Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 344/2021-T
Data da decisão: 2022-08-23  IRS  
Valor do pedido: € 784.477,53
Tema: IRS - Aplicação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro; Momento da aquisição de imóvel quando são pagas tornas – Reforma de decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 13 de dezembro de 2021.
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A.SUMÁRIO

 

  1. Anulado o Acórdão arbitral pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em sede de recurso para uniformização de Jurisprudência, caberá ao Tribunal Arbitral que a proferiu substituir essa decisão anulada por outra que respeite a Jurisprudência fixada pelo STA.
  2. No Acórdão proferido pelo STA em 26 de maio de 2022, processo n.º 8/22.5BALSB, em recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelos sujeitos passivos, foi reiterado que: “na aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuiús.”.

 

 

 

B.DECISÃO ARBITRAL REFORMADA

 

Acordam em Tribunal Arbitral

 

  1. Os sujeitos passivos A... e B..., melhor identificados infra, Requerentes no presente processo, vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e 152.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (“CPTA”), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), no processo n.º 344/2021-T, datada de 13 de dezembro de 2021, invocando oposição com o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 24 de fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 05/09.6BESNT.
  2. Por acórdão de 26 de maio de 2022, proferido no Processo n.º 8/22, o STA, em Pleno da Secção, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão arbitral recorrida, defendendo que a “questão controvertida foi decidida pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão que serve de fundamento ao presente recurso, em data próxima a esta, apenas com um voto de vencido, por uma composição que se mantém praticamente inalterada (apenas cessou funções desde então um dos Juízes Conselheiros que o subscreveu).

Assim, tendo presente o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, limitamo-nos a remeter, nos termos dos artigos 663.º, n.º 5, e 679.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, para a fundamentação do referido acórdão de 24 de fevereiro de 2021, proferido no processo com o n.º 05/09.6BESNT (consultável em www.dgsi.pt) – no qual se decidiu que «na aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuiús» –, para concluirmos pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida”.

  1. O acórdão transitou em julgado em 14 de junho de 2022.
  2. Em cumprimento do julgado, e dando como reproduzida a matéria de facto já fixada, cabe proceder à reforma da decisão arbitral, quanto à matéria de direito, o que se faz nos seguintes termos.
  3. As questões controvertidas nos presentes autos são, no essencial, três:
  1. Para efeitos da aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, qual o momento da aquisição de imóveis, na parte que excede o quinhão hereditário, quando a parcela que excedeu a quota ideal foi objeto do pagamento de tornas em escritura de partilha realizada após a entrada em vigor do Código do IRS;
  2. Se a AT violou o princípio da igualdade e da boa-fé, decidindo contra o teor da Circular n.º 21, de 19 de outubro de 1992, da Direção dos Serviços do IRS; e se
  3. No caso de a presente ação ser considerada improcedente, devem os Requerentes proceder ao pagamento de juros compensatórios.
  1. Tal como referido, o citado acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA de 26 de maio de 2022, que revogou a decisão arbitral, de 13 de dezembro de 2021, e, pronunciando-se sobre a primeira questão (i. supra), veio considerar, em suma, que o sujeito passivo auferiu mais-valias imobiliárias decorrentes da aquisição de imóveis, na parte excedente ao seu quinhão hereditário, por via de escritura de partilha relativa a sucessão mortis causa ocorrida em momento em que tais rendimentos não estavam sujeitos a tributação em sede de IRS, mas apenas outorgada após a entrada em vigor do CIRS.

Neste contexto, considerou o STA que, para efeitos de determinação da sujeição a tributação em sede de IRS das mais-valias decorrentes da alineação onerosa de imóveis, o momento que releva, incluindo na parte em que exceda o quinhão hereditário, é o dia e hora da morte do de cujus, ou seja, o momento da abertura da sucessão. E assim, para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, a mais-valia imobiliária auferida, na parte que excede o quinhão hereditário, deve considerar-se adquirida no momento da morte do de cujus (e consequente abertura da sucessão).

O acórdão do STA de 26 de maio de 2022, na sua fundamentação, limita-se, no essencial, a remeter para a fundamentação do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

  1. Neste contexto, vem o Tribunal Arbitral aderir à fundamentação do STA substituindo a decisão anulada.
  2. Face ao Acórdão descrito no ponto anterior fica ainda precludida a necessidade de conhecimento das questões ii. e iii. supra.

 

Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar procedente o presente pedido, anulando-se a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., de 22 de janeiro de 2021, referente ao período de tributação de 2017, no montante de EUR 783.207,05, e, bem assim, as respetivas liquidações de juros compensatórios n.os 2021... e 2021..., ambas de 29 de janeiro de 2021, no montante de EUR 71.066,22, e da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 29 de janeiro de 2021.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de €784.477,53.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas €11,322,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 23 de agosto de 2022

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal (Relator)

 

 

Leonardo Marques dos Santos

 

O Árbitro vogal

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

(com declaração de voto)

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Voto favoravelmente o presente acórdão arbitral no estrito cumprimento do dever de obediência ao decidido pelo STA no acórdão de uniformização de jurisprudência que antecede. Para além da questão de substância — que, naturalmente, não importa revisitar ou voltar a discutir —, entendo inexistir qualquer motivo válido para a decisão de mandar baixar os autos a este colégio arbitral para aqui ser proferido novo acórdão arbitral em vez de, como a meu ver se imporia que tivesse feito, o Supremo julgar definitivamente a questão de fundo, encerrando de vez o processo. Com efeito, os recursos das decisões arbitrais tributárias para o STA são verdadeiros recursos (e não meras ações de anulação de decisões arbitrais) de plena cognição (e não de mera cassação): nada obstava assim a que, uma vez verificada a contradição de julgados que serve de pressuposto à concreta espécie recursória, o Supremo aplicasse definitivamente aos factos da causa o regime jurídico que tivesse por apropriado, decidindo definitivamente a questão de fundo em substituição do tribunal recorrido. De resto, e salvo melhor opinião, é isso mesmo que resulta do regime jurídico dos recursos para uniformização de jurisprudência previsto no art. 152.º do CPTA e para o qual se remete no art. 25.º, n.º 3, do RJAT. Com efeito, prevê-se no n.º 6 do mencionado preceito legal que “[a] decisão que verifique a existência da contradição [de julgados] anula o acórdão recorrido e substituí-o, decidindo a questão controvertida” (realce adicionado). Daí que, a meu ver, o recurso de uniformização de jurisprudência não comporta sequer a possibilidade de baixa dos autos para novo julgamento da questão que formava o seu objeto. Porém, porque foi decidida a baixa dos autos e ordenado a este colégio arbitral que reformasse o seu anterior acórdão arbitral, decisão que já transitou, mais não nos resta do que dar cumprimento ao assim decidido, razão pela qual voto favoravelmente este novo acórdão arbitral, embora com a ressalva de que é meu entendimento que este chamamento a uma nossa segunda intervenção no processo é espúrio.

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 

 

 

 

A.SUMÁRIO

 

  1. Sem prejuízo de o momento relevante para efeitos de aquisição de um imóvel mortis causa ser o momento da abertura da sucessão, a parte que excede a quota ideal, adquirida mediante o pagamento de tornas através da escritura de partilha, configura uma transmissão onerosa.
  2. Nos casos em que são pagas tornas para a aquisição de património de valor superior à quota ideal herdada, existem duas aquisições distintas, que ocorrem em momentos diferentes: uma primeira aquisição, relativamente à quota ideal, que ocorre na data da abertura da sucessão; e uma segunda aquisição, relativamente ao montante que excede a quota ideal, adquirido, mediante o pagamento de tornas, através da escritura de partilha.
  3. O disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não se aplica ao montante adquirido, mediante o pagamento de tornas, em escritura de partilha outorgada após a entrada em vigor do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

B.RELATÓRIO

 

  1. No dia 9 de junho, A... e B..., casados entre si sob o regime de separação de bens, portadores dos números de identificação fiscal ... e ..., com domicílio na ..., n.º..., ..., ...-... Sintra (doravante “Requerentes” ou, separadamente, “1.º Requerente” e “2.ª Requerente”), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alínea a), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.os 1 e 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021..., de 22 de janeiro de 2021, referente ao período de tributação de 2017, no montante de EUR 783.207,05, e, bem assim, das respetivas liquidações de juros compensatórios n.os 2021... e 2021..., ambas de 29 de janeiro de 2021, no montante de EUR 71.066,22, e da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 29 de janeiro de 2021, no montante global a pagar de EUR 784.477,53.
  2. No dia 11-06-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, tendo disso sido notificada a AT.
  3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 28-07-2021, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 17-08-2020.
  6. No dia 24-09-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
  7. No dia 27-09-2021 foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 18 de dezembro.
  8. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
  9. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  10. O processo não enferma de nulidades. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
  11. Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que:
    1. No dia 9 de abril de 1984, C... faleceu a mãe do 1.º Requerente e, bem assim, de D... e E...;
    2. Por força do óbito, o 1.º Requerente, D... e E...– na qualidade de herdeiros – tornaram-se proprietários dos seguintes prédios:
  1. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ...  e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  2. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  3. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  4. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  5. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  6. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  7. Prédio urbano inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo ...;
  8. Prédio rústico inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e ..., concelho de Évora, sob o artigo..., secção D;
  9. Prédio rústico inscrito na matriz predial da união das freguesias de ... e..., concelho de Évora, sob o artigo..., seção D.
  1. No dia 3 de maio de 2001 teve lugar a respetiva escritura de partilha, de acordo com a qual: “Ao outorgante, A... [1.º Requerente], são-lhe adjudicados os prédios constantes das verbas um e dois, no valor de OITO MILHÕES DUZENTOS E SESSENTA E DOIS MIL SETECENTOS E SESSENTA E SETE ESCUDOS, pelo que, leva a mais, a importância de cinco milhões quinhentos e oito mil quinhentos e onze escudos e trinta e quatro centavos que, em dinheiro, já repôs para os restantes herdeiros, na proporção de metade para cada um”;
  2. No dia 5 de junho de 2017, o 1.º Requerente procedeu à alienação dos imóveis acima identificados pelo preço global de €3.966.770;
  3. No dia 30 de maio de 2018, por referência ao ano de 2017, os Requerentes entregaram a sua declaração periódica de rendimentos (“Modelo 3 de IRS”), à qual foi atribuído o n.º...;
  4. Em sede da referida declaração de rendimentos, os Requerentes refletiram no Anexo G1, intitulado “Mais-valias não tributadas”, a alienação dos imóveis supra e, por via disso, os respetivos valores de aquisição e realização;
  5. Em consequência, a Autoridade Tributária (“AT”) emitiu a liquidação de IRS n.º 2018..., da qual resultou imposto a receber de €1.270,48;
  6. A coberto da ordem de serviço n.º OI2019..., dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, os Requerentes foram alvo de procedimento de inspeção tributária interno incidente sobre IRS do período de tributação de 2017;
  7. Por ofício n.º 4.985, de 21 de fevereiro de 2019, da Direção de Finanças de Lisboa, os serviços de inspeção tributária solicitaram aos Requerentes o envio “dos documentos de suporte à aquisição e alienação dos imóveis inscritos no quadro 5 (...) do Anexo G1 (mais-valias não tributadas) à declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano acima indicado [2017], designadamente, escritura pública de aquisição a título oneroso ou gratuito ou qualquer outro documento que titule a respetiva aquisição bem como os respetivos documentos de alienação”;
  8. Subsequentemente, por carta, os Requerentes procederam ao envio à AT dos documentos solicitados, os quais infra se elencam:
  1. Escritura de habilitação de herdeiros de 17 de julho de 1985;
  2. Certidões do registo predial dos imóveis acima identificados;
  3. Escritura de alienação desses imóveis de 5 de junho de 2017.
  1. Por ofício n.º..., de 20 de outubro de 2020, da Direção de Finanças de Lisboa (Divisão de Inspeção – 3), os Requerentes foram notificados do projeto de relatório da inspeção tributária, em sede do qual a AT propôs correções à matéria coletável de IRS no montante global de €2.608.794,08;
  2. Tais propostas de correções assentaram no facto de a AT ter considerado que a aquisição de parte dos imóveis acima identificados pelo 1.º Requerente – em concreto 2/3, correspondente à parte que excedia o quinhão hereditário – ter advindo da escritura de partilha celebrada a 3 de maio de 2001, sendo, concomitantemente, a mais-valia imobiliária gerada em 2017 sujeita a tributação em sede de IRS;
  3. Em novembro de 2020, o 1.º Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, no âmbito do qual informou dissentir da posição preconizada pela AT no referido projeto;
  4. Em síntese, o 1.º Requerente sustentou o seguinte: “Em face da lei [artigo 2119.º do Código Civil (“CC”)], a partilha produz efeitos retroativos à data do óbito (...), esta retroatividade abrange todos os bens atribuídos aos herdeiros no âmbito da herança (...). [Paralelamente,] com base na Circular [n.º 21, de 19 de outubro de 1992, da Direção dos Serviços do IRS] (...) é absolutamente claro que o entendimento da AT é o de que a retroatividade da partilha estabelecida no artigo 2119.º do Código Civil abrange a totalidade dos bens atribuídos aos herdeiros, ainda que tenham sido atribuídos bens em proporção superior ao quinhão hereditário. Entendimento esse que, de resto, se limita a seguir o disposto na legislação aplicável e, em concreto, no artigo 2119.º do Código Civil. Ainda que esta Circular seja datada de 1992, não existe qualquer evidência de que a AT tenha revogado a referida circular ou de que tenha emitido qualquer orientação administrativa mais recente, na qual seja expresso um entendimento diferente. Neste pressuposto, a AT, nos termos do artigo 68.º-A da LGT encontra-se vinculada a este entendimento, estranhando-se aliás que, dada a sua relevância direta para a apreciação desta matéria, não tenha sido feita qualquer menção à mesma no projeto de correções do relatório de inspeção (...)”;
  5. Não obstante, por ofício n.º..., de 14 de dezembro de 2020, da Direção de Finanças de Lisboa (Divisão de Inspeção – 3), os Requerentes foram notificados do relatório final da inspeção tributária, de cujo conteúdo resulta a manutenção das correções anteriormente propostas, no montante global de €2.608.794,08, concernentes a IRS do período de tributação de 2017, e, em consequência, a alteração do rendimento global líquido para o montante de €1.382.496,58;
  6. Em sede do relatório final da inspeção tributária, a AT perfilhou o seguinte entendimento: “Analisada a informação recolhida através das diferentes aplicações informáticas da AT e os documentos remetidos pelo sujeito passivo (...), constatou-se o seguinte: – O sujeito passivo adquiriu 1/3 indiviso (ou seja, ficou comproprietário de todos os bens da herança, em conjunto com os restantes 2 herdeiros, também comproprietários de todos os bens herdados na parte de 1/3 cada um) dos imóveis em causa em 1984 por óbito de sua mãe C..., ocorrido em 09/04/1984; – Assim, aquele 1/3 indiviso deve constar no Anexo G1 – destinado a mais-valias não sujeitas para aquisições anteriores a 1989, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017; – Os restantes 2/3 dos mesmos bens imóveis foram adquiridos pelo sujeito passivo em 03/05/2001 (ficando com a totalidade dos mesmos), através de escritura de partilha, com pagamento de tornas aos restantes herdeiros, pelo que estamos neste caso perante uma situação passível de tributação. Nesta data há uma aquisição, a título oneroso, para o sujeito passivo que atribuiu tornas (...). Ora, (...) na parte que excede a quota hereditária, o herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realiza uma aquisição a título oneroso. Assim, no que se refere aos 2/3 dos imóveis adquiridos em 03/05/2001, deve ser preenchido o Quadro 4 do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2017, dado que se trata de uma mais-valia sujeita a IRS e atento o facto de que esta aquisição [ser] posterior a 01/01/1989”;
  7. Em consequência, em fevereiro de 2021, foram notificados dos seguintes atos tributários:
  1. Liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021..., de 22 de janeiro de 2021, referente ao período de tributação de 2017, no montante de €783.207,05;
  2. Liquidações de juros compensatórios n.os 2021 ... e 2021..., ambas de 29 de janeiro de 2021, no montante de €71.066,22;
  3. Demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., de 29 de janeiro de 2021, no montante global a pagar de €784.477,53.
  1. A 8 de março de 2021, procederam ao pagamento voluntário da alegada dívida tributária sub judice;
  2. A questão decidenda reconduz-se à apreciação da legalidade dos atos tributários acima identificados, à luz do regime ínsito nos artigos 2119.º e 2031.º do CC e 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e, bem assim, do entendimento preconizado pela Autoridade Tributária no âmbito da Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, sancionada pelo então Diretor-Geral dos Impostos. Ademais, no que respeita a juros compensatórios, importa aferir o preenchimento dos seus pressupostos, plasmados no artigo 35.º da LGT;
  3. Por outro lado, cumpre apurar a existência de uma situação de erro imputável aos serviços da AT e, concomitantemente, o direito à perceção de juros indemnizatórios à luz dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT;
  4. De acordo com a posição sufragada pela AT, “há uma parte dos bens imóveis alienados em 2017 [66,66%] que foi adquirida em 2001, aquando da escritura de partilha (...)”, pelo que as mais-valias resultantes dessa alienação estão sujeitas a IRS, nos termos dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS. Discordam os Requerentes deste entendimento, considerando relevar nesta sede a aplicação conjugada dos artigos 2119.º e 2031.º do CC e 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e, bem assim, a posição veiculada pela AT no âmbito da Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, sancionada pelo então Diretor-Geral dos Impostos, sob pena de preterição do disposto no artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT e dos princípios da legalidade, da igualdade e da boa fé plasmados no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
  5. Nos termos do artigo 2119.º do CC, sob a epígrafe “Retroatividade da partilha”: “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”. Por seu turno, o artigo 2031.º do CC, sob a epígrafe “Momento e lugar”, dispõe: “A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele”;
  6. No que respeita à natureza jurídica da partilha, a jurisprudência dos tribunais superiores sustenta: “A partilha assume natureza meramente declarativa, e eventualmente modificativa, mas não constitutiva do direito, [pelo que] não pode ser tomada como um modo específico e próprio de aquisição, sendo que os seus efeitos têm repercussão retroativa à data da abertura da sucessão, ou seja, à data da morte do autor da sucessão. Ora, não se alcançam quaisquer razões de índole legal para que, em sede tributária, assim não seja também” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 053/15, de 26 de outubro de 2016.
  7. Em sentido consonante, pronuncia-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 017839, de 8 de maio de 1996);
  8. Também no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0917/17, de 7 de março de 2018 resulta que: “Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – artigo 2119.º (...) e artigo 2031.º (...). Assim, a impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária”;
  9. Acrescenta ainda o referido Acórdão que: “O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respetivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária. O legislador tributário, nem para tributação de mais-valias, veio legislar de modo diverso” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0917/17, de 7 de março de 2018);
  10. Do exposto resulta revestir a partilha natureza declarativa, relevando, para efeitos de determinação do momento da aquisição dos imóveis, a data da abertura da sucessão (i.e., a data da morte do de cujus);
  11. Assim sendo, na situação sub judice, constata-se que a aquisição pelo 1.º Requerente dos imóveis acima identificados teve lugar a 9 de abril de 1984;
  12. De acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro: “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor deste Código” [i.e., a partir de 1 de janeiro de 1989, atento o preceituado no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro] [n.º 1]:

Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código (...)” [n.º 2].

  1. No presente caso, tendo a aquisição imobiliária supra referenciada tido lugar a 9 de abril de 1984, conclui-se ter ocorrido em momento anterior à entrada em vigor do Código do IRS (1 de janeiro de 1989), pelo que a mais-valia resultante da transmissão verificada a 5 de junho de 2017 não está sujeita a tributação em sede de IRS;
  2. No mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência dos tribunais superiores: “Deste modo, no caso concreto, considerando que a sucessão se abriu em 01.02.1987, que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, haverá que ter-se em conta o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais-valias. A sentença recorrida que assim não entendeu, considerando que uma parte do bem foi adquirida na data da abertura da sucessão e outra na data da partilha, sem considerar que os efeitos desta retroagem àquela, enferma do vício de violação de lei que lhe vinha apontado, por incorreta interpretação do direito, a determinar a sua integral revogação” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0917/17, de 7 de março de 2018;
  3. Ademais, de acordo com a Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, sancionada pelo então Diretor-geral dos Impostos: “O momento da aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”.
  4. Ora, da leitura conjugada do título e das razões da circular resulta, à saciedade, que o seu propósito consistiu em uniformizar o entendimento quanto ao enquadramento jurídico tributário dos ganhos obtidos com a alienação de bens que tenham sido adjudicados ao alienante em partilha de acervo hereditário realizada após a entrada em vigor do CIRS, quando, nessa adjudicação, se mostre excedido o seu quinhão hereditário (...). Com efeito, a questão enunciada sob a epígrafe de “Razão das instruções” reside, de forma clara, na determinação do momento da aquisição dos bens para efeitos de tributação, e é balizada por dois parâmetros: o primeiro consubstancia-se na circunstância de a partilha ter sido realizada após a entrada em vigor do CIRS, e o segundo consubstancia-se no facto de os bens adjudicados na partilha terem ultrapassado o quinhão hereditário do herdeiro. Não há, pois, como deixar de concluir que esta Circular almejou definir, para efeitos de enquadramento jurídico tributário, em que momento ocorre a aquisição de um bem que, sendo adjudicado em partilha de herança, excede a quota hereditária do herdeiro. E o entendimento ali sancionado é o de que o momento da aquisição dos bens é o da abertura da herança, mesmo quando na partilha sejam adjudicados bens que excedam a quota ideal do herdeiro cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 053/15, de 26 de outubro de 2016;

“Ou seja, o entendimento que se estabelece na Circular é o de que, na sucessão mortis causa, o momento de aquisição dos bens é o da abertura da sucessão, independentemente de os bens serem adjudicados em preenchimento da quota hereditária ou para além dela” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 053/15, de 26 de outubro de 2016;

  1. No mesmo sentido, pronuncia-se a jurisprudência dos tribunais superiores – atente-se, em jeito de súmula, aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que infra se elencam:
  1. Acórdão n.º 077/17.0BEPDL, de 7 de abril de 2021;
  2. Acórdão n.º 05/09.6BESNT, de 24 de fevereiro de 2021;
  3. Acórdão n.º 0360/12.0BECBR, de 12 de fevereiro de 2020.
  1. A posição sustentada pela Autoridade Tributária carece de suporte jurídico, inquinando de ilegalidade os atos tributários sob contenda, com fundamento na preterição dos artigos 2119.º e 2031.º do CC e 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e, bem assim, na Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, sancionada pelo então Diretor-Geral dos Impostos, impondo-se por isso a anulação de tais atos nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”);
  2. Adicionalmente, os princípios da igualdade tributária e da boa/fé, consagrados nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), sempre determinariam a ilegalidade dos atos tributários contestados, como em seguida se explanará. Não pode admitir-se, sem qualquer justificação e sem a ressalva da confiança gerada nos sujeitos passivos, que a AT confira aos Requerentes um tratamento distinto do adotado quanto a outros sujeitos passivos em idêntica posição;
  3. Assim sendo, impõe-se a aplicação do entendimento veiculado pelo então Diretor-Geral dos Impostos no âmbito da Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, nos termos do qual: “O momento da aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”;
  4. Igual entendimento resulta necessariamente da aplicação do regime previsto no artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, nos termos do qual: “A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”;
  5. No mesmo sentido, e no que especificamente concerne à aplicação da Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, pronuncia-se a jurisprudência dos tribunais superiores: “O facto de a Administração Tributária estar vinculada (...) à interpretação das normas tributárias constantes das suas circulares, as quais, visando a uniformização dessa interpretação e aplicação a todos os contribuintes, geram uma confiança que os leva, de boa fé, a agir no sentido ali indicado, não podendo a Administração deixar de as aplicar a alguns contribuintes e, afrontando-as, realizar oficiosamente uma liquidação adicional de imposto com o pretexto de que determinada circular não expressa a melhor ou a mais correta interpretação do direito” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 053/15, de 26 de outubro de 2016;

Ora, do teor das conclusões (e bem assim das alegações de recurso) não é possível extrair a mínima censura à sentença recorrida no segmento em que julga a Administração Tributária vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68.º, n.º 4, alínea b), da LGT (atual 68.º-A, n.º 1, da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa fé e da igualdade, que presidem ao exercício da atividade administrativa (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República)” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0583/12, de 17 de outubro de 2012;

  1. Por tudo quanto se expôs, requer-se ao Tribunal Arbitral que pugne pela ilegalidade dos atos tributários sob contenda, no montante global de €784.477,53, diligenciando pela sua anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais;
  2. Nos termos do artigo 91.º do Código do IRS: “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária” [n.º 1]. “São igualmente devidos juros compensatórios nos termos referidos no n.º 1 quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior a devido” [n.º 2].
  3. De acordo com o disposto no artigo 35.º, n.º 1, da LGT: “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”;
  4. No eventual cenário do Tribunal Arbitral não proceder à anulação do ato tributário sub judice nos termos acima expostos – no que não se concede e apenas se concebe cautelarmente por dever de patrocínio –, importa enfatizar depender o eventual direito da AT à perceção de juros compensatórios da ocorrência de uma situação de retardamento na liquidação do imposto imputável, a título de culpa, ao contribuinte;
  5. No que respeita ao elemento objetivo do direito ao pagamento de juros compensatórios resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo o seguinte: “Os juros compensatórios destinam-se apenas a compensar o credor tributário pelo prejuízo presumivelmente sofrido com o atraso da entrada do imposto na sua esfera patrimonial (...)” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 22.612, de 23 de setembro de 1998;
  6. Por outro lado, e não obstante a natureza indemnizatória do direito ao pagamento de juros compensatórios, a necessidade de preenchimento do seu elemento subjetivo – culpa do sujeito passivo – constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 16.211, de 16 de março de 1994; n.º 22.325, de 18 de fevereiro de 1998; e n.º 20.181, de 3 de março de 1999;
  7. No presente caso, o elemento objetivo do direito ao pagamento de juros compensatórios – assente no retardamento da entrega do imposto pelo sujeito passivo – não se verifica, tendo os Requerentes cumprido integral e tempestivamente as suas obrigações fiscais;
  8. Por outro lado, agiram sem culpa, porquanto a sua interpretação das normas supra citadas é legítima, plausível e de boa-fé, não existindo uma sua atuação dolosa ou negligente;
  9. Ademais, a posição sufragada é totalmente consentânea com o entendimento preconizado pela AT no âmbito da Circular n.º 21/92, de 19 de outubro de 1992, sancionada pelo então Diretor-Geral dos Impostos;
  10. Sendo certo que, conforme acima exposto, a nível jurisprudencial, a posição adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo é consentânea com o entendimento assumido pelos Requerentes;
  11. Nestes termos, no presente caso, claudica necessariamente o pressuposto relativo à culpa, não sendo a conduta dos Requerentes censurável, na medida em que assenta em interpretação totalmente plausível do regime ínsito nos artigos 2119.º do CC e 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e, por conseguinte, das obrigações tributárias daí decorrentes;
  12. No mesmo sentido, de não ser possível a formulação de um juízo de culpa quando a interpretação, ainda que distinta da AT, seja plausível, pronuncia-se a jurisprudência (quer do tribunal arbitral quer dos tribunais superiores): “A requerente actuou com base numa interpretação plausível da lei fiscal – a qual suscitava fundadas dúvidas de interpretação (...). Por isso, não lhe pode ser assacado qualquer comportamento intencional e culposo na errada interpretação e aplicação da lei fiscal (...)” – cfr. Decisão Arbitral n.º 74/2012-T, de 17 de dezembro de 2012.

Os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respectivo imposto (...) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação. Verificando-se porventura que o eventual atraso na liquidação se ficou antes a dever a mera e compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte ou a erro desculpável deste, não são devidos aqueles juros” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1145/02, de 23 de outubro de 2002.

  1. Perante o exposto, os elementos objetivo e subjetivo do direito ao pagamento de juros compensatórios devem ter-se por não preenchidos, sob pena de aplicação do instituto da responsabilidade – enquanto fonte ressarcitória de danos causados com o retardamento da entrega do imposto – sem que se verifiquem os respetivos pressupostos legais, in casu a existência de dano e a culpa do agente;
  2. Com efeito, não é a conduta dos Requerentes suscetível de originar a emissão de quaisquer liquidações de juros compensatórios, mormente as enunciadas e contestadas no âmbito dos presentes autos;
  3. Em consequência – e caso não se imponha a respetiva anulação nos termos expostos no ponto anterior – deverão as liquidações de juros compensatórios, no montante global de €71.066,22, ser anuladas com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 35.º da LGT, igualmente nos termos do artigo 163.º do CPA, o que se peticiona para os devidos efeitos legais;
  4. Enquanto a liquidação de imposto em referência não for anulada continuará a produzir efeitos na ordem jurídica ao abrigo do princípio da executoriedade imediata dos atos tributários, na medida em que a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral carece de efeito suspensivo;
  5. Neste contexto, cumpre sublinhar terem os Requerentes efetuado o pagamento voluntário da alegada dívida tributária refletida nos atos tributários sub judice;
  6. Assim, são devidos juros indemnizatórios de acordo com artigo 43.º, n.º 1, da LGT;
  7. No presente caso, padecendo os atos tributários que estão na origem dos presentes autos do vício de violação de lei, como amplamente ficou demonstrado, assiste aos Requerentes o direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da AT, sobre o montante de €784.477,53, desde o dia 8 de março de 2021 (data do pagamento da pretensa dívida tributária) até à emissão da correspetiva nota de crédito;
  8. Em consequência, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, requer-se ao Tribunal Arbitral o reconhecimento do erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e, nessa medida, a restituição do montante indevidamente suportado pelos Requerentes, ao abrigo do artigo 100.º da LGT, e a satisfação do seu direito à perceção de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, em consonância com o exposto supra;
  9. Por seu turno, a AT (ou “Requerida”) alega, em síntese que:
    1. O presente PPA tem como objeto a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., relativa ao ano de 2017, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios nos 2021 ... e 2021..., ambas de 29/01/21, no montante de €71.066,22, que se traduziram no montante global a pagar de €784.477,53;
    2. A questão controvertida prende-se, no essencial, com a aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e o momento a ter em consideração para efeitos da aquisição do imóvel na parte que excedeu o quinhão hereditário e que foi objeto do pagamento de tornas;
    3. Na parte em que excede a quota ideal, a aquisição se reporta ao momento da escritura de partilha, assumindo natureza onerosa esta transmissão dos imóveis para a esfera jurídica dos Requerentes, sujeita ao pagamento de tornas e, consequentemente, ficando as mais-valias resultantes da alienação sujeitas a tributação, nos termos do Código do IRS;
    4. Os Requerentes declararam no campo 5 do anexo G1 (mais valias não tributadas) da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, do ano de 2017, a alienação de nove prédios, rústicos e urbanos, excluídos de tributação (Anexo G1), a saber:

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  1. No âmbito da ação inspetiva com a OI n.º OI... (para controlo declarativo no tocante à alienação onerosa de imóveis suscetíveis de produzir rendimentos sujeitos a IRS, no ano de 2017), os Requerentes foram notificados para apresentar, os documentos de suporte à aquisição e alienação dos imóveis inscritos no quadro 5 (IMÓVEIS ALIENADOS OU ISENTOS DE TRIBUTAÇÃO – n.º 4 do artigo 4.º e do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de novembro e Regime Tributário dos Fundos do Investimento Imobiliário para Arrendamento (SIIAH) – artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) do Anexo G1 (mais-valias não tributadas) à declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano acima indicado, designadamente, escritura pública de aquisição a titulo onerosos ou gratuito ou qualquer outro documento que titule a respetiva aquisição bem como os respetivos documentos da alienação”;
  2. Em resposta ao solicitado, os Requerentes remeteram cópias da habilitação de herdeiros efetuada em 1985 (por óbito da mãe do A..., em 9/4/1984), da escritura de partilha outorgada em 2001, da escritura de alienação dos imóveis em causa, celebrada em 2017 e das certidões permanentes da CRP de tais prédios;
  3. A quota ideal do Requerente A..., na herança por morte da mãe, é de 1/3;
  4. Conforme escritura de partilha, os Requerentes pagaram tornas aos restantes dois herdeiros, E... e F...;
  5. Foi elaborado um projeto de correção ao rendimento coletável com fundamento na tributação das mais-valias relativas à alienação de 2/3 do prédio;
  6. De acordo com a norma transitória do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, os ganhos provenientes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, que não sejam terrenos para construção, só serão sujeitos a IRS quando a prévia aquisição desses mesmos imóveis tenha ocorrido a partir de 1 de janeiro de 1989, configurando um facto tributário de formação sucessiva integrado por dois momentos: o da aquisição e o da transmissão;
  7. O ordenamento jurídico português estabelece o princípio da retroatividade da partilha segundo o qual os efeitos jurídicos retroagem à data da abertura da herança. Com efeito, o Código Civil consagra que “os efeitos da aceitação (da herança) retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão” e que “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” – artigos 2950.º, n.º 2 e 2119.º, este último sob a epígrafe “Retroactividade da Partilha”. Por seu turno, o art.º 2032º do mesmo Código vem estipular que “A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor”;
  8. O STA tem perfilhado o entendimento de que a partilha é por essência declarativa e não constitutiva ou translativa, reportando-se a aquisição dos bens ao momento da abertura da sucessão (cfr. Acórdãos do STA, 2.ª Secção, Processos n.º 17417, de 16/3/94; n.º 17839, de 8/5/96; n.º 659/04, de 4/11/04; n.º 583/12, de 17/11/12 e do Pleno da Secção do Contencioso Tributário n.º 1282/12, de 5/6/13);
  9. Mas já assim não é no que se refere à partilha na parte que excede a quota legal e que foi sujeita ao pagamento de tornas, como consignado por inúmera jurisprudência secundada pela melhor doutrina;
  10. Neste último caso, a partilha não tem natureza meramente declarativa, porque não se limita a fazer cessar o estado de indivisão hereditária, tem antes uma natureza constitutiva, porquanto está em causa uma transação que excede a quota-parte ideal atribuída ao herdeiro;
  11. A quota-parte que excede a quota ideal que pertence ao herdeiro e pela qual este paga tornas aos demais herdeiros não é adquirida pela via da sucessão, mas pela via da aquisição onerosa, como se se tratasse de uma verdadeira compra, reportando-se a data da aquisição à data da escritura de partilha (cfr. artigo 1317.º do CC);
  12. Lê-se no Acórdão do TCA Sul de 17-04-2012, Processo n.º 5359/12, “… Muito embora os efeitos da aceitação da herança retroajam ao momento de abertura da sucessão, a qual se verifica no preciso momento em que o autor da sucessão morre (cfr. art. 2119.º e 2050.º do Código Civil), tal efeito só é verdade quanto à quota ideal e à deixa testamentária e não havendo no caso em apreço testamento, só se verifica, portanto, a retroactividade quanto à quota ideal …, sendo a restante quota-parte adquirida pelo impugnante …”;
  13. Tal vale por dizer que, em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, a qual, aliás, está sujeita ao pagamento de IMT (ou de SISA);
  14. Descendo ao caso dos presentes autos, e tendo presente a abundante jurisprudência e doutrina que perfilham o entendimento já citado, os Requerentes: (i) pela via sucessória, adquiriram 1/3 dos prédios em causa, quota-parte que corresponde à quota ideal na herança aberta por morte da mãe do Requerente, reportando-se esta transmissão à data do óbito, ou seja, 9/4/1984; (ii) por escritura de partilha, de 3/5/2001, adquiriram os restantes 2/3 dos mesmos prédios, mediante o pagamento de tornas aos demais herdeiros e, bem assim, da Sisa (cfr. parag. 2.º do artigo 7.º do CIMISSD e alínea a) do artigo 4.º do Código do IMT);
  15. Atenta a norma transitória prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, as mais-valias decorrentes da alienação de um 1/3 dos imóveis alienados não ficam sujeitas a tributação em sede de IRS, porquanto, no âmbito da aplicação do Código do IMT, quanto a imóveis na titularidade de particulares, apenas os ganhos derivados da alienação onerosa de terrenos para construção eram passiveis de incidência do imposto de mais-valias;
  16. Porém, os 2/3 do mesmo prédio foram adquiridos, de forma onerosa, já em 2001, através da escritura de partilha;
  17. De acordo com a mencionada norma transitória (artigo 5.º, n.º 1 o Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11) os ganhos provenientes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, que não sejam terrenos para construção, ficam sujeitos a IRS desde que a aquisição desses mesmos imóveis tenha ocorrido a partir de 1/1/1989;
  18. A alienação dos bens adjudicados na escritura de partilha constitui não só a alienação de bens excluídos de tributação (até ao limite da quota ideal), mas também de bens adquiridos a título oneroso (que excedem a quota-ideal) no ato da partilha (relativamente aos quais não pode ser considerado o efeito retroativo da partilha, para efeitos fiscais), e por isso suscetíveis de gerar mais valias tributáveis em sede de IRS no ano da sua alienação;
  19. Daí que, em sede inspetiva, se tenha concluído, pelas razões de facto e de direito, que constam do respetivo relatório, que o 1.º Requerente adquiriu: (i)1/3 indiviso dos imóveis herdados por morte da mãe, em 1984, cujas mais-valias na alienação devem ser declarados no Anexo G1 (excluídas de tributação; (ii) 2/3 desses imóveis, em 2001, através da escritura de partilha outorgada em 2001, e do pagamento de tornas aos outros dois herdeiros;
  20. Uma interpretação diversa, na qual a tese dos Requerentes se alicerça, faz tábua rasa do facto de, na partilha, ter sido atribuído a um dos herdeiros, uma quota superior à quota ideal, por meio do pagamento de tornas;
  21. No caso em que o herdeiro paga tornas por receber mais do que lhe cabia no seu quinhão, o facto tributário, referente ao excesso, surge com este pagamento e, no caso, com a outorga da escritura de partilha;
  22. E, nestas circunstâncias, a partilha não tem (quanto ao excesso) natureza declarativa, mas antes constitutiva;
  23. Igualmente não assiste razão quanto ao alegado pelos Requerentes no que respeita à violação do princípio da igualdade. Desde logo, a mencionada circular n.º 21/92, emitida há cerca de 30 anos, não tem a virtualidade de afastar o regime que decorre do direito vigente para o qual releva o preenchimento in casu do tipo legal (cfr. artigo 10.º do Código do IRS) – cfr. acórdão do TCA Sul 07881/14, de 24/09/2015;
  24. O entendimento secundado pela AT no relatório inspetivo sobre o qual foi proferida decisão que suportou o ato de liquidação aqui impugnado está conforme com o quadro legal aplicável e, como se referiu, com abundante jurisprudência e doutrina. E é, desde há largos anos, o entendimento da AT nesta matéria. Veja-se a título exemplificativo, a informação vinculativa relativa ao processo n.º 1866/2008 e que mereceu o despacho concordante do Senhor Subdiretor-geral, de 01/07/2008: “1. O objectivo último da Circular Nº. 21/92, de 19/20, da Direcção de Serviços do IRS, foi o de esclarecer que, caso a abertura da herança ocorresse antes de 89.01.01, se verificaria uma situação de exclusão tributária, atendendo a que, de acordo com o estatuído no artigo 2119.º do Código Civil, a partilha retroage os seus efeitos à data da abertura da herança. 2. De facto, antes da partilha, cada herdeiro já detém o direito a uma determinada quota ideal da herança, podendo afirmar-se que a mesma, a partilha, se limita a concretizar, em bens certos e determinados, o direito já existente e a fazer com que esse direito retroaja à data da abertura da herança. 3. Quanto a tudo o que o herdeiro vier a adquirir para além da sua quota ideal na herança como pagamento das respectivas tornas, e porque o pagamento das mesmas consubstancia, em verdade, um negócio de alienação do direito real a um bem ou parte dele, ter-se-á de considerar como data de aquisição do excedente a do facto jurídico que legitima esse negócio, equiparando-se, assim, a escritura de partilhas a um contrato de compra e venda e as respectivas tornas ao correspondente valor de aquisição”. Ou, mais recentemente e entre muitas outras, a informação vinculativa proferida sobre o Proc. 3803/2017, de 21/11/2017;
  25. No que respeita aos juros compensatórios, também não assiste razão à Requerente, basta para tanto confrontar a data da liquidação efetuada com base na declaração Modelo 3 de IRS entregue pelos Requerentes em 20/05/20018 - 01/06/2018 - e a data da liquidação oficiosa - 26/11/2020 - para verificar que houve atraso na entrega do imposto devido;
  26. E está também preenchido o pressuposto da culpa dos Requerentes porquanto existia um facto tributário (a outorga da escritura de partilha e o pagamento de tornas) que obrigava à liquidação (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 28/04/2021, Proc.º 2577/12.9BELRS);
  27. Por outro lado, a notificação da liquidação dos juros compensatórios está devidamente fundamentada, de facto e de direito.

 

C.MATÉRIA DE FACTO

 

C.1. Factos provados

 

  1. Em fevereiro de 2021, os Requerentes foram notificados dos seguintes atos tributários:
  1. Liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021 ..., de 22 de janeiro de 2021, referente ao período de tributação de 2017, no montante de €783.207,05;
  2. Liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021... e 2021..., ambas de 29 de janeiro de 2021, no montante de €71.066,22;
  3. Demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 29 de janeiro de 2021, no montante global a pagar de €784.477,53.
  1. A 8 de março de 2021, os Requerentes procederam ao pagamento voluntário da dívida tributária.
  2. O óbito da mãe do 1.º Requerente, A..., ocorreu em 1984;
  3. A habilitação de herdeiros foi efetuada em 1985;
  4. A quota ideal do Requerente A..., na herança por morte da mãe, é de 1/3;
  5. A escritura de partilha foi outorgada em 2001;
  6. A escritura de alienação dos imóveis em causa foi celebrada em 2017;
  7. Conforme escritura de partilha, os Requerentes pagaram tornas aos restantes dois herdeiros, E... e F..., no montante de cinco milhões quinhentos e oito mil quinhentos e onze escudos e trinta e quatro centavos;
  8. Através do pagamento de tornas adquiriu a quota ideal dos restantes herdeiros.

 

C.2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

C.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

  1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. n.º 2, do artigo 123.º, do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi als. a) e e) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (Cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do al. e) do n.º 1, do artigo 29.ºdo RJAT).
  3. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7, do artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados;

 

D.DO DIREITO

 

  1. As questões controvertidas nos presentes autos são, no essencial, três:
  1. Para efeitos da aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, qual o momento da aquisição de imóveis, na parte que excede o quinhão hereditário, quando a parcela que excedeu a quota ideal foi objeto do pagamento de tornas em escritura de partilha realizada após a entrada em vigor do Código do IRS;
  2. Se a AT violou o princípio da igualdade e da boa-fé, decidindo contra o teor da Circular n.º 21, de 19 de outubro de 1992, da Direção dos Serviços do IRS; e se
  3. No caso de a presente ação ser considerada improcedente, devem os Requerentes proceder ao pagamento de juros compensatórios.
  1. Quanto à questão (1), relativa à aplicação do regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, pronunciamo-nos, desde já, pela improcedência do presente pedido.
  2. Com efeito, considera este Tribunal que, sem prejuízo de o momento relevante efeitos de aquisição de um imóvel mortis causa ser o momento da abertura da sucessão, no caso em apreço, a parte que excedeu a quota ideal foi adquirida onerosamente através da escritura de partilha.
  3. Na verdade, na opinião deste Tribunal existiram duas aquisições distintas, que ocorreram em momentos diferentes: (a) uma primeira aquisição, relativamente à quota ideal, que ocorre na data da abertura da sucessão; (b) uma segunda aquisição, relativamente ao montante que excede a quota ideal, adquirido, mediante o pagamento de tornas, através da escritura de partilha.
  4. No caso de imóveis, o Código do IRS não estabelece diretamente o momento em considera existir um facto aquisitivo, limitando-se a determinar que o rendimento se considera obtido no momento da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (artigo 10.º, n.ºs 3, al. (a) e 1, al. a) e a estabelecer regras diferentes para o valor de aquisição, consoante esta seja gratuita (artigo 45.º) ou onerosa (artigo 46.º).
  5. Em todo o caso, o referido Código, ao remeter, no caso das aquisições a título gratuito, para o valor de aquisição considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo/valor que serviria de base à liquidação de Imposto do Selo (“IS”) (artigo 45.º, n.º 1), e para o valor de aquisição que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (“IMT”), no caso de aquisições onerosas, parece querer fazer aplicar mais do que simplesmente a base tributável aplicável – considerada em abstrato – nos referidos impostos (IS e IMT).
  6. A determinação da base tributável do código do IS ou do IMT pressupõe a prévia qualificação da transmissão como gratuita ou onerosa, qualificação essa que, na opinião deste Tribunal, deve seguir as regras previstas nos respetivos Códigos (IS e IMT).
  7. Clarifica-se, desde já, que não se está a recorrer analogicamente às normas de incidência dos Códigos do IS e do IMT (e porventura a alargar a incidência objetiva do IRS). Simplesmente, ao remeter a determinação do valor de aquisição para os Códigos do IS e do IMT, o Código do IRS recorre também ao critério de qualificação das operações como gratuitas ou onerosas resultante daqueles Códigos. Caso contrário, a aplicação dos artigos 45.º e 46.º do Código do IRS poderia levar a resultados inoperacionais por impossibilidade na qualificação as respetivas operações.
  8. Assim, estando verificada a previsão da norma de incidência resultante do Código do IRS, ou seja, verificando-se - para efeitos do artigo 10.º, n.º 1, al. a) do Código do IRS - uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e sendo necessário determinar o valor de aquisição e, consequentemente, determinar da base tributável, será necessário recorrer aos Códigos do IS e do IMT, ex vi artigos 45.º e 46.º do Código do IRS para efeitos de qualificação da operação como gratuita ou onerosa.
  9. Ora, nos termos do artigo 2.º, n.º 5, al. c) do Código do IMT, o “[s]ão também sujeitas ao IMT, designadamente: O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário;”.
  10. Resulta, assim, do Código do IMT que o excesso de quota-parte configura uma transmissão onerosa, que o ocorre no ato da partilha.
  11. Chamamos a atenção que, enquanto a herança permanece indivisa, cada herdeiro é apenas titular do direito a uma quota ideal na massa de bens transmitidos pela via sucessória, e não um direito individual sobre cada um dos bens que integra o acervo patrimonial. Assim, a alocação entre os vários herdeiros do património da herança, i.e. se lhe é atribuído o bem imóvel A ou B, dinheiro ou outros bens, não constitui, na opinião deste Tribunal um facto tributário por si só. Assim, se um dos herdeiros adquirisse a totalidade dos bens imóveis e os restantes herdeiros outros bens, isso não implicaria qualquer facto tributário para efeitos de IRS. Mas o pagamento de tornas indicia a aquisição de património adicional (que vai para além da quota ideal).
  12. Mais, tendo sido pago tornas, essa aquisição (porque ocorrendo contra um pagamento) é onerosa. Colocada a questão de outra forma: se não fosse o pagamento das tornas, o Requerente não teria adquirido mais de 1/3 da quota ideal. Ou seja, existe sinalagmaticidade na aquisição dos 2/3 que excedem a quota ideal.
  13. Desta feita, mesmo sem recurso ao artigo 2.º, n.º 5, al. c) do Código do IMT, sempre se diria que a aquisição do excesso de quota parte mediante o pagamento de tornas configura uma operação onerosa.
  14. Sem prejuízo de a posição que ora se defende não ser unânime na jurisprudência, por força de alguma polarização a este respeito, os Tribunais Superiores já se pronunciaram, em mais de uma ocasião neste sentido.
  15. No Acórdão de 17-04-2012, Processo n.º 5359/12, o do TCA Sul defende que: “Muito embora os efeitos da aceitação da herança retroajam ao momento de abertura da sucessão, a qual se verifica no preciso momento em que o autor da sucessão morre (cfr. art. 2119.º e 2050.º do Código Civil), tal efeito só é verdade quanto à quota ideal e à deixa testamentária e não havendo no caso em apreço testamento, só se verifica, portanto, a retroactividade quanto à quota ideal …, sendo a restante quota-parte adquirida pelo impugnante (…)”.
  16. No mesmo sentido, no Acórdão de 12-06-2014, proferido no Processo n.º 06726/13, o TCA-Sul foi decidido que: “A partilha da herança gera a cessação do estado de indivisão hereditária (contitularidade) e de materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (cfr.artº.2119, do C.Civil), assim se evitando quaisquer hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão. Juridicamente, tudo se passa como se cada um dos herdeiros fosse, desde a morte do "de cuius", titular único dos direitos da sucessão hereditária, no que se refere aos bens corporizados na partilha. Mais se dirá que a partilha se deve visualizar, não com uma natureza meramente declarativa, mas antes como um verdadeiro acto modificativo ou de conversão, na medida em que converte os vários direitos dos herdeiros a uma simples quota (indeterminada) de um todo que se consubstancia nas relações jurídicas de cariz patrimonial que são objecto da sucessão, em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo”, acrescentando que “em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto. (…) Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha lavrada em 3/2/1995 (cfr.artºs.408 e 1317, al.a), do C.Civil)”.
  17. No mesmo sentido, no Acórdão de 24-09-2015, Processo n.º 07881/14, o TCA-Sul decidiu que: “Tendo em vista a aplicação da norma de direito transitório material do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprova o CIRS, (“Regime transitório da categoria G”), o momento relevante a ter conta, no que respeita ao excesso do quinhão hereditário, atribuído ao contribuinte, a título de tornas, mediante a outorga de partilha, é o da celebração desta última”.
  18. No mesmo sentido, no Acórdão de 30/09/2015, Processo n.º 01816/06.0BEVIS, o TCA-Norte decidiu que: “(…) II) Nos termos do art. 10º nº 1 al. a) do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultassem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Pelo que, à primeira vista, os ganhos resultantes da venda daquele prédio estariam sujeitos a tributação em sede de IRS, a título de Mais-Valias.

III) Todavia, por força do disposto no art. 5º nº 1 do D.L. nº 442-A/88, que estabeleceu um regime transitório para os rendimentos da categoria G, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo Código do Imposto de Mais-Valias aprovado pelo Dec. Lei nº 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficavam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitassem tivesse sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS, ou seja, depois de 1 de Janeiro de 1989.

IV) Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram, sendo que só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem e, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.

V) Muito embora os efeitos da aceitação da herança retroajam ao momento de abertura da sucessão, a qual se verifica no preciso momento em que o autor da sucessão morre (cfr. art. 2119.º e 2050.º do Código Civil), tal efeito só é verdade quanto à quota ideal e à deixa testamentária e não havendo no caso em apreço testamento, só se verifica, portanto, a retroactividade quanto à quota ideal …, sendo a restante quota-parte adquirida pelo impugnante …”, ou seja, em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto”.

  1. No mesmo sentido, ainda, no Acórdão de 07/06/2018, Processo 5/09.6BESNT, o TCA-Sul decidiu que: “Não obstante o carácter declarativo da partilha, se nesse acto são adjudicados aos herdeiros bens que excedem o valor do seu quinhão hereditário e de que deu tornas aos restantes herdeiros, a partilha assume-se como constitutiva dessa aquisição do excesso, não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão”.
  2. Recentemente, em 24/02/2021, uma questão semelhante foi objeto de Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, Processo n.º 05/09.6BESNT, tendo sido decidido que na “aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuiús”. Em todo o caso, pelas razões já expendidas acima, não acompanhamos o teor deste Acórdão.
  3. Acompanhamos, sim, a argumentação defendida pelo Conselheiro Gustavo Lopes Courinha, em Declaração de Voto ao referido Processo (n.º 05/09.6BESNT), nos seguintes termos: “Votei vencido o presente acórdão por entender que a posição que ora logra vencimento e que se estriba no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que serve de fundamento ao presente recurso – proferido no Processo n.º 0917/17, de 7 de Março de 2018 – diz mais do que devia, ao desconsiderar os casos em que, na Partilha, a parte respeitante ao imóvel que é atribuída em concreto ao contribuinte ultrapassa a quota ideal, por meio do pagamento de tornas.

Em tais circunstâncias, não vemos como possa ser defensável a leitura de que a Partilha possui uma natureza meramente declarativa, e não já constitutiva, porquanto se verifica efectivamente uma transacção que excede as quota-partes ideais atribuídas aos herdeiros: nestes casos, entendemos que a partilha não se limita a fazer cessar o estado de indivisão hereditária, pressuposto que fundamenta aquela natureza declarativa.

Quando um herdeiro tem de pagar tornas pelo facto de receber mais do que aquilo que lhe cabia no seu quinhão, parece-nos que é de considerar que é aqui que surge (quanto a esse excesso, naturalmente) o facto tributário. Foi essa a posição sufragada pelo acórdão recorrido e já antes sufragada por aquele mesmo Tribunal no Acórdão proferido no Processo n.º 07881/14, de 24 de Setembro de 2015 e com a qual nos identificamos: “Tendo em vista a aplicação da norma de direito transitório material do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprova o CIRS, (“Regime transitório da categoria G”), o momento relevante a ter conta, no que respeita ao excesso do quinhão hereditário, atribuído ao contribuinte, a título de tornas, mediante a outorga de partilha, é o da celebração desta última”.

  1. Quanto à questão (2), relativa à violação do princípio da igualdade e boa-fé por parte da AT, ao decidir contra o teor da Circular n.º 21, de 19 de outubro de 1992, da Direção dos Serviços do IRS, consideramos que o pedido deve ser considerado improcedente, também a este respeito.
  2. Começa por se referir que as orientações administrativas resultantes de circulares não vinculam este Tribunal, pelo que a questão em apreço se poderia apenas cingir a um tratamento diferenciado dos sujeitos passivos por força da alteração da posição da AT e/ou à violação do princípio da boa-fé/legítimas expectativas.
  3. Contudo, não apenas o entendimento secundado pela AT no relatório inspetivo sobre o qual foi proferida decisão que suportou o ato de liquidação aqui impugnado está conforme com abundante jurisprudência, como está em linha com a posição pública da AT defendida em processos mais recentes.
  4. Assim, as expectativas dos Requerentes sempre teriam de ser enquadradas à luz, quer da polarização jurisprudência existente, quer da posição assumida mais recentemente pela AT.
  5. Salienta-se que a informação vinculativa relativa ao processo n.º 1866/2008 e que mereceu o despacho concordante do Senhor Subdiretor-geral, de 01/07/2008, dispõe que: “1. O objectivo último da Circular Nº. 21/92, de 19/20, da Direcção de Serviços do IRS, foi o de esclarecer que, caso a abertura da herança ocorresse antes de 89.01.01, se verificaria uma situação de exclusão tributária, atendendo a que, de acordo com o estatuído no artigo 2119.º do Código Civil, a partilha retroage os seus efeitos à data da abertura da herança.

2. De facto, antes da partilha, cada herdeiro já detém o direito a uma determinada quota ideal da herança, podendo afirmar-se que a mesma, a partilha, se limita a concretizar, em bens certos e determinados, o direito já existente e a fazer com que esse direito retroaja à data da abertura da herança.

3. Quanto a tudo o que o herdeiro vier a adquirir para além da sua quota ideal na herança como pagamento das respectivas tornas, e porque o pagamento das mesmas consubstancia, em verdade, um negócio de alienação do direito real a um bem ou parte dele, ter-se-á de considerar como data de aquisição do excedente a do facto jurídico que legitima esse negócio, equiparando-se, assim, a escritura de partilhas a um contrato de compra e venda e as respectivas tornas ao correspondente valor de aquisição”.

  1. No mesmo sentido, mais recentemente, a informação vinculativa proferida no processo n.º 3803/2017, de 21/11/2017, determina que:

“1. Os rendimentos obtidos com a alienação de direitos reais sobre bens imóveis encontram-se sujeitos a tributação em sede de IRS, nos termos do artigo 10.º do Código do IRS.

2. Encontra-se sujeita a tributação a cedência, em ato de divisão ou partilha, de direitos reais sobre bens imóveis, desde que uma das partes (um herdeiro, na partilha por herança) receba bens que excedam a quota-parte a que tinha direito no património comum que compunha a herança, o que, por sua vez, irá determinar a existência de tornas, ou seja, de um excesso.

3. Atendendo a que a atribuição das tornas confere o carater oneroso à operação de partilha e, consubstanciando as mesmas um negócio de alienação de um direito real a um bem imóvel ou parte dele, serão as mesmas consideradas como um ganho, e, por conseguinte, sujeitas a tributação em mais-valias nos termos do disposto no artigo 10.º do Código do IRS.

4. O facto do herdeiro prescindir do valor das tornas a que tinha direito por partilha, não retira o carater oneroso à transmissão/alienação, atendendo a que o mesmo prescindiu, por opção, do valor atribuído a esse direito, o mesmo constitui um rendimento da categoria G, devendo por isso, ser declarado, no caso, no anexo G porquanto o óbito/aquisição ocorreu em 2016”.

  1. Desta feita, a AT agiu em conformidade com a sua posição mais recente e em linha com alguma jurisprudência que a sustenta, nos termos da qual a parte recebida para além da sua quota ideal existe um negócio oneroso e que, portanto, não se aplica a exclusão prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. Mais, os Requerentes poderiam ter contado com esta posição.
  2. Considera, assim, este Tribunal que não existe qualquer violação do princípio da igualdade ou da boa-fé.
  3. No que respeita à questão (3), relativa aos juros compensatórios, também não assiste razão à Requerente.
  4. Com efeito, nos termos da LGT “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” (Cfr., n.º 1, do artigo 35.º da LGT)
  5.  Ora, considerando este Tribunal que a parcela dos imóveis adquiridos no momento da escritura de partilha não se encontra abrangida pelo artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, estando, consequentemente, sujeita a mais-valias (ou seja, existia um facto tributário), a liquidação do imposto foi retardada por facto que será imputável aos Requerentes.

 

E.DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar improcedente o presente pedido, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., de 22 de janeiro de 2021, referente ao período de tributação de 2017, no montante de EUR 783.207,05, e, bem assim, das respetivas liquidações de juros compensatórios n.os 2021 ... e 2021..., ambas de 29 de janeiro de 2021, no montante de EUR 71.066,22, e da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 29 de janeiro de 2021, no montante global a pagar de EUR 784.477,53.

 

F.VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de 784.477,53.

 

G.CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas €11,322,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo dos Requerentes.

 

Lisboa, 13 de dezembro de 2021

 

Os Árbitros

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente)

 

 

 

 

 

Leonardo Marques dos Santos (Relator)

 

 

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira