Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 365/2019-T
Data da decisão: 2020-06-22   Outros 
Valor do pedido: € 56.564,10
Tema: Incompetência em razão do valor da causa, tribunal singular e tribunal coletivo.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ... apresentou em 27/05/2019 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicita a apreciação da legalidade do ato  de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...20180... e, mediatamente, sobre  as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) números 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., porquanto entende que as liquidações são ilegais por, no seu juízo, padecerem do vício de violação da lei: i) duplicação da fatura n.º 800000001 emitida pela B..., S.A.; ii)  não reconhecimento do direito ao reembolso de IVA  dos períodos de 2013/11 e 2013/12; iii) dedução do IVA com documento sem a forma legal, relativamente a faturas emitidas pela C..., Lda. (“C...”) e iv) duplicação de coleta.

 

2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou em 19/07/2019 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

3. No dia 08/08/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

4. Cumprindo a previsão do artigo 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida em 09/08/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (“PA”) aos autos.

5. A Requerida em 30/09/2019   apresentou a sua resposta, na qual pugna pela manutenção das liquidações na ordem jurídica.

6. Considerando que não foi solicitada a produção de qualquer prova, não se vislumbrou necessário convidar as partes a aperfeiçoarem as suas peças processuais e  caso existisse matéria de exceção de conhecimento oficioso podia ser apreciada na decisão arbitral, o tribunal em 13/10/2019  determinou, ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas (artigo 16.º, al. c) do RJAT), a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para  que as partes apresentassem alegações finais escritas e fixou data limite para proferir a decisão arbitral.

 

7. As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais foram apresentadas pela Requerente e pela Requerida em 28/10/2019 e 12/11/2019, respetivamente.

 

8. No dia 04/05/2020 determinou-se que, perante o valor da causa [superior a € 60 000,00], as partes, querendo, se pronunciassem, relativamente à incompetência relativa]do tribunal.

 

9. A Requerente veio aos autos [04/06/2020] defender que: i) o valor da causa tem de ser determinado pelas correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) - € 34 783,59 e do reembolso de IVA -  € 21 780,51;   subsidiariamente ii) a remessa do processo para um tribunal coletivo e iii) ser conferido prazo para apresentação de novo pedido de pronúncia arbitral.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega que a duplicação da fatura emitida pela B..., S.A. em 28/03/2013, no montante de € 23 100,00, sobre a qual incidiu IVA à taxa de 23% - € 5 313,00, apenas se verificou no lançamento contabilístico, mas não na declaração periódica de IVA referente ao período em que este último valor foi deduzido (2013/05).

Assim, propugna que: não tendo existido qualquer duplicação – como se constata pela declaração periódica de IVA [2013/05] –  requer a anulação da liquidação do IVA do período.

A este respeito ainda alega que, mesmo que se considere que há duplicação, com a não aceitação, para efeitos de apuramento do IVA, do montante de € 5 313,00, sempre resulta imposto a recuperar, que deverá ser reembolsado.

Para sustentar o pedido afirma que o direito ao reembolso tem por fonte a circunstância de ter existido um lapso no registo de um crédito na rubrica contabilística # 2436 – IVA a pagar, pois a Requerente procedeu a um pagamento superior em € 21 780,51 em relação ao montante efetivamente devido a título de IVA, no período de 2013/12. Os registos contabilísticos a crédito, nos montantes de € 5 568,80 e de € 54 668,36 deveriam ter sido registados em sinal contrário – debitados e não creditados, pois reportam-se ao pagamento de imposto  e correspondem a valores que saíram do banco – por estar em causa o pagamento das liquidações de IVA respeitantes aos períodos de tributação de 2013/11 e 2013/12 e não a valores que entraram nos bancos.

Advoga ainda que foi indevidamente considerado a crédito o montante de € 58 401,91 para efeitos de apuramento do IVA (rubrica contabilística #2436) – valor que não corresponde a nenhum montante relativo a entradas no banco, que se encontre refletido na reconciliação bancária da Requerente.

Deste modo, alega que o montante de imposto cujo pagamento era devido no ano de 2013 é de  € 95 146,36  e  não de    116 926,87 como foi indevidamente pago.

Em resumo, sustenta que não existiu qualquer duplicação da fatura da B..., S.A. para efeitos de dedução do IVA, tendo isso sim, ocorrido um lapso no tratamento contabilístico dos dados que prejudicou a Requerente, pois há um valor a reembolsar e não a pagar.

Por outro lado, defende estarmos perante um erro na contabilização de movimentos nas rubricas contabilísticas respetivas, em violação das normas legais e não perante qualquer lapso de escrita ou de cálculo no preenchimento das declarações periódicas de imposto. Assim o prazo para a regularização do imposto pago em excesso é de quatro anos e não de dois anos.

Em terceira linha propugna que, relativamente à dedução do IVA com documento sem forma legal – faturas emitidas pela C..., que na visão da  AT não contêm a quantidade e a denominação usual dos bens transmitidos, tal posição não pode subsistir, visto que não estamos perante uma transmissão de bens, mas sim perante uma prestação de serviços respeitante à cedência de pessoal entre duas sociedades.

Quanto ao preço, líquido de imposto, alega que a prestação de serviços se reporta à cedência de pessoal pela C... em 2012 à Requerente, ano em que o volume de negócios e proveitos diminuíram em resultado da comunicação do principal fornecedor –D...– da não renovação do contrato de distribuição e representação exclusiva. Essa circunstância conduziu a que, perante o volume da massa salarial, tivesse sido necessário proceder à revogação de todos os contratos de trabalho dos colaboradores que tinha nos seus quadros.

Neste âmbito acrescenta que esses trabalhadores, entretanto, celebraram um contrato com a C... e, como no início de 2013, conseguiu estabilizar a sua situação financeira e reestruturar as operações foi necessário contratar trabalhadores para fazer face à sua atividade. Nesse contexto foi acordado com a C... um contrato de cedência de pessoal, tendo esta última sociedade declarado, liquidado e pago o IVA associado às faturas sob escrutínio. Por isso conclui que fica demonstrado que as faturas cujo IVA foi deduzido se reportam a serviços efetivamente prestados e essenciais para a atividade da Requerente, adquiridos para a realização de operações sujeitas a imposto e, por isso, conferem direito à dedução.

Subsidiariamente alega que, a admitir-se que as faturas foram emitidas sem a forma legal (inclusão de todos os elementos normativamente previstos como obrigatórios), encontram-se observados todos os requisitos necessários para a dedução do IVA, v.g.  no caso sub judice o facto tributário é a prestação de serviços pela C... à Requerente e, apesar de as faturas apenas referirem “[p]restação de serviços de acordo com o contrato de 02.01.2013”, a  existência da prestação de serviços fica demonstrada, bem como o seu âmbito, extensão e o rol de trabalhadores objeto do contrato.

Acrescenta que o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) entende que não se deve limitar a aferição da existência dos pressupostos do direito à dedução do exame da própria fatura, mas atender-se às informações  complementares prestadas pelo sujeito passivo – acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-516/14, de 15 de setembro de 2016.

Assim defende que apresentou os documentos de suporte, comprovativos e faturas da cedência de pessoal relativos aos serviços prestados pela C..., necessários para que a Requerida verificasse o cumprimento dos requisitos substantivos do direito à dedução, em termos de lhe permitir a realização de controlos do pagamento do imposto devido  e da existência do direito à dedução do IVA – prevalência da verdade material sobre a verdade formal. Em suma, pugna pela dedução do IVA relativo aos serviços prestados pela C..., no montante de € 29 470,59.

Por outro lado, alega que a Requerida não tem razão quando defende que: se a C... não tem qualquer margem de lucro na operação, pois tratar-se-ia de um simples débito das despesas com o pessoal, inexiste uma prestação de serviços na referida operação, na medida em que  foi configurada pelas partes como uma prestação de serviços e não como uma mera (re)faturação de custos.

Neste âmbito e de forma subsidiária observa que, ainda que estejamos perante uma operação de cedência de pessoal não sujeita a IVA (IVA indevidamente mencionado na fatura), verifica-se uma obrigação de imposto e consequente direito à dedução do IVA liquidado. Ao exigir à Requerente o pagamento do IVA relativo às faturas emitidas pela C..., por alegada dedução indevida, a AT está a obrigar a Requerente a pagar duas  vezes o mesmo imposto originando o vício de duplicação de coleta.

Termina solicitando a anulação da liquidação de juros compensatórios e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, estes contados desde o pagamento das liquidações em crise até ao reembolso das quantias.

A Requerida apresenta uma defesa com a seguinte fundamentação:

i) Duplicação da dedução do IVA – Fatura  n.º 800000001 da B..., S.A.

 

Relativamente à fatura n.º 800000001 propugna que, na análise à contabilidade apresentada, não verificou qualquer retificação à aludida duplicação, bem como com a apresentação da declaração de IVA do período em causa ou da consulta dos extratos de conta apresentados não foi possível confirmar de forma inequívoca a não duplicação.

Acrescenta a este propósito que a Requerente limitou-se  a efetuar mapas com os valores constantes nas declarações periódicas, anexando listas cujo título é “explorador de vendas” e as declarações entregues, quando o artigo 44.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) determina que: “[a] contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”.

Conclui quanto a esta questão da seguinte forma: a correção foi efetuada com base na contabilidade apresentada e nela não está espelhada qualquer retificação da duplicação da fatura n.º 800000001 e os documentos anexos ao direito de audição – listas de explorador de vendas e cópia das declarações periódicas de IVA – não comprovam a não duplicação do IVA dedutível, no montante de € 5 313,00, do período 2013/05.

               

ii) Reembolso de IVA indevidamente pago

 

O artigo 98.º, n.º 2 do CIVA prevê uma regra geral relativamente ao prazo para a apresentação do pedido de revisão do ato tributário, contudo existem disposições especiais, como expressa e concretamente o aludido artigo determina quando dispõe que: “Sem prejuízo de disposições especiais…”.

Uma dessas disposições especiais é precisamente aquela que se encontra prevista no artigo 78.º, n.º 6 do CIVA, no qual se determina que os erros de cálculo e materiais só podem ser objeto de correção no prazo de dois anos. Ora, essa norma encontra-se orientada para o sujeito passivo que procede à autoliquidação; sendo um erro material, a regularização seria possível no prazo de dois anos a contar da data da entrega da declaração periódica que contém o erro.

Assim observa que, se na  presente hipótese foram considerados valores, nas declarações periódicas de IVA do ano de 2013 (11/2013 e 12/2013), erradamente creditados na rubrica contabilística #2436-IVA a pagar – diário 63 – registo 120 064, como contrapartida em débito de banco relativamente aos quais não existem suportes documentais, não correspondem a qualquer entrada de fundos nas contas bancárias da sociedade e tendo sido solicitada essa correção em 2018, o referido prazo foi excedido.

 

iii) Dedução do IVA com documento sem forma legal

 

Começa por referir que a lei estabelece exigências formais especiais para a emissão das faturas ou documentos equivalentes como condição para a dedução do IVA. Acrescenta que a fatura que não respeite a forma legal é passada em forma não legal, independentemente da efetiva realização da operação que titula e não confere direito à dedução do IVA nela mencionado.

Propugna que as faturas infra indicadas não foram emitidas na forma legal, pois delas devia constar: a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e o preço, líquido de imposto, face ao previsto no artigo 36.º, n.º 5, alíneas b) e c) do CIVA:

Conta    Data      Diário    N.º Diário            Descrição            Débito

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/01/2013         41           10.094   Ft            € 1 605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           28/02/2013         41           20.005   Ft 76/2013 ...     € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/03/2013         41           30.001   Ft 111/2013       € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           30/04/2013

                41           40.001   Ft 165

C...         € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/05/2013         41           50. 001 Ft 196

C...         € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           30/06/2013         41           60 055   Ft 230

C...         € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/07/2013         41           70 009   Ft 273

C...         € 3210,80

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/08/2013         41           80 01     Ft 304

C...         € 1605,40

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           30/09/2013         41           90 015   Ft 341

C...         € 2875,00

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/10/2013         41           100 011                Ft 409

C...         € 2875,00

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           30/11/2013         41           110 008                Ft 472

C...         € 2875,00

24323132311 – Obs – Tx. Nm.- MN -TT/Dedutível           31/12/2013         41           120 011                Ft 556

C...         € 2875,00

24321132311 – Ex – Tx. Nm. Mn-TT/Dedutível  30/11/2013         41           110 01  Ft 489

C...         € 3521,99

Total                     € 29 470,59

 

Assim, na sua opinião, a inexistência de tais requisitos obrigatórios impede a dedução do IVA  mencionado  nas aludidas faturas, perante a falta de discriminação das prestações de serviços.

Já quanto às correções efetuadas nos termos do artigo 36.º do CIVA, observa que a invocada jurisprudência do TJUE não é aplicável à presente hipótese, pois a matéria de facto não é semelhante, configura uma situação de registo como sujeito passivo.

Na verdade defende, se a Requerente alegou que os valores faturados são inerentes aos custos suportados pela C..., relativamente aos contratos de trabalho com colaboradores, mormente, retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), proteção social e acidentes de trabalho, por outro, as faturas emitidas somente referem no seu descritivo: “prestações de serviços de acordo com o contrato de 02.11.2013”, não tendo durante o procedimento inspetivo e exercício do direito de audição sido apresentado qualquer contrato, mas apenas em sede de reclamação graciosa. Assim, perante a natureza residual  e ampla do conceito de prestação  de serviços vertido no artigo 4.º, n.º 1 do CIVA, as operações de cedência de pessoal qualificam-se como operações sujeitas a tributação e incluem-se na norma todas as situações em que existe uma colocação de pessoal à disposição, independentemente de tais operações se qualificarem, ou não, em termos jurídicos, como uma cedência de pessoal e apesar de os trabalhadores manterem os seus vínculos laborais originários com as entidades patronais.

Contudo, o simples débito das despesas inerentes com o pessoal não configura uma prestação de serviços, pelo que tal IVA não seria dedutível.

Acrescenta que a inexistência da prestação de serviços e, consequentemente, a não sujeição a imposto é igualmente aplicável em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exato de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a Segurança Social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força do contrato de trabalho. Assim, o débito das despesas inerentes com o pessoal não configura uma prestação de serviços.

Os vícios formais das faturas, para além de inviabilizarem a cobrança exata do imposto, por se desconhecer a realidade factual sobre a qual o IVA incide, não permitem a fiscalização da aplicação do imposto pela AT. 

Por isso conclui que não é possível afirmar que as faturas da C... possam permitir  a verificação pela AT, de uma forma segura, da adequação da base tributável e respetiva taxa de imposto a cada situação em concreto, pelo que não dão direito à dedução do IVA – artigo 19.º, n.º 2 do CIVA.

 

iv) Questão da duplicação de coleta

 

Defende que a mesma não se verifica, pois não pode ser chamado à colação outro sujeito passivo que não é parte nos autos e, assim, conclui que as correções devem manter-se na ordem jurídica.

 

QUESTÃO PRÉVIA

 

A Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral,  que tem por génese o indeferimento expresso da reclamação graciosa, formula o pedido de revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa  apresentada e consequente anulação das liquidações de IVA números  2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018...,  2018... e juros compensatórios e, em segundo lugar, o “[r]eembolso […] do montante de IVA indevidamente pago de € 21 780,51, relativamente aos períodos de tributação 2013/11 e 2013/12” – “ V – do Pedido”.

O valor indicado pela Requerente no pedido de constituição do tribunal arbitral foi  de € 56 564,10 [€ 34 783,59 respeitante às  correções aritméticas e consequentes liquidações de IVA e € 21 780,51 do reembolso], circunstância que determinou a constituição do tribunal arbitral singular.

A Requerente veio aos autos, em 04/06/2020, defender que os juros compensatórios não devem ser computados para a determinação do montante da utilidade económica do pedido.

A este respeito observa a jurisprudência estadual : “1. O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT, e não por aplicação do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, do CAAD.  2. Para efeitos do valor da causa, a utilidade económica imediata do pedido, sempre que este não é definido através de uma quantia certa em dinheiro, deve ser avaliada em função do pedido e da causa de pedir. 3. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respetivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida”.

Mais, a  doutrina, na anotação ao artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária – artigo 29.º, n.º 1, al. a) do  RJAT, ensina que: “Como valor da liquidação deverá considerar-se o dos juros compensatórios que eventualmente tiverem sido liquidados, se for pedida a respetiva anulação, pois, de harmonia com o disposto no art. 35.º, n.º 8, da LGT, «os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados»”, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 72.

Desde modo, se no pedido de pronúncia arbitral também se solicita a anulação da liquidação de juros compensatórios, que se computam em € 6 068,72,  o valor da causa é de € 62 632,82 .

Ora,  de acordo com o disposto no artigo 102.º do Código de Processo Civil (“CPC”), “[a] infração das regras de competência fundadas no valor da causa (…) determina a incompetência relativa do tribunal” sendo que, de acordo com o previsto no artigo 104.º, n.º 2 do CPC: “[a] incompetência em razão do valor da causa é sempre do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a ação em que se suscite”.

Ora, se a Requerente entende que o montante dos juros compensatórios é inócuo para determinar o valor da causa, a verdade é que: i) caso o pedido de anulação procedesse constituiria um montante que não teria de pagar e ii) a jurisprudência entende que o artigo 97.º-A do CPPT é aplicável à arbitragem tributária.

Para além do mais,  continua a jurisprudência estadual : “[n]o sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria coletável[…]”.

Sucede que, a Requerente  [também] solicita a anulação das liquidações de juros compensatórios – alínea a) do pedido [enquanto consequência da revogação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa], assim sendo, sem mais delongas, a competência para apreciar e decidir o presente processo, em razão do valor da causa, não está, por lei – artigo 5.º, n.º 2, alínea a) do RJAT    atribuída a este tribunal arbitral singular, mas a um tribunal coletivo a constituir sob a égide do CAAD.

A incompetência em razão do valor da causa constitui uma exceção dilatória - artigo 577.º do CPC que, nos termos do artigo 576.º, n.º 2 do CPC, obsta “[a] que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.”

E no âmbito da arbitragem tributária?  A doutrina  observa que: “As regras de competência  em razão do valor da causa não podem ser afastadas  por vontade das partes (artigo 95.º, n.º 1, do CPC) e a incompetência em razão do valor da causa  é de conhecimento oficioso (artigo 104.º, n.º 2, do CPC), pelo  que pode ser decidida independentemente de ser arguida pelas partes. […] Na sequência de decisão de incompetência, «pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão que a declare, requerer a remessa do processo ao tribunal competente» (artigo 18.º do CPPT).  No entanto, na jurisdição arbitral esta possibilidade  de remessa não afasta a necessidade de constituição de um novo tribunal, com a remuneração da atividade desenvolvida pelos árbitros de ambos os tribunais, pelo que implicará o pagamento das custas relativas às  duas constituições de tribunais”.

Deste modo, é aplicável o artigo 18.º do CPPT e a consequência da incompetência em razão do valor da causa é a remessa do processo para um tribunal coletivo.

Em resumo, independentemente do mérito das pretensões da Requerente, o tribunal é incompetente em razão do valor da causa para conhecer e decidir o pedido de pronúncia arbitral.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

a) Declarar a incompetência deste tribunal arbitral em razão do valor do litígio nos termos supra expostos;

b) Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo;

c) Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

No presente processo o tribunal depara-se com dois valores para efeitos do cálculo das custas a suportar pela Requerente: o primeiro, correspondente ao atribuído no pedido de pronúncia arbitral e o segundo, determinado nesta decisão. Adere-se ao que se entendeu no acórdão n.º 151/2013-T, de 15 de novembro, sobre a situação da existência de valores diferentes para efeitos de custas: “O facto de o valor do litígio, para efeitos de determinação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ser o que resulta da aplicação subsidiária do CPPT, não obsta a que seja outro o valor para efeitos de custas, pois trata-se de matéria que tem a ver exclusivamente com as receitas do CAAD, que é uma entidade privada, e, como se disse, a regulamentação do regime de custas foi deixada pelo artigo 12.º do RJAT, na sua exclusiva disponibilidade, ao estabelecer que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa»”.

Fixa-se o valor do processo em € 62 632,82, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

Custas a suportar pela Requerente, no montante de € 2142 -  artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 22 de junho de 2020

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos