Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 373/2020-T
Data da decisão: 2021-08-09  IVA  
Valor do pedido: € 1.010.650,01
Tema: IVA. Inversão do sujeito passivo – artigo 2.º, n.º 1, al. j) CIVA. Serviços de soldadura e montagem em plataforma fixa ao fundo do mar.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros designados para formarem o tribunal arbitral, Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, Emanuel Augusto Vidal Lima, indicado pela Requerente, e António de Barros Lima Guerreiro, designado pela Requerida, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A A..., LDA., doravante “Requerente”, titular do número de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 16 de julho de 2020, pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente. 

 

A Requerente peticiona a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos 2018 e 2019, perfazendo o valor global de € 1.010.650,01. Requer ainda a restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Juntou nove documentos, não tendo requerido prova testemunhal.

 

Como fundamento do seu pedido, a Requerente alega o vício de erro nos pressupostos por incorreta qualificação e quantificação das operações pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Considera a Requerente que as plataformas ancoradas no fundo do mar que compõem o parque eólico ao largo de ... revestem caráter de permanência e configuram bens imóveis. Assim, o enquadramento em IVA das operações realizadas em relação a essas plataformas, de soldadura e montagem, é o de serviços de construção civil executados sobre bens imóveis, sendo aplicável a regra de inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA. Acrescenta que a AT, aqui demandada, não demonstrou os pressupostos legais da sua atuação, em violação das regras do ónus da prova (artigo 74.º da LGT).

 

Em 20 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT em 28 de julho de 2020.

 

A Requerente designou como árbitro o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a Requerida indicou como árbitro o Dr. António de Barros Lima Guerreiro.

 

Na sequência dos requerimentos apresentados pelos árbitros designados pelas Partes para que o árbitro presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 2 de outubro de 2020, do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 2 de outubro de 2020, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

Em 3 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído.

 

                Em 5 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida para apresentar Resposta. A notificação foi enviada e registada no sistema de gestão processual em 6 de novembro de 2020. Em 14 de dezembro de 2020, a Requerida apresentou a Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”) e três documentos.

 

                Segundo a Requerida, as plataformas não estão fixas permanentemente ao fundo do mar, apenas ancoradas. O facto de estarem ligadas entre si por cabos submarinos, ou ligadas por cabo a uma subestação (em terra), não lhes confere a caraterística de imobilidade permanente, pois são equipamentos suscetíveis de serem movimentados, sem desmantelamento, para reparação ou mudança de local, através de rebocador básico, não configurando bens imóveis.

 

                Por outro lado, em relação aos serviços prestados pela Requerente, a Requerida invoca que estes se resumem à “montagem” de componentes que compuseram a peça produzida pela Requerente e respetiva soldadura da estrutura em aço, não implicando qualquer “montagem” ou “instalação” no local onde a plataforma vai operar. No que se refere ao local da prestação de serviços, salienta que os anexos às faturas indicam que os serviços foram executados em doca seca nos estaleiros da M... em ...

 

                A título subsidiário, a Requerida assinala que se, a plataforma semi-submersível, depois de instalada, fosse de considerar um imóvel, apenas constituiriam serviços de construção civil, os trabalhos executados para a montagem da estrutura que fossem efetuados em terra ou no local onde a plataforma vai operar, o que não se verificou, pois a Requerente não teve qualquer intervenção nessa fase. Conclui pela improcedência do pedido arbitral, com as legais consequências.

 

                O Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, ao que as Partes não se opuseram. Por despacho de 25 de janeiro de 2021, foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas, e fixado o prazo de prolação da decisão arbitral até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

                A Requerente apresentou alegações finais em 8 de fevereiro de 2021, nas quais mantém a sua posição e suscita a extemporaneidade da Resposta da Requerida, solicitando a consequente desconsideração e desentranhamento.

 

                A Requerida optou por não alegar.

 

                Foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por despacho de 30 de abril de 2021, em virtude da interposição de períodos de férias judiciais, da complexidade das questões suscitadas e da situação pandémica (Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).            

 

                II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da data limite de pagamento, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (no caso, alínea a)).

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

                III.          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

                Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.           A A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade comercial por quotas, que desenvolve a atividade de mecânica geral em tubagens e soldadura, a realização de obras de construção civil e de engenharia civil, a construção de estradas e vias férreas, a realização de obras de engenharia hidráulica e de obras especializadas de construção, a construção de instalações especiais, atividades de acabamentos e a construção de coberturas, comércio, importação, exportação e representações de uma variedade de produtos, nomeadamente de tubagens, máquinas, aparelhos e outros acessórios para a indústria metalomecânica e afins. – Cf. certidão permanente junta pela Requerente como Documento 9 e Relatório de Inspeção Tributária aos anos 2018 e 2019 (“RIT”) junto como Documento 5 e constante do PA.

B.            A Requerente iniciou a sua atividade em 19 de junho de 1995 e está enquadrada no CAE 25620 – “Atividades de mecânica geral” com o regime normal de IVA de periodicidade mensal – cf. RIT.

C.            No exercício da sua atividade, a Requerente celebrou em 7 de setembro de 2018 um contrato de prestação de serviços, em regime de subempreitada, com a sociedade B..., S.A., com sede em  ... (esta última contratada pela C...), “para montagem de virolas para Outers em O... e P...”. Este contrato refere-se aos serviços de soldadura e montagem necessários à construção de duas plataformas triangulares flutuantes a serem ancoradas no mar, ficando semi-submersas, nas quais viriam a ser implantadas a torre e os aerogeradores integrantes de parque eólico ao largo de ... caraterizado no contrato – cf. RIT e cópia do contrato no Anexo 1 do RIT.

D.           O objeto do referido contrato de prestação de serviços está descrito no respetivo Anexo 1, nos seguintes termos:

“Faz parte desta proposta a execução de peças, de acordo com os desenhos recebidos, peças constituídas por virolas de 12.000mm de diâmetro, larguras compreendidas entre 2.597mm e 2.900mm e espessura de 20mm, outras peças constituídas por 4 virolas de 11.540mm de diâmetro, larguras compreendidas entre 2.500mm e 2.997mm e espessura de 20mm. Para cada peça está prevista a execução de soldaduras horizontais e arco submerso, de união de virolas e posterior montagem e soldadura dos respetivos reforços internos. […]

Considera-se ainda que as virolas serão fornecidas com secção circular bem definida e sem deformações, soldadas verticalmente e entregues no nosso local de trabalho sobre atrelado/reboque.” – cf. cópia do contrato no Anexo 1 do RIT.

E.            Em 20 de março de 2019, foi celebrado um novo contrato de prestação de serviços entre ambas as partes – a Requerente e a B..., S.A. –, visando a soldadura e montagem de componentes das plataformas O... [O...] e P...[P...], com três âmbitos: Scope Piping, Scope O... e Scope P...– cf. cópia do contrato (em particular Schedule A) no Anexo 3  do RIT.

F.            Em relação ao “Scope Piping”, este segundo contrato envolve o “[…] fornecimento e instalação do Piping e acessórios, suportes, válvulas e Special itens, de acordo com a lista de quantidades em anexo. O prefabrico e montagem da tubagem, acessórios e válvulas associados a este projeto e quantificados nos documentos disponibilizados no processo de consulta. Os suportes da tubagem montados pela A..., estando por definir se os upper beams vêm com pintura de ...;  caso venham, serão os respetivos suportes internos montados na C... na fase de montagem dos upper beams.

A A... garante o fomecimento do piping e acessórios, válvulas de processo e Special Itens de acordo com o mapa de quantidades em anexo. – cf. cópia do contrato (em particular Schedule A) no Anexo 3  do RIT.

G.           Em relação ao “Scope O...” o segundo contrato abrange serviços de “[…] prefabrico e montagens de acordo com a seguinte Memória Descritiva e Mapas de Quantidades em anexo:

2.1 TRUSSES - (BRACES)

2.1.1 LOWER BEAMS:

Cada um dos lower beams […] 2 200 será fornecido pela C... em três sectores, duas ponteiras para a ligação ao Inner/outer das colunas, e um sector central onde ligam os V. braces, o conjunto formado pelas ponteiras e o troço central será fornecido pela C... com todos os stiffeners internos montados e soldados.

2.1.2 V BRACES:

Cada um dos V Brace […] 1 500 será fornecido pela C... em três troços, uma das extremidades «ponteira superior» liga ao Inner/outer das colunas, um segundo sector a inserir entre a ponteira superior e o sector inferior que liga ao lower beam, este último sector é formado por duas virolas (As duas virolas inferiores serão fornecidas pela C... soldadas entre si, com boca de lobo e chanfro efetuados), com este conjunto solto a A... efetuará a montagem e soldadura do stiffener interno, seguidamente efetuará a montagem e soldadura do conjunto ao Lower Beam. Note-se que para possibilitar a soldadura do stiffener intemo ao lower beam, será necessária a abertura de duas janelas em lados opostos da virola inferior. Todos os Gucés externos e stiffeners internos serão fabricados pela C..., montados e soldados pela A... .

2.1.3 UPPER BEAMS:

Cada um dos upper beams […] 1 800 será fornecido pela C... em três troços, as duas extremidades que ligam ao Inner e outer das colunas, e a parte central, o fornecimento da C... inclui walkway’s instalados e suportagem do Piping (os upper beams terão a proteção anticorrosiva aplicada na M... nesse caso os suportes do Piping são a instalar pela A...), montado no interior do brace.  O Piping assim como o piso em gradil e os varandins serão a instalar pela A... .

A A...  considerou a montagem da estrutura de suporte/acesso ao J tube, devido à sua dimensão e por conseguinte às dificuldades de transporte/movimentação dos uper beams , dever ser fabricada  pela C... .

Todos os troços dos trusses são transportados e posicionados pela C..., assegurando a A... a sua montagem e soldadura. Inclui-se nestas atividades da C... o estudo, fabrico e montagem de lifting points e lifting plans (se aplicável) a A... procederá ao desmantelamento dos lifting points, após a realização das operações de montagem.

2.2 APPURTENACES

A C... fabrica, a A... monta e solda plataformas exteriores, boat landing, Lay Down área, plataformas internas das colunas 1, inclui-se a montagem das escadas verticais […]

A C... fabrica e instala as plataformas internas em perfil, nos inner’s das colunas 1 […] a A... efetuará a montagem do grating e dos varandins. De notar que os aneis [...] onde encostam e soldam as vigas, serão a montar/soldar nos stiffeners pela C... .

As plataformas intemas em perfil a instalar nos inners das colunas 2&3 serão montados pela C..., a A... apenas fará a montagem do gradil e dos varandins onde aplicável.

C... instala os walkways's nos upper beams, A... procede à montagem dos varandins e gradil.

J-Tube a C... fabrica o J-Tube completo […] incluindo todos os suportes e restantes componentes associados ao J-Tube, a plataforma superior a instalar no Upperbeam, será fabricada pela C..., devido à dimensão será montada pela A..., assim como o gradil, escadas de acesso e varandins, as guias […] serão fabricadas pela C... e montadas/soldadas pela A... .

A A... efetua a montagem de (Rings anchor bolts, excepto nas flat's dos inners das colunas 2&3 montadas pela C... e nas vigas dos pisos da coluna 1 fabricadas pela C...), das bases dos equipamentos «já faladas anteriormente» a instalar sobre os flat's […], defletor sheave, vertical capstan, panama chock, defection post,  protective pipe e cleat.

A A... efetua a restante montagem e soldadura em falta nas várias zonas do G... dos ânodos de sacrifício segundo os tipos de ânodo especificados, estes serão a fornecer pela C..., incluindo segundo os tipos, as chapas de topo do tubo de suporte do ânodo, montadas e soldadas. […].

2.3. EQUIPAMENTOS

A A... considera na sua proposta da montagem dos seguintes equipamentos Eletromecânicos […]” – cf. cópia do contrato (em particular Schedule A) no Anexo 3  do RIT.

H.           Em relação ao “Scope P...” o segundo contrato respeita à prestação de serviços de “[…] prefabrico e montagens de acordo com a seguinte Memória Descritiva e Mapas de Quantidades em anexo:

2.1 COLUNA 1 – INNER SHAFT O 6.500MM

O Inner da coluna 1 será fornecido pela C... em três sectores […]

1) Conjunto de virolas […] vem pronto da C... incluindo todos os stiffeners internos. […]

10) Considerado que todos os troços do Inner shaft são transportados e verticalizados pela C..., assegurando a A... a sua montagem e soldadura. Inclui-se nestas atividades da C... o estudo, fabrico e montagem de lifting points e lifting plans, (se aplicável). A A...  procederá ao desmantelamento dos lifting points, após a realização das operações de montagem.

2.2 COLUNA 1 – OUTER O 12.000MM

O Outer da coluna 1 será fornecido pela C... em três sectores […]

18) Será a cargo da C... os cálculos, execução e montagem dos lifitings points nos vários troços, (se aplicável) a A... procederá ao seu desmantelamento após a realização das tarefas de montagem. […]

19) Considerado que todas as operações de transporte elevação/verticalização dos troços do outer da coluna 1 são a cargo da C..., o posicionamento final/montagem será efetuado pela A... .

2.3. COLUNAS 2&3 – INNER SHAFT O 4.500MM

Os Inner’s das coluna 2&3 serão fornecidos pela C... em dois sectores […]

3) Conjunto de virolas […] vem pronto «completo» da C... […]

9) Considerado que todos os troços do Inner shaft são transportados e verticalizados pela C..., assegurando a A... a sua montagem e soldadura. Inclui-se nestas atividades da C... o estudo, fabrico e montagem de lifting points e lifting plans, (se aplicável) a A... procederá ao desmantelamento dos lifting points, após a realização das operações de montagem.

2.4. COLUNAS 2&3 OUTER O 11.500MM

O Outer da coluna 2&3 será fornecido pela C... em três sectores […]

18) Considerado que todos os troços do outer shaft são transportados e verticalizados pela C..., assegurando a A... a sua montagem e soldadura. Inclui-se nestas atividades da C... o estudo, fabrico e montagem de lifting points e lifting plans, (se aplicável). A A... procederá ao desmantelamento dos lifting points, após a realização das operações de montagem.

2.5. WEP’s

Considera-se, para todas as WEP's, que tudo abaixo das respetivas chapas está terminado, montagem e soldadura.

As chapas da base das Wep's são prefabricadas pela C... (cortes e chanfros).

As bases serão formadas sobre planos a fornecer/instalar pela C... no espaço reservado para a montagem das wep's, situado na área oficinal coberta equipada com meios de elevação, cedida pela C... . […]

2.6. TRUSSES – (BRACES)

2.6.1 LOWER BEAMS

Cada um dos lower beams  […] será fornecido pela C... em três setores, duas ponteiras para ligação ao Inner/outer das colunas, e um sector central onde ligam os V-braces, o conjunto formado pelas ponteiras e o troço central será fornecido pela C... com todos os stiffeners internos montados e soldados.

2.6.2 V BRACES:

Cada um dos V-Brace […] será fornecido pela C... em três troços, uma das extremidades «ponteira superior» liga ao Inner/outer das colunas, um segundo setor a inserir entre a ponteira superior e o setor inferior que liga ao lower beam, este último sector é formado por duas virolas (As duas virolas inferiores serão fornecidas pela C... soldadas entre si, com boca de lobo e chanfro efetuados), com este conjunto solto a A... efetuará a montagem e soldadura do stifenner interno, seguidamente efetuará a montagem e soldadura do conjunto ao Lower Beam. Note-se que para possibilitar a soldadura do stiffener interno ao lower beam, será necessária a abertura de duas janelas em lados opostos da virola inferior. Todos os Gucés externos e stiffeners internos serão fabricados pela C..., montados e soldados pela A... .

2.6.3 UPPER BEAMS

Cada um dos upper beams […] será fornecido pela C... em três troços, as duas extremidades que ligam ao Inner e outer das colunas, e a parte central, o fornecimento da C... inclui walkway's instalados e suportagem do Piping (os upper beams terão a proteção anticorrosiva aplicada na M... nesse casos os suportes do Piping são a instalar pela A...), montado no interior do brace. O Piping assim como o piso em gradil e os varandins serão a instalar pela A... . […]

A A... procederá ao desmantelamento dos lifting points, após a realização das operações de montagem.

2.7. APPURTENACES

A C... fabrica, a A... monta e solda plataformas exteriores, boat landing, Lay Down área, plataformas internas das coluna 1, inclui-se montagem das escadas verticais  […].

A C... fabrica e instala as plataformas internas em perfil, nos inner's das colunas 1 (...) a A... efetuará a montagem dos grating e dos varandins. De notar que os aneis (...) onde encostam e soldam as vigas, serão a montar/soldar nos stiffeners pela C... .

As plataformas internas em perfil a instalar nos inners das colunas 283 serão montados pela C..., a A...  apenas fará a montagem do gradil e dos varandins onde aplicável.

C... instala os walkways's nos upper beams, A... procede à montagem dos varandins e gradil.

J-Tube a C...  fabrica o J-Tube completo (.. incluindo todos os suportes e restantes componentes associados ao J-Tube, a plataforma superior a instalar no Upper beam, será fabricada pela C..., devido à dimensão será montada pela A..., assim como o gradil, escadas de acesso e varandins, as guias (...) serão fabricadas pela C... e montadas/soldadas pela A... .

A A... efetua a montagem de (Rings anchor bolts, excepto nas flat's dos inners das colunas 2&3 montadas pela C... e nas vigas dos pisos da coluna 1 fabricadas pela C...), das bases dos equipamentos «já faladas anteriormente» a instalar sobre os flat's  […], defletor sheave, vertical capstan, panama chock, defection post, protective pipe e cleat.

A A... efetua a restante montagem e soldadura em falta nas várias zonas do G... dos ânodos de sacrifício segundo os tipos de ânodo especificados, estes serão a fornecer pela C..., incluindo segundo o tipo, as chapas de topo do tubo de suporte do ânodo, montadas e soldadas. […]

2.8. PIPING

A A... nesta proposta não engloba fornecimentos nem montagem dos trabalhos do Piping.

2.9. EQUIPAMENTOS

A A... considera na sua proposta da montagem dos seguintes equipamentos Eletromecânicos  […] – cf. cópia do contrato (em particular Schedule A) no Anexo 3 do RIT.

I.             Os serviços de soldadura e montagem realizados pela Requerente à sociedade B..., S.A., no âmbito dos dois contratos de prestação de serviços acima descritos, incidiram, assim, sobre elementos componentes de estruturas metálicas, das mencionadas plataformas semi-submersíveis (O... e P...), e foram efetuados em estaleiro, localizado em ...– cf. RIT e cópia dos contratos, das faturas emitidas e dos documentos (autos de medição) juntos às faturas – Anexos 1 a 3 do RIT.

J.             As referidas estruturas metálicas das plataformas semi-submersíveis, constituem uma componente do parque eólico ao largo de ... que abrange ainda a torre e a turbina/aerogerador eólico. A intervenção da Requerente e, bem assim, a do seu cliente B..., S.A., ficou limitada aos serviços de soldadura e montagem integrantes da construção das plataformas. A construção, montagem e instalação da torre e colunas eólicas foram confiados a uma terceira entidade – cf. RIT e PA.

K.            A Requerente não teve intervenção no ulterior transporte das plataformas flutuantes para o local onde foram instaladas, nem, após o transporte, na sua instalação e ancoragem na zona do parque eólico, ao largo de ...– cf. RIT e cópia dos contratos, das faturas emitidas e dos documentos (autos de medição) juntos às faturas – Anexos 1 a 3 do RIT, e PA.

L.            Após a conclusão da prestação de serviços de  soldadura e montagem realizada pela Requerente à B..., S.A,  plataforma foi ancorada por outra entidade ao fundo do mar e as estruturas metálicas ligadas entre si, para captação de energia eólica – cf. RIT e cópia dos contratos, das faturas emitidas e dos documentos (autos de medição) juntos às faturas – Anexos 1 a 3 do RIT, e PA.

M.          As plataformas estão ligadas ao leito marítimo, por meio de correntes ou cabos de catenária conectados a uma âncora, por sua vez, enterrada no leito marítimo, sendo suscetíveis  de serem desconectadas e deslocadas, sem prévio desmantelamento, por meio de rebocador – cf. RIT e PA.

N.           A Requerente emitiu as faturas relativas aos serviços por si prestados à sociedade B..., S.A., entre 25 de setembro de 2018 e 29 de novembro de 2019, no valor total de € 4.381.522,79, com a menção “Motivo de Isenção – IVA autoliquidação”, não tendo liquidado qualquer IVA, por considerar que os serviços em causa estavam abrangidos pelo regime de autoliquidação previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA para os serviços de construção civil – cf. cópias das faturas constantes do Anexo 2 do RIT e listagem do Anexo 6 do RIT.

O.           As faturas emitidas pela Requerente à sua cliente indicam “Local de Carga: N/Instalações” [da Requerente] e “Local de Descarga: V/Instalações” [da B...] – cf. RIT e cópia dos contratos, das faturas emitidas e dos documentos (autos de medição) juntos às faturas – Anexos 1 a 3 do RIT.

P.            A Requerente foi objeto de um procedimento interno de inspeção tributária, de âmbito parcial, IVA, relativo aos anos 2018 e 2019, sob a Ordem de Serviço N.º 012019.../..., com o objetivo de comprovação e verificação do cumprimento das respetivas obrigações tributárias, na sequência da ação inspetiva efetuada à sociedade B..., S.A., entidade sua cliente – cf. RIT.

Q.           No âmbito deste procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada através do Ofício n.º..., datado de 11 de fevereiro de 2020, do projeto de relatório de inspeção com a proposta de correção de IVA no valor de € 237.568,87 e de € 770.181,39, referente a imposto não liquidado por errónea aplicação do regime de inversão do sujeito passivo, previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, em relação aos anos 2018 e 2019, respetivamente – cf. Documento 3 junto pela Requerente e RIT.

R.            Em 27 de fevereiro de 2020, a Requerente exerceu o direito de audição, no qual defendeu o enquadramento dos serviços prestados como serviços de construção civil enquadráveis no regime de inversão do sujeito passivo – cf. Documento 4 junto pela Requerente.

S.            A AT manteve as correções projetadas e emitiu o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que, como fundamento das mesmas, refere o seguinte, com relevância para a decisão – cf. RIT:

“III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. EM SEDE DE IVA

III.1.1.   Falta de Liquidação de imposto – aplicação indevida do «reverse-charge» previsto para os serviços de construção civil

No decorrer da análise do pedido de reembolso de IVA solicitado pela B... a que fizemos referência acima, verificámos que a A... constava como fornecedor daquela nos anos 2018 e 2019, pela prestação de serviços de soldadura e outros conexos em plataformas que estão a ser fabricadas pela B... no âmbito de um projeto designado G... .

A A... faturou aquelas prestações de serviços à B..., considerando-as tratarem-se de «serviços de construção civil», não liquidando IVA, aplicando a regra de inversão do sujeito passivo prevista na al.j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA. No entanto, a aplicação deste «reverse-charge» julgamos não ter aplicação no caso em concreto, conforme melhor veremos se seguida.

No entanto, vejamos em detalhe a abrangência do referido projeto e o objeto dos serviços prestados pela A... no seu âmbito.

III.1.1.1. Âmbito do projeto G... e da obra subcontratada pela C... à B...

O projeto G..., detido pela empresa H... (consórcio liderado pela F..., e que integra ainda a I..., J... e K...), cuja previsão de entrada em funcionamento apontava para o verão de 2019, mas que sofreu atrasos, tem como finalidade o aproveitamento da energia eólica offshore, através de uma tecnologia inovadora da empresa K... . Trata-se de uma tecnologia constituída por três plataformas flutuantes semi-submersíveis e triangulares, onde assenta uma turbina eólica com 8.4 MW (megawatts) de capacidade de produção de emergia. Esta tecnologia inovadora permite a exploração do potencial eólico no mar, em profundidades superiores a 40 metros. A sua implementação foi precedida de uma fase de testes realizados durante cinco anos com um protótipo pioneiro de produção de energia eólica assente numa plataforma em pleno mar na ..., junto à ... .

Após a fase de testes que, segundo o promotor, provaram a fiabilidade da solução tecnológica, a C... (C...) […] foi a empresa escolhida pela H... para fabricar e fornecer duas das três plataformas completas para o novo parque eólico offshore a criar ao largo de ..., no âmbito do projeto G... . Em 8 de Março de 2018 a C... celebrou com a F..., SGPS, S.A. o contrato de fornecimento das duas plataformas flutuantes designadas «O... » (O...I) e «P... » (P...).

Parque eólico flutuante offshore

O mar português vai receber a primeira central éolica flutuante do mundo, com inauguração prevista para finais de 2019. Terá capacidade para produzir eletricidade para 60 mil pessoas

 

 

 

 

 

A B..., designada internamente por D..., e que também integra o Grupo E..., foi criada em setembro/2016 para a execução deste projeto. Em 27 de Abril de 2018 a C... celebrou com a B... contrato para subcontratação a esta dos serviços de fabrico de alguns componentes, montagem, Load-Out e Towing das Plataformas (transferência de estrutura construída em estaleiro para uma embarcação de transporte e reboque da estrutura até um local adequado à sua colocação em flutuação).

O fornecimento subcontratado à B... refere-se apenas à execução das plataformas semi-submersíveis, não inclui a torre e turbina eólica que se encontra fora deste contrato e serão fornecidas por outra entidade – L... .

As várias fases do projeto podem ser resumidas no esquema seguinte:

 

 

 

III.1.1.2. Âmbito da prestação de serviços subcontratada à A...

A B... subcontratou a A... para a execução de parte daqueles serviços referidos no ponto anterior, pelo que em 7 de setembro de 2018 a B... celebrou com a A... «Contrato de prestação de serviços para montagem de virolas para Outers em O... e P...» (anexo 1).

A primeira proposta adjudicada através daquele contrato refere-se à execução de «peças» com 3 ou 4 «virolas» para «Outers».

Para uma melhor perceção dos termos técnicos utilizados, diga-se que o «Outer» trata-se neste caso de uma coluna exterior em aço, composta por várias «peças» (secções) em aço soldadas, cada uma dessas peças/secções composta por 3 ou 4 «virolas», ou seja, 3 ou 4 sub-seções em aço também soldadas.

As imagens que se seguem dão uma ideia exemplificativa dos componentes da estrutura:

 

 

Virola    Secção com 3 Virolas (soldadas)

 

Outers (Torre/coluna exterior composta por vários Secções)

 

Conforme consta do «Anexo 1 – Prestação Contratada» do contrato celebrado em 7-9-2018 entre a B... e a A...:

«Fazem parte desta proposta a execução de peças, de acordo com os desenhos recebidos, peças constituídas por 3 virolas de 12.000mm de diâmetro, larguras compreendidas entre 2.597mm e 2.900mm e espessura de 20mm, outras peças constituídas de 4 virolas de 11.540mm de diâmetro, larguras compreendidas entre 2.500mm e 2.997mm e espessura de 20mm. Para cada peça está prevista a execução de soldaduras horizontais, a arco submerso, de união de virolas e posterior montagem e soldadura dos respetivos reforços internos.»

[…]

No âmbito deste contrato foram prestados serviços de montagem de apenas 6 peças para 3 «Outers» (2 peças para «Outers» da plataforma O... (O...) e 4 peças para «Outers» da plataforma P... (P...), cuja obra foi designada pela A... por PRT282-08/18, e que ocorreu entre setembro/2018 e dezembro/2018 […]

Posteriormente, em 20 de março de 2019 foi celebrado novo contrato de prestação de serviços («Supply Agreement») entre a A... e a B..., cuja cópia consta em anexo 3, para a montagem de componentes das plataformas O... e P..., conforme «Schedule A» do referido contrato […]

1)            SCOPE PIPING

[…]

Em suma, este este contrato contempla o fornecimento e montagem do «Piping» e acessórios para as duas plataformas, ou seja, o sistema de tubagens para transporte de fluidos de um local da plataforma para outro local da plataforma.

2)            SCOPE O...

[…]

Resumindo, este contrato contempla ainda a montagem e soldadura (não o fabrico) de vigas inferiores em aço ("Lower Beams"), vigas superiores em aço ("Upper Beams") e vigas em aço em 'V" ("V-Braces"), que fazem a ligação entre as 3 colunas e suportam e dão rigidez e estabilidade à estrutura. Inclui ainda a montagem de outros componentes da coluna 1 da O... .

[…]

Para uma melhor perceção dos termos aplicados, a título exemplificativo, junta-se imagem onde se encontram identificados os componentes referidos anteriormente no âmbito dos serviços prestados:

 

 

 

 

 

 

 

      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                OUTER – coluna cilíndrica exterior

                INNER – coluna cilíndrica interior (eixo), montada no interior do OUTER

[…]

3)            SCOPE P...

[…]

No âmbito deste contrato foram prestados serviços de montagem e soldadura de 16 peças/setores para a plataforma P...[…]

Contempla ainda a montagem e soldadura (não o fabrico) de vigas inferiores em aço («Lower Beams»), vigas superiores em aço («Upper Beams») e vigas em aço em «V» («V-Braces»), que , em termos gerais, fazem a ligação entre as 3 colunas da P... e suportam e dão rigidez e estabilidade à estrutura. Inclui ainda a montagem de outros componentes da P... .

[…]

Este conjunto de obras, designada pela A... por PRT285-10/18, ocorreu entre dezembro/2018 e dezembro/2019 […]

III.1.1.3. Enquadramento fiscal em sede de IVA – serviços prestados pela A...

Conforme se depreende dos quadros dos pontos anteriores, a A... não procedeu à liquidação de IVA em qualquer das faturas emitidas à B... relacionadas com as referidas prestações de serviços (o contrato fala ao acréscimo de IVA ao valor da contraprestação, mas se aplicável).

Consta em todas as faturas emitidas pela A... à B... no âmbito das obras PRT28208/18 e PRT285-10/18 a indicação «Motivo de Isenção: (IVA — autoliquidação».

Considerou a A... que todas as prestações de serviços efetuadas no âmbito daqueles projetos se integrariam no conceito de «serviços de construção civil», pelo que as operações enquadrar-se-iam no regime de inversão do sujeito passivo em sede de IVA, previsto na al.j) do n.º 1 do art.º 2.º do Código do IVA (CIVA), competindo ao adquirente desses serviços — a B... — o papel de sujeito passivo de imposto e a consequente liquidação do imposto («reverse charge»). Por esse motivo não procedeu a A... à liquidação de IVA nas faturas emitidas, fazendo nelas a menção «IVA — autoliquidação», conforme consta no n.º 13 do art.º 36.º do CIVA.

Dos elementos a que tivemos acesso e solicitados no âmbito da análise do pedido de reembolso efetuado pela B..., e da documentação entregue por esta no seguimento dos pedidos a essa entidade ao abrigo do princípio de colaboração previsto nos artigos 59.º e 63.º da LGT e artigos 9.º, 28.º, 43.º e 48.º do RCPITA, concluímos que as prestações de serviços efetuadas pela A... à B... no âmbito do projeto G... (O... e P...) não são, de todo, passíveis de ser consideradas «serviços de construção civil».

[…]

Em suma, o enquadramento dado pela A... às operações tem por base a sua interpretação do entendimento dado pela AT através do Ofício-Circulado n.º 30101 de 2007-05-24 da Direção de Serviços do IVA (DSIVA) relativo à aplicação do regime de IVA previsto na al.j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA aos serviços de construção civil.

[…] considera que os serviços de soldadura (componente principal/base do serviço prestado à B...) integram o conceito de serviços de construção civil independentemente do tipo de bem intervencionado ou executado, e independentemente do local onde se pratiquem as operacões. Considera ainda que o projeto «G... » constitui uma obra de çonstrução civil num imóvel — instalação elétrica e/ou instalação de produção de energia - pelo que todos os serviços por si realizados são considerados serviços de construção civil para efeitos de aplicação daquele regime de inversão do SP em sede de IVA.

Sustenta esse entendimento no ponto 1.3. e 1.4 do referido ofício-circulado da DSIVA.

Analisemos então o conteúdo desse esclarecimento:

«(...) 1.3. Noção de serviços de construção civil

A norma em causa é abrangente, no sentido de nela serem incluídos todos os serviços de construção civil, independentemente de os mesmos fazerem ou não parte do conceito de empreitadas ou subempreitadas a que se referem os artigos 1207º e 1213º do Código Civil.

A referência, no articulado, a serviços em «regime de empreitada ou subempreitada» é meramente indicativa e não restritiva.

Consideram-se serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização.

Por outro lado, deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.

Tal conceito, colhido no Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, não condiciona, no entanto, a aplicação do disposto na alínea j) do nº 1 do artigo 2º do Código do IVA apenas às situações em que, nos termos do referido normativo, seja necessário possuir ALVARÁ ou TÍTULO DE REGISTO a que o mesmo se refere ou a quaisquer outras condições nele exigidas (…).»

O esclarecimento introduzido por este Ofício-Circulado n.º 30101 de 2007-05-24 da Direção de Serviços do IVA (DSIVA) vem definir, claramente, o âmbito de aplicação deste regime de inversão a todos os trabalhos aí elencados, efetuados numa obra, desde que, de algum modo. envolva processo construtivo num imóvel.

Acrescenta ainda o ponto 1.5.3. que se excluem da regra de inversão os bens que. inequivocamente. tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não esteiam ligados materialmente a bem imóvel com carácter de permanência.

Ou seja, para efeitos de aplicação deste regime, o conceito de obra correlaciona-se intrinsecamente com a existência de trabalhos executados num bem imóvel.

Este regime de inversão do sujeito passivo, a que alude a alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro, surge no seguimento de autorização legislativa concedida através do n.º 3 do artigo 45.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o OE 2006, e cujo intuito era introduzir algumas alterações da forma de liquidação do imposto nas operações relacionadas com bens imóveis:

«(…) 3 - Fica o Governo autorizado a consagrar normas especiais que obstem à concretização de negócios que, no essencial, visem impedir, minorar ou retardar a tributação em IVA, no âmbito de transmissões, locações ou cedências doutra natureza de bens imóveis ou partes autónomas destes, com o seguinte sentido e alcance:

b) Definir, nas operações realizadas entre sujeitos passivos, como devedor de imposto o destinatário de prestações de serviços conexas com a construção de edifícios, bem como o adquirente, locatário ou cessionário no caso das operações sobre imóveis sujeitas a tributação, ainda que por opção; (…)» - sublinhados e realçados nossos.

O Decreto-Lei n.º 21/2007 de 29 de janeiro, que procedeu à introdução na legislação do IVA de um conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vinham verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação, seguindo, nesta matéria, a experiência anteriormente adquirida e as melhores práticas adotadas em outros Estados membros da União Europeia.

É claro no texto do DL quando refere que:

(...) no domínio de algumas prestações de serviços relativas a bens imóveis nomeadamente nos t de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, o presente decreto-lei vem adoptar, de igual modo, uma outra faculdade conferida pela Diretiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho. Assim, por via da inversão do sujeito passivo, passa a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido, o qual poderá ser também objecto de dedução nos termos gerais. Com esta medida, visam acautelar-se algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado. (…)» - sublinhado e realçado nosso.

Já a Diretiva 2006/69/CE do Conselho, de 24 de Julho de 2006, que altera a Diretiva 77/388/CEE no que se refere a certas medidas destinadas a simplificar o procedimento de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a lutar contra a fraude ou evasão fiscais e que revoga certas decisões que concedem derrogações, cujas autorizações foram transpostas para a Lei Portuguesa através do DL acima mencionado também é clara no seu ponto 7) do âmbito da aplicabilidade da alteração:

«(…) 7) Ao n.º 2 do artigo 21.º, na versão constante do artigo 28.º-G, é aditada a seguinte alínea:

«c)Quando sejam efectuadas as operações adiante enumeradas, os Estados-Membros podem estabelecer que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário dessas operações:

i)             prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens por força do disposto no n.º 5 do artigo 5.º,(...)» - sublinhado e realçado nosso.

Também são várias as informações vinculativas da Direção de Serviços do IVA (DSIVA) relacionadas com pedidos de esclarecimento levadas a cabo por outros sujeitos passivos relativas a enquadramento de algumas operações na regra de inversão do sujeito passivo. Em todas elas referem a exclusão da regra da inversão do sujeito passivo, referida na alínea j) do 1 do artigo 2.º do CIVA, quando:

-              os bens, de forma inequívoca, sejam considerados bens móveis (ou amovíveis, em sentido lato), isto é, que não estejam ligados materialmente a bem imóvel, com caráter de permanência;

-              a instalação/montagem de equipamentos, caso estes não fiquem materialmente ligados ao imóvel com carácter de permanência.

A título de exemplo podemos referir as seguintes informações vinculativas: I.V.n.º L121 2008413 de 2009-02-04, I.V. n.º 12593, I.V. n.º 13714 de 2018-06-15, I.V. n.º 14372 de 2019-03-29, I.V. n.º 14027 de 2018-08-03, I.V. n.º 14449 de 2018-11-15.

Em suma, esta alteração da figura de sujeito passivo nos casos dos serviços de construção civil só se poderá aplicar se estivermos em presença de trabalhos executados sobre o bem imóvel.

Não colherá, por esse motivo, e com os fundamentos que a seguir se enumerarão, o entendimento da A... de considerar que os trabalhos executados se referem a serviços de construção civil que constam no anexo III do ofício-circulado n.º 30101 de 2007-05-24, ou seja, na Portaria n.º 19/2004 de 10/01, por nesta constarem incluídas as «Instalações elétricas e mecânicas» e «Instalações elétricas de média e alta tensão e instalações de produção até 50 MW», já que não se tratam de trabalhos efetuados em bens imóveis.

A A... não teve dúvidas relativamente ao enquadramento a dar às operações, não tendo solicitado qualquer pedido de informação vinculativa à DSIVA, enquadrando os trabalhos realizados como serviços de construção civil num imóvel ao qual se aplicaria a regra de inversão do SP.

No entanto, o objeto do contrato celebrado entre a B... e o seu cliente. bem como os serviços subcontratados pela B... à A... não se referem a qualquer bem imóvel, mas sim trabalhos efetuados num equipamento metálico, um bem móvel que será vendido isoladamente.

Nos termos do artigo 204.º do Código Civil são «Coisas imóveis»

«(...) 1. São coisas imóveis:

a)            Os prédios rústicos e urbanos;

b)           As águas;

c)            As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;

d)           Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;

e)           As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.

2.            Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.

3.            É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência. (…)»

É evidente que o equipamento (plataforma semi-submersível) objeto dos trabalhos de soldadura executados pela A... - um dos componentes da totalidade da plataforma para exploração de energia eólica - de todo pode ser considerada um prédio urbano ou qualquer outra classificação constante nas al.b) a e) do art.º 204.º do Código Civil, nem mesmo parte móvel com carácter de permanência, integrante de um imóvel (n.º 3 do citado artigo).

Conforme referimos, a C... celebrou em março/2018 com a F... um contrato para o fornecimento de 2 plataformas flutuantes semi-submersíveis, bem como os componentes e equipamentos que integram as mesmas, que serão utilizados no contexto do projeto G... desenvolvido pela sociedade H... .

A C... subcontratou (contrato celebrado em 2018-04-27) à B... os serviços de fabrico de alguns componentes, montagem dos mesmos, Load-Out, Towing e Mooring das plataformas flutuantes semi-submersíveis (transferência de estrutura construída em estaleiro para doca seca, transporte e reboque por mar da estrutura até um local de instalação das turbinas - Porto de ..., e sua amarração ao cais).

Salientamos que o que o contrato celebrado entre B... e C... resume-se ao fornecimento das plataformas semi-submersíveis, que é apenas parte da globalidade da plataforma, conforme evidenciado nas imagens:

 

Fotos retiradas da internet relativas ao protótipo WF1, com as mesmas características dos projetos O... e P...

 

A B... subcontratou a A... para a execução de serviços de soldadura dos componentes das plataformas flutuantes semi-submersíveis (serviço principal a que estão associadas outras prestações de serviço e fornecimentos conexas e indispensáveis à realização do serviço principal).

As plataformas foram (ou ainda estarão a ser) construídas e montados os seus componentes em terra nas instalações situadas na M... em ... . Quando estiverem construídas, essas plataformas serão rebocadas para ... (Espanha) e as plataformas serão ancoradas no cais de ... (Espanha), onde serão instaladas as respetivas torres e turbina eólica.

Ou seja, o objeto dos trabalhos subcontratados à B... resume-se à fabricação de equipamentos/estruturas metálicas flutuantes, os quais, depois de concluídos são entregues por esta ao cliente final de forma isolada no cais de ..., e sem qualquer instalação/montagem no local onde vão operar.

Posteriormente, e já fora do âmbito do contrato celebrado entre B..., C... e H..., serão instaladas as turbinas eólicas nas plataformas fornecidas e, quando terminada a montagem, a estrutura flutuante irá ser rebocada até ao seu destino final, a 20 quilómetros da costa de ... .

No local onde irão operar – parque eólica ao largo de...– as estruturas flutuantes serão  apenas. ancoradas ao fundo do oceano, permitindo, assim, em caso de necessidade, o seu transporte/reboque para outro local, ou inclusivamente o seu retorno a terra para manutenção/reparação.

Os trabalhos efetuados pela A... resumiram-se, grosso modo (a par de outros serviços conexos), a serviços de soldadura em 2 estruturas metálicas flutuantes, que a B... vai fornecer à H..., isoladamente, sem montagem no local onde vão operar, e que, de todo, não faz qualquer sentido serem consideradas de 'bens imóveis', porque não são mais de que um dos componentes da globalidade da plataforma semi-submersível, detendo essas estruturas fornecidas pela B... todas as características para serem qualificadas de 'bens móveis'.

Ou seja, a A... prestou um serviço de soldadura de um bem móvel (plataforma) que é um equipamento metálico que a B... irá fornecer/vender ao seu cliente C..., sem montagem.

Face às características do projeto, e segundo o nosso entendimento, nem mesmo a estrutura completa (plataforma semi-submersível + torre e turbina eólica), dadas as suas características de mobilidade e falta de ligação materialmente a bem imóvel, com caráter de permanência, poder-se-á considerar um bem imóvel para efeitos de enquadramento em sede de IVA das prestações de serviços necessárias para a sua construção.

Inclusivamente, a B... em 2018 e 2019 faturou ao seu cliente C... valores parcelares referentes aos trabalhos efetuados de fabricação das plataformas O... e P..., considerando tratar-se de venda de equipamentos móveis, liquidando nas faturas emitidas IVA à taxa normal.

Também, como é do conhecimento da A..., até 2019-01-15 a B... tinha também subcontratada outra empresa – N..., S.A. (N...). – para a execução de trabalhos de soldadura e montagem das plataformas, exatamente trabalhos com as mesmas caraterísticas dos serviços prestados pela A..., tendo a N..., e bem, sempre liquidado IVA à taxa normal nas faturas emitidas à B... relativas a esse contrato.

Concluindo:

[…]

No presente caso, e com os fundamentos que relatámos anteriormente, os serviços prestados pela A... à B... não são considerados uma prestação de «serviços de construção civil» executada num bem imóvel, considerando em suma que, cumulativamente:

-              tratar-se principalmente de serviços de soldadura e outros conexos com o serviço principal;

-              executados numa estrutura metálica que constitui um equipamento móvel (plataforma);

-              que esse equipamento móvel será vendido pela B... de uma forma isolada ao cliente, ou seja, considerada uma mera venda de um bem móvel;

-              que não haverá qualquer montagem do bem no local onde vai operar;

-              que o componente bem móvel vendido pela B... não foi montado no local onde vai operar, não possui ligação a qualquer imóvel com carácter de permanência, sendo apenas parte do equipamento total (plataforma semi-submersível, torre e turbina eólica) que irá operar ao largo da costa.

Assim, embora o adquirente dos serviços —B... - seja sujeito passivo de IVA, em território nacional e, aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA, não estamos em presença de aquisição de serviços de construção civil, pelo que, não se encontram reunidas as condições cumulativas para a aplicação do regime de inversão do sujeito passivo previsto na al.j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA.

Deste modo, a A... ao aplicar indevidamente este regime de inversão nas prestações de serviços efetuadas à B... infringiu o preceituado na al.a) do n.º 1 do art.º 1.º do CIVA, ao não liquidar IVA nas faturas emitidas a esta entidade, uma vez a A... é considerado o sujeito passivo do imposto nestas operações, nos termos da al.a) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA.

O IVA não liquidado, tem por base o valor tributável previsto no n.º 1 do art.º 16.º do CIVA, ou seja, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente que consta na fatura, ao qual, atendendo ao tipo de serviço prestado em causa, se aplica a taxa normal de IVA de 23%, constante na al.c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.

A listagem completa das faturas emitidas pela A... à B... em 2018 e 2019, que totalizaram € 4.381.522,79 (€ 1.032.908, 10 em 2018 e € 3.348.614,69 em 2019), em que se verifica a falta de liquidação de IVA consta no anexo 6.

[…]

O montante total de IVA por liquidar em 2018 e 2019 é, respetivamente, € 237.568,87 e € 770.181,39, o que perfaz um valor total de €1.007.750,26.

[…]

IX. ANÁLISE DO DIREITO DE AUDIÇÃO EXERCIDO E CONCLUSÕES

[…]

A entrada em vigor em 2015 do novo regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção - Lei n.º 41/2015 de 3 de junho - que define o objeto da sua aplicação ao exercício de atividade de construção (art.º 1.º), introduz no seu art.º 3.º novas definições do que se entende por «atividade de construção» e «obra»:

«(…)

b) «Atividade da construção» a atividade que tem por objeto a realização de obras, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização;(...)

k) «Obra» a atividade e o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis; (…)»

Como se pode observar, a referência a «qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo» foi inclusivamente retirada da definição de obra pela nova lei, sendo certo que, até então, só podia ter sentido interpretá-la como sendo trabalhos relacionados com a atividade de construção, agora claramente definida, e não quaisquer outros trabalhos com mera componente construtiva.

Não obstante, o conceito de obra definido no ofício-circulado n.º 30101 de 2007-05-24, para efeitos de aplicação da regra de inversão, por ter sido colhido no Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09-01, engloba «todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis», e também, complementando o leque de abrangência «qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo» que não pode ser visto de forma isolada como o SP quer fazer crer, desassociando, para estes trabalhos, a necessidade de existência de obra e/ou processo construtivo sempre relacionado com trabalhos num imóvel.

Portanto, não basta a mera existência de serviços que envolvam processo construtivo para que, desde logo, se possa aplicar a regra de inversão do SP a que alude a al.j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA. Impõe-se, para além de outras condicionantes, que esses trabalhos envolvam intervenção num bem imóvel, o que, pelos motivos amplamente expostos no projeto de relatório, não acontece no caso presente.

[…]

A questão em apreço não se cinge a avaliar se uma plataforma semi-submersível para captação de energia eólica em alto mar é ou não é um imóvel para efeitos tributários. O que se torna indispensável é primeiramente identificar claramente quais os serviços que foram efetuados pela A..., a sua abrangência e, muito importante, onde foram efetuados, e se estes porventura podem ser considerados serviços de construção civil.

E aí, claramente, podemos dizer que não! A A... prestou apenas serviços de soldadura e trabalhos conexos de montagem/construção em estaleiro/terra (estaleiro na M... em ...) de uma estrutura/equipamento isolado móvel (plataforma) que, já fora do âmbito dos seus trabalhos foi transportado para outro local, uma vez que é, tão só, uma das partes do equipamento completo (plataforma com turbina eólica), a ser instalado por outrem no local (no mar) onde vai operar.

Torna-se assim claro que os serviços efetuados se cingiram a trabalhos de soldadura de uma estrutura móvel, executados em local diferente daquele em que a plataforma completa vai operar, pelo que não faz qualquer sentido se considerar qualquer conexão com processo construtivo num imóvel, entenda-se serviços de construção civil.

Os serviços prestados pela A...  à B... não se enquadram no conceito de prestação de «serviços de construção civil» executada num bem imóvel, considerando em suma que, cumulativamente:

-              tratar-se principalmente de serviços de soldadura e outros conexos com o serviço principal;

-              são serviços executados numa estrutura metálica que constitui um equipamento móvel (plataforma);

-              esse equipamento móvel será vendido pela B... de uma forma isolada ao seu cliente, ou seja, considerada uma mera venda de um bem móvel;

-              não haverá qualquer montagem do bem no local onde vai operar, quer por parte da B..., quer por parte da A...;

-              o componente/bem móvel vendido pela B... não foi montado no local onde vai operar, não possui ligação a qualquer imóvel com carácter de permanência, sendo apenas parte do equipamento total (plataforma semi-submersível, torre e turbina eólica) que irá operar ao largo da costa.

[…]

os trabalhos de soldadura foram efetuados noutro local e antes da instalação da plataforma no local onde vai operar, configurando apenas um trabalho isolado de montagem de um dos componentes da plataforma completa.

[…]

Conforme facilmente se depreenderá pelo título do Anexo II — «Lista exemplificativa de serviços aos quais não se aplica a regra de inversão», não se trata de uma lista exaustiva de todos os serviços não enquadráveis nesta regra. Trata-se sim de exemplos de serviços e atividades que, embora relacionados com serviços de construção civil, não envolvem processo construtivo e que estão afastados desta regra. Conforme já referimos, os serviços prestados pela A... não envolveram processo construtivo num imóvel, porque cingiram-se à montagem de um equipamento amovível num outro local distinto do local onde o equipamento total - plataforma eólica - vai operar, pelo que, desde logo se afasta a possibilidade de enquadramento dos trabalhos efetuados como respeitando a serviços de construção civil.

Com os mesmos fundamentos, a ideia que os serviços efetuados se referem à montagem de instalação elétrica de média ou alta tensão, também não pode colher.

[…]

-              a prestação de serviços de soldadura ocorreu em elementos constituintes da plataforma e foi efetuada em terra (estaleiros na M... em ...), ou seja, os trabalhos não foram efetuados no local onde a plataforma eólica vai operar;

-              a fixação ao solo marinho da plataforma não é definitiva, sendo apenas a sua estabilização efetuada através de ancoragem ao fundo do mar;

-              a ancoragem da plataforma ao fundo do mar não tem carácter de permanência, podendo ser transitória a sua localização caso haja alterações significativas das condições ambientais e de rentabilidade do equipamento, sendo, ainda, suscetível de ser transferida para outro local, nomeadamente perante a necessidade de grande reparação pode ser com relativa facilidade rebocada para terra.

A comprovar o atrás referido, salienta-se que o projeto G... foi precedido por uma fase de testes com um protótipo WF1 entre 2011 e 2016, com as mesmas características dos projetos O... e P..., e que findo o teste foi rebocado para terra (...) para manutenção («Retrofit») e posteriormente rebocado para outro local para novos testes, pelo que a ideia de permanência definitiva neste tipo de estruturas não poderá colher.

Face ao exposto, não tendo o SP trazido novos elementos que pudessem fazer rever a nossa convicção sobre o mérito do enquadramento dado ao caso em apreço, mantemos na íntegra todas as correções propostas no projeto de relatório oportunamente notificado ao sujeito passivo.”

T.            Subsequentemente, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios aqui impugnadas, relativas aos anos 2018 e 2019, perfazendo o valor total a pagar, de € 1.010.650,01 (incluindo juros compensatórios), com data limite de pagamento fixada em 3 de junho de 2020, conforme quadro resumo infra – cf. documento 1 junto pela Requerente:

N.º LIQUIDAÇÃO             PERÍODO             DATA ACERTO CONTAS VALOR A PAGAR (€)

2020 ... 2018 09                16-04-2020         1.187,84

2020 ... 2018 10                16-04-2020         40.676,88

2020 ... 2018 11                16-04-2020         46.269,79

2020 ... 2018 12                16-04-2020         149.434,36

SUBTOTAL IVA                                  237.568,87

2020 ... Juros     16-04-2020          2.145,82

TOTAL 2018                                        239.714,69

2020...  2019 01                16-04-2020         107.561,27

2020...  2019 02                16-04-2020         166.317,06

2020...  2019 03                16-04-2020         127.563,01

2020...  2019 04                16-04-2020         70.888,79

2020...  2019 05                16-04-2020         80.333,13

2020...  2019 06                16-04-2020         42.201,77

2020...  2019 07                16-04-2020         53.283,99

2020...  2019 08                16-04-2020         33.469,02

2020...  2019 09                16-04-2020         36.234,20

2020...  2019 10                16-04-2020         46.141,91

2020...  2019 11                16-04-2020         6.187,24

SUBTOTAL IVA                                  770.181,39

2020...  Juros                     432,82

2020...  Juros                     321,11

TOTAL 2019                                        770.935,32

U.           Em 26 de maio de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento integral dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios acima identificados – cf. documento 7 junto pela Requerente.

V.           Em 16 de julho de 2020, por não se conformar com as referidas liquidações de IVA e juros compensatórios, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

W.          A Requerente foi notificada para apresentar Resposta no prazo de 30 dias, através do sistema (eletrónico) de gestão processual do CAAD, tendo essa notificação sido enviada e registada no sistema com data de 6 de novembro de 2020 – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

                2.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não ficou provado que a soldadura e montagem prestada pela Requerente foi realizada no local onde as plataformas foram instaladas (artigos 51.º a 54.º do ppa), tendo-se demonstrado o oposto, i.e., que os trabalhos, incluindo a montagem de componentes, foram realizados no estaleiro em ... e que a Requerente não procedeu a qualquer instalação e fixação das plataforma/estruturas metálica no mar, em ..., nem sequer as transportou até lá.

 

3.            MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, decorrendo dos dois contratos de prestação de serviços celebrados e das faturas emitidas pela Requerente que a intervenção desta se cingiu à realização de trabalhos de soldadura e montagem das plataformas que foram entregues ao seu cliente [B..., S.A., ] que as transportou, sem que a Requerente efetuasse ulteriormente qualquer instalação, intervenção ou serviço no parque eólico marítimo situado ao largo da costa de ..., onde as ditas plataformas acabaram por ser ancoradas em conjunto com os demais componentes do parque eólico.

               

 

                IV.          DO DIREITO

 

                1.            A TÍTULO PRELIMINAR: TEMPESTIVIDADE DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

                Preconiza a Requerente que a Resposta da Requerida é extemporânea, por ter sido apresentada em 14 de dezembro de 2020, quando esta tinha sido notificada para o efeito em 6 de novembro de 2020, considerando que o prazo de 30 dias havia expirado em 9 de dezembro de 2020.

 

                No entanto, afigura-se não ser assim.

 

                 De acordo com o preceituado no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida dispunha do prazo de 30 dias para apresentar Resposta. Prazo este que se conta nos termos do Código de Processo Civil (“CPC”), por remissão expressa do artigo 3.º-A, n.º 2 do RJAT .

 

                O compêndio processual civil determina que as notificações aos mandatários sejam efetuadas por via eletrónica, nos termos definidos na Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual  e que o sistema informático (no caso o sistema de gestão processual do CAAD) certifique “a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.” – v. artigo 248.º, n.º 1 do CPC.

 

                Assim, com a dilação de três dias consagrada na lei em benefício do notificado [v. o citado artigo 248.º do CPC] e considerado o registo do envio da notificação eletrónica no dia 6 de novembro de 2020, o prazo de apresentação da resposta terminou no dia 9 de dezembro de 2020, como assinala a Requerente.

 

                Porém, dada a remissão em bloco efetuada pelo artigo 3.º-A do RJAT para o processo civil, em relação à contagem dos prazos para a prática de atos no processo arbitral, interessa atender ao disposto no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, que estabelece que, “[i]ndependentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”, com a especificidade de que no processo arbitral, por ausência de norma que expressamente a preveja, a validade da prática do ato processual não deve ficar dependente do pagamento de uma multa.

                Considerando esta adição de três dias úteis, a data limite para a Resposta fixa-se em 12 de dezembro de 2020 que, sendo um sábado, e atento o disposto no artigo 138.º, n.º 2 do CPC, se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, a segunda-feira dia 14 de dezembro, data em que o ato foi praticado.

 

                Uma vez que a Resposta da Requerida foi apresentada no último dia do prazo, conclui-se que a mesma é tempestiva, bem como a junção dos documentos que a acompanham, incluindo o PA. Por esta razão, indefere-se o desentranhamento do articulado solicitado pela Requerente.

 

                2.            QUESTÃO DECIDENDA

 

                Está em discussão nos presentes autos aferir o vício de violação de lei alegado pela Requerente em relação à não aceitação, por parte da Requerida, da qualificação das prestações de serviços realizadas como serviços de construção civil, para efeitos do respetivo enquadramento no regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA.

 

                3.            REGIME DE IVA DOS SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL – QUADRO LEGAL

               

                NO DIREITO INTERNO

 

O regime de inversão do sujeito passivo aplicável às prestações de serviços de construção civil consta do artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, que, sob a epígrafe “Incidência Subjetiva”, dispõe o seguinte:

 

“1 – São sujeitos passivos do imposto:

[…]

j) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”

 

Estamos perante um regime especial que escapa ao princípio geral do pagamento fracionado do IVA, característico do método subtrativo indireto a que obedece a matriz do imposto, e à própria regra de repercussão (refletida no artigo 37.º do Código do IVA). Este regime foi introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, no quadro da adoção de medidas destinadas a “combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação, seguindo, nesta matéria, a experiência anteriormente adquirida e as melhores práticas adoptadas em outros Estados membros da União Europeia”, como refere de forma expressa o preâmbulo do diploma. (sublinhado nosso)

 

Como motivação desta disciplina de exceção o referido preâmbulo acrescenta o seguinte: “[f]ora do âmbito das operações previstas nos n.ºs 30 e 31 do artigo 9.º do Código do IVA [atualmente n.ºs 29 e 30], mas ainda no domínio de algumas prestações de serviços relativas a bens imóveis, nomeadamente nos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, o presente decreto-lei vem adoptar, de igual modo, uma outra faculdade conferida pela Directiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho. Assim, por via da inversão do sujeito passivo, passa a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido […].” (sublinhado nosso)

 

                A orientação administrativa contida no Ofício-Circulado n.º 30101, de 24 de maio de 2007, relativa ao regime de inversão do sujeito passivo, previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, contém uma noção de serviços de construção civil e enquadra como tais todos os serviços que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando o conjunto de atos necessários à sua concretização, independentemente de fazerem parte do empreitadas ou subempreitadas.

 

                Por outro lado, define obra como o “trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada” (v. ponto 1.3 do Ofício-Circulado n.º 30101), clarificando que o conceito em causa é “colhido no Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro”, embora não condicione a aplicação do regime de inversão apenas às situações em que, de acordo com este diploma, seja necessário alvará ou título de registo ou outras condições aí exigidas.

 

                De notar que o regime jurídico da atividade de construção civil, que constava do mencionado Decreto-Lei n.º 12/2004, e da Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro , referidos no Ofício foram, entretanto, revogados e substituídos pela Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (v. artigo 54.º), que já se encontrava em vigor à data dos factos, pelo que deve ser esta última (v. artigo 11.º, n.º 2 da LGT) a conformar o conceito de serviços de construção civil, atentas as regras gerais de sucessão das leis no tempo  (v. artigo 12.º da LGT e artigos 7.º e 12.º do Código Civil). 

 

                O recorte dos conceitos de construção civil e obra ficaram, contudo, praticamente inalterados definindo-se a “atividade de construção” como aquela que “tem por objeto a realização de obras, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização” (v. artigo 3.º, alínea b) da Lei n.º 41/2015) e “obra” como “a atividade e o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis” (v. alínea k) do mesmo artigo). A principal diferença reside no facto de a nova lei, aplicável aos factos em presença, ter eliminado da noção de “obra” a “limpeza” e “qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo”, num pendor mais restritivo do que o da redação do Decreto-Lei n.º 12/2004.

 

                Acresce referir que, quer na disciplina do Decreto-Lei n.º 12/2004 e da Portaria n.º 19/2004, quer na da atual Lei n.º 41/2015, as instalações elétricas (e mecânicas) são abrangidas pelas obras e trabalhos qualificáveis como construção civil e que, a título exemplificativo, constam do Anexo I ao Ofício-Circulado n.º 30101 que contém a lista dos serviços aos quais se aplica a regra de inversão .

               

                O ponto 1.4 do Ofício-Circulado n.º 30101 preconiza o entendimento de que a faturação de serviços ao prestador de serviços de construção que isoladamente não releve do conceito de serviços de construção, como o “aluguer e ou colocação de andaimes, [o] aluguer de gruas e de outros bens, [os] serviços de limpeza, sinalização, fiscalização, remoção de entulhos, serviços de projetistas ou de arquitetura” ou meros fornecimentos de materiais ou de outros bens, “não é abrangida pelas normas de inversão”. Acresce que a “mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu) não releva para efeitos da regra de inversão. […] A entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão, desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria 19/2004, de 10 de Janeiro” (v. ponto 1.5 do Ofício-Circulado n.º 30101).

 

                Extrai-se desta interpretação administrativa que os serviços associados a um trabalho de construção, que o sejam indiretamente e de forma isolada/autónoma, não são compreendidos por este regime especial, nem a transmissão de bens sem instalação e montagem na obra.

 

                Convém neste ponto notar que os entendimentos administrativos não podem inovar em matéria de incidência fiscal (v. princípio da legalidade fiscal consagrado nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição) e apenas vinculam a AT, pelo seu caráter de ato regulamentar interno, não vinculando os tribunais, que têm de aferir da legalidade da atuação administrativa em função das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto, porquanto a ilegalidade do ato impugnado não pode resultar de uma orientação genérica, mas unicamente da (violação da) lei.

 

NO DIREITO EUROPEU

 

Resulta da leitura do Decreto-Lei n.º 21/2007, bem como da proposição normativa constante do Código do IVA [artigo 2.º, n.º 1, alínea j)] sob exame que os serviços de construção civil a que o legislador nacional faz referência são aqueles conexos com operações imobiliárias, em concreto com prestações de serviços relativas a bens imóveis, alinhamento que, como de infra analisado, segue o direito europeu, desde logo, a Diretiva IVA (Diretiva do Conselho, 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), que institui o sistema harmonizado do IVA e constitui a fonte habilitante do seu regime interno de acordo com o artigo 113.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), e o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva IVA, na sua versão atual .

 

A figura da inversão do sujeito passivo nas operações domésticas reveste a natureza de regime de exceção ao sistema comum do IVA e apenas foi admitida pelo direito europeu com a Diretiva 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de julho de 2006, que alterou a então vigente Sexta Diretiva , tendo em vista a luta contra a fraude ou evasão fiscais e o facto de alguns Estados-Membros estarem a aplicar esse regime [de inversão] ao abrigo de medidas derrogatórias casuísticas aprovadas nos termos do artigo 27.º da Sexta Diretiva (atual artigo 395.º da Diretiva IVA), pretendendo-se revogar essas derrogações, concedidas caso a caso, substituindo-as por uma faculdade generalizada de adoção dessas medidas com condições e pressupostos pré-definidos e idênticos para todos os Estados-Membros.

 

Neste âmbito, o Considerando (6) da Diretiva 2006/69/CE assinala que “[e]m determinados casos específicos, os Estados-Membros deverão poder designar o destinatário das operações como sendo o responsável pelo pagamento e contabilização do imposto sobre o valor acrescentado. Esta medida permitir-lhes-á simplificar as regras e lutar contra a fraude e evasão fiscais verificadas em determinados sectores ou em certos tipos de operações”, sendo um desses casos a “prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”  (sublinhado nosso).

 

A matéria está hoje regulada em moldes similares pelo artigo 199.º da Diretiva IVA, que se transcreve na parte relevante:

“1. Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

a) Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.º 3 do artigo 14.º ;”.

 

                A aplicação da inversão do sujeito passivo é circunscrita, no que releva à situação em análise, a serviços de construção respeitantes a bens imóveis como se constata da leitura da legislação portuguesa e europeia citada e do contexto legislativo expresso nos respetivos preâmbulos e considerandos.

 

                Porém, a dado passo, a inexistência de uma definição de bem imóvel para efeitos de IVA no contexto europeu, com implicações nesta e em múltiplas outras questões, nomeadamente em relação a isenções e à localização das operações, suscitou a intervenção legislativa que, após alguma jurisprudência do Tribunal de Justiça a que adiante se fará referência, se materializou na alteração do acima referido Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013, do Conselho, de 7 de outubro de 2013, que aditou dois artigos – o artigo 13.º-B e o artigo 31.º-A – com o recorte dos conceitos de “bens imóveis” e de “prestações de serviços relacionadas com bens imóveis” para efeitos de IVA.

 

                A positivação destas noções visou “assegurar o tratamento uniforme das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis”, para o que, segundo o Considerando 12) do citado Regulamento n.º 1042/2013, se tornou “necessário definir o conceito de bens imóveis” com a especificação da “proximidade necessária para que exista uma relação com um bem imóvel”, através da enumeração exemplificativa de operações caracterizadas como “serviços relacionados com bens imóveis”.

               

                De acordo com o disposto artigo 13.º-B do Regulamento de Execução:

 

“Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se «bens imóveis»:

a) Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;

b) Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;

c) Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não estão completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;

d) Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção.”

 

                No contexto da aplicação das regras de localização (incidência espacial) das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis, o artigo 31.º-A do Regulamento de Execução determina ainda que:

 

1. Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47.º da Diretiva 2006/112/CE incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:

a) Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;

b) Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.

2. O n.º 1 abrange, em especial, o seguinte:

a) A elaboração de plantas de um edifício ou de partes de um edifício destinadas a um determinado terreno, independentemente de o edifício estar ou não construído;

b) A prestação de serviços de fiscalização no local ou de serviços de segurança;

c) A construção de um edifício num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas num edifício ou em partes de um edifício;

d) A construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;

e) Os trabalhos efetuados em terrenos, incluindo serviços agrícolas tais como a mobilização dos solos, a sementeira, a rega e a fertilização;

f) O estudo e avaliação do risco e da integridade dos bens imóveis;

g) A avaliação dos bens imóveis, incluindo quando tal serviço for necessário para efeitos de seguros, para determinar o valor de um bem utilizado como garantia de um empréstimo ou para avaliar os riscos e danos no âmbito de litígios;

h) A locação ou o arrendamento de bens imóveis, com exceção dos abrangidos pela alínea c) do n.º 3, incluindo a armazenagem de bens numa parte específica do bem afeta ao uso exclusivo do destinatário;

i) A prestação de serviços de alojamento no setor hoteleiro ou em setores com funções similares, como os campos de férias ou os terrenos destinados a campismo, incluindo o direito a permanecer num lugar específico resultante da conversão de direitos de utilização periódica e direitos afins;

j) A atribuição e a transmissão de direitos, com exceção dos abrangidos pelas alíneas h) e i), para a utilização da totalidade ou de partes de um bem imóvel, incluindo a licença para utilizar parte de um bem, como a concessão de direitos de pesca e de caça ou o acesso a salas de espera nos aeroportos, ou ainda a utilização de uma infraestrutura pela qual são cobradas portagens, por exemplo, pontes e túneis;

k) A manutenção, renovação e reparação de um edifício ou de partes de um edifício, incluindo trabalhos como limpeza, revestimento de pavimentos e paredes com ladrilhos, aplicação de papel em paredes e assentamento de soalhos;

l) A manutenção, renovação e reparação de estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;

m) A instalação ou montagem de máquinas ou equipamentos que, após a instalação ou montagem, possam ser considerados bens imóveis;

n) A manutenção e reparação, inspeção e fiscalização de máquinas ou equipamentos no caso de estes poderem ser considerados bens imóveis;

o) A gestão de bens imóveis, com exceção da gestão de carteiras de investimentos imobiliários abrangida pelo n.º 3, alínea g), que consista na exploração de bens imobiliários de natureza comercial, industrial ou residencial pelo proprietário dos bens ou em seu nome;

p) A intermediação na venda ou na locação ou arrendamento de bens imóveis e na constituição ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), com exceção da intermediação abrangida pelo n.º 3, alínea d);

q) Os serviços jurídicos relacionados com a transferência de um título de propriedade imobiliária, o estabelecimento ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), como atividades notariais, ou a elaboração de contratos de compra e venda de bens imóveis, ainda que a operação subjacente que resulta na alteração jurídica da propriedade não se venha a verificar.

[…]”

 

                Do cotejo dos artigos 31.º-A do Regulamento de Execução e 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA ressalta que a delimitação de prestações de serviços relacionadas com bens imóveis enumeradas no artigo 31.º-A do Regulamento tem uma latitude consideravelmente superior à dos “serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis”, previstos no artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA, cuja interpretação está aqui em causa. No primeiro caso, são abrangidos múltiplos serviços, de natureza variável, como os referentes a projetos, hotelaria, intermediação e serviços jurídicos que não têm qualquer relação, a não ser de mera causalidade indireta, com serviços de construção. Ainda assim, no que ao presente caso releva, interessa reter que é sempre exigida uma conexão próxima com um bem classificado como imóvel.

 

Importa, de igual modo, considerar a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça sobre a noção de bens imóveis na aceção do IVA, embora seja anterior às definições introduzidas pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 no artigo 13.º-B , pois está na base dessa alteração legislativa e mantêm-se atuais os seus pressupostos.

 

Começa por destacar-se, neste âmbito, o processo de reenvio prejudicial C-315/00, de 16 de janeiro de 2003, Rudolf Maierhofer, a propósito da locação de edifícios pré-fabricados, de um ou dois andares, passíveis de serem desmontados e reconstruídos. O Tribunal de Justiça declarou que a interpretação do conceito não pode depender “daquela que é feita pelo direito civil de um Estado-Membro” (ponto 26) e que a qualificação de um bem como móvel implica a fácil deslocação, como sucede no caso de caravanas, tendas e habitações ligeiras de lazer . Ao invés, entende serem de qualificar como bens imóveis os edifícios pré-fabricados assentes em suportes de betão, por: (i) por configurarem construções implantadas no solo, sem prejuízo de poderem ser reutilizadas noutro local, e por (ii) não poderem ser facilmente desmontáveis e deslocáveis . Contudo, entende não ser necessário que as construções estejam implantadas no solo de forma indissociável .

 

Subsequentemente, no processo C-428/02, Fonden Marselisborg, com acórdão de 3 de março de 2005, sobre a qualificação de lugares para embarcações em terra e na água, o Tribunal de Justiça qualifica-os como bens imóveis, no primeiro caso porque o solo utilizado para a recolha das embarcações é um bem imóvel e no segundo caso, quanto aos lugares na água, porque o facto de o terreno da doca estar total ou parcialmente submerso não se opõe à sua qualificação como bem imóvel. Aduz que a operação de locação dos lugares para embarcações “não incide sobre uma quantidade de água qualquer, mas sobre uma porção determinada da referida doca. Esta superfície coberta de água está delimitada de forma permanente e não pode ser deslocada”, de onde deriva que um lugar numa doca obedece à definição de bem imóvel .

 

Por fim, compulsa-se o acórdão, de 7 de setembro de 2006, proferido no processo C-166/05, Rudi Heger, sobre a cessão de licenças de pesca, que analisa um aspeto fundamental que se prende com o vínculo que une os serviços aos bens imóveis, para que estes possam ser considerados “serviços relativos a bens imóveis”, de que se transcreve um excerto ilustrativo:

 

 “20 No que respeita ao conceito de «bem imóvel», há que referir que uma das características essenciais de um bem deste tipo é que o mesmo está ligado a uma porção determinada da superfície terrestre. A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que um terreno delimitado de forma permanente, mesmo submerso, pode ser qualificado de bem imóvel […].

21 Direitos de pesca como os adquiridos e revendidos pela Heger permitem exercer tal direito em certos sectores bem determinados do curso de água em causa. Estes direitos, que não dizem respeito às quantidades de água que correm no rio e se renovam sem cessar, mas a determinadas zonas geográficas em que os referidos direitos podem ser exercidos, estão assim ligados a uma superfície coberta de água delimitada de forma permanente.

22 Por conseguinte, os sectores do rio sobre os quais incidem as referidas licenças de pesca devem ser considerados «bens imóveis» na acepção do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva.

23 Nestas condições, há que verificar ainda se o vínculo que une o serviço em questão a estes bens imóveis é suficiente. Com efeito, seria contrário à economia do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva [correspondente ao atual artigo 47.º da Diretiva IVA] incluir no âmbito de aplicação desta regra especial qualquer prestação de serviços que apresente uma conexão, mesmo muito ténue, com um bem imóvel, dado que um grande número de serviços está ligado, de uma forma ou de outra, a um bem imóvel.

24 Assim, apenas as prestações de serviços que apresentem uma relação suficientemente directa com um bem imóvel são abrangidas pelo artigo 9.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Directiva. Tal relação caracteriza, aliás, todas as prestações de serviços enumeradas nesta disposição.

25 Os direitos de pesca que constituem o cerne do litígio no processo principal só podem ser exercidos em conexão com o rio em causa e nos sectores deste rio mencionados nas licenças. Por conseguinte, o próprio curso de água é um elemento constitutivo das licenças de pesca e, portanto, da cessão dos direitos de pesca. Na medida em que uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal consiste na cessão do próprio direito de uso do bem que é o rio, este imóvel constitui um elemento central e indispensável da referida prestação. Além disso, o local em que se situa o imóvel corresponde ao local de efectivação final do serviço.”

 

                4. ANÁLISE CONCRETA

 

Resulta do quadro jurídico-tributário exposto que a inversão do sujeito passivo configura um regime de caráter excecional, justificado pelo objetivo de prevenção da evasão fiscal no setor da construção civil, e deve, por essa razão [a sua natureza de exceção], ser interpretado com amplitude limitada, dado que constitui uma derrogação ao mecanismo geral de funcionamento do IVA, caracterizado por pagamentos fracionados com repercussão ao longo da cadeira produtiva.

 

De acordo com a matéria de facto fixada nos autos, a Requerente foi subcontratada pela sociedade B..., S.A. para realizar um trabalho específico de soldadura e montagem em plataformas metálicas de grandes dimensões. Findo esse trabalho, realizado num estaleiro em..., as plataformas foram entregues ao cliente.

 

A intervenção da Requerente cingiu-se à realização dos mencionados trabalhos, constando expressamente do primeiro contrato que as virolas eram a entregar “no nosso local de trabalho [da Requerente, no estaleiro em ...] sobre atrelado/reboque”. Isto apesar de as faturas conterem a informação – que se reputa errónea – de “Local de Descarga: V/Instalações”. De qualquer forma, mesmo que as plataformas fossem entregues nas instalações do cliente da Requerente, em ..., é inequívoco que estamos perante um equipamento móvel, ainda que de grandes dimensões, objeto de transporte e deslocação por atrelado/reboque.

                 

                Ficou ainda demonstrado que a intervenção da Requerente terminou nesse momento da entrega das plataformas depois de nelas ter realizado os serviços de soldadura e montagem contratados, pelo que aquela não teve qualquer intervenção no ulterior transporte das plataformas flutuantes para o local onde acabariam mais tarde por ser instaladas, nem nos serviços de instalação e ancoragem realizados sobre as mesmas.

 

                Deste modo, a prestação de serviços realizada pela Requerente foi de soldadura e montagem de equipamentos móveis – plataformas – que não estavam fixados a nenhuma parte do solo, sendo amovíveis e transportáveis.

 

                Assim, independentemente de os trabalhos em si poderem ser qualificados de natureza construtiva, os mesmos incidiram sobre bens móveis, não podendo, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j), interpretado em conformidade com o artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA, e do artigo 13.º-B do Regulamento de Execução n.º 282/2011, integrar a previsão do regime de inversão do sujeito passivo. Com efeito, quer o artigo 2.º do Código português, quer o artigo 199.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva apenas contemplam na sua hipótese normativa a inversão do sujeito passivo para serviços de construção respeitantes a bens imóveis, solução que se coaduna com o seu espírito e teleologia, pois, como se viu supra, este regime especial visa acautelar situações de fraude e evasão nas operações imobiliárias e nos serviços de construção respeitantes a bens imóveis, referidos de forma expressa e exclusiva no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, no Considerando (6) da Diretiva que introduziu este regime, 2006/49/CE e no próprio texto legal.

 

                As plataformas em causa, por muito grandes que fossem, eram transportáveis, e foram-no, com um atrelado/reboque, pelo que não são qualificáveis como um bem imóvel, atento o recorte do conceito estabelecido no artigo 13.º-B do Regulamento de Execução n.º 282/2011, porquanto não são:

a)            Uma parcela delimitada do solo passível de ser objeto de um direito real;

b)           Um edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar;

c)            Um elemento que tivesse sido instalado pela Requerente ou por sua conta e que fizesse parte integrante de um edifício ou de uma construção;

d)           Um elemento permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não pudesse ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou construção.

 

Sobre a construção de um conceito de “bem imóvel” por apelo à noção civilista recortada no artigo 204.º do Código Civil, ou ao conceito de prédio definido no Código do IMI, esta apenas seria metodologicamente fundada se o sistema do IVA fosse lacunar nessa definição, ou esta fosse de tal modo vaga ou indeterminada que necessitasse de maior densificação. Tal circunstância, porém, não se verifica, pois como acabou de se referir o artigo 13.º-A do Regulamento contém uma definição própria, que é obrigatória em todos os seus elementos e diretamente aplicável (sem necessidade de transposição, contrariamente ao que sucede com as Diretivas), como resulta do disposto no artigo 288.º do TFUE.

 

Por outro lado, mesmo que a omissão se verificasse, relembra-se a jurisprudência do caso C-315/00, Rudolf Maierhofer, a propósito da locação de edifícios pré-fabricados, que firmou o entendimento de que a interpretação do conceito não pode depender “daquela que é feita pelo direito civil de um Estado-Membro”. Assim, a interpretação uniforme deveria, se existisse vazio regulador, procurar-se na teleologia do IVA, tendo em vista a sua aplicação transversal a todos os Estados-Membros que fazem parte da União Europeia.

 

                A questão de saber se as plataformas já instaladas e ancoradas ao largo de ..., após serem acopladas à torre e ao aerogerador, constituindo um parque eólico, configuram um bem imóvel, encontra-se prejudicada pela solução dada ao caso, pois encontra-se a jusante desta.

 

                Efetivamente, mesmo que se considere que as plataformas flutuantes são bens imóveis, o que, obiter dictum, se afigura ser o caso, por estarem ancoradas a uma parte delimitada do solo, com caráter de permanência, por meio de correntes ou cabos de catenária ligadas a uma âncora enterrada no leito marítimo, na verdade, os serviços prestados pela Requerente antecederam e estão dissociados essa fixação. Não se demonstrou, nem sequer foi alegado, que a Requerente tivesse alguma relação, jurídica ou meramente factual, com a instalação das plataformas no parque eólico e a sua fixação ao solo.

 

                Os serviços efetuados pela Requerente foram realizados sobre bens que, quando da sua prestação, eram móveis, não tendo por esta, ou por sua conta, sido objeto de instalação ou fixação no solo. Como assinala o ponto 23 do acórdão do Tribunal de Justiça, no processo C-166/05, Rudi Heger, o vínculo que use os serviços aos bens imóveis tem de ser suficiente e não ténue. Existem múltiplas prestações de serviços que estão ligadas, de uma forma ou de outra, a um bem imóvel, sem que, contudo, possam ser consideradas com proximidade bastante para que sejam consideradas serviços – neste caso de construção civil – realizados sobre um bem imóvel que, à data da prestação dos serviços em causa, nem sequer existia.

 

                Nestes termos, mesmo que as plataformas flutuantes, após a sua fixação/ancoragem em alto mar, sejam qualificáveis como bens imóveis, não se pode considerar que os serviços prestados pela Requerente (a jusante) sobre alguns componentes móveis dessas plataformas apresentem uma relação ou vínculo suficientemente direto com um bem imóvel. Reitera-se que tais serviços foram prestados sobre os referidos componentes que eram inequivocamente bens móveis à data da conclusão da prestação e que a sua mobilidade resulta comprovada pelo seu transporte subsequente ao termo dos serviços, assegurado pelo adquirente .

 

                Em relação ao ónus da prova, importa referir que, ao contrário do que a Requerente alega, a Requerida logrou demonstrar os pressupostos legitimadores da sua atuação, constando do RIT a fundamentação substancial necessária e os elementos de prova (documental) indispensáveis para alicerçar a conclusão da inaplicabilidade do regime de inversão do sujeito passivo previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, atentos os pressupostos de facto da situação sub iudice. Nestes termos, não se verifica a alegada violação do ónus probatório (v. artigo 74.º da LGT). 

 

                Por fim, não obstante a apreciação do mérito envolver questões relevantes de direito europeu, estas encontram-se devidamente aclaradas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referenciada e pelo Regulamento de Execução n.º 282/2011, pelo que não se suscita a necessidade de proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, em conformidade com a jurisprudência do acórdão Cilfit .

                                 

                5.            JUROS COMPENSATÓRIOS

 

De acordo com o disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

 

Na situação vertente, a liquidação de IVA que originou valor de imposto a pagar é válida, sendo imputável à Requerente a responsabilidade por juros compensatórios, uma vez que o atraso na liquidação foi provocado pela sua conduta desconforme ao direito (ilícita), de onde se retira o juízo de censurabilidade – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 22 de janeiro de 2014, processo n.º 01490/13 e demais jurisprudência aí citada.

 

                6.            JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

O direito a juros indemnizatórios é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Na situação vertente, não ocorrem estes pressupostos, pelo que não são devidos juros indemnizatórios.

 

EM SÍNTESE,

 

Improcede o vício de violação de lei suscitado pela Requerente com a consequente manutenção na ordem jurídica dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios em crise.

 

 

V.           DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.010.650,01, correspondente ao valor das liquidações de IVA e juros compensatórios cuja anulação é peticionada, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de agosto de 2021

 

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

(vencido, conforme declaração de voto junta)

 

António de Barros Lima Guerreiro

(Com a declaração de voto que se junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto de vencido

 

Discordo da decisão que fez vencimento por a considerar contrária às regras constantes do Código do IVA aplicáveis à matéria controvertida.

No presente processo, importava decidir se os trabalhos efetuados pela Requerente eram ou não de qualificar como serviços de construção civil.

Se se concluísse que sim, esses trabalhos estavam sujeitos ao mecanismo da inversão do sujeito passivo a que se refere a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA . Consequentemente, apesar dos trabalhos serem sujeitos a IVA, a Requerente ficava obrigada a proceder à sua faturação sem mencionar o IVA, sendo a respetiva liquidação transferida para a entidade adquirente.

De acordo com a citada norma legal, são sujeitos passivos do IVA “as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.

Assim, para que se verifique a inversão do sujeito passivo impõem-se, cumulativamente, as seguintes condições:

1.            Se esteja na presença de serviços de construção civil;

2.            O adquirente seja sujeito passivo do IVA em Portugal [“pessoa singular ou coletiva referida na alínea a)” do n.º 1 do artigo 2.º] e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.

No caso em apreço, mostrou-se, desde logo, cumprida a 2.ª condição, visto que a entidade cliente da Requerente, a B..., é uma entidade que exerce uma atividade económica independente e que, nos termos do artigo 20.º do CIVA, efetua operações que conferem direito à dedução.

Quanto à 1.ª condição tratava-se de averiguar se as operações controvertidas, praticadas pela Requerente, são passíveis de se poderem qualificar como serviços de construção civil .

No âmbito da aplicação do IVA, o conceito de serviços de construção civil surge como um conceito autónomo, pelo que a AT sentiu a necessidade de prestar “esclarecimentos” sobre o novo regime da inversão do sujeito passivo. Assim, através do ofício-circulado n.º 30.101, de 2007-05-24, efetuou o seguinte enquadramento:

1.            Considera serviços de construção civil todos os que tenham por objeto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de atos que sejam necessários à sua concretização.

2.            Refere que deve entender-se por obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada.

3.            Clarifica que este conceito de obra é o que consta do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro , e deve aplicar-se à generalidade das situações e não apenas nos casos em que, por força deste diploma, seja exigida a posse de alvará ou título de registo.

4.            Esclarece que a referência que é feita, na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, a serviços “em regime de empreitada ou subempreitada” é meramente indicativa e não restritiva. Assim, esta disposição legal é abrangente, no sentido de nela serem incluídos todos os serviços de construção civil, independentemente de os mesmos fazerem ou não parte do conceito de empreitadas ou subempreitadas a que se referem os artigos 1207º e 1213.º do Código Civil.

A regra de inversão do sujeito passivo aplica-se à globalidade da fatura emitida pelo prestador, independentemente da forma como esta possa ser elaborada, expressando de forma mais ou menos detalhada cada um dos itens necessários à realização dos trabalhos, nomeadamente :

             Aluguer de andaimes, de gruas ou de outros bens complementares;

             Serviços de limpeza, de sinalização ou de remoção de entulhos;

             Serviços de projetistas, de arquitetura e outros estudos;

             Materiais direta ou indiretamente utilizados na execução da obra.

Assim, para se saber se os trabalhos efetuados pela Requerente são ou não de qualificar como serviços de construção civil são exigíveis duas condições: que esses trabalhos sejam efetuados sobre um imóvel e que esses trabalhos possam ser qualificados como uma obra (trabalhos efetuados sobre um imóvel, nomeadamente a sua construção).

I – A plataforma eólica é considerada um bem imóvel

Em primeiro lugar, urge saber se a plataforma eólica situada no mar territorial ao largo de ..., que integra os trabalhos efetuados pela Requerente, deve ou não ser qualificada como um bem imóvel para efeitos de IVA.

No contexto da União Europeia, só a partir de 2013 é que começa a delimitar-se o conceito de bem imóvel, a fim de, nomeadamente, permitir a mais correta aplicação do artigo 47.º da Diretiva IVA, relativo à definição do lugar das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis .

Com efeito, na sequência das orientações extraídas da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre essa temática, o artigo 13.º-B do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, que lhe foi aditado pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho de 7 de outubro de 2013, clarifica o conceito de bem imóvel nos termos seguintes:

«Artigo 13.º-B

 «Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se «bens imóveis»:

a)            Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;

b)           Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;

c)            Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não estão completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;

d)           Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção.»

O Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 justifica que a clarificação do conceito tem por finalidade “assegurar o tratamento uniforme das prestações de serviços relacionadas com bens imóveis” .

Ora, o projeto “G...”, que terá uma capacidade total prevista de 25 megawats (MW) e será composto por três ou quatro turbinas, é concretizado através de uma joint-venture coordenada pela F... e das quais faz parte a C.../B... para a construção do primeiro parque eólico no mar português, ao largo de ..., para produção de energia a partir de turbinas integradas em plataformas eólicas flutuantes.

O projeto exige que essas plataformas fiquem ancoradas no mar, ao largo da costa, sendo a sua construção feita, por exigências técnicas, integralmente em terra, em doca, possibilitando uma maior facilidade de construção e uma significativa redução de custos, incluindo a montagem das turbinas.

De notar que a Comissão Europeia, acerca do termo “solo” na aceção das alíneas a) e b) do artigo 13.º-B, nos pontos 49 a 51 das Notas Explicativas  elaboradas para aplicação das regras do Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, fornece os seguintes elementos de interpretação:

«49. […] O âmbito do termo «solo» é amplo, uma vez que a referência ao solo, quer à sua superfície quer sob a sua superfície, inclui efetivamente o próprio solo e tudo o que está situado sob a sua superfície e também o que está situado sob a sua superfície, isto é, o subsolo.»

«50. O solo engloba qualquer terreno, incluindo a porção de terreno coberta por água, isto é, pelo mar, por oceanos, rios, lagos e outras vias navegáveis interiores.»

«51. É igualmente feita referência ao que está situado à superfície do solo. Dado o contexto da disposição, nem tudo o que está simplesmente situado à superfície do solo será considerado «imóvel.»

«52. Os bens têm igualmente de estar implantados, incorporados ou enraizados no solo. […]»

 

 

(Cf. Pág.6 do RIT)

De salientar também que a alínea b) do artigo 13.º-B é transposta para o direito interno dos seguintes Estados-Membros nos termos que se passam a transcrever:

Em Espanha:

«b) cualquier edificio o construcción fijado al suelo, o anclado en él, sobre o por debajo del nivel del mar, que no pueda desmantelarse o trasladarse con facilidad;»

Em Itália:

«b) qualsiasi fabbricato o edificio eretto sul suolo o ad esso incorporato, sopra o sotto il livello del mare, che non sia agevolmente smontabile né agevolmente rimuovibile;»

Em França:

«b) tout immeuble ou toute construction fixé(e) au sol ou dans le sol au-dessus ou au-dessous du niveau de la mer, qui ne peut être aisément démonté(e) ou déplacé(e);»

Em língua inglesa:

«(b) any building or construction fixed to or in the ground above or below sea level which cannot be easily dismantled or moved;»

Parece uma matéria pacífica visto que, em qualquer das transposições os termos utilizados têm significados semelhantes, parecendo que daí não pode resultar outra interpretação que não seja a de que a plataforma eólica flutuante é considerada um bem imóvel. Com efeito, ancorada ao fundo do mar, com carácter de permanência, não podendo ser deslocada desse local, exceto para fins específicos, excecionais, sob pena de pôr em causa os fins que justificam a sua construção e instalação nesse local, que lança na rede elétrica pública a energia que produz e que foi concebida e projetada para a zona e local em que está implantada, não lhe pode ser atribuída outra natureza que não seja a de bem imóvel.

Além do mais, não se pode ignorar que a energia produzida é transportada da plataforma, através de um cabo subterrâneo instalado no fundo do mar, para um edifício/gerador construído em terra, na costa marítima, que recebe a energia produzida na plataforma e a lança na rede elétrica pública.

Nos casos excecionais em que deva ser deslocada para, por exemplo, sofrer reparações, a sua eventual deslocação não será decerto efetuada com facilidade. Entre outros fatores, basta apenas mencionar o facto de a plataforma ter uma altura equivalente a dez andares. 

Conforme, aliás, já resultava do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16 de janeiro de 2003, Rudolf Maerhofer, C-315/00, e mencionado na Decisão Arbitral a pp 43:

«Com efeito, a propósito da locação de edifícios pré-fabricados, de um ou dois andares, passíveis de serem desmontados e reconstruídos, o Tribunal de Justiça declarou que a interpretação do conceito não pode depender “daquela que é feita pelo direito civil de um Estado-Membro” (ponto 26) e que a qualificação de um bem como móvel implica a fácil deslocação, como sucede no caso de caravanas, tendas e habitações ligeiras de lazer . Ao invés, entende serem de qualificar como bens imóveis os edifícios pré-fabricados assentes em suportes de betão, por: (i) por configurarem construções implantadas no solo, sem prejuízo de poderem ser reutilizadas noutro local, e por (ii) não poderem ser facilmente desmontáveis e deslocáveis . Contudo, entende não ser necessário que as construções estejam implantadas no solo de forma indissociável ».

Também a Comissão Europeia, a propósito do que se entende por “edifícios” e “construções” na aceção da alínea b) do artigo 13.º-B, nos pontos 64 a 67 das Notas Explicativas  elaboradas para aplicação das regras do Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, esclarece o seguinte:

«64. Um edifício pode ser definido como uma estrutura (artificial) com um teto e paredes, como uma casa ou fábrica.»

«65. O termo «construção» tem um significado mais lato e engloba outras estruturas (artificiais) que, normalmente, não são consideradas edifícios […]. As construções podem incluir trabalhos de engenharia civil, tais como estradas, pontes, aeródromos, portos, diques, gasodutos, sistemas de abastecimento de água e saneamento, bem como instalações industriais, como centrais elétricas, turbinas eólicas , refinarias, etc.»

«66. […] os edifícios ou construções são considerados bens imóveis em todas as suas partes constitutivas. O termo «constitutivas» refere-se não só à estrutura do edifício ou da construção, mas também a cada um dos elementos instalados e que façam parte integrante do edifício ou da construção em causa ou que tenham sido permanentemente instalados nos mesmos de tal forma que constituam um todo e sem os quais o edifício ou a construção não estejam completos ou vejam a sua integridade alterada . […]»

«67. Para poderem ser considerados «bens imóveis», os edifícios e as construções têm de estar fixados ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, e não devem poder ser facilmente desmantelados ou deslocados .»  

O denominado parque eólico flutuante, equipamento de produção de energia elétrica, aqui objeto de apreciação, cumpre, sem dúvida, as características a que se refere a alínea b) do referido artigo 13.º-B da Diretiva IVA e, nessa medida, é enquadrável no conceito de bem imóvel.

Com efeito, trata-se de uma construção fixada no solo, abaixo do nível do mar e não é suscetível de ser desmantelado ou deslocado com facilidade.

Assim tem sido considerado pelo TJUE concretamente nos acórdãos citados na presente Decisão Arbitral .

A Decisão Arbitral, também vai nesse sentido , não obstante acabar por concluir que tal factualidade não tem utilidade para a apreciação da natureza dos serviços prestados pela Requerente, posição com a qual não posso concordar.

Com efeito, não pode haver a denotada independência entre a definição da qualificação dos serviços efetuados pela Requerente e o seu relacionamento, ou não, com um bem imóvel.

É de notar que os “edifícios ou construções” são considerados bens imóveis em todas as suas partes constitutivas. O termo «constitutivas» refere-se não só à estrutura do edifício ou da construção, mas também a cada um dos elementos instalados e que façam parte integrante do edifício ou da construção em causa ou que tenham sido permanentemente instalados nos mesmos de tal forma que constituam um todo e sem os quais o edifício ou a construção não estejam completos ou vejam a sua integridade alterada .

Se a jusante existe um imóvel, o que se encontra a montante são as obras efetuadas para a sua construção, como se explicita de seguida.

II – Os trabalhos efetuados pela Requerente, de construção da plataforma submersível, integrante do parque eólico, são de qualificar como serviços relacionados com um imóvel

Em segundo lugar, cumpre averiguar se os trabalhos executados pela Requerente consistem na realização de uma obra, isto é, se se consubstanciam em trabalhos de construção de bens imóveis.

O Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 refere também que «deverá ser especificada a proximidade necessária para que exista uma relação com um bem imóvel, devendo ser elaborada uma lista não exaustiva de exemplos de operações identificadas como serviços relacionados com bens imóveis. »

Com a finalidade de exemplificar a referida proximidade o Regulamento de Execução n.º 1042/2013, do Conselho de 7 de outubro de 2013, aditou ao Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011  (Regulamento de Execução da Diretiva IVA) o artigo 31.º-A (integrado na sua Subsecção 6-A) que define os serviços que o legislador comunitário considera que têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis e, nessa medida, estão em condições de poderem ser considerados serviços relacionados com bens imóveis na aceção do artigo 47.º da Diretiva IVA.

A fim de melhor salientar os propósitos do legislador comunitário transcreve-se o referido artigo:

«Artigo 31.º-A

1.            Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47.o da Diretiva 2006/112/CE incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:

a)            Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;

b)           Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.

2.            O n.º 1 abrange, em especial, o seguinte:

a)            A elaboração de plantas de um edifício ou de partes de um edifício destinadas a um determinado terreno, independentemente de o edifício estar ou não construído;

b)           A prestação de serviços de fiscalização no local ou de serviços de segurança;

c)            A construção de um edifício num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas num edifício ou em partes de um edifício;

d)           A construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;

e)           Os trabalhos efetuados em terrenos, incluindo serviços agrícolas tais como a mobilização dos solos, a sementeira, a rega e a fertilização;

f)            O estudo e avaliação do risco e da integridade dos bens imóveis;

g)            A avaliação dos bens imóveis, incluindo quando tal serviço for necessário para efeitos de seguros, para determinar o valor de um bem utilizado como garantia de um empréstimo ou para avaliar os riscos e danos no âmbito de litígios;

h)           A locação ou o arrendamento de bens imóveis, com exceção dos abrangidos pela alínea c) do n.º 3, incluindo a armazenagem de bens numa parte específica do bem afeta ao uso exclusivo do destinatário;

i)             A prestação de serviços de alojamento no setor hoteleiro ou em setores com funções similares, como os campos de férias ou os terrenos destinados a campismo, incluindo o direito a permanecer num lugar específico resultante da conversão de direitos de utilização periódica e direitos afins;

j)             A atribuição e a transmissão de direitos, com exceção dos abrangidos pelas alíneas h) e i), para a utilização da totalidade ou de partes de um bem imóvel, incluindo a licença para utilizar parte de um bem, como a concessão de direitos de pesca e de caça ou o acesso a salas de espera nos aeroportos, ou ainda a utilização de uma infraestrutura pela qual são cobradas portagens, por exemplo, pontes e túneis;

k)            A manutenção, renovação e reparação de um edifício ou de partes de um edifício, incluindo trabalhos como limpeza, revestimento de pavimentos e paredes com ladrilhos, aplicação de papel em paredes e assentamento de soalhos;

l)             A manutenção, renovação e reparação de estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;

m)          A instalação ou montagem de máquinas ou equipamentos que, após a instalação ou montagem, possam ser considerados bens imóveis;

n)           A manutenção e reparação, inspeção e fiscalização de máquinas ou equipamentos no caso de estes poderem ser considerados bens imóveis;

o)           A gestão de bens imóveis, com exceção da gestão de carteiras de investimentos imobiliários abrangida pelo n.º 3, alínea g), que consista na exploração de bens imobiliários de natureza comercial, industrial ou residencial pelo proprietário dos bens ou em seu nome;

p)           A intermediação na venda ou na locação ou arrendamento de bens imóveis e na constituição ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), com exceção da intermediação abrangida pelo n.º 3, alínea d);

q)           Os serviços jurídicos relacionados com a transferência de um título de propriedade imobiliária, o estabelecimento ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), como atividades notariais, ou a elaboração de contratos de compra e venda de bens imóveis, ainda que a operação subjacente que resulta na alteração jurídica da propriedade não se venha a verificar.

3.            O n.º 1 não abrange o seguinte:

a)            A elaboração de plantas de um edifício ou de partes de um edifício desde que não sejam destinadas a um determinado terreno;

b)           A armazenagem de bens num bem imóvel, se nenhuma parte específica desse imóvel for destinada ao uso exclusivo do destinatário;

c)            A prestação de serviços publicitários, mesmo que envolva a utilização de bens imóveis;

d)           A intermediação nas prestações de serviços de alojamento no setor hoteleiro ou em setores com funções similares, como os campos de férias ou os terrenos destinados a campismo, se o intermediário agir em nome e por conta de outra pessoa;

e)           A colocação à disposição de um stand numa feira ou local de exposição, em conjunto com outros serviços afins destinados a permitir a exposição dos produtos, como a conceção do stand, o transporte e a armazenagem dos produtos, o fornecimento de máquinas, a instalação de cabos, os seguros e os serviços publicitários;

f)            A instalação ou montagem, manutenção e reparação, inspeção e fiscalização de máquinas ou equipamento que não façam, ou não venham a fazer, parte dos bens imóveis;

g)            A gestão de carteiras de investimentos imobiliários;

h)           Os serviços jurídicos, com exceção dos abrangidos pelo n.º 2, alínea q), relacionados com contratos, designadamente aconselhamento sobre os termos de um contrato de transferência de bens imóveis, sobre a execução de um contrato dessa natureza ou a comprovação da sua existência, se esses serviços não estiverem especificamente relacionados com a transferência de um título de propriedade imobiliária.»

Ora, não se poderá perder de vista o facto de os trabalhos sob análise, efetuados pela Requerente, estarem diretamente relacionados com a construção de um parque eólico marítimo, denominado de G..., cujas principais características foram já anteriormente referidas.

O projeto exige que as plataformas flutuantes fiquem ancoradas ao leito do mar, sendo a sua construção feita, por exigências técnicas, integralmente em terra, possibilitando uma maior facilidade de construção e uma significativa redução de custos, incluindo a montagem das pás e turbinas. 

Atente-se que a Comissão Europeia, no ponto 168 das Notas Explicativas  elaboradas para aplicação das regras do Regulamento de Execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, esclarece que o termo «terreno» deve ser entendido como «qualquer terreno acima ou abaixo do nível do mar, em consonância com a definição prevista no artigo 13.º-B, alínea b)» do Regulamento de Execução da Diretiva.

Os serviços prestados pela Requerente, devidamente especificados na Decisão Arbitral e também nas páginas 7 a 16 do RIT consistem, em resumo, na execução de trabalhos de construção da plataforma flutuante submersível, constituída por três torres com uma altura de 30 metros cada, com tanques de lastro estático e de lastro ativo, com uma estrutura de ligação entre elas, com cobertura destinada a ancoradouro e com a instalação de estabilizadores nas bases das torres.

As técnicas de construção da plataforma eólica exigem que a mesma seja efetuada em doca, sendo também em doca que lhe são acopladas o mastro ou torre eólica, a turbina e as pás da turbina. O conjunto, depois de “armado” é rebocado para o local onde vai ser ancorado ao fundo do mar.

Assim, na minha opinião, os trabalhos de efetuados pela Requerente enquadram-se nas previsões das alíneas c) e d) do n.º 2, ambas do artigo 31.º-A supracitado.

E, neste âmbito, a Comissão Europeia, no ponto 170 das suas Notas Explicativas  esclarece que «o artigo 31.º-A, n.º 2, alínea d), complementa o artigo 31.º-A, n.º 2, alínea c)». E no ponto 163 das referidas Notas refere que o âmbito de aplicação do artigo 31.º-A, n.º 2, alínea c) abrange todos os tipos de trabalhos de construção de imóveis, incluindo não só a construção de imóveis novos, mas também outros trabalhos de construção, tais como a reconstrução, a alteração, a conversão, o alargamento, a demolição (total ou parcial) de imóveis existentes ou de partes de imóveis.

Não há, pois, dúvidas, de a Requerente estar a executar trabalhos relacionados com uma das fases da construção do imóvel. E, assim sendo, os trabalhos que executa não devem, na sua essência, e contrariamente ao decidido, ser considerados bens móveis, já que se trata da própria construção do imóvel.

Entendo que não faz sentido falar em bens móveis relativamente ao resultado dos trabalhos efetuados pela Requerente. Daqui o meu voto de vencido. Tais trabalhos fazem parte do próprio processo construtivo. São o equivalente à realização de empreitadas relacionadas com a construção das fundações de um “prédio tradicional”, com o levantamento das suas paredes e com a colocação da respetiva cobertura. 

Só que, por exigências técnicas, como já foi explicitado, os trabalhos de construção executados pela Requerente não podem ser efetuados nos moldes tradicionais. E não me parece correta a conclusão extraída na Decisão Arbitral no sentido de o imóvel apenas existir a jusante, isto é, depois da sua ancoragem ao fundo do mar. Se se está perante um imóvel a jusante, então esse imóvel teve, a montante, que ser objeto de trabalhos de construção. Construção de um imóvel, logo serviços de construção civil.

De salientar que quando, em 2007, o legislador nacional, decidiu transpor as normas comunitárias aplicáveis, adotando o mecanismo da inversão do sujeito passivo para as prestações de serviços sobre bens imóveis, não se ouvia falar da realidade que hoje se consubstancia nas plataformas eólicas instaladas no mar territorial.

Daí que, quando as autoridades fiscais nacionais, transmitem instruções sobre a matéria, através do ofício-circulado 30.101, de 23 de maio de 2007, tais instruções nunca poderiam contemplar as especificidades relacionadas com esta nova realidade que consiste na produção de energia elétrica através de plataformas eólicas instaladas no mar.

Recorde-se que a elaboração daquele ofício-circulado 30.101 obedeceu a um processo complexo e algo demorado, em virtude das dúvidas suscitadas no setor da construção civil quanto à aplicação do novo regime da inversão do sujeito passivo ao conjunto das operações decorrentes dos processos construtivos que eram normais naquela época. Inclusivamente, o ofício-circulado 30.101 procedeu à reformulação das instruções administrativas que, sobre o mesmo tema, haviam sido divulgadas pelo anterior ofício-circulado 30.100, de 28 de março de 2007.

Com efeito, à data em que foram publicadas as instruções constantes do ofício-circulado 30.101, não era possível antecipar a realidade constante deste processo arbitral . E, quando a administração tributária aborda a questão da entrega de bens móveis (aos quais não seria de aplicar o novo regime de inversão), é fácil ver que as suas preocupações se referiam basicamente ao enquadramento de operações vulgares relacionadas com o fornecimento de bens móveis a instalar em imóveis, tais como: portas, janelas, certo tipo de elevadores, aparelhos de ar condicionado e aparelhos de vídeo vigilância. E dessas orientações é possível concluir que se excluem da regra da inversão do sujeito passivo os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis. E quais são esses bens? A administração tributária esclarece que se trata dos bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência. E tudo isto ainda relacionado com a instalação ou montagem desses bens ser ou não efetuada pelo respetivo fornecedor.

Nesta medida não posso estar de acordo com o entendimento maioritário deste coletivo arbitral de os serviços prestados pela Requerente terem-no sido sobre bens móveis.

Os serviços prestados pela Requerente contribuíram, sim, para a construção do próprio imóvel. Trata-se de serviços inerentes à própria existência dessa realidade que é o imóvel. Não estamos a falar de portas, janelas, cozinhas encastráveis (ou não), armários fixados (ou não) às paredes, plataformas elevatórias e elevadores para cadeiras de rodas, etc. Trata-se da construção do próprio imóvel.

E a este propósito, lembro que o desenvolvimento de uma obra “tradicional” de construção civil vai desde o processo de escolha do terreno e da criação do projeto arquitetónico, até às etapas de acabamento e limpeza final da obra. Para que tudo ocorra da melhor maneira possível, é fundamental planear adequadamente e ter um conhecimento geral de todo o processo construtivo. As etapas gerais de uma obra “tradicional” variam de acordo com o projeto e incluem entre outras as seguintes fases :

             As Fundações (o tipo de fundação a ser utilizado é definido junto com o projeto e o cálculo estrutural, levando em conta o tipo de edificação, a carga do edifício, o tipo de solo, a profundidade do lençol freático, etc.);

             A Estrutura ou Superestrutura (etapa na qual se constrói a sustentação da edificação. A estrutura é o que garante a integridade física do edifício, suportando todas as cargas que atuam nele (seu peso próprio, o peso das pessoas, dos móveis, a força do vento atuante, etc.), transmitindo-as para as fundações. Essa estrutura é formada por pilares, vigas, lajes, dentre outros componentes estruturais e pode ser feita em concreto armado, aço ou alvenaria estrutural. O tempo gasto nessa etapa é entre 40 e 50% do tempo total da obra);

             As Paredes e as Vedações (consiste no fechamento da edificação: são colocados os elementos de vedação e de separação de ambientes – paredes externas e internas, geralmente construídos em blocos cerâmicos, blocos de cimento ou gesso acartonado);

             A Cobertura (fase em que é feita a cobertura da edificação, que deve dar segurança térmica, acústica e referente à umidade. Trata-se da construção do telhado ou da laje superior. A definição da cobertura será feita no projeto, determinando, entre outras coisas, o tipo, o material e a inclinação (que influenciará no encaminhamento das águas da chuva). É de extrema importância que esse projeto seja feito adequadamente, a fim de evitar infiltrações e outros prejuízos.

             As Instalações hidro sanitárias, elétricas e complementares (TV, telefone, internet, gás, ar condicionado, etc);

             Os Acabamentos e Revestimentos (fase da obra em que se faz a regularização das superfícies verticais (paredes) e horizontais (pisos e tetos). Portanto os revestimentos e acabamentos são executados para proteger as vedações, proporcionar maior resistência ao choque ou abrasão (resistência mecânica), impermeabilizar, tornar as superfícies mais higiênicas (laváveis) e mais esteticamente apresentáveis, ou, ainda, aumentar a qualidade de isolamento térmico e acústico);

             As Esquadrias (as portas e janelas das edificações. As especificações destas, como o material e as dimensões, também já devem constar no projeto, a fim de evitar possíveis problemas de danificação ou de abertura das mesmas);

             As Pinturas e as Texturas (além do tipo de tinta mais adequado, deve-se estudar a necessidade e quantidade de colocação de impermeabilizantes (uma espécie de textura) e de seladores (servem para fixar a tinta na parede da construção).

Julgo não existirem dúvidas quanto ao facto de, com o objetivo de construir um imóvel, as empresas, que, numa obra, executam e faturam os trabalhos acabados de enunciar, se encontrarem abrangidas pelo mecanismo obrigatório da inversão do sujeito passivo, desde que estejam cumpridas as demais condições impostas pela alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA. Com efeito, os trabalhos efetuados com vista à “produção” de um imóvel são considerados serviços de construção civil na aceção da referida norma legal.

Considero, pois, que os trabalhos da Requerente, inserem-se num processo construtivo em imóvel, já que uma plataforma eólica em mar territorial de um imóvel se trata. Todavia, dada a natureza específica deste tipo de imóvel, por exigências técnicas, as obras de construção efetuadas não são propiamente coincidentes com as que são levadas a cabo numa construção “tradicional” no solo terrestre, conforme supra ficou sucintamente descrito.

A construção do imóvel em causa neste Processo, na qual interveio a Requerente, é, efetivamente, uma construção com características específicas. 

Com efeito, não se trata da construção de um prédio “tradicional”. Essas características próprias são as que decorrem de estarmos perante uma nova realidade. Porque se trata de um processo construtivo que a ciência e a tecnologia só permitiram concretizar/alcançar nos tempos mais recentes. O que foi posto ao julgamento deste Tribunal Arbitral insere-se neste quadro inovador.

Numa publicação da Agence de l’Environnement et de la Maîtrise de l’Énergie, intitulada “L’énergie éolienne – Produire de l’électricité avec le vent”, a pp. 22 e 23  referem-se as características da realização de um parque eólico no mar, onde se pode ler o seguinte (tradução livre):

« A instalação de um parque eólico no mar constitui tarefa mais delicada do que a sua instalação em terra: as condições meteorológicas são mais rigorosas, as eólicas são sujeitas a ventos violentos, a ambientes salgados… Os construtores concebem materiais adaptados a condições extremas.

No estado atual da tecnologia, os parques eólicos no mar situam-se geralmente a menos de 40 metros de profundidade e a menos de 30 km da costa. A parte “marítima” do parque compreende:

             Os aerogeradores (fundações + mastros + pás ou turbinas). Os mastros podem atingir uma centena de metros acima do nível do mar e cada pá ultrapassar 80 metros de comprimento;

             Um módulo para as equipas de intervenção;

             Un posto transformador;

             Cabos submarinos que asseguram a recolha e o transporte da electricidade até à costa.

No futuro, a eólica designada de “flutuante” permitirá instalar parques ancorados a uma profundidade máxima de 150 metros, o que permitirá aumentar as zonas potencialmente exploráveis.

Os anexos em terra compreendem:

             Um transformador e uma estação de ligação à rede terrestre;

             Linhas elétricas enterradas.

Para se desenvolverem, os parques eólicos no mar têm necessidade da existência de portos próximos dos locais da sua implantação, o que contribuirá para o desenvolvimento local de novas atividades industriais e económicas relacionadas com:

             A construção das grandes componentes (fundações, mastros, …);

             As operações de ligação das componentes,

             O transporte para o local de implantação.»

Pode, pois, dizer-se, que, com as devidas adaptações, a obra efetuada pela Requerente, apesar das suas especificidades, identifica-se, em geral, com as fases correspondentes a uma construção “tradicional”, acima explicitadas. Com as devidas adaptações, dada a natureza do imóvel e também devido à imposição técnica de a construção deste imóvel peculiar ser efetuada em terra e só depois rebocada para o local de fixação ao solo.

A Requerente construiu uma parte significativa do imóvel. Sem a sua prestação, o imóvel em questão – a plataforma eólica marítima – nunca existiria. A obra executada consistiu num processo construtivo que vai fazer nascer o próprio imóvel. São as “fundações” do imóvel? A “estrutura” do imóvel? Sim, é tudo isso e também, com as devidas adaptações, a “cobertura” os “acabamentos” e “revestimentos”, as “pinturas” e “texturas”, etc.

Não se está a falar de portas, janelas, e armários encastráveis!

A Requerente não produziu a montante um bem móvel corpóreo, como foi entendido na Decisão Arbitral.

Pelo contrário, interveio no processo construtivo de um imóvel, executando fases fundamentais para o equilíbrio, a estabilidade e o funcionamento desse imóvel de forma adequada aos fins a que se destina.

Se dúvidas existiam, sempre importaria aclará-las mediante o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Os serviços prestados pela Requerente são a condição necessária e imprescindível para a existência do imóvel.

A Requerente operou na construção do “flutuador” ou plataforma submersível, que constitui a estrutura fundamental do imóvel (a plataforma eólica em mar). É o “flutuador” que vai sustentar o mastro com a turbina e as pás, cuja construção e montagem foi adjudicada a outra entidade. É a plataforma flutuante em cuja construção interveio a Requerente que vai permitir a estabilidade e o equilíbrio da torre eólica, garantindo o seu normal funcionamento no mar territorial em condições ambientais e meteorológicas extremas.

Todavia, a sua construção e montagem só pode ser viabilizada em doca seca, de acordo com o que se encontra devidamente pormenorizado e especificado nos contratos de fabrico e montagem mencionados na Decisão Arbitral e que integram o Processo Administrativo, nomeadamente:

             Contrato de prestação de serviços, para montagem de virolas para Outers em O... e P...”, celebrado em 2018-09-07;

             Contrato de prestação de serviços para a montagem de componentes das plataformas O... e P..., celebrado em 2019-03-20.

A análise destes contratos permite concluir, sem margem para dúvidas, que a Requerente executou trabalhos de construção  das plataformas flutuantes que apoiam as torres eólicas, e sem os quais o projeto não existe.

De realçar que cada “flutuador”, em cuja construção interveio a Requerente, não serve para mais nada.  A sua função cumpre-se com a ancoragem do conjunto em alto mar, para que se possa iniciar o processo de produção de energia elétrica. Trata-se de um imóvel que tem de ser construído naquelas condições. Não o pode ser no meio do mar. A Requerente não construiu um bem móvel corpóreo. Interveio, sim numa fase fundamental do processo construtivo do imóvel (a plataforma eólica marítima) com características técnicas e científicas bem específicas.

Na componente do imóvel (o “flutuador”, constituído, por 3 colunas cilíndricas ligadas por tubos, com um peso estimado de 1.600 a 2.000 toneladas) em cuja construção interveio a Requerente é depois incorporada, no prolongamento de uma das colunas, a outra componente, que consiste na torre eólica. As duas componentes, depois de acopladas em terra, no estaleiro das obras, são rebocadas, como uma unidade – o imóvel – para o mar territorial onde se procede à sua ancoração.

E, não pode ser de outro modo. Face à tecnologia inerente à natureza da obra, os serviços prestados pela Requerente nunca poderiam ter sido efetuados no local onde a plataforma eólica vai operar, isto é, no mar territorial. Toda a construção tem que ser efetuada em terra. Só após completada a obra e juntos todos os elementos que a compõem é que a plataforma (flutuador e torre da eólica incluindo as pás) é conduzida para o mar alto, onde, no local determinado, se vai proceder às respetivas operações de ancoragem ao fundo do mar.

Os serviços prestados pela Requerente são necessariamente efetuados em doca seca (no caso, nos estaleiros da M..., em ...), em conformidade com as tecnologias adequadas a este tipo de processo construtivo.

Não faz sentido a exigência da AT, de apenas considerar como serviços de construção abrangidos pelo mecanismo da inversão do sujeito passivo os serviços prestados pela Requerente caso esta tivesse procedido à montagem ou instalação no local onde a plataforma vai operar. É a consideração do impossível.

Numa construção “tradicional” efetuada em terra, considera-se que todos os operadores que participem na construção do imóvel respetivo prestam serviços que não podem deixar de ser considerados serviços de construção civil.

Tal como acontece num “tradicional” processo construtivo de um edifício em terra, em que as diferentes fases de construção integram o conceito de serviços de construção civil, em que cada fase é normalmente confiada a diferentes empreiteiros, em conformidade com as respetivas especialidades, também a construção das plataformas eólicas marítimas (que são indubitavelmente imóveis) envolve o concurso de diferentes operadores que contribuem para a obra final na medida das respetivas competências técnicas e científicas.

No caso do imóvel em cuja construção intervém a Requerente, todas as fases de construção não podem ser efetuadas sobre o terreno marítimo em que o imóvel vai ficar posteriormente amarrado.  É evidente que a construção da plataforma flutuante não foi construída no mar territorial, no local onde o parque eólico foi definitivamente imobilizado e ancorado. As técnicas de construção do parque eólico exigem que essas construções sejam feitas em doca, acopladas todas as componentes, também em doca, e posteriormente rebocado o conjunto para o local de ancoragem.

Se a jusante existe um imóvel, como se afirma na Decisão Arbitral, o que se encontra a montante são as obras efetuadas para a sua construção. E é esta ligação que não é feita na Decisão Arbitral, viciando, assim, toda a análise e fundamentação que a sustentam.

Não faz sentido falar sobre o conceito de imóvel em dois momentos: um a jusante e outro a montante. Para este efeito – o conceito de imóvel – não há um antes e um depois. Se o resultado é um imóvel, o antes são as obras da sua construção.

Os serviços prestados pela Requerente são a condição sem a qual não existe imóvel.

Ao considerar que a jusante existe um imóvel, os serviços de construção desse imóvel são necessariamente serviços de construção civil. Se a jusante existe um imóvel, isto é, se as obras executadas resultam num imóvel, essas obras têm a natureza de serviços de construção civil. Trata-se da execução dos trabalhos necessários para a “construção” do imóvel. E, com efeito, a Requerente interveio na execução de uma parte significativa desses trabalhos de construção do imóvel consubstanciado no parque eólico marítimo. Nessa medida, a Requerente executou serviços de construção civil abrangidos pelo mecanismo da inversão do sujeito passivo.

Vejam-se, a propósito, as seguintes regras vinculativas do direito europeu :

             (85) «Um “edifício” ou uma construção deve ser considerado um bem imóvel em todas as suas partes constitutivas. Para além da estrutura principal de um “edifício” ou de uma construção, alguns elementos que são instalados no edifício ou na construção em causa devem igualmente ser considerados bens imóveis quando fazem parte integrante do mesmo.»

             (87) «Se os elementos instalados devem ser considerados elementos sem os quais um edifício ou uma construção seriam considerados incompletos dependerá, naturalmente, da natureza do edifício ou da construção.»

             (88) «A utilização e a finalidade de uma estrutura determinam os elementos que fazem parte integrante da mesma. Por exemplo, quando um “edifício” é utilizado como habitação, os elementos como portas e janelas instalados nesse edifício são considerados como formando um todo com esse edifício, uma vez que tais elementos são necessários para que o “edifício” em causa seja considerado uma habitação. Tais elementos não serão necessariamente os mesmos que são necessários num entreposto ou numa fábrica ou em construções tais como centrais elétricas, pontes ou túneis. De facto, em determinadas circunstâncias serão exigidos elementos específicos a fim de tornar o “edifício” ou a construção adequada à sua utilização específica (p. ex., um extrator de fumo numa fábrica, elementos de proteção num estabelecimento prisional).»

             (93) «Quando se trata de construções específicas, o que será decisivo para concluir que um elemento faz parte integrante da construção é o facto de a instalação do elemento ser essencial ou altamente necessária para que este tipo de construção possa ser considerado como tal. Seria esse o caso quando, sem tal elemento, a construção se tornaria inútil. Por exemplo, num parque eólico, os elementos geradores (p. ex., as pás) instalados numa turbina eólica que está fixada ao solo são elementos constitutivos desta construção, sem os quais esta turbina eólica seria considerada incompleta.»

Do mesmo modo, os trabalhos identificados supra de fabrico de peças e de montagens e soldaduras complexas, efetuados pela Requerente, integram-se inequivocamente nas obras de construção do parque eólico semi-submersível. Na ausência desses trabalhos, a plataforma eólica é inexistente e, consequentemente, o imóvel também não existe.

Assim, no âmbito das competências que foram reconhecidas à Requerente, esta interveio diretamente em determinadas, importantes e decisivas fases de construção de imóveis, que lhe foram confiadas, e que, ficam indubitavelmente ao alcance da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA que, verificadas as demais condições de aplicação desta norma, impõe à Requerente a obrigação de aplicação do mecanismo de inversão do sujeito passivo, que se traduz na transferência da obrigação de liquidação do IVA para a entidade adquirente dos serviços prestados pela Requerente.

Alguém questiona que, numa obra “tradicional” de construção de um imóvel em terra, o operador que faz as fundações, deva proceder à faturação dos seus trabalhos sem IVA, sendo a obrigação de liquidação deste imposto transferida para o dono da obra, adquirente dos serviços?

Alguém questiona que na mesma obra de cariz “tradicional”, o operador que ergue as paredes e procede à cobertura do edifício, deva do mesmo modo faturar sem IVA ao abrigo da regra obrigatória da inversão do sujeito passivo?

Como se pode, então, não admitir que os serviços de construção prestados pela Requerente não se encontrem, do mesmo modo, abrangidos pelo disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA?

O imóvel foi construído. Só não o foi sobre o “terreno” em que, de seguida, vai ser ancorado. Por motivos técnicos. Porque não pode ser de outro modo.

Trata-se de realidades semelhantes, para as quais não é admissível a aplicação de tratamento discriminatório. Os princípios da neutralidade e da segurança jurídica obrigam a que situações semelhantes sejam tratadas da mesma maneira.

Os serviços prestados pela Requerente são a condição que garante a própria existência do imóvel. Trata-se, inequivocamente, de serviços de construção civil na aceção do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º, consequentemente, abrangidos pelo mecanismo da inversão do sujeito passivo.

 

Em 9 de agosto de 2021

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

A minha concordância com o Acórdão ressalva a passagem sublinhada da seguinte frase do nº 4 pg. 47:  “Efetivamente, mesmo que se considere que as plataformas flutuantes são bens imóveis, o que, obiter dictum, se afigura ser o caso, por estarem ancoradas a uma parte delimitada do solo, com caráter de permanência, por meio de correntes ou cabos de catenária ligadas a uma âncora enterrada no leito marítimo, na verdade, os serviços prestados pela Requerente antecederam e estão dissociados essa fixação. Não se demonstrou, nem sequer foi alegado, que a Requerente tivesse alguma relação, jurídica ou meramente factual, com a instalação das plataformas no parque eólico e a sua fixação ao solo”.

 

Não se vê qualquer necessidade da inclusão dessa expressão , “o que, obiter dictum, se afigura ser o caso”. É, assim, uma pronúncia dispensável.

 

Não passa de uma mera opinião, que, ainda que legítima, mas que não tem relevância para a decisão da causa, razão pela qual o signatário não deixou de subscrever o Acórdão na parte decisória e seus fundamentos.

 

Na linguagem jurídica corrente, o “obiter dictum” abrange, com efeito, os argumentos  desenvolvidas para esclarecer o  raciocínio, mas que não desempenham papel fundamental na formação do julgado.

Os serviços efetuados pela Requerente foram realizados sobre bens móveis que, uma vez transportados  para o leito marítimo , ficaram ligados , como acontece com toda e qualquer embarcação do seu  porte, por meio de correntes ou cabos de catenária,  a outro bem móvel, a âncora, por sua vez, enterrado no leito marítimo-.

 A estabilização das plataformas ancoradas, como de qualquer navio, pode ser complementada por um sistema de lastro: água de lastro é a água do mar captada pelo navio para garantir a segurança operacional do navio e sua estabilidade. Em geral, os tanques são preenchidos com maior ou menor quantidade de água para aumentar ou diminuir o calado dos navios durante as operações portuárias.

A ancoragem das plataformas, ainda quando de longa duração, como é o caso, sob pena de uma generalização abusiva do conceito de bens imóveis, não quer dizer necessariamente incorporação permanente no solo.

 As plataformas flutuantes distinguem-se, com efeito, das plataformas fixas, materialmente ligadas ao subsolo oceânico através de  pilares de cimento, instaladas em águas menos  profundas e  frequentemente utilizadas na exploração de petróleo e outros produtos naturais, que são indiscutivelmente bens imóveis . Tal juízo, no entanto, não é automaticamente extensivo ao primeiro tipo de plataformas, o que depende de uma análise do tipo de ancoragem.

Tais plataformas  podem ser e eventualmente são  para efeitos de IMI bens móveis, mas não  o são necessariamente para efeitos de IVA.

 O conceito de bem imóvel para efeitos de IVA não se aplica apenas ao regime de inversão, mas à localização das prestações de serviços ( nºs 7 e 8 do art. 6º), isenções( 29 e 30 do art. 9º), regularizações (nºs 2, 5 e 6 do art. 24º e art. 26º do CIVA), não fazendo sentido a sua interpretação “a la carte”, em função de cada caso concreto.

Nessa medida, o presente Acórdão não se pronunciou nem tinha de pronunciar sobre se essas  plataformas flutuantes são, ou não, bens imóveis.

 

O ÁRBITRO

(António de Barros Lima Guerreiro)