode censurar o decidido pela AT em sede graciosa, tendo em conta que não lhe foram apresentados meios para poder conhecer aqueles mesmos factos.

                Deste modo, e pelo exposto, deverá improceder o pedido acessório de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

                Pelos mesmos motivos, deverão ficar a cargo da Requerente as custas do processo, na medida em que, face àqueles, se deverá concluir que foi aquela que deu causa à lide, ao apresentar a sua declaração de substituição e ao não instruir devidamente, a nível probatório, a petição de reclamação graciosa.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os actos de autoliquidação de IRC da Requerente referente ao ano de 2015, e de liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018... e 2018..., derivados da autoliquidação atrás referida, no valor total de € 115.389,05;

b)           Condenar a AT na restituição à Requerente do imposto indevidamente pago;

c)            Julgar improcedente o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

d)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 115.389,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que a mesma deu causa à lide, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Junho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

O Árbitro Vogal

(Amândio Silva)