Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 37/2021-T
Data da decisão: 2021-12-29  IRS  
Valor do pedido: € 84.111,31
Tema: IRS. Transparência fiscal. Administrador de bens. Administrador de insolvência.
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Sumário:

A atividade de administradores de insolvência não se encontra incluída na posição 1310 - “Administradores de bens” da tabela de atividades constante da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, pelo que as sociedades de profissionais por eles constituídas não podem considerar-se abrangidas pelo regime de transparência fiscal que resulta do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, alínea a), subalínea 1), do Código de IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., n.º ..., ..., ...-... , como primeiros Requerentes, e C..., Unipessoal, Lda. contribuinte fiscal n.º..., e D..., Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º ..., ambas com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, como segundos Requerentes, vieram requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional em IRS e IRC, relativos ao período de tributação de 2016, nos seguintes termos:

 

Os primeiros Requerentes, sujeitos a tributação conjunta, impugnam o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., no valor a pagar de € 82.141,17, fundamentalmente em razão de imputação da matéria coletável correspondente ao lucro das sociedades segundas Requerentes.

O Requerente A... impugna ainda gastos considerados não dedutíveis para efeitos fiscais (categoria B) relativos a despesas de estadia e deslocação e rendas pagas relativamente a um espaço locado, no valor global de € 8518,22, e a correção relativa a rendimento auferido em razão do arrendamento de um imóvel (categoria F), que a Autoridade Tributária considerou ter sido omitido na declaração de rendimentos, no valor de € 5.100,00.

 

Os segundos Requerentes impugnam a liquidação adicional de IRC, no montante de € 1917,52, que decorre de gastos considerados não dedutíveis para efeitos fiscais e tributação autónoma.

 

A Autoridade Tributária, na resposta, suscitou a exceção da cumulação ilegal de pedidos por considerar que os pedidos respeitam a diferentes tributos e não têm por base a apreciação das mesmas questões de facto e de direito.

Notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, os Requerentes vieram dizer que as liquidações adicionais, ainda que referentes a diferentes tributos, procedem da mesma factualidade e têm por base a apreciação da mesma questão de direito – a sujeição ao regime de transparência fiscal –, pelo que a cumulação dos pedidos preenche os requisitos que constam do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT e, para o caso de vir a ser julgada ilegal a cumulação de pedidos, requereram que o processo prosseguisse quanto ao pedido formulado em sede de IRS, no montante de € 82.141,17, incluindo juros compensatórios.

Por despacho arbitral de 2 de novembro de 2021, o tribunal decidiu declarar ilegal a cumulação de pedidos e ordenar o prosseguimento do processo quanto à liquidação em sede de IRS.

Com esta delimitação, o principal pedido encontra-se fundamentado nos seguintes termos.

 

A liquidação de IRS emitida relativamente aos Requerentes pessoas singulares, no valor de 82.141,17€, resultou do entendimento formulado pela Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo, segundo o qual se encontram sujeitos ao regime de transparência fiscal, com a consequente imputação da matéria coletável na esfera individual dos sócios, com o fundamento de que atividade de administrador de insolvência é considerada uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS.

 

Entendem os Requerentes que a atividade de administrador judicial, desenvolvida pelas sociedades através dos seus sócios-gerentes, não deve ser classificada com o código de atividade "1310 - Administradores de bens", não originando consequentemente o enquadramento das sociedades no regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC.

 

Tal atividade, quando muito, só pode ser enquadrada ou classificada com o código 1519 "outros prestadores de serviços", sendo que a tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS não contém menção expressa ao "administrador judicial" ou ao "administrador de insolvência" e estas categorias não estão incluídas no código "1310 - Administradores de bens", uma vez que este não tem como função essencial administrar bens.

 

Nesse sentido, consideram que não se verifica o requisito exigido pela alínea b) do n.º 1 e pela alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRC para aplicação do regime de transparência fiscal, pelo que a liquidação impugnada é ilegal por erro nos pressupostos de direito.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que os Requerentes A... e B..., são os únicos sócios das sociedades de administradores judiciais C..., Lda. e D..., Lda. E apesar da tabela de atividades prevista no artigo 151º do CIRS não conter um código que refira expressamente “Administrador Judicial” ou “Administrador de Insolvência”, esta categoria está incluída no código “1310 – Administradores de bens”, uma vez que tem como função essencial administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores.

 

Sendo de concluir que os únicos sócios das sociedades exercem uma atividade que se encontra especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS, encontram-se reunidos os pressupostos para aplicação do regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC, pelo que a matéria coletável apurada pelas sociedades deve ser imputada aos seus únicos sócios para efeitos de tributação em sede de IRS.

 

Subsiste, ainda, a questão relativa à não declaração de rendimentos prediais, questão meramente factual.

 

2. No seguimento do processo, e em face da delimitação do objeto do processo, a Requerente prescindiu da produção da prova testemunhal arrolada na petição inicial.

 

Por despacho arbitral de 19 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado o prosseguimento do processo para alegações pelo prazo sucessivo de dez dias.

 

Em alegações, a Requerente e a Requerida procuraram fixar os factos que consideram  como assentes e mantiveram quanto à matéria de direito as suas anteriores posições. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13 de Julho de 2021.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A) Os primeiros Requerentes, A... e B... são, respetivamente, os únicos sócios das sociedades C..., Unipessoal, Lda. e D..., Unipessoal, Lda.;

  1. Os primeiros Requerentes, A... e B..., foram objeto de uma ação inspetiva, credenciada pela ordem de serviço OI2019..., que determinou correções tributárias na declaração modelo 3 de IRS, nos montantes de € 38.147,69 e 58.567,37, respetivamente, por não imputação de rendimentos decorrentes da qualidade de sócios das sociedades de administradores judiciais C..., Unipessoal, Lda. e  D..., Unipessoal, Lda., por se ter considerado que essas sociedades são sociedades profissionais para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Código do IRS;
  2. No âmbito da mesma ação inspetiva, o primeiro Requerente A... foi ainda objeto de correções tributárias por indevida dedução de encargos fiscais, no âmbito da sua atividade profissional, no montante de € 8.518,22, correções descritas no RIT, que a seguir se transcreve e aqui se dá por reproduzido.
  3.  O primeiro Requerente, A... não declarou rendimentos da categoria F, sujeitos a tributação à taxa especial de 28%, conforme o descrito no RIT, que a seguir se transcreve e aqui dá por reproduzido;
  4. A Requerente C..., Lda., foi objeto de ação inspetiva, credenciada pela ordem de serviço OI2020..., relativa ao exercício de 2016, de que resultaram correções tributárias em sede de IRC;
  5. A Requerente D..., foi objeto de ação inspetiva, credenciada pela ordem de serviço OI2020..., relativa ao exercício de 2016, de que resultaram correções tributárias em sede de IRC;
  6. O Relatório de Inspeção Tributária elaborado no âmbito da ação inspetiva a que se refere a antecedente alínea B) justifica as correções operadas em sede de IRS, na parte mais releva considerar, nos seguintes termos:

 

III.2.1.2. Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

III.2.1.2.1. Gastos pessoais (Dr.A...)

 

Conforme estabelece o n° 1 do artigo 23° do CIRC, para determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Nos termos do artigo 32° do CIRS, na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no CIRC, pelo que, encontrando-se o contribuinte enquadrado no regime da contabilidade organizada no ano de 2016, as normas anteriormente referidas aplicam-se diretamente na determinação seu resultado tributável.

A indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerandos dedutíveis, os encargos incorridos no interesse e na prossecução da atividade empresarial ou profissional desenvolvida.

A relevância fiscal de um gasto esta dependente de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se e um gasto efetivamente incorrido no interesse da atividade, ou se respeita a um qualquer outro interesse na esfera pessoal do sujeito passivo, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.

Para que os gastos sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários fundamentais:

  • Que sejam comprovados documentalmente (n°(s) 3, 4 e 6 do artigo 23° do CIRC);
  • Que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (n° 1 do artigo 23° do CIRC);

Pelo que, a ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal.

Ao longo do exercício de 2016, foram registados na contabilidade do sujeito passivo, gastos que levantaram dúvidas sobre a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto.

Pelo que, em 22-07-2020 foi o sujeito passivo notificado para esclarecer em que medida estes gastos foram considerados incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto nos termos do n.º 1 do artigo 23° do CIRC (Anexo 1).

Conforme descrito nos pontos II.3.5.1.1. e II.3.5.1.2., as despesas consideradas como gasto no exercício de 2016, elencadas nos pontos I e II da notificação para prestação de esclarecimentos, correspondem a gastos pessoais do Dr. A..., que em nada contribuem para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto no âmbito da atividade profissional por si desenvolvida.

Pelo que, não podem, de forma alguma, ser considerados indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, conforme estabelecido no n° 1 do artigo 23° do CIRC.

O quadro seguinte apresenta os gastos registados durante o ano de 2016 em contas da “Classe 6 – Gastos”, que por corresponderem a despesas pessoais do Dr.   A..., não podem ser considerados incorridos para obter os rendimentos sujeitos a IRS no âmbito da sua atividade profissional:

 

Conta

Lançamento Contabilístico

Descrição

Montante

Obs.

62662

2016-09-30 002 090011

V/ FR N.º 20

1.868.97

Alojamento mobilado para turistas – Quarteira (...)

62662

2016-10-31 002 100002

Desp. Repres.

715,01

Viagem-EUA

62662

2016-10-31 002 100017

Desp. de Desloc.

25,94

... – EUA

62682

2016-07-31 002 070001

Condomínio

508,30

Condomínio fração habitação (...)

626132

2016-12-31 002 120032

Fact. 030

5.400,00

Renda – Praia...– Portimão (...

Total

8.518,22

 

 

Assim, uma vez que nos termos do artigo 23° do CIRC, apenas são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRS, não será de aceitar como custo do exercício de 2016 o montante de € 8.518,22, valor a acrescer no quadro 04 do Anexo C da Declaração Modelo 3 de IRS.

O indevido apuramento do resultado tributável em sede de IRS, pela inclusão dos gastos pessoais anteriormente elencados, constitui uma transgressão ao disposto no artigo 32° do CIRS, artigo 17° e artigo 23°, ambos do Código do IRC, infração tipificada e punida pelo n° 1 do artigo 119° do RGIT: “Omissões e inexatidões nas declarações ou em outros documentos fiscalmente relevantes”.

 

III.2.1.3. Falta de imputação de rendimentos - Sociedades de Administradores Judiciais (Anexo D da declaração modelo 3 de IRS)

 

Conforme previsto no n° 1   do artigo 6° do Código do IRC, este regime consiste na imputação aos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, da matéria coletável obtida pelas sociedades a seguir indicadas, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

  1. Sociedades civis não constituídas sob forma comercial,
  2. Sociedades de profissionais,
  3. Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

Os sujeitos passivos são os únicos sócios das seguintes sociedades de administradores judiciais:

  • Dr. A...: C..., Lda, NIPC...;
  • Dra. B...: D..., Lda, NIPC ...;

Assim, de acordo com o referido no ponto II.3.4.2.,  e uma  vez que ambos os sujeitos passivos  exercem uma atividade qua se encontra especificamente prevista na lista a que se refere o artigo  151.º  do CIRS,  através destas sociedades,  que são exclusivamente  prestadoras  de serviços e apenas exercem aquela atividade, encontram-se reunidos os pressupostos previstos na subalínea a), alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, pelo que  estas sociedades, qualificadas para o  efeito  como sociedades de profissionais,  devem estar abrangidas pelo regime de transparência fiscal, devendo, a matéria coletável global apurada pelas sociedades “C...– SAJ” e “D...– SAJ”, ser imputada aos seus únicos sócios, Dr. A... e Dra. B..., respetivamente, para efeitos de tributação na esfera do seu IRS, e não seria tributada em IRC na esfera das sociedades.

 

III.3. Impostos em falta – liquidados/retidos/descontados e não entregues

III.3.1 IRS

III.3.1.1. Tributação Autónoma – Correção favorável ao SP (Dr. A...) – Categoria B

A tributação autónoma surgiu na reforma fiscal de 2001, com o objetivo de combater a fraude e evasão fiscal e consiste numa tributação adicional a determinados gastos que não são diretamente relacionados com a produção ou serviços prestados, tais como despesas de representação, encargos com viaturas ou as despesas não documentadas.

Estas despesas são taxadas independentemente de haver lucro ou prejuízo, sofrendo um aumento de 10% nas taxas no caso de ser apresentado prejuízo fiscal no mesmo período de tributação a que respeitem os factos tributários.

Sendo uma medida que pretende penalizar despesas que são utilizadas como extras no “pacote salarial” é também utilizada para incentivar certas práticas, por exemplo na menor tributação de viaturas híbridas plug-in e aquelas movidas a GPL ou GNV, ou ainda a energia elétrica.

O artigo 73° do Código do IRS estabelece as taxas de tributação autónoma a aplicar aos encargos ou despesas efetuadas por sujeitos passivos que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais.

Estabelecendo, a alínea a) do n° 2 do artigo 73° do CIRS, que são tributados autonomamente a taxa de 10%, os encargos dedutíveis, relativos a despesas de representação.

Conforme descrito no ponto III.2.1.2., foi acrescido ao lucro tributável do ano de 2016, o montante de € 8.512,22, correspondente a gastos pessoais do Dr. A..., que se encontravam a influenciar o rendimento tributável da sua atividade profissional.

Parte destes gastos foi registada na contabilidade como despesas de representação (conta 62662), tendo sido tributados autonomamente a taxa de 10% nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 73° do CIRS.

Uma vez que não foram aceites como gastos fiscalmente dedutíveis para determinação do rendimento tributável, também não devem ser sujeitos a tributação   autónoma, pelo que será efetuada a respetiva correção favorável ao sujeito passivo, no montante de € 260,99, conforme de seguida se demonstra:

 

Conta

Lançamento contabilístico

Descrição

Montante

Obs.

Tx. T.A.

Correção favorável ao SP

62662

2016-09-30 002 090011

V. FR. N.º 20

1.868,97

Alojamento mobilado para turistas – Quarteira (...

10%

186,90

62662

2016-10-31 002 100002

Desp. Repres.

715,01

Viagem EUA

10%

71,50

62662

2016-10-31 002 100017

Desp.de Desloc.

25,94

... - EUA

10%

2,59

 

260,99

 

As inexatidões praticadas nas tributáveis autónomas dos encargos relativos a despesas de representação constituem uma transgressão ao disposto na alínea b) do n° 2 do artigo 73° do CIRS, infração tipificada e punida pelo n° 1 do artigo 119° do RGIT: “Omissões e inexatidões nas declarações ou em outros documentos fiscalmente relevantes

 

III.3.1.2. Tributação Autónoma - Rendas omitidas – Categoria F

Nos termos do n° 1 do artigo 8° do Código do IRS, consideram-se rendimentos prediais (Categoria F), as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição   dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.

Estes rendimentos, são tributados a taxa autónoma de 28%, conforme previsto na alínea e) do n° 1 do artigo 72° do Código do IRS, podendo, par opção dos respetivos titulares, ser englobados conforme estipulado no n° 8 do mesmo artigo, devendo ser declarados no Anexo F da declaração modelo 3 de IRS.

Estabelece ainda o n° 5 do artigo 22° do Código do IRS que, quando o sujeito passivo exerça a opção pelo englobamento, fica por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos.

No ano de 2016, o Dr.  A... apenas declarou rendimentos da categoria F no montante de € 525,00, correspondentes a renda auferida pela sua quota-parte na fração H do prédio..., da Freguesia de ...- Coimbra, não tendo optado pelo englobamento desta categoria de rendimentos.

Da consulta do sistema informático da AT, constata-se que o Dr. A... e proprietário da fração BR do prédio urbano n° ... da União de Freguesias de ... e ..., tendo sido detetados dois contratos de arrendamento relativos a este imóvel:

 

Contrato

Data início

Inquilino

Renda Mensal

Renda Anual

613707-1

22-08-2014

E..., NIF ...

€ 212,50

€ 2.550.00

613866-1

22-08-2014

F..., NIF ...

€ 212,50

€ 2.550,00

Total

€ 5.100,00

 

Contudo, não obstante terem sido declaradas pelos inquilinos no Anexo H do ano de 2016, a título de deduções a coleta os montantes correspondentes as rendas deste imóvel, não foram declarados pelo Dr. A... quaisquer montantes relativos a rendas deste imóvel no Anexo F.

O Dr. A..., apenas procedeu à emissão dos recibos relativos   às rendas deste imóvel correspondentes ao ano de 2016, já no decorrer do presente procedimento inspetivo, em 04-03-2020, através dos recibos n.ºs .../13 e .../14.

Assim, de forma a dar cumprimento ao estabelecido no n° 1   do artigo 8° e alínea e) do n° 1   do artigo 72°, ambos do CIRS, devem ser considerados no quadro 04 do Anexo F da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2016, os seguintes montantes:

 

 

Valores declarados

Correção

Valores corrigidos

 

Montante

T.A. (28%)

Montante

T.A. (28%)

Montante

T.A. (28%)

Rendimento da categoria F (Rendas)

... ... BR

 

525,00

 

147,00

 

 

5.100,00

 

 

1.428,00

 

525,00

5.100,00

 

147,00

1428,00

Total

525,00

147,00

5.100,00

1.428,00

5.625,00

1.575,00

 

Desta forma, relativamente às tributações autónomas sobre os rendimentos prediais do ano de 2016 resulta uma correção desfavorável ao sujeito passivo no montante de € 1.428,00.

A falta de tributação autónoma sobre os rendimentos da categoria F, resultante da omissão das rendas relativas ao prédio “...-BR” constitui uma transgressão ao disposto no n.º 1 do artigo 8° e alínea e) do n° 1   do artigo 72°, ambos do CIRS, infração tipificada e punida pelo n° 1 do artigo 119° do RGIT: “Omissões e inexatidões nas declarações ou em outros documentos fiscalmente relevantes”.

  1. Na sequência do procedimento inspetivo a que se refere a antecedente alínea B), foi emitida em nome dos primeiros Requerentes, a liquidação do IRS nº 2020..., relativa ao ano de 2016, de que resultou um valor a pagar de € 82.141,17, incluindo a liquidação de juros compensatórios;
  2. A liquidação tinha como data limite de pagamento 20 de Janeiro de 2021;
  3. Os primeiros Requerentes procederam ao pagamento do imposto devido;
  4.  O pedido arbitral deu entrada em 15 de Janeiro de 2021.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e em factos não questionados.

 

            Matéria de direito

 

Transparência fiscal

 

5. Em debate está primeiramente a questão de saber se as sociedades de administradores judiciais se incluem entre as “sociedades profissionais”, a que se refere o artigo 6.º, n.º 4, alínea a), subalínea 1), do CIRC, para efeito de ser imputada no rendimento dos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável da sociedade, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

 

O dito artigo 6.º do CIRC, sob a epígrafe “Transparência fiscal”, na parte que mais interessa considerar, estabelece o seguinte:

 

 1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

(...)

 b) Sociedades de profissionais;

(…)

 4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais:

1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;

(…).

 

Por sua vez, o artigo 151.º do Código do IRS, para que remete aquele outro preceito, epigrafado “Classificação das atividades”, consigna o seguinte:

 

As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

O diploma que regulamentou esse preceito é a Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, que inclui na tabela de atividades, na categoria de “Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados”, na posição 1310, os “Administradores de bens”.

 

A Autoridade Tributária defende, em resumo, que, apesar da tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS não conter um código que refira expressamente “Administrador Judicial” ou “Administrador de Insolvência”, não significa que este não possa estar incluído no código 1310 - Administradores de bens, uma vez que este tem como função essencial administrar os bens do insolvente e garantir os pagamentos aos credores.

Esta questão veio a ser analisada na decisão arbitral proferida no Processo n.º 250/2019-T em termos de considerar que a atividade dos administradores de insolvência não se inclui no conceito de “administradores de bens”, para o efeito do disposto no artigo 6.º, n.º 4, alínea a), subalínea 1), do CIRS, e não há motivo para alterar esse entendimento.

Com efeito, a atividade de administrador de insolvência pode incluir atividade de administração de bens do insolvente, mas não se esgota nela na medida em que envolve diversas funções processuais que são conferidas pelo Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas (CIRE) e que manifestamente não se enquadram no conceito de administração de bens. Como seja elaborar lista dos créditos que reconhece e não reconhece (artigo 129.º, n.º 1), apreender e diligenciar no sentido de lhe serem entregues os bens integrantes da massa insolvente, para que deles fique depositário (artigos 149.º, n.º 1, e 150.º, n.ºs 1 e 2), publicitar a composição da massa insolvente (artigo 152.º), elaborar inventário com avaliação dos bens, sua natureza, características, lugar em que se encontram, direitos que os onerem, e dados de identificação registral, se for o caso (artigo 153.º), elaborar uma lista provisória dos credores que constem da contabilidade do devedor, tenham reclamado os seus créditos ou sejam por outra forma do seu conhecimento (artigo 154.º), elaborar relatório com análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor e indicação das perspetivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis (artigo 155.º), apresentar proposta e emitir parecer sobre plano de insolvência e fiscalizar a sua execução (artigos 156.º, n.º 3, 193.º, n.ºs 1 e 3, 195.º, 196.º, 207.º, n.º 1, alínea d), 208.º e 220.º), encerrar estabelecimentos do devedor (artigo 157.º).º, alegar e emitir parecer sobre a qualificação da insolvência e intervir no respetivo incidente (artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 7).

Além disso, o CIRE permite ao administrador da insolvência a prática de atos que não se integram nos poderes limitados de administração de bens, como é o caso de “desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente ou a massa insolvente, sejam partes” (artigo 55.º, n.º 8), decidir sobre a execução ou recusa de cumprimento de negócios ainda não cumpridos (artigo 102.º, n.º 1), decidir a venda antecipada e promover a venda dos bens que compõem a massa insolvente (artigos 158.º, n.ºs 2 e 3, e 164.º), efetuar diligências para a alienação da empresa do devedor ou dos seus estabelecimentos (artigo 162.º, n.º 2), optar por satisfazer integralmente um crédito com garantia real à custa da massa insolvente antes de proceder à venda do bem objeto da garantia (artigo 166.º, n.º 2), assumir a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, mesmo sem as limitações de poder de disposição estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas (artigo 81.º, n.ºs 3 e 4), intervir e propor ação de responsabilidade, indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente e contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente (artigo 82.º n.º 3) e exigir aos sócios, associados ou membros do devedor as entradas de capital diferidas e das prestações acessórias em dívida, independentemente dos prazos de vencimento que hajam sido estipulados, intentando para o efeito as ação que se revelem necessárias (artigo 82.º, n.º 4).

Face à diversidade das funções que incumbem aos administradores de insolvência, nos termos acabados de expor, que não se reconduzem à mera atividade de administração de bens, não é possível concluir que a sua atividade se enquadra na posição 1310 - Administradores de bens, a que se refere a tabela anexa à Portaria n.º 1011/2001.

 

E estando em causa uma norma de incidência tributária, que permite a imputação aos sócios da matéria coletável da sociedade, que se enquadra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, também não é possível, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 4, da LGT, proceder à integração mediante o recurso à analogia.

 

Pelo exposto, a liquidação impugnada enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por errada interpretação das normas em causa, o que justifica a sua anulação.

 

Por efeito da anulação parcial do ato de liquidação, com o invocado fundamento, fica prejudicada a apreciação da legalidade das correções tributárias efetuadas em sede de IRS na esfera do Requerente A..., relativamente a gastos não dedutíveis para efeitos fiscais, correções essas que, caso sejam mantidas em execução de julgado, apenas o poderão ser em sede de IRC.

 

 Não merece censura a correção relativa à não declaração de rendimentos da Categoria F, sujeitos a taxa especial (e não – rigorosamente - a tributação autónoma). Como consta do RIT, tais rendimentos foram declarados pelos inquilinos relativamente a 2016 (porquanto procederam ao respetivo pagamento em tal ano), sendo a omissão de declaração confirmada pelo próprio Requerente.

 

Estando em causa rendimentos obtidos em 2016, deveriam ter integrado a declaração de rendimentos relativa a esse ano, “lapso” que não se pode considerar suprido mesmo que venham a ser declaradas em ano posterior, como pretende o Requerente.

           

Juros indemnizatórios

 

  6. Os Requerentes pedem ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., incluindo juros compensatórios, no relativo à imputação da matéria coletável correspondente ao lucro obtido pelas sociedades de profissionais de que são sócios (as “Segundas Requerentes), incluindo as correções efetuadas relativas a gastos.
  2. Não conhecer da legalidade das correções tributárias efetuadas em sede de IRS na esfera do Requerente A..., relativamente a gastos não dedutíveis para efeitos fiscais;
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito às correções relativas aos rendimentos da Categoria F sujeitos a taxa especial;
  4. Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em função do decidido na alínea a) supra.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 84.111,31, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de dezembro de 2021,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Rui Duarte Morais

 

O Árbitro vogal

 

Jorge Carita