Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 345/2021-T
Data da decisão: 2022-02-01   
Valor do pedido: € 141.065,36
Tema: IRC – Organismos de Investimento Coletivo. Retenção na fonte. Direito da União Europeia
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SUMÁRIO:

1.O artigo 22º, do EBF (redação do DL nº 7/2015), viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63º, do TFUE quando torna aplicável o regime aí previsto apenas a  sociedades constituídas à luz da legislação portuguesa, excluindo as que o foram segundo as demais legislações dos Estados Membros da EU.

2.É ilegal o ato de tributação em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC de direito belga e com sede na Bélgica, com desaplicação do regime previsto no artigo 22º-1, do EBF.                                                                      

 

                                                                    DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros designados para formar o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 17 de agosto de 2021, Juiz José Poças Falcão (presidente), Dr. Luís Janeiro, Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), acordam o seguinte:

 

I.        Relatório

 

A… – FUND-B, adiante “Requerente”, titular do número de identificação de pessoa coletiva …, e titular do número de registo empresarial na Bélgica BE …, com sede na Rue … Bruxelas, Bélgica, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento da reclamação graciosa n.º … e, por via disso, das liquidações de retenção da fonte de IRC (guias números … e …), no montante global de € 141.065,36 (cento e quarenta e um mil e sessenta e cinco euros, e trinta e seis cêntimos), ocorridas no período de 2018, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português

 

O Requerente peticiona que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º … e, bem assim, das liquidações de IRC por retenção na fonte, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Igualmente, peticiona a restituição das importâncias retidas na fonte a título de IRC, no montante de € 141.065,36; o pagamento de juros indemnizatórios, em conformidade com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo arbitral.

 

Como fundamento da sua pretensão, os Requerentes invocam, em síntese:

 

a)      Que o Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), sob a forma de sociedade anónima, com direção efetiva no Reino da Bélgica, constituído ao abrigo da lei deste país, resultante da transposição da Diretiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011, que cumpre com as exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC.

b)      Que, em 2018, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades 4 comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de           € 940.435,78 os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória à taxa de 15% (guias de retenção na fonte n.ºs … e …), tendo tal quantia sido entregue à Autoridade Tributária e Aduaneira, e não tendo beneficiado de qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência.

c)      Que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, por força do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e, consequentemente, do primado do Direito da União Europeia, consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

d)      Que os OIC não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, uma vez que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Diretiva 2011/61/UE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-membro ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.

e)      Que existe uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.

f)       Que o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE.

g)      Que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, do qual resulta a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OIC constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE, residente no Reino da Bélgica, na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OIC com residência em Portugal, também constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2011/61/UE, e colocado quanto ao mais numa situação análoga.

h)      Que, para além da violação do princípio do primado do direito da União Europeia, a violação do artigo 63.º do TFUE pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3 alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.ºs 1, 3 e 10, do EBF.

i)       Que se tratando de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.

j)       Que, na medida em que o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, faz depender a dispensa de retenção na fonte e tributação em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa auferidos por um OIC da respetiva residência em território português, os OIC não residentes constituídos e a operar em condições equivalentes, encontram-se numa situação objetivamente comparável à dos OIC residentes em território português, podendo em ambos os casos os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ser objeto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia.

k)      Que as liquidações de IRC objeto dos presentes autos assentam numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, e que as regras e princípios de Direito da União Europeia prevalecem sobre a legislação nacional, o que implica que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a residentes devem ser concedidos, nas mesmas condições, a não residentes.

l)       Que a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4 do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal.

m)    Que inexistindo um nexo direto entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OIC residentes, não poderá a discriminação ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português.

n)      Que a partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OIC residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros.

o)      Que o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OIC não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.

p)      Que o Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.

q)      Que existe erro imputável aos serviços da Administração Tributária, pelo que, tendo efetuado o respetivo pagamento através do mecanismo da retenção na fonte, terá direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT.

 

É demandada a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 10 de junho de 2021, e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 11 de junho de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, do artigo 6.º, n.º 2 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 28 de julho de 2021, as Partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 17 agosto de 2021.

 

Em 30 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, pugnando, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais, bem como solicita a suspensão do processo arbitral até decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T. Com a resposta apresentou igualmente o correspondente processo administrativo.

 

A Requerida alega, em resumo:

 

a)     Que impugna especificamente os articulados 9.º e 84.º do PPA, e todas as conclusões daí extraídas, nomeadamente, considerando que o documento 7 corresponde a uma mera declaração privada do Banco, não vem acompanhada de qualquer documento emitido ou certificado pelas autoridades fiscais de Portugal e/ou da Bélgica a comprovar que efetivamente (1) pediu um reembolso, e que (2) tendo o feito, tal pedido foi rejeitado por um ou ambos Estados, daí que a afirmação do ponto (ii) de que, “was not able to claim a tax credit”, não possa ser considerada provada por falta de prova do aduzido.

 

b)    Que, não provando os referidos requisitos, toda a discussão subsequente quanto à comparabilidade e eventual desconformidade do direito nacional com o artigo 63.º do TFUE, é totalmente desnecessária.

 

c)     Que os rendimentos auferidos, dividendos, estão sujeitos a tributação em Portugal por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, por Retenção na Fonte a título definitivo - nos termos dos art.º 94.º n.º 1 al. c), n.º 3 al. b) e n.º 4 – à taxa de 25% prevista pelo art.º 87.º n.º 4, ambos do CIRC, mas se no momento da retenção na fonte, for feita prova junto do substituto tributário, da verificação dos pressupostos de aplicação do artº 10º da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Bélgica, esta taxa de retenção na fonte pode ser reduzida a 15%.

 

d)    Que se prevê uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artºs 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do art.º 22º do EBF, e uma isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal, quanto aos fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

e)     Que a administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada, pelo que não lhe competirá avaliar a conformidade das normas internas com as dos tratados da União (nem com as orientações interpretativas do TJUE), não pode, assim, no âmbito da sua atividade, deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento na sua desconformidade com os referidos tratados.

 

f)     Que o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença e, bem assim, que a mesma só será discriminatória se não for objetivamente justificada, que entende verificar-se dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

 

g)    Que existem dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, sendo um deles, resultante da opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais, dos rendimentos prediais e das mais-valias, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.

 

h)    Que, o segundo aspeto, resulta da tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte.

 

i)      Que os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF – tal como ocorre com os fundos de pensões - por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano, pelo que os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.

 

j)      Que a Requerente alega, mas não demonstra, que não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu Estado de residência (Bélgica) em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação, soçobrando a sua pretensão por incumprimento do ónus da prova.

 

k)    Que o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu.

 

l)      Que não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.

 

m)   Que a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.

 

n)    Que embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte, a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, bem como as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo.

 

o)    Que o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância.

 

p)    Que, em lugar de se acentuar a discriminação existente no Estado de residência fiscal do credor dos rendimentos, será mais acertado falar em diferentes modalidades de tributação que até pode redundar, em certos casos, numa carga fiscal menor dos dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação de outros Estados-membros da UE.

 

q)    Que um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, neste caso, a Bélgica, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.

 

Em 15 de outubro de 2021, após despacho do tribunal arbitral de 8 de outubro de 2021, para o Requerente se pronunciar sobre o pedido de suspensão do processo, o mesmo veio pronunciar-se no sentido da improcedência do pedido de suspensão do processo arbitral.

 

Em 28 de novembro de 2021, por despacho arbitral foi indeferido o pedido de suspensão da instância e determinado o prosseguimento da normal tramitação do processo, com fundamento que, entre o demais, “(...) independentemente de ulterior desenvolvimento  desta matéria aquando da apreciação do mérito do pedido nestes autos, afigura-se desde já e no mínimo, duvidosa a aplicação da decisão do TJUE no caso deste Tribunal vir a sufragar as citadas conclusões do advogado geral no processo nº C-545/19”.

 

No mesmo despacho arbitral, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, atento ao princípio da proibição da prática de atos inúteis, e foi concedido o prazo de 20 dias para alegações escritas.

 

Em 27 de dezembro de 2021, a Requerente apresentou alegações. A Requerida não apresentou alegações no prazo concedido.

 

III. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral Coletivo é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidas e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

IV.          Da fundamentação

A.  Matéria de facto

A.1.  Factos Provados

 

Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:

 

A.    O Requerente é uma pessoa coletiva de direito belga, correspondente a um Organismo de Investimento Coletivo, sob a forma de sociedade anónima (documentos n.º 3, 4 e 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

B.    A Requerente está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável, sendo residente, e com direção efetiva, na Bélgica, no ano de 2018 (documentos n.º 3, 4 e 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

C.    No ano de 2017, a Requerente recebeu dividendos com origem em Portugal, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade responsável pelos títulos – B…, pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal …, na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, nos montantes que constam do quadro que se segue (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

 

 

 

D.    Relativamente aos períodos de Maio e Setembro de 2018, o B… efetuou à Administração Tributária, com base nas guias de retenção na fonte n.ºs … e …, os pagamentos que constam dos documentos n.ºs 2 e 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

 

E.    Em 17-12-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC referidos, que foi indeferida por despacho de 02-12-2020 (processo administrativo, cujo teor se dão como reproduzidos e processo administrativo)

 

F.    Na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa refere-se, além do mais, o seguinte: “Uma vez que, até à presente data, o reclamante não exerceu o seu direito e que se mantêm válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão, no qual é proposto, a rejeição do pedido dos períodos de 2017/05, 2017/09 e o indeferimento do pedido dos períodos 2018/05 e 2018/09, deverá o mesmo ser convolado em definitivo.”(processo administrativo, cujo teor se dão como reproduzidos e processo administrativo).

 

G.   Do projeto de decisão, resultava, entre o mais, o seguinte:

 

(...)

II. Alegações

Invoca o Reclamante, resumidamente:

a) Que, é uma empresa com sede e direção efetiva na Bélgica, qualificando-se enquanto “Organisme Collectif Alternatif à nombre variable de parts institutionnels” nos termos da legislação belga, com objeto social e atividade desenvolvida similar ao de um OIC, administrado pelo G…, S.A., o qual é igualmente residente para efeitos fiscais na Bélgica, sendo que se operasse de acordo com a legislação nacional, tomaria a forma de um OIC e ser-lhe-ia aplicável o regime fiscal previsto no art.º 22 do EBF.

b) Que, nos anos de 2017 e 2018 recebeu lucros distribuídos por diversas sociedades residentes para efeitos fiscais em Portugal e, portanto, sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte, nos montantes de € 620.533,38 e € 940.435,78, respetivamente, cuja retenção na fonte foi efetuada pela entidade – B… – na qualidade de substituto tributário, em conformidade com a al. c) do n.º 1 e n.º 7 do art.º 94.º do CIRC, no ano de 2017 à taxa de 25%, no montante de € 155.133,35 e no ano de 2018, à taxa reduzida de 15%, ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e a Bélgica, no montante de € 141.065,36.(art.º 14.º da PI)

(...)

d) Que, considera que o disposto no art.º 22.º do EBF constitui um tratamento discriminatório face ao direito da UE, uma vez que, impõe para a sua aplicação, a necessidade de os Organismos de Investimento Coletivo se constituírem e operarem de acordo com a legislação nacional, sem conceder às entidades da mesma natureza que se constituam e operem ao abrigo da legislação de outro Estado-Membro, nos mesmos termos que as OIC´s portuguesas, a possibilidade de fazerem prova de que cumprem as exigências equivalentes às contidas na lei interna, para efeitos de aplicação daquele regime de tributação.

e) Pelo que, tendo em conta que a não aplicação do regime previsto no art.º 22.º do EBF resulta apenas do facto de o reclamante não ser residente em Portugal, considera que ao sujeitar a retenção na fonte os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC´s residentes num Estado-Membro, ao mesmo tempo que a exclui quando distribuídos a OIC´s domiciliadas em Portugal viola os princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, previstos nos art.ºs 18.º e 63.º do TFUE.

(...)

h) Atendendo ao invocado, solicita o reembolso das retenções na fonte de dividendos– IRC/2017 e 2018 no montante global de € 234.145,35.

 

III. Pressupostos Processuais

1- Nos termos do art.º 65.º da LGT e n.º 1 do art.º 9.º do CPPT, o Reclamante (sem representante fiscal em Portugal (1) tem legitimidade.

(...)

3- Uma vez que, há identidade do tributo – IRC/RF, o órgão competente para a decisão é o mesmo, bem como os fundamentos de facto e de direito invocados, atendendo ao disposto no art.º 71.º do CPPT e entendimento veiculado pelo Ofício-Circulado n.º 60 081 de 2010/12/20, afigura-se não haver prejuízo para a celeridade da decisão a apreciação do pedido de reembolso da retenção na fonte de IRC dos anos de 2017 e 2018.

(...)

5- Sendo este, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC.

6- No entanto, se no momento da retenção for feita prova junto do substituto tributário, da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT (2) celebrada entre Portugal e a Bélgica (n.º 2 do art.º 10.º), nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 98.º do CIRC, pode ser aplicada a taxa reduzida de 15%, o que verificamos que apenas sucedeu no ano de 2018. (...)

(...)

11- Já no que diz respeito à retenção na fonte de IRC efetuada nos períodos 2018-05 e 2018-09, atendendo ao termo do prazo de entrega do imposto retido pelas referidas guias e à data de apresentação do presente procedimento – 2019/12/17 - a reclamação graciosa é tempestiva, pelo que, cumpre pronunciarmo-nos quanto a este pedido.

 

IV. Descrição Sucinta dos factos

1- Relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário, foram identificadas as guias de retenção n.ºs … (2018-05) e … (2018-09). Porém, estas apresentam valores muito superiores ao reclamado.

2- Não obstante, consultadas as Declarações Modelo 30 (3) verifica-se que, foi declarada pelo substituto tributário a distribuição de rendimentos ao Reclamante e retenção na fonte à taxa de 15% dos referidos períodos: Rendimento Retenção do imposto 2018-05 € 759.498,96 € 113.924,85 2018-09 € 180.936,81 € 27.140,52.

 

V. Análise do pedido e parecer

1- Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do art.º 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte,

2- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (4), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF (5), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (6), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015 (7).

3- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.

4- Tal exclusão não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação belga -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto II da presente informação.

5- Se dúvidas existissem quanto a esta interpretação, as mesmas ficariam dissipadas atendendo ao elemento teleológico, ou seja, aos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC´s portugueses no plano internacional (8). Informação

6- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE (9), concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.

7- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

8- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta(10) , embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.

9- Cumpre referir que, não compete à AT. avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo(11) , atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP.

10- E, por outro lado, não pode a AT. aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE (12), quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu,

11- Conforme entendimento veiculado pela Direção de Serviços de IRC através da informação n.º 31/2020, a qual faz parte integrante da presente e que aqui se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais.

12- Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pelo Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, até à data, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.

13- Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (13), “(…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)” considerando a autora que, “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

14- Realçando-se que, contrariamente ao que sucede com os OIC´s que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, os OIC´s constituídos e que operem ao abrigo da legislação nacional serão tributados em sede de Imposto do Selo (verba 29 da TGIS) e sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do n.º 11 do art.º 88.º do CIRC, conforme resulta do n.º 8 do art.º 22.º do EBF. Informação

15- De salientar ainda que, a referida decisão arbitral apenas produz efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos. Veja-se, a título de exemplo, sobre a mesma matéria, a decisão proferida no Proc. 96/2019-T, no sentido da não violação do art.º 63.º do TFUE.

16- Pelo exposto, é de indeferir o pedido.

16- Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

 

VI. Conclusão

Face ao exposto, sou do parecer que deve a presente reclamação graciosa ser rejeitada quanto ao pedido dos períodos de 2017-05 e 2017-09 e, indeferida quanto ao pedido dos períodos de 2018-05 e 2018-09, devendo notificar-se o interessado para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.

 

H.   Em 10-06-2021, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, o qual deu origem ao presente processo.

 

A.2.  Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3.  Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

Quanto à data da apresentação da reclamação graciosa, deu-se como provada com base no carimbo nela aposto que consta do processo administrativo. Não se deu por provado que as quantias retidas na fonte pelo B…, relativas aos pagamentos efetuados ao Requerente estão incluídas nas guias de pagamento n.ºs … e ….

 

Como diz a Administração Tributária na fundamentação da decisão da reclamação graciosa e na sua resposta, as guias referidas apresentam valores muito superiores aos que a Requerente impugna e não há outros elementos que permitam esclarecer a que se referem. No entanto, não sendo suscitada a questão da falsidade dos documentos juntos pela Requerente, considerou-se provado que foram efetuadas pelo B… as retenções na fonte referidas pela Requerente.

 

A isto acresce que é à Administração Tributária, a quem foram apresentadas as guias de retenção na fonte que cabe apurar a materialidade subjacente, no exercício dos seus deveres de controle da legalidade, designadamente através de eventual pedido de esclarecimento, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT. Ao contribuinte, a quem foram retidas quantias a título de pagamento de impostos, bastará demonstrar que lhe foram efetuadas as retenções.

 

B.    Do Direito

 

B.1. Enquadramento legal

 

O Requerente é uma é uma pessoa coletiva de direito belga, que está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sob a forma de sociedade anónima, sendo um sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável, com residência na Bélgica, no ano de 2018.

 

Nos meses de Maio e Setembro de 2018 foram distribuídos dividendos das participações que a Requerente detinha nas sociedades indicadas na alínea C) da matéria de facto, cuja custódia foi atribuída ao B…, dividendos esses que foram sujeitos a tributação em sede de IRC, a taxa de 15%.

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».

 

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

 

O Requerente é constituída ao abrigo da lei belga e não da lei nacional, sendo por esse motivo que a Administração Tributária entendeu que a sua situação não se enquadra neste regime:

3- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.

4- Tal exclusão não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação belga -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto II da presente informação.

B.2. Posição das Partes

 

A Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com os artigos 63.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),

 

Que estabelecem o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

Alega o Requerente o seguinte, em suma:

 

– Os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente foram sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% e, se fossem auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF;

– Esta diferença de tratamento configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a qual é proibida pelo artigo 63.º do TFUE;

– O Direito da União prevalece sobre o Direito Nacional;

– O entendimento da Administração Tributária de que não tem poder para desaplicar normas que ainda não tenham sido julgadas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional, não pode prevalecer;

– Há jurisprudência do TJUE que esclarece a questão no sentido favorável à Requerente;

– A legislação interna não coloca no mesmo plano, para efeitos de tributação em IRC, os organismos de investimento coletivo não residentes e os organismos de investimento coletivo não residentes;

– A situação da Requerente, organismo de investimento coletivo não residente, encontra-se numa situação comparável à de um organismo de investimento coletivo residente;

– A legislação nacional, concretamente o artigo 22.º, n.º 3, do EBF, consente efetivamente um tratamento desvantajoso dos organismos de investimento coletivo não residentes;

– A carga fiscal aplicada aos dividendos auferidos por um organismo de investimento coletivo não residente, não é idêntica à aplicada aos dividendos (da mesma origem) auferidos por um organismo de investimento coletivo residente;

– A legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os dividendos auferidos por um organismo de investimento coletivo não residente estão sujeitos;

– A diferença de tratamento claramente desvantajosa e discriminatória é suscetível de dissuadir investidores, residentes em países terceiros ou noutros Estados-membros, de investir em sociedades com sede em território português;

– A derrogação consagrada no n.º 1 do artigo 65.º do TFUE é limitada pelo n.º 3 do mesmo normativo que prevê que a derrogação à livre circulação de capitais não pode constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada;

– No que concerne à alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, a situação do Requerente é objetivamente comparável à de um organismo de investimento coletivo residente;

– Relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode considerar que a restrição à livre circulação de capitais resultante da legislação nacional esteja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, caso em que, além do mais, deveria não apenas ser adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue, mas também não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objetivo, respeitando um princípio de proporcionalidade;

– Não se pode justificar a restrição em causa pelo risco de evasão fiscal uma vez que decorre de jurisprudência constante que esse fundamento não justifica, por si só, uma restrição fiscal à livre circulação de capitais, se não for invocado em ligação com um objetivo específico de luta contra expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é de eludir o imposto normalmente devido;

– Não existe nexo direto entre a exclusão de tributação da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional recebidos por um organismo de investimento coletivo residente e a tributação na esfera dos participantes, quando da “redistribuição” desses mesmos dividendos;

– A redução de receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral, suscetível de ser invocada para justificar uma medida, em princípio, incompatível com uma liberdade fundamental.

 

             A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém o entendimento adotado na decisão da reclamação graciosa, acrescentando, porém, o seguinte, em suma:

 

– A diferença de tratamento dos organismos de investimento coletivo residentes e não residentes não é incompatível com o Direito da União Europeia, porque, em suma, corresponde a uma opção legislativa de deslocação para a esfera do Imposto do Selo da tributação dos rendimentos típicos dos OIC residentes [isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF], e ainda a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF;

– Os organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, por beneficiarem de isenção parcial de IRC, estão obrigados a liquidar e entregar a tributação autónoma incidente sobre os lucros distribuídos, quando as correspondentes partes sociais não sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano;

– Conforme se retira da doutrina e da jurisprudência do TJUE, para avaliar da existência de um tratamento discriminatório, a análise da comparabilidade deve ser realizada, não com base na consideração estrita na sujeição/isenção da retenção na fonte sobre os dividendos mas entrando em linha de conta com a carga fiscal global passível de incidir sobre tais rendimentos quando auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, já que só deste modo, é possível concluir se existe, ou não, um tratamento desvantajoso para uma das situações, que seja suscetível de dissuadir os não residentes de investir em Portugal;

– um organismo de investimento coletivo ou uma sociedade de investimento mobiliário constituídos e estabelecido em Portugal, embora isentos de retenção na fonte, estão sujeitos a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, o montante do investimento em ações, bem como os dividendos reinvestidos, integram o valor líquido global determinado, em cada trimestre, para efeitos da liquidação do Imposto do Selo;

– Ao passo que os dividendos distribuídos por um organismo de investimento coletivo residente em Portugal a um organismo de investimento coletivo constituído ao abrigo da legislação belga apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT);

– Não está demonstrado cabalmente que, o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Bélgica);

– Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;

– O imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que o Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu;

– Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis;

– O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância;

– O TJUE debruça-se sobre casos concretos, o que justifica que a AT se considere inibida de transpor para os casos que lhe são submetidos;

– A restrição provocada pelo tratamento desigual encontra justificação na preservação da coerência do sistema fiscal;

– A derrogação prevista no artigo 65.º do TFUE leva a que não seja de concluir, como faz a Requerente que há violação do artigo 63.º do Tratado;

– Quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados-Membros;

 

B.3. Apreciação da questão

B.3.1. Interpretação do artigo 22.º, n.º 1, do EBF

 

O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1» e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).

 

O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto os organismos de investimento coletivo como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.

           

B.3.2. Violação do Direito da União

 

            De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

            A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado», na esteira de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, página 261.

 

            O Requerente defende que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF é incompatível com a «proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da União Europeia - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento».

 

            Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

 

            Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14).

B.3.2.1. A tributação agravada dos OIC´s não residentes comparativamente aos residentes

 

            É manifesto que dos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF e do n.º 4 do artigo 87.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, os organismos de investimento coletivo residentes em Portugal e os organismos de investimento coletivo residentes noutro Estado-membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto, pois apenas os dividendos distribuídos por aqueles organismos de investimento coletivo não residentes estão sujeitos a IRC através de retenção na fonte.

 

            A Administração Tributária defende que a não tributação dos organismos de investimento coletivo residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos organismos de investimento coletivo residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC.

 

            No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando «os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional» (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos organismos de investimento coletivo não residentes.

 

            Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos organismos de investimento coletivo residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre.

 

            É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos organismos de investimento coletivo, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%, 300 vezes superior. Neste sentido se pronunciou a decisão arbitral do CAAD, adotada no processo de 11/2020-T, de 6 de novembro de 2020.

 

            Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.

 

            No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem a potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos organismos de investimento coletivo não residentes, como bem dá nota a decisão arbitral do CAAD, adotada no processo de 11/2020-T, de 6 de novembro de 2020.

 

            Por outro lado, como salienta a referenciada decisão do CAAD «esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos organismos de investimento coletivos residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do n.º 6 do artigo 22.º do EBF». Na verdade, as isenções a que se refere o n.º 11 do artigo 88.º do CIRC são benefícios fiscais (artigo 2.º, n.º 2, do EBF) e não se consideram benefícios fiscais as situações de não sujeição tributária, designadamente «as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência» (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do EBF). No caso em apreço, a não consideração, para efeitos do apuramento do lucro tributável dos organismos de investimento coletivo residentes, dos rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, constitui uma medida «estruturante do próprio modelo de tributação dos fundos de investimento adotado pelo legislador, retirando da incidência do imposto sobre o rendimento os rendimentos, distribuídos aos fundos constituídos e funcionando segundo a legislação nacional. Não constituí, assim, qualquer benefício fiscal, mas pertence à tipologia das normas delimitadoras da sujeição». Isto mesmo é referido no ponto 67 da decisão arbitral do CAAD proferida no processo n.º 96/2019-T.

 

            Como bem se diz na citada decisão arbitral:

«68. Esvaziaria, aliás, o alcance dessa norma - diferir a tributação dos rendimentos dos fundos do momento da sua perceção pelos fundos para o momento da sua distribuição aos participantes – a tributação autónoma dos dividendos distribuídos aos fundos, cumulada com a tributação dos rendimentos distribuídos aos participantes. Assim, o Decreto-Lei n.º 7/2015, 13 de janeiro ao contrário do que seria publicitado e resulta do seu preâmbulo, teria, nessa interpretação, acabado por agravar a tributação em IRC dos rendimentos dos fundos de investimento, contrariamente à intenção manifestada pelo legislador».

69. Por outro lado, o referido n.º 11 do artigo 88.º do CIRC é uma norma antievasiva, limitando as isenções subjetivas do imposto sobre o rendimento aos rendimentos obtidos no âmbito da atividade estatutária dos titulares, presumindo obtidos fora dessa atividade os dividendos de participações sociais adquiridas menos de um ano antes da distribuição, sem caráter de permanência. Visa, por outro lado, com a consagração de um período mínimo de retenção, evitar a transmissão, anterior à distribuição dos dividendos, das participações sociais de sujeitos passivos sujeitos para os sujeitos passivos isentos, com vista à evitação da retenção na fonte.

70. Esses objetivos, por natureza, não são suscetíveis de se verificarem nos OIC’s, patrimónios autónomos que resultam da agregação e aplicação de poupanças de entidades individuais e coletivas em mercados primários e/ou secundários de valores, não havendo, pois, qualquer desvio da sua atividade estatutária na detenção das participações por período inferior a um ano».

 

            Por isso, é de concluir, tal como fez a decisão arbitral do CAAD, adotada no processo de 11/2020-T, de 6 de novembro de 2020, «que do artigo 22.º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC´s não residentes em relação aos OIC´s residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes».

 

            Para além disso, a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os dividendos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos.

 

B.3.2.2. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais [artigo 63.º do TFUE]

 

            Conforme decorre do acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12:

«38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).

39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).

40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.

41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.

42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17).

43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.»

 

            Esta decisão torna evidente que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a organismos de investimento coletivos não residentes se engloba no conceito de movimento de capital, para efeitos do artigo 63.º do TFUE, o que não é objeto de controvérsia.

 

            Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica esta jurisprudência do TJUE, pois, tal como se refere na decisão arbitral do CAAD, adotada no processo de 11/2020-T, de 6 de novembro de 2020, «à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o tratamento privilegiado não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional».

 

            Por outro lado, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem de situação de vantagem fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.

 

            É certo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, permite que os Estados Membros apliquem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o n.º 3 do mesmo artigo. Mas, como se refere no n.º 3 deste artigo 65.º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».

 

            No caso em apreço, sendo tributados em Portugal os organismos de investimento coletivo não residentes, a sua situação é comparável à dos organismos de investimento coletivo nacionais quanto ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em território nacional, pelo que devem ser objeto de tratamento equivalente ao aplicável aos organismos de investimento coletivo residentes.

 

            Neste sentido, tal como resulta da decisão arbitral do CAAD, proferida no processo n.º 90/2019-T:

«embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas».

 

            Ademais, no que concerne à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode entender que o tratamento desfavorável dos organismos de investimento coletivo não residentes possa ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral ou por risco de evasão fiscal, que só é relevante estiverem em causa expedientes artificiais, que tenham como objetivo primacial evitar o pagamento de imposto normalmente devido, e as restrições não podem exceder o necessário, tal como resulta da jurisprudência comunitária, de que é exemplificativo o Acórdão do TJUE de 03-10-2013, processo C-282/12, Itelcar.

 

            Nos termos do identificado acórdão:

«uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada quando visa especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. I-2107, n. s 72 e 74, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. I-8591, n.º89)».

 

            Neste contexto, há que ter em conta que a Convenção entre a República Portuguesa e a Bélgica para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 619/70, de 15 de dezembro, alterada pela Resolução da Assembleia da República n.º 82/2000, de 14 de dezembro (doravante “CDT”) assegura a troca de informações entre as administrações fiscais dos dois países (artigo 25.º, ex artigo 26.º), pelo que não se demonstra que o tratamento diferenciado dos organismos de investimento coletivo não residentes possa justificar-se por risco de evasão fiscal.

 

            Para além disso, mesmo que se entenda, em sintonia com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, que só se está perante um tratamento diferenciado relevante para este efeito quando «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação», não é essa a situação que se depara nos autos. Neste caso, não há qualquer norma da CDT entre Portugal e Bélgica, que permita neutralizar a maior tributação do Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional. Na verdade, o que se prevê no artigo 10.º, n.º 2, da CDT é apenas a garantia da limitação a 15% da tributação do rendimento bruto dos dividendos, e não a neutralização do que é pago a mais pelos organismos de investimento coletivo residentes na Bélgica comparativamente aos organismos de investimento coletivo residentes em Portugal, por terem recebido dividendos idênticos.

 

            Pelo exposto, afigura-se ser claro que há precedentes na jurisprudência europeia sobre a interpretação dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, pelo que, nos termos do despacho arbitral, de 28 de novembro de 2021, não se justificava o reenvio prejudicial sobre esta questão, nem de se suspender a instância até decisão do reenvio prejudicial efetuado no processo arbitral n.º 93/2019-T.

 

Assim, de acordo com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídas segundo a legislação nacional, excluindo os organismos de investimento coletivo constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia. Assim, tem de se concluir que as retenções na fonte e a decisão da reclamação graciosa que as confirmou, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

B.4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios. Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, as guias de retenção na fonte juntas aos autos apresentam valores muito superiores aos que o Requerente impugna e não há outros elementos que permitam esclarecer a que se referem, mas não sendo suscitada a questão da falsidade dos documentos juntos pelo Requerente, considerou-se provado que foram efetuadas pelo B… as retenções na fonte referidas pelo Requerente.

 

Sendo efetuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do n.º 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que «em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento».

 

É indiferente para estes efeitos, que o imposto retido venha ou não a ser entregue ao Estado pelo substituto, pois esta é uma relação jurídica a que o substituído é alheio. Este, através da retenção, pagou a quem a lei encarrega de fazer a cobrança, pelo que está extinta a sua responsabilidade pelo pagamento. E, se a retenção não devia ter sido efetuada, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da decisão da reclamação graciosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.

 

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação.

 

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 02-12-2020, mas foi apresentada em 17-12-2019, pelo que deveria ter sido proferida decisão até 20-04-2020, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT. Assim, a partir de 20-04-2020, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte.

 

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 09-09-2019, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

IV. Decisão

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)     Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;

b)    Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efetuadas com base nas guias de retenção na fonte n.ºs … e …, no valor total de € 141.065,36 (cento e quarenta e um mil e sessenta e cinco euros e trinta e seus cêntimos);

c)     Anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 141.065,36 (cento e quarenta e um mil e sessenta e cinco euros e trinta e seus cêntimos) e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;

e)     Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto B.4., da fundamentação deste acórdão e condenar a Administração Tributária a pagá-los ao Requerente.

 

V.  Valor do processo

 

              De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 141.065,36.

 

VI.   Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII.  Remessa ao Ministério Público

 

Nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, dispõe-se que “Sempre que seja recusada a aplicação de uma norma, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, constante de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar, o tribunal arbitral notifica o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual”.

 

No caso em apreço desaplica-se a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

 

Pelo que se ordena a notificação da presente decisão arbitral ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação.

 

Comunique-se à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins do artigo 280.º, n.º 5, da CRP.

Notifique-se às Partes e ao Ministério Público

 

Lisboa, 1 de fevereiro de 2022

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

(Luís Janeiro)

 

 

 

 

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)