Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 359/2021-T
Data da decisão: 2022-01-21  IVA  
Valor do pedido: € 12.090,61
Tema: IVA – dedutibilidade; Guias de circulação; ónus da prova; fundamentação.
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SUMÁRIO:

 

I - A legislação que estabelece as regras para a identificação, registo e circulação de animais visa a gestão da base de dados relativa às espécies nela mencionadas - bovina, ovina, caprina, suína e equídeos -, bem como os inerentes controlos de campo no âmbito da identificação e registo por forma a racionalizar os meios para assegurar a boa execução das normas comunitárias e também a salvaguarda da saúde pública e animal (DL n.º 142/2006, de 27 de Julho, que criou o SNIRA – Sistema Nacional de Identificação e Registo Animal).

II - A exigência legal de guias de circulação emitidas pelo SNIRA para movimentar suínos sempre teve outros objectivos que não os que lhe pretende atribuir a Requerida, no sentido de constituirem uma prova documental imprescindível da deslocação de animais, pelo que não estava a Requerente impedida de provar a materialidade dos factos com recurso a prova testemunhal.

III - Incumbe ao Requerente o ónus da prova de que toda a ração por si adquirida, não obstante ter sido descarregada em propriedades que não correspondem à da sua exploração, se destinou a ser consumida por animais identificados e registados com a marca licenciada pela DGAV para tal exploração.

IV - Cumpre o dever de fundamentação o Relatório de Inspeção Tributária que é explícito em relação às razões que justificam as correções operadas, mediante a enunciação clara e percetível dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo, para mais quando resulta inequívoco que tal Relatório foi perfeitamente compreendido pela Requerente que o rebateu, em detalhe, quer na Reclamação Graciosa, quer na acção arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 17 de Junho de 2021, A..., LDA., contribuinte n.º..., com sede Rua ..., n.º..., no ..., ...-...,  ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/01), no artigo 97.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e nos artigos 99.º e segs. do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”),  em consequência de ter sido notificada da Decisão Final de Indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada, com a qual não se conforma, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos de liquidação de IVA:

                - Demonstração de Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2020..., referente ao período 201612T, e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 2.652,29;

                - Liquidação de IVA n.º 2020..., referente ao período 201709T, e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 6.884,67;

                - Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020..., e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 653,38;

                - Liquidação de IVA n.º 2020..., referente ao período 201909T, e da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 1.864,02; e

                - Liquidação de Juros de Mora n.º 2020..., e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 36,25.

                Pede ainda a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago,               acrescido de juros de mora à taxa legal.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que toda a ração por si adquirida foi destinada à actividade pecuária de criação e engorda de suínos a que se dedica, não obstante parte dela ter sido descarregada noutras explorações que não a de sua propriedade localizada em ..., no ... .

 

3.            No dia 21-06-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, als. a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 05-08-2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

6.            O Tribunal Arbitral ficou constituído em 24-08-2021, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT,

 

7.            No dia 25-08-2021, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17.º n.ºs 1 e 2, do RJAT.

 

8.            Após uma requerida e concedida prorrogação de prazo, a AT apresentou a sua Resposta, em 11-10-2021, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido e protestando juntar o processo administrativo.

 

9.            Por despacho de 14-10-2021, foi designado o dia 16-11-2021 para a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, nomeadamente para a inquirição de testemunhas.

 

10.          Na data ante designada realizou-se a mencionada reunião, na qual foi produzida prova testemunhal.

 

11.          A dado passo da inquirição de testemunhas, que decorreu por videoconferência com o assentimento de ambas as partes, como consta da respectiva acta, o Ilustre Mandatário da AT pediu a palavra para requerer que a testemunha B..., pelo facto de ser sócio e ter declarado ajudar o filho na gestão da Requerente, passasse a ser ouvido como parte ou, em alternativa, que não fosse admitido o seu depoimento. Tal requerimento foi indeferido por falta de fundamento legal, nos termos mais desenvolvidamente explicitados em despacho de 17-11-2021.

 

12.          Ainda no decurso da aludida reunião o Ilustre Representante da AT solicitou a palavra e no seu uso requereu: A) que a Requerente fosse convidada a juntar aos autos toda a documentação relativa ao processo de licenciamento da exploração na propriedade  ...– o que foi imediatamente deferido e notificado à Requerente que havia declarado nada ter a opôr. B) que o Tribunal oficiasse a empresa “C..., Lda.”, cujo sócio-gerente manifestara disponibilidade para tal no depoimento prestado, a faturação dos períodos aqui em apreço. Este requerimento viria a ser indeferido por se considerar que a facturação da referida Empresa nada teria que ver com o objecto do pressente PPA e que, enquanto tal, seria impertinente para a decisão a proferir, como melhor se fundamenta no sobredito despacho, de 17-11-2021, que aqui se dá por reproduzido.

 

13.          Por requerimentos de 19 e 23 de Novembro de 2021, respectivamente, Requerente e Requerida vieram juntar o processo administrativo integral.

 

14.          Por despacho de 02-12-2021, determinou-se a notificação de ambas as partes para apresentarem alegações escritas simultâneas. Apenas a Requerida apresentou alegações, tendo mantido e desenvolvido, em parte, a posição já por si assumida na Resposta.

 

15.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1.1 - A Requerente foi notificada das demonstrações de acerto de contas, liquidações adicionais de IVA, Juros Compensatórios e Juros de Mora seguintes: Demonstração de Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2020..., referente ao período 201612T, e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 ..., da qual resultou o montante a pagar de € 2.652,29; Liquidação de IVA n.º 2020..., referente ao período 201709T, e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 6.884,67; Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2020..., e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 653,38; Liquidação de IVA n.º 2020..., referente ao período 201909T, e da respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 1.864,02; e Liquidação de Juros de Mora n.º 2020..., e respectiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., da qual resultou o montante a pagar de € 36,25, as quais apresentavam como data-limite para pagamento voluntário os dias 1 de Junho de 2020 e 3 de Junho de 2020 (Docs n.ºs 3, 5, 7, 9 e 11, juntos ao PPA).

1.2 - Inconformada com tais actos, a Requerente apresentou contra os mesmos Reclamação Graciosa, em 21-09-2021, a qual correu termos sob o nº ...2020..., tendo sido objecto de projecto de indeferimento por despacho de 04-12-2020 do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, que se converteu em definitivo por despacho de 06-01-2021, notificado através do Ofício n.º ... (Docs. n.ºs 1 e 12, juntos ao PPA).

1.3 - A Requerente apresentou o presente PPA, em 17-06-2021.

1.4 - A A... / Requerente  é uma sociedade comercial, constituída em 30-03-2012, cuja actividade consiste na exploração de uma pecuária de suinicultura, em regime intensivo de criação de porcos para abate, com o CAE 01460, possuindo nos anos em análise - períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017 - uma exploração própria com a marca PT..., localizada em ..., no ..., concelho de Alcácer do Sal, sendo tributada pelo regime geral em sede de IRC e enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA (RIT).

1.5 - Nos finais do ano de 2015 e grande parte do ano de 2016, o sector da suinicultura conheceu uma crise motivada por um excesso de oferta – a qual, inclusivamente, motivou protestos da classe, noticiados nos meios de comunicação social, e um apelo do próprio Ministro da Agricultura à aquisição de produto nacional (Docs. n.ºs 14 a 16, juntos com o PPA).

1.6 - A Requerente enfrentou dificuldades de escoamento do produto e, dado que  produção nunca foi interrompida, utilizou a exploração de uma outra sociedade, cujo sócio é Pai do sócio maioritário da Requerente.

1.7 - A Requerente conheceu depois um crescimento significativo da sua actividade, pelo que, em 1 de janeiro de 2017, celebrou com a sociedade “C..., LDA.”, pessoa colectiva n.º..., um contrato de cessão de exploração pecuária, com vista à utilização de uma exploração sita no ..., no prédio rústico denominado “D...”, da freguesia do..., Alcácer do Sal, com a marca de exploração PT... (Doc. n.º 13, junto com o PPA).

1.8 - A exploração do D... tem capacidade para cerca de 2.500 porcos de engorda, tendo a exploração de E..., por sua vez, capacidade para cerca de 1.800 porcos, para além de parte dedicada à produção de leitão (itens 20 e 21 do PPA, aceites por acordo).

1.9 - Em 2017, a Requerente movimentou leitões de E... para o D..., em camião próprio, de forma a serem engordados, não obstante esta última exploração (D...) só ter tido autorização da DGVE no início de 2018 (itens 22 e 23, RIT e prova testemunhal). 

1.10 - A movimentação dos suínos de uma exploração para a outra não foi acompanhada das correspondentes guias de circulação emitidas pelo SNIRA (item 24 do PPA).

1.11 -  No ano de 2017, foram vendidos pela Requerente 4579 porcos com peso morto de 377.301 kg (item 28 do PPA, aceite por acordo).

1.12 - A taxa de mortalidade dos animais de criação ronda os 3% (item 31 do PPA e prova testemunhal).

1.13 - Todos esses animais vendidos pela Requerente foram facturados aos respectivos adquirentes, facturação esta que não foi posta em causa em sede de inspecção (itens 34 e 35 do PPA, aceites por acordo).  

1.14 - No ano de 2017, foram adquiridas pela Requerente as seguintes quantidades de rações, com as designações infra:

             80112 SUI-CRESCIMENTO-Granel/FR: 383,930Toneladas

             80512 SUI-CRESC/CASTRADOS(30/75KG )/PORSICUNI-Granel/FR: 315,300 Toneladas

             80612 SUI-ACAB/CASTRADOS(75kg ao abate)/PORSIC-Granel/FR: 423,800 Toneladas

            81312 SUI-CRESCIM./ACABAMENTO-Gr anel/FR 242,800: Toneladas, ou seja, um total de 1365,83 toneladas (Doc. n.º 17, junto com o PPA).

1.15 - Com início em Outubro de 2019, a Requerente foi objecto de um procedimento de inspeção, credenciado pelas ordens de serviço externas com os n.ºs OI2018... e OI2018..., emitidas em 30-05-2018, e OI2019..., emitida em 06-08-2019, levado a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, no seguimento do qual foi notificada, em 01 de abril de 2020, do respetivo Relatório Final de Inspecção Tributária (Doc. n.º 18, junto com o PPA / RIT).

1.16 – Do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) integrante do PA junto pela Requerida consta, entre o mais, o seguinte:

                (...)        

   

                (...)

 

                (...)

 

                (...)

 

                (...)

 

                (...)

 

                (...)

 

                (...)

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

2.1 - Não se provou que nos anos de 2015 e 2016, a Requerente tenha deslocado animais da sua exploração, em ..., para as explorações de F... e D... .

2.2 - Não se provou que a ração adquirida pela Requerente, mas descarregada nas propriedades de F... e D..., nos anos de 2015, 2016 e 2017, tenha sido destinada a alimentar suínos registados com a marca de exploração da A..., PT..., transferidos para aquelas a partir da sua exploração sita em ... .

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal, consideraram-se como provados e como não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

Neste conspecto, ressalta, desde logo, que G..., sócio gerente da A..., faltou à verdade no e-mail dirigido à AT, em 06-02-2020 (Anexo 7 do RIT), ao afirmar que não existem relações comerciais entre as sociedades Requerente e a “ C..., Lda.”, da qual o seu pai,  B..., é sócio gerente, como revela o contrato de cessão de exploração entre ambas celebrado, em 01-01-2017 (Doc. 13, junto com o PPA). Ainda na mesma comunicação eletrónica, a sua expressão “...No F... penso que por falta de espaço e de escoamento foi necessário colocar lá animais até à sua saída e por isso foi lá colocada ração.” é de uma inextricável falta de rigor sobre factos que, enquanto sócio gerente da Requerente, tinha a obrigação de conhecer ao pormenor. Com efeito, a expressão “penso que” revela que G... não tinha a certeza sequer da localização dos suínos pertencentes à sua exploração pecuária. E uma tal incerteza é inexplicável e inadmissível, a não ser num quadro de alhamento da gerência e entrega da mesma a seu pai como, de certo modo, ficou a pairar a dado passo da audiência de testemunhas. Entretanto, terá tido um avivamento de memória, pois, em auto de declarações prestadas a 10-02-2020, já foi capaz de afirmar que “...por falta de capacidade na exploração da A... deslocou suínos para a exploração do F... e para a Herdade D... .” (Anexo 8 do RIT).

A testemunha H..., engenheiro agrónomo, disse trabalhar na área da produção e nutrição animal, com 30 anos de experiência profissional. É Director Técnico de uma empresa de nutrição animal e responsável pelas rações feitas na I... (I..., Lda.), fornecedora da A..., cujas explorações acompanha em termos produtivos.

Por opção da Requerente, o seu depoimento foi restrito a factos do ano de 2017. Revelou que o período de engorda de um porco vai desde os 25-30 kgs até aos 110-115 Kgs, peso próprio para abate. Questionado sobre a razoabilidade de, em 2017, se terem gasto 1365 toneladas de ração para engordar os 4579 porcos, nesse ano vendidos e facturados pela A..., o que dá uma média de cerca de 300 kgs de ração por animal, respondeu afirmativamente, explicitando que quando se vende bem os porcos chegam até aos 5 / 5,5 meses e que quando se vende mal chegam até aos 6 / 6,5 meses, o que significa mais tempo na exploração, mais peso, mais ração consumida [fica a nota de que, segundo a alegação da própria Requerente, após um tempo de crise, 2017 foi já um ano de expansão da actividade – v. factos provados 1.5 a 1.7]. Afirmou que 270/280 Kg de ração é o rácio normal por porco em engorda. Aditou que o consumo acima desse valor é justificado pelo facto de haver animais que estão na exploração e consomem ração mas não são vendidos, porque têm 3/4 meses e, portanto, ainda não estão prontos para abate e que os porcos castrados têm um índice de conversão menos eficiente. Quer num caso, quer no outro não referiu percentagens, o que retirou eficiência aos esclarecimentos que pretendia fornecer, nomeadamente sobre os índices zootécnicos do sector. Mencionou também que, para salvaguarda do bem estar animal, quando há problemas de espaço, causados por uma situação crítica de desregulação do mercado ou por um incremento da produção, surge a necessidade de deslocar animais de uma exploração para outra, problema com o qual se viu confrontada a A... e daí ter movimentado suínos de E... para as D... . A testemunha não logrou, contudo, esclarecer a qual dos factores se terá ficado a dever a necessidade de a Requerente movimentar animais entre propriedades em 2017: se à crise vivida em 2015 e 2016, se ao crescimento da produção de que dá nota a própria A..., a partir do ano de 2017. Bem como, não mencionou a quantidade de animais que teria sido necessário deslocar para garantir o aludido bem estar animal. Pelo contrário, disse não ter conhecimento do transporte de suínos para outra propriedade além das D..., nem de que, antes de 2017, tenha havido necessidade de deslocalização de porcos.

Na contra-instância, perguntado se era possível fazer uma análise estanque ao ano de 2017, atendendo ao facto de haver porcos cuja engorda transita de um ano para o outro, bem assim de não se saber com que stock de ração a A... começou e acabou esse ano, e se, enquanto tal, não seriam precipitadas algumas das suas afirmações e conclusões sobre o consumo efectivo por animal, a testemunha vacilou, refugiando-se numa abstracção para dizer que, se tem xis animais que consumiram íplison kgs de ração, a conclusão é a de que, em termos médios e de acordo com a sua experiência em controle de explorações pecuárias daquela espécie, o consumo é de cerca de 270 a 280 kg de ração por engorda de suíno, sendo o resto distribuído pelos outros animais que ainda estão em produção e só mais tarde saem para abate. Na parte final do seu depoimento caiu em contradição, afirmando agora que os porcos devem ser vendidos com seis meses, quando primeiramente afirmara que o deviam ser com cinco ou cinco meses e meio e que só em tempos de crise, quando se vende mal, é que ficam mais tempo na exploração, consumindo mais ração e, então sim, atingindo os seis ou seis meses e meio.

A testemunha J... disse dedicar-se ao comércio e produção de suínos, comprando animais, leitões e porcos, à A..., desde 2015.

Carrega os porcos em D... e em E... . Onde nascem os leitões estão as porcas reprodutoras e noutro local estão os porcos para engorda. Costuma carregar os porcos nas D... e as porcas em E... . Os porcos são pesados nas D..., tem lá uma báscula.

Perante a afirmação de que, em 2017, a A... vendeu 4579 porcos e a pergunta se os comprou todos, respondeu que lhe compra uma carga / um camião por semana, o que pode variar entre 150 a 240 porcos de cada vez. Na contra-instância, questionado se mantinha que compra uma carga por semana e confrontado com o imperativo de haver precisão nos factos, disse: “então é melhor não responder a essa pergunta”. Sendo-lhe notado que os números por si adiantados levariam a duplicar ou mesmo quase triplicar o número de porcos vendidos pela A... em 2017, mudou o discurso, passando a afirmar que tanto podia comprar uma ou duas cargas por semana, como estar 3 ou 4 semanas ou até mesmo um mês e meio ou mais sem carregar nada. Questionado sobre se negoceia ou chegou a negociar simultaneamente com a “C...” e com a A..., respondeu que durante uns anos só fazia negócios com o Senhor B... e de há uns anos para cá os faz com os dois, mas mais com o Senhor G... . Sabe que são empresas diferentes, não sabe quando uma começou e a outra deixou de facturar. Mas diz que nos últimos 4 ou 5 anos só a A... lhe facturou.

A testemunha B..., pai de G... e sócio deste na Requerente, é o sócio gerente da sociedade comercial “K..., Lda.”, também localizada no ... e que também produz suínos. É ainda sócio gerente da sociedade comercial “C..., Lda.” e relativamente à A... disse não saber se era gerente, resumindo a situação do modo seguinte: “A missão é sempre gerir, é o que faço. Pode a gerência estar dada ao meu filho, mas no fundo é ajudá-lo.” Consta do PA que a testemunha é apenas sócio da Requerente, ainda que com uma quota social muito próxima dos 50% do capital, mas estas suas afirmações iniciais desvelaram a existência de uma acentuada promiscuidade na gestão das várias sociedades comerciais da família L... dedicadas à suinicultura, o que motivou mesmo da parte do Ilustre representante da AT um requerimento no sentido de que B... passasse a ser ouvido como parte, como se detalhou supra. Embora tendo aceitado continuar a ouvi-lo como testemunha, dado que apenas a detenção formal da gerência imporia que fosse ouvido como parte, o Tribunal não deixou de ter em conta a manifesta proximidade deste à gestão de facto da Requerente, para aquilatar da real valia do seu depoimento, em termos de isenção e credibilidade.

De mais relevante disse ter comprado [“comprámos”] E...  há uns oito ou nove anos. O filho [G...] fez um projecto de jovem agricultor e tiveram um licenciamento para porcas reprodutoras, cerca de 400. Perguntado se tinham comprado porcas para essa exploração, respondeu: “Não, por acaso não compramos porque havia outra exploração da “K...” que tem um núcleo genético que faz animais para lá.” Mais adiante, a instâncias do Ilustre Representante da Fazenda Pública, inverteu o discurso, afirmando que compraram porcas, mas não a entidades externas, por questões sanitárias. Referindo-se ao ano de 2017, acrescentou: “…fomos pondo lá [em E...] porcos e aquilo foi crescendo e como não havia espaço… os lugares de engorda em E..., nessa altura, eram para aí 1800 ou 2000 no máximo.” À observação: - Cresceu assim tanto a produção?, complementou: “porque há trabalho, dedicação, porque há leitões … há um acompanhamento muito grande, eu passo lá 14/15 horas por dia para que as coisas corram bem.” Seguidamente referiu que, na altura crítica, fizeram uma parceria com uma grande empresa que trabalha com o ... para melhorar o escoamento da produção, mas que os preços estavam muito baixos, pelo que o contrato que era de cinco anos acabou por durar só quatro: “…eles admitiram que eu saísse porque era enorme o prejuízo no que se estava a vender para o ... .”

Tentando justificar a imputada deslocação de animais entre explorações sem os adequados registos e guias de movimentação, queixou-se de que o processo de licenciamento é muito burocrático envolvendo diversas entidades e que, às vezes, passar uma licença para uma exploração para 200 ou 400 reprodutoras demora anos. No seguimento, repetiu a necessidade de colocar porcos nas D..., dada a sobrelotação de E..., mesmo sem licença, resumindo o seu pensamento do seguinte modo: “levava-os para as D..., então aquilo era meu e é tão perto… os porcos eram do A..., a ração tinha que ser do A... e os porcos foram vendidos em nome do A... .”

Não terminou o seu depoimento sem deixar no ar mais uma curiosidade, por si não esclarecida mas indiciadora da diversificação do seu negócio familiar da suinicultura e da multiplicação societária por que se distribui. Assim, já na contra-instância e perante a observação: “- Pelo que percebi, há três empresas…”, respondeu prontamente: “Eu não lhas vou dizer todas, porque são mais.”

Em resumo, o quadro genérico da prova testemunhal foi marcado por faltas de rigor, tentadas suprir com generalidades ou abstracções, bem assim por variadas imprecisões, contradições e inconsistências. Todas as testemunhas denotaram pouca isenção e, aliás, comprometimento com a versão apresentada pela Requerente, de que foi expoente máximo B... pelas razões já evidenciadas, nomeadamente as de ser sócio do filho,  G..., na sociedade Requerente, ajudando-o na gestão desta, e de ser ele próprio gerente de outras sociedades igualmente dedicadas à suinicultura, actuando muito próximas umas das outras e mantendo entre si relações comerciais, no âmbito dos negócios de suinicultura da família L... .

Em face destas fragilidades probatórias a Requerente não conseguiu vencer a barreira da ausência de registo prévio e falta de guias de circulação emitidas pelo SNIRA (Sistema Nacional de Identificação e de Registo Animal) para demonstrar a materialidade dos factos que pretendia e se lhe impunha provar, ou seja, que toda a ração descarregada nas propriedades de D... e F..., nos anos de 2015, 2016 e 2017, se destinou a alimentar animais provenientes da sua exploração em E..., com a marca PT....

 

B. DO DIREITO

 

a. As posições das partes

 

                - A Requerida entende que apesar de alegar que efectuou a deslocação de animais para as propriedades de F... e D..., por falta de capacidade na sua exploração, a Requerente não apresentou quaisquer documentos que comprovassem essa deslocação, não ficando, portanto, comprovado que as rações descarregadas nas propriedades em causa respeitem a gastos suportados ou incorridos para a obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos de IRC, pelo que não aceita a respectiva dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC;

                - Consequentemente, considerou que a A... deduziu indevidamente IVA, nos montantes de 972,50€, em 2015, 4.009,51€, em 2016, e 11.903,87, em 2017, respeitantes à aquisição de rações cuja descarga não foi feita na sua exploração, não se comprovando, portanto, que esses bens foram adquiridos para a realização de operações que conferem direito à dedução, prevista no artigo 20.º do CIVA (RIT III 1.3 e III 2.2);

                -  Alega que a prova testemunhal não se mostra apta a provar tais factos, por os mesmos, a serem verdade, serem passíveis de prova documental, evidenciando que todos os animais têm um número de registo único e que as entidades reguladoras e certificadoras estão sempre informadas das propriedades onde os animais se encontram, com a especificação do espaço que ocupam e, bem assim, que todas as operações subsequentes (venda ou abate) são também passíveis de prova documental, com a nota adicional de que até a eventualidade de um animal morrer durante o processo, ou seja, na propriedade, não chegando a ser transacionado ou abatido no matadouro, está sujeito a comunicação/confirmação ao/do veterinário municipal. Invoca em apoio desta tese o disposto nos arts. 341.º, 392.º 3 393.º do Código Civil.

***

                - Contrapõe a Requerente que, em plena fase de crescimento da sua actividade, começou a movimentar leitões de E... para as o D..., de forma a serem engordados, e que, não obstante a sua utilização ao abrigo do contrato de arrendamento, a exploração das D... só veio a ter autorização da DGVE no início de 2018, pelo que a movimentação dos suínos de uma exploração para a outra não pôde ser acompanhada das correspondentes guias de circulação emitidas pelo SNIRA, uma vez que a sua emissão, na ausência da referida autorização, se revelava impossível;

                - A Requerente possuía animais seus em ambas as produções e a ração adquirida, descarregada em uma e outra produções, foi utilizada na alimentação daqueles animais, como alega demonstrar pelo facto de no ano de 2017, por exemplo, ter vendido 4579 porcos, sendo 2.400 provenientes da exploração das D... e cerca de 1.800 da exploração de E..., cuja facturação não foi posta em causa em sede de inspecção;

                - No ano de 2017 foram adquiridas e consumidas pela Requerente 1365,83 toneladas de ração, necessárias para proceder à criação daquela quantidade de animais vendidos, valores conformes com os índices zootécnicos do sector; aliás, era impossível, apenas na exploração de E..., criar a quantidade de animais vendidos com as quantidades de ração consideradas pelos Serviços;

                - As rações em apreço, pese embora tenham sido descarregadas nas explorações em causa (D... e F...), foram adquiridas pela Requerente e serviram para alimentar os porcos por si vendidos;

                - Apenas haveria o direito do Estado a cobrar Juros Compensatórios verificados que estivessem três requisitos cumulativos, à luz do disposto no art. 35.º da LGT: (i) retardamento da liquidação, (ii) haver imposto em falta e (iii) que o retardamento seja devido a culpa do sujeito passivo; não estando verificado nenhum destes requisitos, nem tendo a AT efectuado qualquer juízo de censura à actuação da Requerente, de forma expressa e fundamentada, violou o seu dever de fundamentação dos actos tributários, ínsito no art. 77.º da LGT.

               

b. Da ausência do registo prévio do movimento e de guias de circulação emitidas pelo SNIRA

 

O Sistema Nacional de Informação e Registo Animal (SNIRA), criado pelo Decreto-Lei n.º 142/2006, de 2006-07-27, estabelece as regras para identificação, registo e circulação dos animais das espécies bovina, ovina, caprina, suína e equídeos, bem como o regime jurídico dos centros de agrupamento, comerciantes e transportadores e as normas de funcionamento do sistema de recolha de cadáveres na exploração (SIRCA), revogando o Decreto-Lei n.º 338/89, de 24 de Agosto.

Além do mais, consta do preâmbulo do mesmo que “...dada a adequada dotação de meios técnicos e humanos na gestão das bases de dados informatizadas e a responsabilidade pelos controlos de campo no âmbito das suas competências, aproveita-se para atribuir ao Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola a competência para proceder à gestão da base de dados de informação relativa aos animais das espécies bovina, ovina, caprina e suína, bem como os referidos controlos de campo no âmbito da identificação e registo por forma a racionalizar os meios de que o Governo dispõe para assegurar a boa execução das normas comunitárias nestes domínios. (...) Ainda numa perspectiva de salvaguarda da saúde pública e animal, institui-se a obrigação de inserir nas bases de dados a informação de carácter sanitário a fim de prevenir que, aquando da sua deslocação, o documento que a permite apenas seja emitido desde que as condições de segurança sanitária estejam reunidas, bem como criar condições de rastreabilidade rápida e eficiente para uma melhor gestão dos riscos sanitários.”

 

No Anexo III - Marcação, identificação, registo e circulação de suínos desse diploma preceitua o

Artigo 4.º

Documentos de acompanhamento

1 - O detentor que pretenda movimentar suínos entre explorações ou outros estabelecimentos deve assegurar previamente o registo do movimento previsto, bem como fazer circular os animais acompanhados de guia de circulação emitida pelo SNIRA.

2 - A movimentação e a emissão da guia de circulação para acompanhamento dos suínos destinados a reprodução ou a produção é condicionada pelas condições sanitárias da região ou do estabelecimento de origem ou de destino, bem como dos animais.

3 - A deslocação de suínos que se encontrem em explorações com restrições sanitárias ou administrativas só pode efetuar-se com guia sanitária de circulação emitida pela autoridade competente da área de exploração de origem.

4 - Qualquer alteração a um registo de movimento previamente realizado deve ser averbado pelo detentor de origem na guia de circulação que acompanha os animais e na versão que o detentor de origem deve reter.

Esta é a redacção da lei citada e transcrita a fls. 18 do RIT, que foi introduzida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 32/2017, de 2017-03-23, em vigor a partir de 2017-03-24.

Anteriormente a mesma norma legal, sobre o mesmo tema estabelecia:

(...)

“1 - A deslocação de animais da espécie suína, para abate imediato ou provenientes de explorações sem restrições sanitárias, faz-se a coberto de uma guia de circulação.

2 - A deslocação de suínos provenientes de explorações com restrições sanitárias ou administrativas faz-se a coberto de uma guia sanitária de circulação.”, na redacção alterada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 174/2015, de 2015-08-25, em vigor a partir de 2015-08-30.”

Já na redacção original, a estatuição era a de que,

(...)

“1 - A deslocação de animais da espécie suína, para abate imediato ou provenientes de explorações sem restrições sanitárias, faz-se a coberto de uma guia de circulação.                                                        

2 - A deslocação de suínos provenientes de explorações com restrições sanitárias ou administrativas faz-se a coberto de uma guia sanitária de circulação.”

Como se vê, esta legislação visou a gestão da base de dados de informação relativa aos animais das espécies aí mencionadas, bem como os referidos controlos de campo no âmbito da identificação e registo por forma a racionalizar os meios para assegurar a boa execução das normas comunitárias, e também a salvaguarda da saúde pública e animal.

Enquanto tal, é evidente que a exigência legal de guias de circulação emitidas pelo SNIRA para movimentar suínos sempre teve outros objectivos que não aqueles que lhe pretendeu atribuir a Requerida, no sentido de constituirem uma prova documental imprescindível da deslocação de animais, sua validade e consideração para efeitos tributários e, concretamente, os que estiveram na origem das liquidações aqui impugnadas. Para mais, é ainda de notar que com o âmbito referido e transcrito no RIT - qualquer movimentação de suínos entre explorações ou outros estabelecimentos – a mencionada norma só entrou em vigor a partir de 24-03-2017. Anteriormente, a mesma lei abrangia apenas a deslocação de animais “...para abate imediato...”, como se viu.

Nessa medida, e ao invés do argumentado pela AT, apesar de não ter feito acompanhar a movimentação dos animais de registo prévio e de guias de circulação emitidas pelo SNIRA, não estava a Requerente impedida de tentar provar a materialidade dos factos com recurso a prova testemunhal. Esta é uma situação de manifesta inaplicabilidade do artigo 393.º do Código Civil, porquanto não se está perante declaração negocial que por disposição legal ou estipulação das partes haja de ser reduzida a escrito. Enquanto tal, não deveria a Requerida ter desconsiderado os custos e o IVA suportados com a aquisição de rações alimentares descarregadas noutras propriedades que não a exploração da Requerente, só pelo facto de esta não exibir as aludidas guias de circulação dos suínos entre uma e outras.  

  

c. Dedutibilidade do IVA suportado com aquisição da totalidade da ração adquirida pela Requerente

 

A questão principal a apreciar e decidir consiste em saber se a Requerente, não obstante a total ausência de prova documental invocada pela Requerida, conseguiu ou não provar que toda a ração por si adquirida, nos anos de 2015, 2016 e 2017, e descarregada nas propriedades de “D...” e “F...” se destinou a ser consumida por animais seus, para aquelas deslocados a partir da sua exploração em “E...”.

E a resposta a esta questão, em face da matéria de facto dada como provada e não provada tem que ser um redondo não.

Sobre o ónus da prova estabelece o artigo 74.º da LGT:

“1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.”

Ora, não estanto os elementos da prova dos factos em poder da AT, o ónus da prova dos factos relevantes para a procedência do pedido incumbia, sem qualquer dúvida, à Requerente.

Acontece que, como visto na fundamentação da matéria de facto, a A... não ensaiou, sequer, provar que havia deslocado animais para a propriedade de F..., sendo que logo no PPA se havia ficado por um lacónico “...a ora Requerente utilizou também, nos anos em causa, a propriedade localizada em F...” (item 38), sem mencionar tão pouco a quantidade de animais pretensamente movimentados para esse destino e em que datas. Logo, quanto a esta propriedade restou um vazio absoluto quer de alegação, quer de prova para a justificação dos volumes de ração lá descarregados.

Por outro lado, a própria Requerente restringiu a sua tentativa de prova ao ano de 2017, a título de exemplo e de representatividade em termos das correcções e liquidações adicionais promovidas pela AT. Pelo que, um outro vazio probatório foi o que permaneceu para a necessidade e finalidade das substanciais quantidades de ração que, nos anos de 2015 e 2016, foram descarregadas em “F...” e nas “D...”.

Por último, quanto ao ano de 2017, diz a Requerente que vendeu 4579 porcos, sendo 2400 provenientes da exploração das D... e cerca de 1800 da exploração de E... (itens 28 a 30 do PPA). Porém, também quanto a esta a alegação a prova foi nula. Somente foi provada a deslocação de animais entre estas explorações, mas sem qualquer aparência de rigor que permitisse, sequer, uma aproximação aos números aventados. Pelo contrário, foi notório ao longo da produção da prova testemunhal que a Requerente jogou apenas com médias aritméticas, no sentido de que se alimentou e vendeu “X” animais com “Y” toneladas de ração tal corresponde a um rácio de consumo concordante com os índices zooténicos do sector. Ora, como se fez notar na fundamentação da matéria de facto, mesmo H... que, por ser engenheiro agrónomo, dedicado à área da nutrição e produção animal, com larga experiência profissional e afirmando-se ligado às rações consumidas nas explorações em causa, não esteve isento de imprecisões e incongruências. Entre outras, não logrou explicar como é que se propunha fazer uma análise estanque aos rácios de ração consumida no ano de 2017, sem se saber, exactamente, com quantos porcos e toneladas de ração havia começado e terminado a exploração da Requerente nesse mesmo ano, o que deixou a convicção de que algumas das conclusões por si expressas seriam algo precipitadas. Aliás, já antes havia indiciado alguma fragilidade em certas afirmações com que foi compondo o seu depoimento, ao dizer, por exemplo, que o consumo médio de cada porco em fase de engorda é de 270 a 280 kg de ração, mas que os quase 300 kg por suíno representados nas contas da Requerente estariam justificados pela alimentação de animais que estão na exploração e consomem ração, mas que não chegam a ser contabilizados no aludido rácio porque, tendo apenas 3/4 meses, ainda não estão prontos para venda e abate. É um discurso que tem lógica, sem dúvida, mas que sem ser acompanhado das percentagens concretas de animais e de rações em causa, o que certamente estaria ao alcance de um Técnico com os seus anunciados 30 anos de experiência profissional, deixa um rasto de vacuidade para a situação concreta que estava sob escrutínio. Refira-se, em contraponto, que o mesmo não sucedeu quanto à taxa de mortalidade dos animais de criação, que a Requerente alegou rondar os 3% (item 31 do PPA) e que a testemunha confirmou peremptoriamente.

Não fique por dizer que tendo cada animal um número de registo/identificação único dentro da exploração com a marca própria da Requerente (PT...), causa estranheza que a mesma não tenha tido a cautela de organizar o seu próprio registo interno para controle dos animais que diz ter deslocado para outras explorações, independentemente das dificuldades de operar esse registo e obter as guias de movimentação dos suínos no sistema informático do SNIRA, enquanto não estava emitida a licença para a exploração das D... . De qualquer modo, regista-se ainda que tendo sido notificada e tendo-se comprometido a juntar aos autos todo esse processo de licenciamento, nunca chegou a concretizar tal propósito. A somar a esta “imprudência” da Requerente vem o facto de que, como constatou a AT durante a acção inspectiva (facto provado 1.16), a sociedade “K..., Lda.”, igualmente registada para o exercício da actividade de suinicultura, se encontrava “em pleno funcionamento”, no F... . Feita esta observação, avulta a pertinência da já referida promiscuidade existente na gestão das várias empresas da família L..., porquanto se na mesma propriedade de F... existiu, simultaneamente, actividade pecuária da sociedade “K..., Lda.” e da Requerente, não se mostra provado que a ração em causa descarregada nessa exploração foi empregue para engordar os animais desta última. Na ausência de prova testemunhal convincente e de, pelo menos, um documento que pudesse servir como prova ou princípio de prova dos factos alegados, o mesmo raciocínio tem de replicar-se para a total ausência de prova sobre as quantidades de ração aplicadas na engorda dos porcos deslocados para “D...” e dos que foram mantidos em “E...”, na medida em que também foi nenhuma a prova sobre o número de uns e de outros.

Do exposto emerge a conclusão de que, nos anos de 2015, 2016 e 2017, a Requerente deduziu indevidamente IVA respeitante à aquisição de rações cuja descarga não ocorreu na sua exploração, em E... . Ademais, não estando provado que essa ração se destinou a engordar porcos pertencentes a essa mesma exploração, não se comprova que tais bens (rações) tenham sido adquiridos para a realização de operações que conferem o direito à dedução, nos termos do artigo 20.º do CIVA. Portanto, não assiste razão à Requerente quanto à pretensão de ver anuladas as liquidações aqui impugnadas.             

 

d. Da falta de fundamentação

 

A Requerente invoca ainda a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, radicada no facto de não serem devidos quaisquer dos montantes adicionalmente liquidados a título de imposto.

Diga-se, desde já, que este raciocínio nasce inquilinado, porquanto, como acaba de se constatar, não existe qualquer ilegalidade nas liquidações adicionais de imposto. Acrescenta a Requerente que a Administração Tributária limitou-se a notificar-lhe um determinado montante, resultante da aplicação de uma taxa de 4%, sobre determinados valores durante certos dias, sem verificar o cumprimento dos requisitos do artigo 35.º da LGT, violando assim o seu dever de fundamentação dos actos tributários ínsito no artigo 77.º do mesmo acervo legal.

O dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos (artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Este dever de fundamentação, desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respectivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

No caso em apreço, o Relatório de Inspeção Tributária é explícito em relação às razões que justificam as correções operadas, permitindo alcançar as razões da sua atuação, pelo que, do ponto de vista formal, o acto encontra-se suficientemente justificado com a enunciação clara e percetível dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo. Sendo inquívoco, aliás, que tal Relatório foi perfeitamente compreendido pela Requerente que o rebateu, detalhadamente, quer em sede de Reclamação Graciosa, quer na acção arbitral.

Enquanto tal, constata-se que foram observados os requisitos de fundamentação do acto tributário previstos nos artigos 77.º da LGT e 153.º do CPA não se confirmando a ilegalidade formal suscitada pela Requerente.

Decorre do exposto concluir-se estarem correcta e devidamente fundamentados os actos aqui impugnados e, consequentemente, improcederem as ilegalidades apontadas pela Requerente, mantendo-se os mencionados actos tributários de liquidação de IVA, de juros compensatórios e de mora supra identificados.

***

Importa notar que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

C. DECISÃO

 

Nestes termos, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências, mantendo-se os actos impugnados de liquidação de IVA e de juros, bem assim o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa que os confirmou.

 

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 12.090,61€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Janeiro de 2022

 

O Árbitro Singular

 (António Sérgio de Matos)