Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 343/2017-T
Data da decisão: 2018-04-02  IRC  
Valor do pedido: € 31.071,42
Tema: IRC – Prestações suplementares e suprimentos - Reforma da decisão Arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – REABERTURA DO PROCESSO

Na sequência do douto acórdão do venerando Tribunal Administrativo Central-Sul, proferido no processo nº 42/18.0BCLSB, foi declarada a nulidade da anterior decisão deste tribunal arbitral, com base nos seguintes fundamentos:

a)            falta de especificação dos factos não provados;

b)           falta de motivação da matéria de facto.

Foi, consequentemente, reaberto o processo no CAAD.

Este tribunal notificou as partes para se pronunciarem antes de ser proferida nova decisão.

O S.P. veio requerer a reformulação da matéria de facto e retomou a argumentação jurídica que conduziria à anulação da liquidação adicional e à total procedência do pedido inicial.

A AT pronunciou-se pela manutenção substantiva do decidido anteriormente.

Tendo em conta todo o processado, designadamente o decidido no referido douto acórdão do venerando TCA-Sul e os subsequentes requerimentos das partes, o Tribunal entende que deve alterar a redação relativa à matéria de facto da decisão e concluir em conformidade, como adiante se fará.

 

II – RELATÓRIO

1.            A..., S.A. pessoa colectiva n.º..., com sede no ... ..., ...-... ..., ... (de ora em diante designada por “Requerente”), da área do serviço de finanças de ..., doravante a Requerente, ou S.P., apresentou, por requerimento de 25 de maio de 2017, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRC n.º 2016 ... no valor de € 31.071,42, respeitante ao exercício de 2013;

2.            A Requerente indicou como árbitro o dr. Rodrigo Rabeca Domingues;

3.            A AT, doravante também a Requerida, indicou como árbitro o Prof. Dr. Américo Brás Carlos;

4.            Os árbitros das partes indicaram como Presidente o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros;

5.            O Tribunal Arbitral ficou constituído por despacho do Presidente do CAAD de 8 de agosto de 2017;

6.            A Requerida apresentou a sua resposta a 28 de setembro de 2017;

7.            A 26 de Outubro de 2017 a AT enviou o PA para os autos;

8.            A reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT teve lugar no dia 27 de novembro de 2017;

9.            A Requerente solicitou um período adicional de 10 dias para apresentação das suas alegações, que foi deferido pelo Tribunal em 7 de dezembro de 2017;

10.          A Requerente apresentou as suas alegações a 20 de dezembro de 2017;

11.          A Requerida apresentou as Contra-Alegações em 8 de janeiro de 2018.

 

III - POSIÇÃO DAS PARTES

A-           DA REQUERENTE

12.          A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem como objeto (i) a prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; (iii) a prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio; e (iv) a compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis;

13.          A globalidade do património da sociedade B..., S.A., com o NIPC..., foi transferido para a esfera da sociedade Requerente, em virtude de contrato de fusão por incorporação daquela sociedade nesta;

14.          A Requerente alega que a incorporação realizou-se ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do CIRC;

15.          A integração do património da sociedade incorporada na esfera da sociedade incorporante foi efetuada com efeitos à data de constituição desta última (05.04.2013), data a partir da qual se consideram, para efeitos contabilísticos e fiscais, como realizadas por conta desta sociedade todas operações praticadas pela sociedade incorporada.

16.          Àquela data a sociedade incorporante denominava-se C..., S.A.;

17.          No dia 12 de agosto de 2013 a C..., S.A.  adquiriu ao sócio D... os direitos de crédito, por prestações acessórias e suprimentos, no montante de 1.551.667,00€ e 100.000,00€, respetivamente, que este sócio detinha sobre a sociedade incorporada (B..., S.A.);

18.          Como contrapartida dos créditos cedidos, a ora Requerente pagou ao mencionado sócio a quantia global de 1.029.999,00€, montante inferior ao valor nominal dos créditos cedidos;

19.          A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção tributária relativa aos anos de 2013 e 2014 e nele a AT procedeu a correções de índole aritmética à matéria coletável da ora Requerente, em sede de IRC, no montante de 734.464,96€;

20.          Aquelas correções deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2016... no valor de € 31.071,42 e foram devidas a duas situações:

a)            Dedutibilidade de gastos com encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais, a que corresponde uma correção à matéria coletável no montante de 212.796,96€;

b)           Variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido do exercício, a que corresponde uma correção à matéria coletável no montante de 521.668,00€.

 

Dedutibilidade de gastos de financiamento

21.          Em março de 2010 a B..., S.A., celebrou com o E... o, S.A  um contrato de financiamento, no montante de 6.000.000,00€  destinados integralmente à reestruturação do Grupo F..., nomeadamente ao pagamento das responsabilidades da sociedade G... SGPS, S.A. , detida a 100% pela B... S.A.;

22.          Trata-se de um “mútuo de escopo”, já que a mutuária ficou adstrita a dar determinado destino à importância recebida;

23.          Em dezembro de 2011 a B... S.A. celebrou com a sua participada, G... SGPS, um contrato de suprimentos com base no qual emprestou a esta última até ao montante de 5.600.000,00€, de acordo com as necessidades de financiamento desta;

24.          O capital mutuado tinha um período de carência de juros de dois anos, findos os quais seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais;

25.          Com efeitos a partir de 5 de abril de 2013, a dívida contraída pela mutuária passou para a Requerente, por ter incorporado aquela sociedade na sequência de uma fusão datada de 30 de Dezembro de 2013, mas com efeitos retroativos àquela data;

26.          A Requerente considera que o contrato que a sua incorporada celebrou com a participada desta é de natureza onerosa, uma vez que passados dois anos sobre o período de carência passaram a ser devidos juros;

27.          No procedimento inspetivo a AT certificou-se de que os juros foram cobrados e relevados contabilisticamente nos termos legais;

28.          A Requerente acrescenta que a carência no pagamento de juros, durante um determinado período de tempo, teve impacto na taxa de juro contratada para os períodos posteriores, que foi agravada por forma a refletir os juros que não foram recebidos pela entidade mutuante durante o referido período de carência.

29.          Acrescenta ainda a Requerente que a previsão do período de carência está totalmente em consonância com a fragilidade da situação financeira da entidade mutuária, a qual foi determinante da necessidade de esta se financiar através da sociedade sua acionista;

30.          Concluindo a Requerente que os custos contabilizados por si com os juros suportados na sequência do empréstimo bancário não podem deixar de ser considerados como dedutíveis para efeitos fiscais, por serem indispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto;

31.          A Requerente justifica a sua consideração na versão em vigor à data dos factos do artigo 23.º do CIRC que esclarecia que: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado (…)”.

32.          Alega que o referido requisito de indispensabilidade de custo tem vindo a ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma ponderação a fazer entre a assunção de um encargo, por um lado, e a sua realização no interesse da empresa, por outro, sempre atento o objeto societário da entidade; e, neste sentido, apenas deverão ser excluídos da dedutibilidade os gastos totalmente desconexos com a atividade da empresa ou sem interesse económico para aquela.

33.          A atividade das empresas não se resume à sua mera atividade operacional (normal e corrente) baseando-se, também, no investimento financeiro, que se poderá traduzir, no futuro, em ganhos sujeitos a imposto, nomeadamente via distribuição de dividendos. Nesse sentido, o ato de suprir as necessidades de financiamento de uma sociedade sua subsidiária com recurso a capitais alheios terá de ser entendido como um ato legítimo de gestão empresarial que visa a manutenção da fonte produtora;

34.          A Requerente salienta que a própria lei comercial consagra, expressamente, que a realização de prestações suplementares ou prestações acessórias é parte integrante da prossecução do seu escopo lucrativo das sociedades (artigos 209.º e 210.º do Código das Sociedades Comerciais);

35.          A Requerente discorda do entendimento da AT, na linha do que tem sido a jurisprudência dos tribunais superiores, segundo o qual a dedutibilidade dos juros com financiamentos obtidos e posteriormente aplicados em subsidiárias apenas adquiriria relevância fiscal caso a Requerente fosse uma SGPS ou tivesse no seu objeto social a gestão de participações sociais;

36.          Segundo a Requerente a posição dos tribunais e da AT é meramente formal e não coadunável com a realidade das operações efetivamente realizadas pelas sociedades;

37.          No caso em apreciação nos autos, a Requerente entende que ao suprir as carências de tesouraria da sociedade que detém a 100%, estará naturalmente a prosseguir a sua atividade empresarial e o seu escopo lucrativo, indiretamente, por via da sua subsidiária;

 

Variações patrimoniais positivas

38.          No procedimento inspetivo concluiu-se que o diferencial de 521.668,00€ verificado entre o montante pago ao accionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado correctamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido. Desta situação resulta, pois, um efectivo incremento do património da empresa, no montante de 521.668,00€, não sendo aplicável à mesma qualquer das excepções à tributação previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC.”

39.          A Requerente discorda por considerar estar-se perante prestações suplementares que, enquanto instrumentos de capital próprio, se encontram excluídas de tributação de acordo com os termos previstos na alínea a) do artigo 21º do CIRC;

40.          De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27 são considerados instrumentos de capital próprio quaisquer contratos que evidenciem um interesse residual do seu titular nos ativos de uma entidade, pós a dedução de todos os seus passivos;

41.          Assim, incluem-se no capital próprio as ações (e quotas) emitidas pela própria sociedade, as prestações suplementares e, devido ao carácter residual desta categoria, quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadrem na definição de “passivo financeiro”;

42.          Os instrumentos de capital próprio podem originar variações patrimoniais em várias situações (nomeadamente realização e reembolso de prestações suplementares, ganhos ou perdas na aquisição e alienação de ações próprias) sendo que, regra geral, as mesmas estarão sempre excluídas do lucro tributável ao abrigo do citado artigo;

43.          A Requerente enfatiza que mesmo que tal não fosse entendido, sempre teria de concluir-se que o montante de 521.668,00€ corresponderia a uma variação de justo valor sem relevância para efeitos de apuramento do lucro tributável, uma vez que à luz da NCRF 27 (parágrafo 10) os ativos financeiros deverão, no momento inicial, ser reconhecidos pelo seu justo valor;

44.          Acrescenta ainda a Requerente que, nos termos do artigo 18.º n.º 9, por regra, as variações de justo valor não têm relevância para efeitos do apuramento do CIRC, exceto tratando-se de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, ou, quando se trate de instrumentos de capital próprio, estes tenham um preço formado em mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação superior a 5%;

45.          Não se verificando no caso concreto nenhuma das exceções indicadas, também por esta via sempre teríamos que concluir que a quantia registada no montante de 521.668,00€, correspondente à diferença entre o valor nominal do crédito e o preço pago, não é relevante para efeitos de apuramento do lucro tributável da Requerente.

Nas Alegações:

46.          A Requerente invoca que, de acordo com vários acórdãos de tribunais superiores, a exigência para a dedutibilidade dos encargos é o carácter oneroso ou não do contrato de financiamento. Por isso, e como aquele que assumiu com a incorporação da B... S.A. é oneroso, os respetivos encargos que dele decorram deverão ser considerados para efeitos de dedução à matéria coletável para efeitos de IRC.

47.          Defende, assim, que os custos contabilizados pela Requerente com os juros suportados na sequência do empréstimo bancário não podem deixar de ser considerados como dedutíveis para efeitos fiscais por serem indispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto, ou seja, os juros cobrados pela Requerente à sociedade mutuária.

48.          A Requerente alega ser esta a consideração seguida por decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, identificando várias;

49.          Conclui que, com base no art.º 23º do IRC (redação vigente à data dos factos) devem considerar-se indispensáveis todos os gastos que sejam necessários à realização do interesse societário, ou seja, todos os gastos essenciais à realização de proveitos ou à manutenção da fonte produtora da entidade;

50.          Com efeito, o referido requisito de indispensabilidade de custo tem vindo a ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma ponderação a fazer entre a assunção de um encargo, por um lado, e a sua realização no interesse da empresa, por outro, sempre atento o objecto societário da entidade;

51.          Em relação à aquisição dos créditos a D..., por contrato de compra e venda de 12 de Agosto de 2013, a Requerente alega que à data da sua ocorrência a B... S.A. encontrava-se já incorporada na requerente, pelo que tudo se passou como se a Requerente estivesse a adquirir os seus próprios créditos por prestações suplementares e suprimentos o que determinou a extinção destes;

52.          Assim, a operação traduziu-se num ganho de €100.000,00 e numa variação patrimonial positiva de €561.668,00, esta última excluída de tributação ao abrigo do disposto no artigo 21.º do CIRC, por configurarem operações em instrumentos de capital próprio;

53.          Mas mesmo que tal não se entendesse, defende a Requerente, sempre teria de concluir-se que o montante de €521.668,00 nunca seria sujeito a tributação pelo facto de a operação de fusão ter sido realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguinte do Código de IRC; 

 

B-           DA REQUERIDA

 

54.          A Requerente encontra-se no topo do grupo F..., sendo detentora da totalidade do capital social da empresa G..., SGPS, SA;

55.          Por seu turno, a G... SGPS, SA é a sociedade que detém participação direta nas restantes empresas do grupo;

56.          Com efeitos a 5 de abril de 2013, a B... SA foi incorporada na C...,SA, que depois passou a adotar  a mesma denominação da sociedade incorporada com o NIPC  ... .

57.          A operação de fusão foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal prevista no art.º 73º e seguintes do CIRC;

58.          A empresa efetuou um pedido de autorização para a transmissibilidade de prejuízos fiscais apurados pela extinta sociedade incorporada, nos termos previstos no art.º 75º do CIRC, o qual foi deferido pela Direção de Serviços do IRC.

59.          Os acionistas da B..., SA, à exceção do acionista H..., SGPS, S.A., entregaram as ações que nela detinham para a realização de ações por si subscritas no capital da nova sociedade (C..., S.A.) – entrada em espécie;

60.          Aquelas ações foram entregues pelo seu valor nominal, o qual totalizava o montante de 430.000,00€, conforme declaração modelo 4 entregue em 07/05/2013;

61.          Foram, entretanto, subscritas 50.000 ações da nova sociedade, ao valor nominal de 1€ cada, sendo, consequentemente, o capital social subscrito na nova sociedade (50.000,00€) inferior à valorização das ações da sociedade originária (430.000,00€), motivo pelo qual houve lugar a um prémio de emissão, o qual foi relevado contabilisticamente na conta 54.1. - da então denominada C..., S.A.;

62.          Nos anos de 2012 e 2013 na sociedade incorporada registaram-se erros na contabilização dos lucros tributáveis, que deram origem a correções no montante total de €323.792,33;

63.          As irregularidades verificadas resultaram de a sociedade incorporada ter contraído em março de 2010 um empréstimo bancário no I... no montante de 6.000.000,00€, que se destinou, não a exploração da empresa, mas ao financiamento, de forma gratuita, da subsidiária G..., SGPS, S.A. sob a forma de prestações acessórias e suprimentos;

64.          Em face da fusão efetuada, a partir de 05/04/2013, as operações em causa passaram a ser relevadas contabilisticamente na sociedade incorporante;

65.          A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária;

66.          Do disposto no art.º 23º do CIRC (redação à data de 31.12.2013) conclui-se que apenas poderiam ser aceites fiscalmente os juros de capitais alheios aplicados na exploração da empresa, e que fossem indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto;

67.          Não se vislumbrou até 31/12/2013 qualquer benefício para a sociedade incorporada ou para a sociedade incorporante, pelo facto de a primeira se ter endividado perante a banca;

68.          No período compreendido entre 05/04/2013 e 31/12/2013, a contabilização dos seguintes encargos financeiros, relacionados com o empréstimo bancário foi de €212.796,96, que foi proposto pelos serviços da AT acrescerem ao declarado no exercício de 2013;

69.          A 12 de agosto de 2013 a sociedade H..., SGPS, Unipessoal, Lda., vendeu à C..., SA, a sua participação, de cerca de 28,33% na B..., SA;

70.          Na mesma data D... vendeu os créditos que  detinha na B..., SA, no montante de €1.651.667,00, correspondendo €1.551.667,00 a prestações suplementares e €100.000,00 a suprimentos, bem como a sua participação de 16,63% no capital social da J... USA;

71.          Como contrapartida, a C..., SA pagou: €170.000,00 à empresa H... pelas ações detidas por esta empresa na B...; €1.029.999,00 a D... pelos créditos (prestações suplementares e suprimentos) por si detidos na B...; €1 a D... em contrapartida das ações por si detidas na J...;

72.          Apenas a operação relativa aos suprimentos influenciou de forma positiva o resultado fiscal apurado no exercício, pois o diferencial de €521.668,00 verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido;

73.          De acordo com o disposto no art.º 21º do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do exercício, uma vez que o conceito de lucro fiscal é definido no nº 2 do art.º 3º do CIRC, como sendo a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC;

74.          No caso em análise, a operação em causa não consubstancia uma entrada de capital na empresa, mas antes uma saída, em dinheiro, para um dos titulares;

75.          Esta saída de dinheiro consubstancia uma variação patrimonial negativa, que não contribui para a formação do lucro tributável do exercício – c) do art.º 24º do CIRC – da mesma forma que não contribuiu a entrada de capital pelo referido sócio, a qual ocorreu ainda na esfera da sociedade incorporada – exclusão de tributação nos termos da a) do nº 1 do art.º 21º do CIRC;

76.          Porém, o montante restituído ao acionista pelas prestações acessórias por si detidas na empresa foi inferior ao montante destas, sendo que, tal operação, tratando-se de uma restituição a um acionista que sai da empresa, consubstancia um efetivo e definitivo incremento patrimonial para a empresa, como tal sujeito a IRC;

77.          A Requerida defende que o facto de a variação patrimonial obtida resultar de uma operação de fusão não tem qualquer relevância quanto à tributação da mesma em sede de IRC, pois as implicações fiscais das operações de fusão são tratadas de forma específica nos art.ºs 73º a 78º do CIRC, não se encontrando especificadas em tais normais quaisquer disposições relativas a variações patrimoniais positivas;

78.          Consequentemente, a variação patrimonial em causa tem, pois, enquadramento no disposto no art.º 21º do CIRC;

79.          A variação patrimonial positiva só não seria tributada em sede de IRC caso se enquadrasse numa das exceções previstas nas alíneas a) a c) no nº 1 do art.º 21º do CIRC;

80.          Ora, de acordo com o disposto no art.º 21º do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do exercício, uma vez que o conceito de lucro fiscal é definido no nº 2 do art.º 3º do CIRC, como sendo a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC;

81.          O que está aqui em causa não é qualquer acréscimo de capital próprio – que é do que trata o art.º 21º do CIRC - mas antes a restituição de prestações suplementares, a qual consubstancia uma variação patrimonial negativa, também ela excluída de tributação, nos termos previstos no art.º 24º do CIRC;

82.          Tal restituição não foi efetuada pelo valor com que o referido sócio tinha entrado na empresa, já que, a empresa restituiu ao sócio menos 521.668,00€ do que o montante com que ele havia entrado na empresa;

83.          Este acréscimo de património está sujeito a tributação nos termos do disposto nos art.ºs 3º, nº2 e 17º, nº 1 do CIRC, e dela não excluída, nos termos do art.º 21º, nº 1 a) do CIRC, terá necessariamente de ser acrescido ao lucro tributável;

84.          Relativamente à aplicação do disposto no n.º 9 do art.º 18º do CIRC, a AT rejeita a argumentação da Requerente defendendo ser sua convicção de que a mesma não pode ter acolhimento, porquanto a Requerente não tem vindo a mensurar este instrumento de capital próprio (passivo financeiro, visto ser reembolsável) pelo método do justo valor mas sim pelo custo de aquisição, a que acresce a falta de prova do justo valor à data do reembolso. Assim, e por não se tratar de uma variação de justo valor (nos termos definidos no SNC/NCRF 27) a mesma nunca poderá ter enquadramento no disposto no n.º 9 do art.º 18.º do CIRC;

85.          Nas Contra-Alegações a AT limitou-se a dar por reproduzido o teor da sua Resposta, em virtude de as Alegações da Requerente não haverem introduzido qualquer elemento, de facto ou de direito, que determine a alteração da posição assumida pela entidade requerida em sede de Resposta.

 

IV - SANEAMENTO

i.             As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

ii.            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

iii.           O processo não enferma de qualquer nulidade.

iv.           Não foram suscitadas exceções ou questões preliminares de que cumpra conhecer antes da decisão.

 

V –  MATÉRIA DE FACTO

A convicção deste tribunal fundamentou-se na análise crítica das posições assumidas por cada uma das partes, bem como nos documentos constantes do Processo Administrativo, no Relatório de Inspeção, no Contrato de Suprimentos, no Contrato de Financiamento e no Contrato de Compra e Venda, juntos aos autos, cuja veracidade não foi impugnada.

 

FACTOS PROVADOS

1.            A REQUERENTE – designada antes C..., S.A. – foi constituída em 5 de abril de 2013, tendo como objeto (i) a prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; (iii) a prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio; e (iv) a compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis;

2.            Em 30 de dezembro de 2013, com efeitos a 5 de abril de 2013, a REQUERENTE incorporou a sociedade B..., S.A., contribuinte n.º ... (doravante “SOCIEDADE INCORPORADA”) através de uma operação de fusão realizada mediante transferência global do património [cf. artigo 97.º, n.º 4, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais];

3.            Por efeito desta fusão, a REQUERENTE: (i) sucedeu à SOCIEDADE INCORPORADA, em todos os seus direitos e obrigações (cf. artigo 112.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais); e (ii) adotou a firma desta última, passando a designar-se B..., S.A.;

4.            No dia 12 de março de 2010, a SOCIEDADE INCORPORADA havia celebrado, na qualidade de mutuária, um contrato de financiamento com o BANCO I..., S.A., nos termos do qual este último lhe emprestou, pelo prazo de 102 meses, o montante de € 6.000.000,00 para o desenvolvimento da sua atividade e da atividade das suas participadas. Este contrato regista como destino do capital mutuado – reestruturação do grupo F..., nomeadamente o pagamento das responsabilidades da Sociedade G..., Lda., detida a 100% pela B... SA.

5.            Nos termos do disposto na cláusula sexta do contrato de financiamento, o capital emprestado “vence juros, a favor do I..., dia a dia, a uma taxa correspondente à EURIBOR a 6 (seis) meses, acrescida de 2,5% (dois virgula cinco por cento) ao ano”.

6.            Posteriormente, em 27 de dezembro de 2011, a SOCIEDADE INCORPORADA celebrou um contrato de suprimentos com a sua participada G... SGPS LDA., nos termos do qual emprestou a esta última o montante de € 5.600.000 até 31 de dezembro de 2016 (cf. DOC.5 do pedido de pronúncia arbitral);

7.            O capital mutuado neste contrato de suprimento tinha um período de carência de juros de dois anos, findos os quais seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais;

8.            A partir de 01/01/2014, a Requerente passou a cobrar os juros de financiamento à sua subsidiária, que foram relevados contabilisticamente nos termos legais;

9.            A operação de fusão foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal prevista no art.º 73º e seguintes do CIRC;

10.          A sociedade incorporada cessou a sua atividade, para efeitos de IVA a 5 de abril de 2013 e para efeitos de IRC a 30 de dezembro de 2013;

11.          No dia 12 de agosto de 2013 foi celebrado um contrato de compra e venda, nos termos do qual a ora REQUERENTE adquiriu a D... os seguintes créditos que este detinha sobre a SOCIEDADE INCORPORADA: (i) € 100.000,00 (cem mil euros) de suprimentos; e (ii) € 1.551.667,00 de prestações acessórias (cf. DOC.1 do pedido de pronúncia arbitral);

12.          Como contrapartida dos créditos cedidos, a REQUERENTE pagou ao alienante a quantia global de € 1.029.999,00 (um milhão e vinte e nove mil novecentos e noventa e nove euros) – menos € 621.668,00 (seiscentos e vinte e um ml seiscentos e sessenta e oito euros) do que o seu valor nominal (cf. cit. DOC.1 do pedido de pronúncia arbitral);

13.          A REQUERENTE registou nas suas contas uma variação patrimonial positiva no valor de € 521.668,00 (quinhentos e vinte e um mil seiscentos e sessenta e oito euros), correspondente à diferença entre o valor nominal das mencionadas prestações acessórias na esfera da Sociedade Incorporada e o valor efetivamente pago aquando da respetiva aquisição.

14.          A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo relativo aos anos de 2013 e 2014.

15.          Em dezembro de 2016, a REQUERENTE foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária emitido no âmbito daquela ação inspetiva, a que se referem as ordens de serviço OI2016... e OI2016... .

16.          Neste Relatório, a Administração tributária promoveu duas correções à matéria tributável da REQUERENTE, no montante total de € 734.464,96 (setecentos e trinta e quatro mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos).

17.          A primeira das referidas correções consistiu na desconsideração dos juros suportados no âmbito do referido contrato de financiamento celebrado pela SOCIEDADE INCORPORANTE com o BANCO I..., no valor total de € 212.796,96 (duzentos e doze mil setecentos e noventa e seis euros e noventa e seis cêntimos).

18.          De acordo com a fundamentação que a Administração tributária deu a esta correção:

             “No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a B...., S.A., NIPC..., suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a B..., S.A. NIPC ...), o qual não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária, G... SGPS, S.A.

             Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…).

             Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem na incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.

             A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 7914 – Ganhos de financiamento concedido a subsidiárias (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014”.

19.          De acordo com o entendimento da Administração tributária sobre este tema:

             “Em contrapartida, dado o diferencial verificado entre o valor efetivamente pago pela empresa, 1.029.999,00€ e o montante total dos créditos, 1.651.667,00€ foram creditadas, para além da conta 12 – Depósitos à Ordem, as seguintes contas:

             conta 7858 – Outros rendimentos e ganhos, a qual consubstancia um ganho para a empresa pelo facto de esta não ter pago ao acionista o crédito por ele detido na sociedade, sob a forma de suprimentos;

             conta 599 – Outras variações patrimoniais, a qual consubstancia uma variação patrimonial positiva, no montante de 521.668,00€, pelo facto de a empresa ter pago ao acionista o montante de 1.029.999,00€ por créditos por ele detidos, sob a forma de prestações suplementares (como tal contabilizada numa conta da classe 5 – Capitais), no montante total de 1.551.667,00€.

             Em face do referido, fica claramente evidenciado que ambas as operações consubstanciam um ganho efetivo para a empresa;

             Não obstante, apenas a operação relativa aos suprimentos influenciou de forma positiva o resultado fiscal apurado no exercício, dada a sua contabilização na conta 7858 – outros rendimentos e ganhos;

             De ato, o diferencial de 521.668,00€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido.

             Da situação em análise resulta, pois, um efetivo incremento do património da empresa, no montante de 521.668,00€, não sendo aplicável à mesma qualquer das exceções à tributação previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC.” (cf. cit. DOC. 2 do pedido de pronúncia arbitral);

20.          As correções promovidas pela Administração tributária deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2016... no valor de € 31.071,42 (trinta e um mil e setenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), cuja data limite de pagamento terminou no dia 24 de fevereiro de 2017 e que constitui o objeto do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cf. DOC. 3 do pedido de pronúncia arbitral).

21.          No período compreendido entre 05/04/2013 e 31/12/2013, a contabilização dos encargos financeiros relacionados com o empréstimo bancário foi de €212.796,96.

               

FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se não provados.

No requerimento em se pronunciou sobre o supra mencionado Acórdão do venerando Tribunal Central Administrativo – Sul, veio a Requerente peticionar que fossem dados como factos não provados:

1. O contrato de suprimentos celebrado em 27 de março de 2011 entre a SOCIEDADE INCORPORADA e a sua participada G... SGPS LDA. é um contrato de financiamento gratuito;

2. As prestações acessórias adquiridas pela REQUERENTE em 12 de agosto de 2013 correspondem a créditos comuns, qualificáveis como passivo na esfera da SOCIEDADE INCORPORADA e, após a fusão, na esfera da REQUERENTE.

 

Ora estamos perante afirmações, qualificações e conclusões de direito que não podem ser consideradas factos, pelo que não podem como tal aqui ser incluídas.

 

MOTIVAÇÃO DA DECISAO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis de Direito, nos termos do artigo 123º do CPPT e do artigo 607º do CPC, aplicáveis por força do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

VI - Questões a decidir

São duas as questões sobre as quais o Tribunal tem de pronunciar-se:

A)             A primeira prende-se com a dedutibilidade fiscal dos gastos decorrentes de contrato de financiamento celebrado por uma sociedade incorporada pela Requerente antes da incorporação;

B)           A segunda prende-se com a tributação de uma variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações acessórias por montante inferior ao valor pelo qual estavam contabilizadas.

 

VII – Fundamentos e Decisão

 

Dedutibilidade fiscal dos gastos decorrentes do contrato de financiamento

De acordo com o estabelecido no art.º 3º, n.º do CIRC, “o lucro (das entidades enunciadas no n.º 1) consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste código”. Nestes termos, como afirma Joaquim Fernando Ricardo em anotação a este artigo (Direito Tributário, Coletânea de Legislação, 15ª ed.). A noção de lucro acolhida em sede de IRC abrangem quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo patrimonial e não o regular fluxo de rendimentos ligados à área funcional das empresas. É o denominado rendimento acréscimo, o qual abrange todo e qualquer incremento patrimonial.

Diverso é o conceito de lucro tributável, que encontra acolhimento no n.º 1 do art.º 17º do CIRC, que é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

Após a aplicação das correções ao lucro tributável encontra-se a matéria tributável sobre a qual incidirá a responsabilidade do sujeito passivo no ano em apreciação. O art.º 23º do CIRC contém a enunciação dos gastos suscetíveis de determinar correções ao lucro tributável, que são os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…). Para o caso em crise nos autos, interessa os gastos indicados na alínea c) deste artigo, ou seja, de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração ….e os resultados da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos  financeiros valorizados pelo custo amortizado.

Está em crise nos autos a dedutibilidade dos encargos resultantes de um contrato de mútuo celebrado pela sociedade B... SA (que posteriormente foi incorporada pela Requerente) com uma sociedade por esta detida (G... SGPS, Lda) para financiamento desta.

Afirma a Requerente nas suas Alegações que “na sequência de uma operação de fusão por incorporação, a totalidade dos activos e passivos, direitos e obrigações da sociedade mutuária foram transferidos para a esfera da Requerente com efeitos retroativos à data de 05.04.2013”, acrescentando que, daí resultou “que a dívida inicialmente contraída pela sociedade incorporada passou a estar contabilizada na esfera da sociedade incorporante, ora Requerente.” Ora, mais uma vez nos defrontamos com o formal versus o substancial. Formalmente, após a absorção de passivo e ativo da sociedade incorporada pela sociedade incorporante, esta teria de proceder à respetiva contabilização. Porém, o que a lei exige (o art.º 23º, n.º 1 do CIRC) em termos substanciais para reconhecer a natureza dedutível a encargos de natureza financeira é a verificação da imprescindibilidade desses gastos para o alcance de um de dois dos seguintes objetivos: para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da entidade contribuidora.

O Tribunal entende também que os efeitos civilístico-comerciais das transmissões universais de um acervo patrimonial não levam, automaticamente, de arrasto os anteriores enquadramentos fiscais dos gastos, a menos que norma com relevância fiscal o imponha. Com uma fusão transmitem-se direitos e obrigações civis e comerciais, mas a ponderação da dedutibilidade fiscal dos gastos move-se no campo das normas fiscais. Não existe tal norma interna de continuidade do regime fiscal para os gastos em geral, nem o Direito da UE a impõe, como resulta da decisão do TJUE de 19 de Julho de 2019 (processo C-438/18) que se transcreve «A Diretiva 90/434/CEE do Conselho  (…) deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que leva a que não sejam considerados fiscalmente dedutíveis, para a sociedade incorporante, gastos que o foram, para a sociedade incorporada, antes da fusão entre essas sociedades, e que o teriam sido se essa fusão não tivesse ocorrido.»

 O contrato de mútuo celebrado pela sociedade B... SA com o I... regista, com interesse para a questão em apreciação nos presentes autos, as seguintes características:

•             a data de celebração - março de 2010;

•             o montante – 6.000.000,00 (seis milhões de euros);

•             o destino do capital mutuado - reestruturação do Grupo F..., nomeadamente o pagamento das responsabilidades da sociedade G... SGPS, Lda , detida a 100% pela B... S.A..

Para satisfação deste destino, em dezembro de 2011 aquela mutuária (B... SA) celebrou com a sua participada G... SGPS um contrato de suprimentos, através do qual lhe emprestou 5.600.000,00.

A incorporação da sociedade mutuária na Requerente verificou-se com efeitos à data de 5 de abril de 2013, o que significa que a sociedade incorporante e ora Requerente recebeu os ónus do contrato de mútuo por força da incorporação da sociedade B... S.A. e passou a constar da sua contabilidade própria. Dito por outras palavras, a Requerente foi alheia à celebração dos contratos antes referidos, ou seja, não tomou qualquer decisão acerca do interesse desses contratos para o prosseguimento da sua atividade, antes se limitou a assumir os encargos deles decorrentes por virtude de ter incorporado a mutuária inicial. 

Neste contexto, considera o Tribunal não estarem reunidos os requisitos cuja verificação o art.º 23º, n.º 1, c) do CIRC exige para a dedutibilidade dos gastos.

O Tribunal reconhece a natureza onerosa do contrato celebrado pela sua incorporada com a G... SGPS e que originaram os encargos suportados pela Requerente. Esta natureza ficou provada nos autos e para a relevância da mesma a Requerente procedeu a ampla citação jurisprudencial.

O Tribunal não reconhece, porém, o caráter de comprovada imprescindibilidade do contrato para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, requisito igualmente necessário para a valoração da dedutibilidade, conforme o disposto no já identificado art.º 23º, n.º 1, c) do CIRC.

Contrariamente ao que o S.P. afirma, não está demonstrado que os gastos que suporta tenham uma relação direta e imediata com rendimentos concretos, ou que tenham contribuído para a manutenção da fonte produtiva.

Ora até 31/12/2013 não se demonstrou a existência de qualquer benefício para a sociedade incorporante, nem sequer para a incorporada, pelo facto desta se ter endividado perante a banca.

Embora haja que admitir – como unanimemente o tem feito a jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores – que a atribuição de imprescindibilidade não contém uma natureza unívoca, antes tem de ser verificada casuisticamente, o certo é que no caso em apreciação nos autos o Tribunal entende, que ela não se verifica face ao objeto social da Requerente (prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio, e compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis) não se estando perante um encargo imprescindível, quer para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, quer para a manutenção da fonte produtora.

A Requerente, ao suportar os encargos decorrentes do contrato de mútuo que assumiu à data em que incorporou a sociedade B... S.A., satisfez um compromisso oneroso a que se encontra adstrita por força da referida incorporação, não está a desenvolver uma ação que se relacione diretamente com a sua atividade ou com a atividade da sociedade que incorporou e nem sequer escolheu essa atividade para a manutenção da fonte produtora.

Acresce que, tratando-se do pagamento de encargos com empréstimos, entende o Tribunal que a caracterização e regime que cabe - indispensabilidade e dedutibilidade fiscal, ou não - aos juros concomitantes, resulta de um juízo de indispensabilidade para a entidade que os suporta (Ac. STA, proc. 171/11), reportado ao momento em que foram incorridos.

Ver também a propósito do regime fiscal dos juros que remuneram capitais alheios com relevância plurianual o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/2014 (proc.º 564/12), que decidiu que «tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados».

Ver também a propósito do regime fiscal dos juros que remuneram capitais alheios com relevância plurianual o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/2014 (proc.º 564/12), que decidiu que «tais encargos não se afastam dos princípios gerais que regem a imputação de custos dedutíveis, mormente o princípio da especialização de exercícios (artigo 18.º do CIRC) e o princípio da homogeneidade entre custos dedutíveis e os rendimentos ou proventos sujeitos a imposto a que estejam ligados».

Não existe, portanto, qualquer nexo causal entre os gastos suportados pela Requerente com o empréstimo e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (Ac. TCA-Sul, proc. nº 6754/13);

Inexiste, também, a comprovada “necessidade”  do pagamento de tais juros “atento o objeto societário do ente comercial em causa” (Acs TCA-SUL, proc. 8137/14 e proc. 5327/12)  

É este, como se disse, o entendimento que a doutrina dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo têm vindo a seguir e que este Tribunal entende ser seu dever prosseguir também (art.º 8º, n.º 3 do Código Civil).

Vejam-se a este propósito, de entre vários, os seguintes  acórdãos:

Do Supremo Tribunal Administrativo  de 24-09-2014, proferido no Rec. N.º 0779/12, segundo o qual I- No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

Do Tribunal Central Administrativo  Sul, de 16-11-2004, Proc n.º 00182/04 CT-2º Juízo que decidiu: I- Nos termos do art.º 23º do CIRC, só se consideram custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. II- O art.º 17 n.º 1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas). III- É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.º 23º do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. IV- A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial. V- Resultando dos autos que a ora impugnante concedeu empréstimos aos sócios, tal circunstância revela que os empréstimos que contraiu junto de terceiros em cada um dos ditos exercícios excederam nessa medida as necessidades da empresa ou ao menos a sua capacidade de os aplicar na exploração, ou seja, a ora impugnante não teria decerto recorrido ao crédito se não tivesse concedido empréstimos aos sócios ou se não o tivesse feito nos montantes em que o fez. VI- Sendo o objeto social da impugnante o comércio de automóveis e não a concessão de crédito, os encargos financeiros com empréstimos obtidos de terceiros só podem legalmente ser havidos como custos abrangidos pela c), 1ª parte, do n.º 1 daquele art.º 23º e como tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efectivamente empenhados na actividade estatutária da empresa, de acordo com o princípio da especialidade. VII – O entendimento contrário ao propugnado em VI implicava que todas as empresas seriam tentadas a contrair empréstimos com o fito de financiar os seus sócios, na certeza de que os encargos inerentes a esses empréstimos seriam deduzidos em sede de IRC a título de custos, o que subverteria o princípio de justiça fiscal, na sua vertente de princípio da igualdade na repartição dos encargos fiscais. VIII- Donde que as operações havidas entre a impugnante e os sócios e os encargos delas derivados não possam, de todo em todo, serem perspetivados como elementos realizadores dos proveitos indispensáveis à manutenção da fonte produtora.

Do Tribunal  Central Administrativo  Sul, de   25-11-2009, proferido no âmbito do   Proc. n.º 03501/09 CT-2º Juízo, onde se lê que I- Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

II. - O art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas). III. - É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. IV. - A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.

Como escreveu o Dr. José Campos Amorim (“A dedutibilidade dos gastos em sede de IRC- Considerações Gerais” in Opinião e Análise – texto que foi elaborado com base no Código do IRC em vigor até 31/12/2013) “Tem que existir uma relação direta entre os gastos e os proveitos, isto é, os gastos têm que gerar direta ou indiretamente rendimentos ainda que futuros. A relevância fiscal de um gasto não depende apenas da sua necessidade, adequação e normalidade, mas também da “produção de resultado” ou “ligação a um negócio lucrativo, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial”.

É este também o entendimento coerente com o princípio da tributação do rendimento real, consagrado no n.º 2 do art.º 104º da Constituição da República. Com efeito, o rendimento das entidades com escopo lucrativo deve ser aplicado na realização desse mesmo escopo dentro do seu objeto de atividade.

Acresce, ainda, que, no que respeita aos juros de capitais alheios, estes só são fiscalmente dedutíveis se tais capitais forem aplicados na exploração da sociedade que os suporta (art. 23º, nº 1 e al. c) do CIRC). O que não foi o caso. Sobre a exigência de que “Os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades (…) ainda que em relação de domínio” ver, por todos, os Acórdãos STA de 30.05.2012 (procº nº 171/11) e de 10.07.2002 (procº nº 0246/02), bem como o Acórdão TCA-Norte de 14.03.2013 (procº nº 01393/06.1).

A Requerente também não tem como objeto social a gestão de participações sociais que permitisse equacionar a dedutibilidade de juros com financiamentos obtidos e posteriormente aplicados em subsidiárias (v.g. Acórdãos do STA de 07.02.2007, procº nº 01046/05; de 30.01.2011, procº nº 107/11; de 21.09.2016, procº nº 0571/13; de 21.02.2018, procº nº 0473/13; de 28.02.2018, procº nº 01206/17).

Para sustento da sua posição, a Requerente aponta várias decisões proferidas no âmbito do CAAD, com as quais este Tribunal entende ser seu dever discordar. Com efeito, há que convocar desde logo o objetivo que presidiu à criação deste Centro de Arbitragem, que foi essencialmente o cumprimento do princípio da celeridade processual, traduzido na criação de uma entidade suscetível de aliviar os tribunais e reduzir as pendências.

Não obstante as naturais garantias de independência consagradas para o funcionamento dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, o certo é que estes não podem constituir-se como criadores de jurisprudência própria que se oponha à que é seguida pelos Tribunais Centrais Administrativos e pelo Supremo Tribunal Administrativo.  Esta circunstância foi desde logo acautelada pelo legislador no n.º 2 do art.º 25º do decreto-lei n.º 10/2011, de 10 de janeiro (RJAT), ao prever como causa de recurso de uma decisão arbitral para o STA, a oposição desta, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Pelo que improcede a pretensão da Requerente de dedutibilidade fiscal dos supra mencionados encargos, por falta de enquadramento dos mesmos na previsão do artigo 23º, nº 1 e alínea c) do CIRC.   

 

Das variações patrimoniais positivas

A AT procedeu a uma correção ao lucro tributável em virtude de a Requerente ter beneficiado de uma variação patrimonial positiva derivada do pagamento das prestações acessórias de que era titular o acionista D... . Com efeito, este era credor do montante de €1.551.667,00, mas a Requerente pagou unicamente €1.029.999,00.

Apesar de nas peças processuais da Requerente e da Requerida umas vezes se referirem a prestações acessórias (v.g. artºs. 5º e 46º da petição inicial) e outras a prestações suplementares, verifica-se que se trata, expressamente, de prestações acessórias, como consta da cópia deste contrato de compra e venda anexa ao Relatório de inspeção tributária (RIT), junta pela Requerente ao pedido de pronúncia como documento nº 1, e citada pela Requerida por remissão para as fls. 1 a 17 do anexo 2 do RIT. A Requerente, porém, contabilizou-as numa conta de capital.

Com a diferença entre o montante do crédito e o valor pago, o certo é que a Requerente teve um aumento da sua força económica real, ou seja, melhorou a sua situação líquida, e, de acordo com a teoria do acréscimo patrimonial consagrada no artigo 3, nº 2 do CIRC, aumentou o seu lucro.

É evidente que o montante pago ao acionista pelas prestações acessórias por ele detidas na empresa foi inferior ao montante destas. Trata-se de uma operação de restituição a um acionista que sai da empresa, consubstanciando a diferença entre o montante da obrigação que tinha e o montante porque se desonerou um efectivo e definitivo incremento patrimonial da empresa, não resultante das relações jurídicas derivadas especificamente da fusão. Essa operação não é derivada da fusão.

Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unânime em esclarecer que as prestações acessórias, assim classificadas pelos contratantes e pela Requerente e sendo reembolsáveis, sem que nos autos se vislumbre qualquer constrangimento de natureza societária a tal, capaz de lhes alterar a natureza expressa (vg os aplicáveis às prestações suplementares nos termos do art. 213º do CSC) como é o caso, devem ser contabilizadas como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação.

 

É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo. A obrigação de restituição é presente (não futura) e a sua liquidação exigirá uma saída de recursos do património da sociedade. É um ato semelhante ao que ocorre num empréstimo . Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão.

 

Mas ainda que se estivesse perante uma prestação suplementar, cuja restituição se traduzisse numa operação sobre o capital próprio, o reembolso definitivo de uma prestação suplementar por montante inferior ao seu valor seria equivalente a uma desoneração ou perdão a favor da sociedade. E essas VPP não são excluídas para efeitos do lucro tributável nos termos do art.º 21º do CIRC.

 

A Requerente alega também que à data da compra e venda das prestações acessórias de D... (12.08.2013) a B... S.A. encontrava-se já incorporada na Requerente, pelo que tudo se passou como se a Requerente estivesse a adquirir os seus próprios créditos o que determinou a extinção destes. Não tem, porém razão. Antes da referida compra e venda, o titular de tais créditos era unicamente D... e não a Requerente, e nem se entenderia como esta pagaria €1.029.999,00 a título de contrapartida por direitos que já lhe pertencessem.

Invoca também a Requerente que o montante pago ao sócio foi menor em virtude de ser esse o justo valor das suas ações suplementares, pelo que seria aplicável ao caso o dispositivo consagrado no n.º 9 do art.º 18º do CIRC, segundo o qual Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.

Mas também neste aspeto não assiste razão à Requerente. Com efeito, não basta afirmar que uma variação patrimonial positiva tem origem em ajustamentos que decorrem da aplicação do justo valor para que essa variação deixe de concorrer para a formação do lucro tributável. É que este valor, que a Requerente qualifica como “o justo”, apenas por ela e pelo sócio a quem foram pagas as prestações suplementares foi determinado. Assim, trata-se de um valor consensual e não do justo valor, para cuja mensuração é necessário bastante mais do que um mero acordo. Como escreve o já citado Dr. José Campos Amorim ( agora in “O justo valor e as suas implicações fiscais http://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/850/1/COM_JoseAmorim_2012.pdf)  só é possível mensurar o justo valor nas situações de elevada fiabilidade de mensuração, como é o caso dos ativos financeiros cotados em mercados organizados e dos bens avaliados por terceiros independentes, por exemplo, os escritórios e edifícios. São casos em que é possível determinar de forma objetiva e razoável o valor do item. Caso não seja possível mensurar com fiabilidade, deve-se manter a valorimetria do custo histórico.

Pelo que deve entender-se que a mencionada diferença positiva deve concorrer para o lucro tributável da Requerente, em virtude de, para o efeito, não lhe serem aplicáveis quaisquer nomas de exclusão (v.g. art.º 21º, nº 1, al. a) e art.º 18º, nº 9, ambos do CIRC).   

Termos em que decide o tribunal considerar improcedente na sua integralidade a impugnação apresentada pela Requerente.

 

Custas nos termos legais.

 

Valor: €31.071,42 (trinta e um mil, setenta e um euros e quarenta e dois cêntimos

Lisboa, 22 de outubro de 2019

 

Árbitro Presidente - Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

Árbitro - Rodrigo Domingues

(Voto de vencido)

 

Árbitro - Américo Brás Carlos

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

 

Inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra a AT, a Requerente interpôs impugnação jurisdicional, em 19 de abril de 2018, no Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul).

 

As questões a dirimir foram as seguintes:

a)            Apreciar, a título de questão prévia, a conformidade das conclusões do respetivo regime legal;

b)           Averiguar se ocorre excesso de pronúncia no acórdão impugnado;

c)            Se houve violação do princípio do contraditório;

d)           Se   ocorre          nulidade do acórdão por   falta   de   especificação          dos fundamentos de factos e de direito.

 

Em 11 de julho de 2019, acordam os juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso do TCA Sul (Proc. n.º 42/18.0BCLSB), julgar procedente a impugnação e, em consequência, declarar a nulidade da decisão arbitral.  

Entendem os Venerandos Juízes Desembargadores do TCA Sul que a nulidade da decisão decorre da não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

Reaberto o processo, tendo sido proferida nova decisão arbitral, passo a expor os fundamentos formais e materiais que me afastam da mesma, sem prejuízo da decisão proferida pelo TCA Sul no âmbito dos presentes autos.

 

I.             BREVE SÍNTESE DOS FACTOS

 

Dedutibilidade dos gastos de financiamento

 

1.            Os factos subjacentes à primeira questão encontram-se resumidos nos pontos 21 a 25 da posição que faz vencimento, e que abaixo reproduzo no seu essencial.

 

2.            Em março de 2010, a B..., celebrou com o E... um contrato de financiamento, no montante de 6.000.000,00€ destinado integralmente à reestruturação do Grupo F..., nomeadamente ao pagamento das responsabilidades da sociedade G... SGPS, detida a 100% pela B... .

 

3.            Trata-se de um “mútuo de escopo”, já que a mutuária ficou adstrita a dar determinado destino à importância recebida.

 

4.            Em dezembro de 2011, a B... celebrou com a sua participada, G... SGPS, um contrato de suprimento com base no qual emprestou a esta última até ao montante de 5.600.000,00€, de acordo com as necessidades de financiamento desta.

 

5.            O capital mutuado tinha um período de carência de juros de dois anos, findo o qual seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais.

 

6.            Com efeitos a partir de 5/4/2013, a dívida contraída pela B... foi transferida para a Requerente, em resultado de uma fusão por incorporação datada de 30 de dezembro de 2013, mas com efeitos retroativos àquela data.

 

7.            Em 2013, ano a que respeita a liquidação de IRC em litígio, ainda decorreu o período de carência de juros. Em 2014, terminado o período de carência, passaram a ser cobrados juros à sociedade G...  SGPS.

 

Variações patrimoniais positivas

 

8.            Em 12/08/2013 foi celebrado um contrato de compra e venda entre D... e a Requerente, o qual teve por objeto, entre outros, a venda dos direitos de crédito (por prestações suplementares e suprimentos) que D... detinha na sociedade B..., S.A., no montante total de 1.651.667,00€, correspondendo 1.551.667,00€ a prestações suplementares e 100.000,00€ a suprimentos.

 

9.            De acordo com o ponto 3 do referido contrato, e como contrapartida da transmissão das prestações suplementares e suprimentos, a Requerente pagou a D... a quantia de 1.029.999,00€.

 

10.          Com data de 30/12/2013, a globalidade do património da sociedade B..., S.A., foi transferido para a esfera da Requerente, em virtude de contrato de fusão (ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas - (IRC) por incorporação daquela sociedade na Requerente.

 

11.          A integração do património da sociedade B..., S.A., (sociedade incorporada) na esfera da Requerente (sociedade incorporante) foi efetuada com efeitos à data de constituição desta última (05/04/2013).

 

12.          Conforme pág.15 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e ponto 43 da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) às Alegações da Requerente «das operações efetuadas destaca-se, pelas implicações fiscais a ela associadas, a aquisição de créditos, a qual foi contabilizada pela empresa da seguinte forma:» (todos os sublinhados efetuados ao longo da presente Declaração são meus).

 

II.            QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO

 

13.          A primeira questão prende-se com a dedutibilidade fiscal, em 2013, dos gastos decorrentes do contrato de mútuo (essencialmente juros) celebrado com o E..., ano em que se verificou o período de carência de juros nos suprimentos concedidos à sociedade G... SGPS. Tais encargos foram assumidos pela Requerente enquanto sociedade incorporante da B... .

 

14.          Dado que a matéria alvo de discussão entre as partes se prende com a interpretação da disposição fiscal vertida no artigo 23.º do Código do IRC (Gastos) começo por transcrever, na parte relevante, a sua redação à data dos factos: «Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração (…) ».

 

15.          O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pelas entidades sujeitas a IRC. Como se sabe, trata-se de um princípio cuja amplitude interpretativa tem conduzido a considerável litigância entre os contribuintes e a AT, sendo, por isso, bastante sindicado pelos Tribunais, judiciais e arbitral. É, assim, vasta a jurisprudência sobre este princípio.

 

16.          Efetivamente, a caracterização dos gastos fiscalmente aceites como sendo os que «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» encerra um requisito de indispensabilidade com margem interpretativa, reconheço, considerável. Adicionalmente, no que respeita à dedutibilidade de «juros de capitais alheios» é igualmente considerável a margem interpretativa sobre o conceito de aplicação «na exploração».

 

17.          A AT, no RIT e na Resposta ao Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, assenta a sua posição alegando que o empréstimo ao E... se destinou à concessão de financiamentos (suprimentos) gratuitos.

 

18.          A Requerente, no Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, fundamenta o seu entendimento com base em vasta jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo (STA)  quer do CAAD  - com base nesta jurisprudência a Requerente contesta, no seu essencial, o facto de a AT ter desconsiderado a aceitação fiscal dos gastos financeiros dado o empréstimo ter sido destinado, no seu entendimento, à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária.

 

19.          A posição que faz vencimento reconhece que não estamos perante um financiamento gratuito , não retirando, porém, qualquer consequência deste reconhecimento. No essencial, a posição que faz vencimento nega provimento às pretensões da Requerente com base: (i) no facto de a Requerente ter recebido «os ónus do contrato de mútuo por força da incorporação da sociedade B... (…) foi alheia à celebração dos contratos antes referidos, ou seja, não tomou qualquer decisão acerca do interesse desses contratos para o prosseguimento da sua atividade, antes se limitou a assumir os encargos deles decorrentes por virtude de ter incorporado a mutuária inicial » (ii) « (…) a atribuição de indispensabilidade não se verifica face ao objeto social da Requerente (…)»

 

20.          A posição que faz vencimento cita ainda, de forma genérica, sem ser evidente a sua aplicabilidade ao caso concreto que «(…) dedutibilidade fiscal, ou não - aos juros concomitantes, resulta de um juízo de indispensabilidade para a entidade que os suporta (Ac. STA, proc. 171/11), reportado ao momento em que foram incorridos (…) Não existe, portanto, qualquer nexo causal entre os gastos suportados pela Requerente com o empréstimo e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (Ac. TCA-Sul, proc. nº 6754/13); Inexiste, também, a comprovada “necessidade” do pagamento de tais juros “atento o objeto societário do ente comercial em causa” (Acs TCA-SUL, proc. 8137/14 e proc. 5327/12).  

 

21.          Efetivamente, e conforme referi, a caracterização dos custos fiscalmente aceites como sendo os que «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» encerra um requisito de indispensabilidade que pode ser interpretada e sindicada por diferentes perspetivas – uma perspetiva mais formal (ligação ao objeto social)?; uma perspetiva mais substancial/teleológica, no sentido que o artigo 23.º apenas pretende desconsiderar os custos desconexos com a atividade? qual o alcance da expressão «manutenção da fonte produtora»? Qual a amplitude do nexo causal que se deve estabelecer entre os gastos e rendimentos? Devem atender-se a outros fatores como a normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica? Deve o artigo 23.º escrutinar as decisões da gestão? 

 

22.          Repito, todas estas visões merecem uma cuidada reflexão, não sendo, de todo, ao contrário do que refere a posição que faz vencimento, a jurisprudência unânime. 

 

23.          Porém, há uma conclusão que me parece legítimo qualificar de inequívoca e unânime, sancionada pelo STA e que transcrevo do Acórdão n.º 0570/2013, embora pudesse retirá-la de muitos outros acórdãos, «O conceito de indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado tendo cabido à jurisprudência o seu preenchimento, mas de forma casuística não tendo surgido de tal labor uma definição concreta do mesmo. Mas essa indeterminação não consente que a AT para a sua relevância o possa fazer sob o critério da sua razoabilidade ou mesmo necessidade ou de conveniência».

 

24.          Importa, assim, delimitar o conceito de indispensabilidade dos custos invocado pela AT, vertido no RIT e que esteve na origem do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, por a Requerente ter dele discordado.

 

A posição da AT

 

25.          Perante uma questão controversa, alvo de vasta doutrina e jurisprudência dos tribunais, a fundamentação jurídica-tributaria da desconsideração do gasto por parte da AT é inédita.

 

26.          Começa a AT por referir no RIT  que:

 

«Assim, em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, conclui-se, pois, que apenas poderão ser aceites fiscalmente os juros de capitais alheios aplicados na exploração da empresa, e que sejam naturalmente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ».

 

«No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a B..., S.A., NIPC..., suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a B..., S.A. NIPC...), o qual não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária, G... SGPS, S.A.»

 

«Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…)»

 

«Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem na incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.»

 

«A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 7914 – Ganhos de financiamento concedido a subsidiárias (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014.»

 

27.          Assim, começa a AT por dizer que o financiamento não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária (…) «Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…)»

 

28.          Assim, é inequívoco concluir que, para a AT, os encargos bancários perante o E... não podem ser considerados como aceites fiscalmente porque foram utilizadas para concessão de financiamentos (no seu entendimento) gratuitos.

 

29.          Os restantes parágrafos do RIT certificam esta conclusão:  «(…) não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…) e «(…) não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto». Conclui à AT que «A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária» (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014.

 

30.          Ou seja, para a AT, o requisito de indispensabilidade consagrado no artigo 23.º, em todas as suas dimensões, apenas se encontra violado por uma razão – o carácter gratuito do financiamento. É inequívoco que assim é, na medida em que, refere a própria AT, a partir de 2014 não suscita quaisquer questões de artigo 23.º na medida em que «a sociedade passou a cobrar juros».

 

31.          Se dúvidas houvesse sobre a fundamentação da AT, a análise à Resposta às Alegações da AT retira quaisquer dúvidas:

 

«Tanto a sociedade incorporada como a sociedade incorporante não declararam, nos exercícios de 2012 e 2013, qualquer ganho relacionado de alguma forma com o empréstimo efectuado à sua participada, sob a forma de prestações acessórias e suprimentos»

 

«Ora, no caso dos exercícios de 2012 e 2013, os gastos financeiros contabilizados não contribuíram para a realização de quaisquer proveitos;

 

«No caso concreto da sociedade incorporante, e tendo em conta que em 2014, a empresa passou a debitar juros à sua subsidiária, não foram pois propostas quaisquer correcções»

 

«Não obstante, no exercício de 2013, foram contabilizados gastos que não tiveram qualquer contrapartida em termos de proveitos desse mesmo exercício».

 

De tudo o acima exposto, resulta: 

 

32.          Os gastos não foram considerados pela AT como comprovadamente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, com base, única e exclusivamente, por terem sido aplicados, em 2013, na concessão de financiamentos, na sua visão, gratuitos.

 

33.          É esta alegada gratuitidade, com a qual a Requerente discordou, que presidiu à Constituição do Tribunal Arbitral, questionando-o. 

 

34.          Ora, é a própria posição que faz vencimento que admite como provado que o financiamento não foi gratuito, concordando, assim, formalmente, com o essencial da fundamentação deduzida pela Requerente no que respeita à questão trazida ao Tribunal.

 

35.          Visando suprir a nulidade afirmada pelo TCA Sul, decorrente da falta de motivação através da indicação dos factos não provados na presente decisão, refere-se como não provado que o contrato de suprimento celebrado em 27 de março de 2011 entre a sociedade incorporada e a sua participada é um contrato de financiamento gratuito.   

 

36.          Porém, decide a posição que faz vencimento pela não aceitação dos gastos, fundamentando a sua posição em considerações gerais em torno do conceito de indispensabilidade que, analisado o RIT e a Resposta ao Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, foram, em momento algum, postas em prejuízo pela AT. Repito, é inequívoco que assim é, na medida em que, refere a própria AT, a partir de 2014 não suscita questões de artigo 23.º na medida em que «a sociedade passou a cobrar juros».

 

Por fim, não deixo de referir que:

 

37.          Apesar de ter sido dada como provada a não gratuitidade do financiamento, o que, sendo a questão colocada ao Tribunal, deveria, desde logo, ter encerrado a questão a favor da Requerente, ainda assim, o Tribunal Arbitral deveria ter entendido que a questão fundamental que lhe foi colocada, em torno da gratuitidade ou não dos financiamento se concretiza no facto de, citando a AT, «no exercício de 2013, foram contabilizados gastos que não tiveram qualquer contrapartida em termos de proveitos desse mesmo exercício», i.e., para a AT os gastos do financiamento não foram aceites porque, nesse ano, não geraram proveitos, usando, para se expressar, indevidamente a qualificação “gratuitos” .

 

38.          Assim, resulta evidente a falta de conexão e, até, a contradição entre os factos considerados não provados e a decisão, não se compreendendo, em toda a linha, quais os factos com interesse para a justa decisão da causa que foram tomados em consideração pela posição que faz vencimento.

 

39.          Pelo que, além de não concordar com a posição que faz vencimento ainda admito que estamos perante uma situação suscetível de gerar fundamentos para impugnação da decisão nos termos do artigo 28.º n.º1 do RJAT. 

 

Termos do voto de vencido (Primeira Questão)

 

1. Face a tudo o acima exposto, acompanho a decisão que faz vencimento no que respeita à parte em que reconhece a natureza onerosa do financiamento, destacando ter sido dado como facto não provado a sua gratuitidade.

 

2. Discordo da decisão que faz vencimento, por entender que mesma é suscetível de padecer de vícios formais, designadamente a oposição dos fundamentos com a decisão, os quais podem culminar na nulidade da decisão.

 

3. Sobre a análise material vertida na posição que faz vencimento, sobre ela não me pronuncio por não se referir à questão que foi colocada ao Tribunal, notando, porém, que a posição que faz vencimento contraria outras decisões arbitrais quanto à mesma questão fundamental de direito.

 

III.          QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO

 

40.          A segunda questão objeto do pedido de pronúncia arbitral prende-se com a tributação, em sede de IRC, da variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações acessórias  por montante inferior ao valor pelo qual se encontravam contabilizadas, cabendo ao Tribunal sindicar se o facto jurídico respeitante à aquisição de prestações suplementares  abaixo do seu valor nominal é suscetível de gerar, per se, um facto tributável em sede de IRC na esfera do adquirente (da Requerente).

 

41.          Em momento algum, a contabilização da aquisição de prestações suplementares efetuada pela Requente foi alvo de contenda e discussão entre as partes, tendo sido dado como facto provado a sua correta contabilização via os referidos capitais próprios, ou seja, que as prestações suplementares sub judice se classificam, do ponto de vista contabilístico, como instrumentos de capital próprio (e não como passivos).

 

42.          Visando suprir a nulidade afirmada pelo TCA Sul, decorrente da falta de motivação através da indicação dos factos não provados na presente decisão, refere-se como não provado que as prestações acessórias são «qualificáveis como passivo», contrariando, em absoluto e em toda a linha, a fundamentação da decisão.

 

43.          Verifica-se, assim, uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que através de um raciocínio lógico se conclui pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação (foi considerado não provado que as prestações acessórias adquiridas foram qualificadas como passivo) e o dispositivo na decisão – negado provimento ao pedido de pronúncia arbitral com fundamento no facto de as prestações acessórias adquiridas terem sido contabilizados como passivo.

 

Detalhando,

 

44.          A posição sufragada nos autos – e que fundamenta a improcedência desta questão – tem inerente a (re)qualificação (e consequente contabilização) das prestações suplementares como passivo. Resulta expresso da decisão arbitral que «Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral (doc. N.º 1) estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unânime em esclarecer que as prestações acessórias, sendo reembolsáveis, como é o caso, devem ser contabilizadas como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação. (…) É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo (…)». Para concluir que «Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão».

 

45.          Ora, discordo da decisão que faz vencimento por entender que mesma pode padecer de vícios formais - oposição dos fundamentos com a decisão, princípio do contraditório e por pronúncia indevida, os quais podem culminar na nulidade da decisão, bem como de vícios materiais, como abaixo detalho.

 

III.A. Vícios formais

 

Vício de oposição dos fundamentos com a decisão

 

46.          As partes sempre qualificaram as prestações como instrumento de capital próprio, e não como passivo, nunca tendo tal qualificação sido objeto de contenda entre as mesmas quer no procedimento inspetivo quer no presente processo arbitral.

 

47.          Tal como decorre das peças processuais apresentadas pelas partes – nomeadamente, do Pedido de Pronúncia Arbitral, da Resposta e das Alegações escritas –, a questão jurídica acometida e discutida em Tribunal pressupôs sempre a qualificação das prestações suplementares como capital próprio (e, como tal, contabilizadas no capital próprio e não no passivo).

 

48.          Mais ainda, é a própria AT, que sanciona a contabilização das prestações suplementares como instrumento de capital próprio (e, enquanto tal, corretamente contabilizada nos capitais próprios) e não como passivo. Senão veja-se, a título exemplificativo, as seguintes assunções da AT:

«No exercício de 2013 verificaram-se operações de concentração empresarial que geraram diversos movimentos, os quais se encontram contabilisticamente em contas de capitais próprios e activos»  .

«Os créditos em causa encontravam-se relevados na contabilidade a crédito nas contas 53202 – Prestações Suplementares (…)», conta de capital próprio» .

De facto, o diferencial de 521.668€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade (…) sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)» .   

 

49.          O teor da generalidade destes comentários encontra-se igualmente vertido na Resposta da AT às Alegações da Requerente, destacando-se, no seu ponto 44 «Da contabilização efetuada, conclui-se pois que (…) sob a forma de prestações suplementares (…) contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»

 

50.          Porém, sustenta a posição que faz vencimento, como argumento essencial de fundamentação da decisão, que a «contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação.»

 

Acrescentando:

 

«É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo. A obrigação de restituição é presente (não futura) e a sua liquidação exigirá uma saída de recursos do património da sociedade. É um ato semelhante ao que ocorre num empréstimo. Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão.»

 

51.          Porém, tal como acima referido, a posição que faz vencimento considera como não provado que as prestações acessórias adquiridas foram qualificadas como passivo, verificando-se, assim, uma contradição entre a fundamentação e a decisão, uma vez que através de um raciocínio lógico se conclui pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação e o dispositivo na decisão (negado provimento ao pedido de pronúncia arbitral com fundamento no facto de as prestações acessórias adquiridas terem sido contabilizados como passivo), tendo sido dados como não provados factos sobre os quais assenta a decisão.

 

Do princípio do contraditório

 

52.          Mantendo o que foi dito aquando da decisão recorrida, e não obstante não ter obtido concordância por parte do TCA Sul, resulta do que foi supra exposto que a qualificação como instrumento de capital próprio nunca foi contestada quer pela Requerente, quer pela Requerida. Porém, a decisão arbitral que fez vencimento procede à requalificação das prestações suplementares como passivo sem que tivesse sido conferida às partes – e, em concreto, à Requerente, a quem tal qualificação jurídica impacta desfavoravelmente – oportunidade para manifestarem a sua discordância prévia, tendo em vista influenciar o sentido decisório.

 

53.          O princípio do contraditório comporta a obrigação de dar às partes do processo a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões (de facto e de direito) que possam ter influência na decisão da causa e, a fortiori, na definição dos seus direitos e deveres legais.

 

54.          Com efeito, o contraditório das partes apenas pode ser afastado em caso de manifesta desnecessidade, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, o que ocorrerá «(…) quando a solução da questão seja evidente, não sendo aceitável que haja controvérsia sobre ela por parte de quem possui os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais» (cf. SOUSA, Jorge Lopes de, Guia da Arbitragem Tributária Revisto e Atualizado, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 185).

 

55.          Ora, atento ao caso sub judice, a qualificação das prestações suplementares como passivo não é evidente e, por conseguinte, não integra uma situação de manifesta desnecessidade. Pelo contrário, a controvérsia interpretativa é desde logo evidente atenta (i) à qualificação assumida pelas partes, (ii) ao facto deste Tribunal divergir quanto a essa qualificação e, ainda, (iii) pelos motivos que melhor se descrevem nos fundamentos materiais da presente declaração de voto de vencido infra.

 

56.          Pelo que, ao decidir com base num fundamento de direito em relação ao qual as partes nunca tiveram oportunidade de se pronunciar, o Tribunal Arbitral parece violar o princípio do contraditório (cf. artigos 16.º do RJAT e 3.º do CPC), podendo padecer a decisão arbitral do vício de nulidade (cf. n.º 1 do artigo 195.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), merecendo, por isso, a minha discordância.

 

Da pronúncia indevida

 

57.          Acresce que a decisão arbitral pode, ainda, a meu ver e não obstante a posição do TCA Sul, incorrer em pronúncia indevida – em concreto, em excesso de pronúncia – padecendo, também por esse motivo, do vício de nulidade, por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT e, bem assim, do artigo 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT.

 

58.          Efetivamente, o conceito de pronúncia indevida que vigora em arbitragem tributária (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RJAT) inclui e extravasa o conceito de excesso de pronúncia.

 

59.          A nulidade de sentença por excesso de pronúncia ocorre quando e se o Tribunal Arbitral conhecer de qualquer questão de que legalmente não poderia ter conhecido. As questões de que o Tribunal se pode ocupar encontram-se balizadas, no que ora releva, pela causa de pedir, ou seja, pelos fundamentos de facto e direito que sustentam juridicamente a pretensão da Requerente

 

60.          Reitere-se que nunca foi acometida pelas partes ao Tribunal a questão da qualificação das prestações suplementares como instrumento de capital próprio ou passivo, pelo que tal questão nunca incorporou a causa de pedir da presente ação. De facto, a fundamentação do ato tributário posto em crise – levada a cabo pela AT em sede de inspeção – procedeu à qualificação das prestações suplementares como instrumento de capital próprio, sendo que a legalidade ou acerto dessa mesma qualificação nunca foi colocada em crise pela Requerente (ou pela própria AT) não tendo integrado, assim, a causa de pedir desta ação arbitral. Deste modo, ao concluir-se na decisão arbitral pela alteração da qualificação das prestações suplementares de instrumento de capital próprio para passivo, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre questões que extravasam a causa de pedir e substituiu-se, na prática, à AT no cumprimento do seu dever legal de fundamentação das decisões (cf. artigo 77.º da Lei Geral Tributária), incorrendo, por via disso, em pronúncia indevida.

 

61.          Com efeito, se por hipótese a qualificação como passivo tivesse integrado a fundamentação do ato tributário ab initio e tivesse sido contestada pela Requerente poderia o Tribunal Arbitral ter conhecido dessa mesma questão e não se encontraria limitado nos seus poderes de pronúncia.

 

62.          Porém, não tendo tal questão integrado a causa de pedir (conforme foi delimitada no pedido de pronúncia arbitral), o Tribunal Arbitral não beneficia de poderes para se substituir à AT corrigindo a fundamentação do ato, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia e, por conseguinte, em pronúncia indevida.

 

63.          Pelo que, não integrando a qualificação das prestações suplementares como passivo ou instrumento de capital próprio a causa de pedir da ação, entendo que a pronúncia arbitral sobre tal questão de direito pode inquinar a decisão arbitral do vício de pronúncia indevida, determinando a sua nulidade.

 

III.B        Vícios materiais

 

64.          Não obstante os vícios de forma acima enunciados, sustento de seguida a minha discordância quanto à fundamentação da decisão que faz vencimento.

 

Direito da contabilidade

 

65.          A análise técnica da posição que faz vencimento limita-se a dizer que a contabilização como passivo resulta de formalmente estarmos perante prestações acessórias e estas serem reembolsáveis. Indica ainda uma alegada unanimidade doutrinária quanto à sua contabilização. Porém, apenas indica um autor  que, curiosamente, admite que assim não seja. 

 

66.          Analisemos então a questão do ponto de vista técnico, i.e., se nos termos do direito contabilístico as prestações suplementares adquiridas devem ser classificadas como instrumento de capital próprio (e, como tal, contabilizadas no capital próprio) ou como passivo (sendo aí contabilizadas).

 

67.          Dispõe o § 5 da Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 27 – Instrumentos Financeiros  que

«Passivo financeiro: é qualquer passivo que seja:

(a) uma obrigação contratual:

(i) de entregar dinheiro ou outro activo financeiro a uma outra entidade; ou

(ii) de trocar activos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para a entidade; ou

(b) um contrato que seja ou possa ser liquidado em instrumentos de capital próprio da própria entidade e que seja:

(i) um não derivado para o qual a entidade esteja ou possa estar obrigada a entregar um número variável de instrumentos de capital próprio da própria entidade; ou

(ii) um derivado que seja ou possa ser liquidado de forma diferente da troca de uma quantia fixa em dinheiro ou outro activo financeiro por um número fixo dos instrumentos de capital próprio da própria entidade. Para esta finalidade, os instrumentos de capital próprio da própria entidade não incluem instrumentos que sejam eles próprios contratos para futuro recebimento ou entrega dos instrumentos de capital próprio da própria entidade».

e,

«Instrumento de capital próprio: é qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos activos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos.»

 

68.          As prestações acessórias encontram-se previstas no artigo 209.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). As prestações acessórias podem estar previstas no contrato de sociedade, bem como as suas condições, nomeadamente no que se refere à sua onerosidade e reembolso.

 

69.          As prestações suplementares encontram-se previstas nos artigos 210.º a 213.º do CSC. As prestações suplementares podem estar previstas no contrato de sociedade, bem como as suas condições, nomeadamente no que se refere ao reembolso. As prestações suplementares não vencem juros.

 

70.          Ora, cumpre desde logo dizer que não é pelo facto de serem reembolsáveis que as prestações (acessórias ou suplementares) qualificam como passivo. As prestações suplementares também são reembolsáveis, sendo sempre contabilizadas no capital próprio. Para a conclusão sobre o tratamento de instrumentos financeiros é necessário conhecer a sua substância, a qual rege a sua classificação no balanço da entidade mais do que a sua forma legal (cfr. Normal Internacional de Contabilidade n.º 32 - § 15 e seguintes).

 

71.          No caso concreto, a existência de uma obrigação de liquidar não é suficiente para que se estabeleça um passivo. Se assim fosse, conforme referido, as prestações suplementares também seriam contabilizadas no passivo, o que não se verifica. Assim, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo.

 

72.          O SNC incorpora precisamente esta perspetiva, de acordo com a referência específica feita nas notas de enquadramento à conta 53 – Outros instrumentos de capital próprio:

 

«53 — Outros instrumentos de capital próprio Esta conta será utilizada para reconhecer as prestações suplementares ou quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadrem na definição de passivo financeiro». Ou seja, a conta 53 de capital próprio não se restringe à contabilização de prestações suplementares, admitindo-se a sua utilização para quaisquer outros instrumentos financeiros que assumam a natureza de instrumentos de capital próprio.   

 

73.          Sobre este tema, também se debruçaram Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis em “Prestações acessórias e Partes de Capital” referindo que «a contabilização das prestações acessórias em Capital Próprio ou Passivo não é unívoca», citando ainda os ilustres autores, o Ofício da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) n.º 17/96, de 28 de Fevereiro de 1996 , e Ana Pinto Rocha (Da perda grave do capital social nas sociedades de capitais: O papel das prestações acessórias e suplementares, Petrony, 2009, pp.168 a 172).   

 

74.          Mais recentemente, já no âmbito do SNC, a questão foi novamente colocada à CNC (Pergunta 15 das FAQs disponível no site da CNC):

 

Nos termos do SNC, as prestações suplementares, nas sociedades por quotas, e as prestações acessórias, nas sociedades anónimas, são consideradas instrumentos de capital próprio sempre e em qualquer situação? Ou podem/passam a ser reconhecidas como passivos financeiros, dado que parecem satisfazer a definição de passivo financeiro das NCRF?

 

Resposta: Conforme definição contida na NCRF 27 – Instrumentos financeiros, são instrumentos de capital próprio quaisquer contratos que evidenciem um interesse residual nos ativos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos.

(…)

No tocante às prestações acessórias, o seu reconhecimento como capital próprio só ocorrerá se o contrato a que corresponda o conteúdo da obrigação cumprir a definição de instrumento de capital próprio. (Revista pelo CNCE em 15 de fevereiro de 2017)

 

75.          Conforme resulta do acima exposto, parece-me isento de controvérsia concluir que, a mera denominação/forma de “prestações acessórias”, não se conhecendo as suas características, e apenas se invocando a sua suscetibilidade de reembolso, é manifestamente insuficiente e carente de fundamentação poder concluir-se que devam estar contabilizadas no passivo. Sobre este tema, e a irrelevância da forma, merece a pena uma leitura do recente Acórdão n.º 717/2017 do Tribunal Constitucional, precisamente em torno de qualificação das prestações suplementares, abordando igualmente o tema das prestações acessórias . 

 

76.          Antes, para determinar a sua contabilização, deve analisar-se as características do instrumento financeiro em questão e compreender a relação entre a entidade e o seu acionista. Conforme referido, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo – esta análise não foi feita pela posição que faz vencimento.

 

77.          Note-se que, dos autos do procedimento inspetivo e do presente processo arbitral não consta documentação, designadamente o próprio contrato, que permita concluir sobre as características das prestações suplementares alvo de transmissão não sendo, consequentemente, a sua análise feita pelas partes nem pela posição que faz vencimento.

 

78.          Pelas partes não foi feita qualquer análise porque tal seria inútil na medida em que aceitaram como correto estarmos perante a presença de prestações suplementares contabilizadas como instrumento de capital próprio, tal como amplamente referido no processo inspetivo:  

 

«A venda por parte do sujeito passivo D... (…) 1.551.667,00 € a prestações suplementares (…)»  

 

«1.029.999€ a D... em contrapartida dos créditos (prestações suplementares) e suprimentos (…)» 

 

«Os créditos em causa encontravam-se relevados na contabilidade a crédito nas contas 53202 – Prestações Suplementares (…)», conta de capital próprio.

 

«De facto, o diferencial de 521.668€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade (…) sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»  

 

79.          A generalidade destes comentários encontra-se igualmente vertido na Resposta da AT às Alegações da Requerente, destacando-se, no seu ponto 44 «Da contabilização efetuada, conclui-se, pois, que (…) sob a forma de prestações suplementares (…) contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»

 

80.          Também a posição que faz vencimento não elabora de forma suficiente sobre o tema, limitando a dizer-se que estamos perante prestações denominadas de acessórias, logo reembolsáveis, e como tal contabilizadas no passivo, não analisando as suas características (até porque, como referi, não teria informação para o fazer). Será assim razoável concluir que, na visão da posição que faz vencimento, toda e qualquer prestação denominada/na forma acessória deve ser contabilizada no passivo, o que está manifestamente incorreto face ao acima descrito.

 

81.          Por fim, não deixo também de notar que, do anexo 5 ao RIT consta ainda ata da Assembleia Geral dos acionistas da Requerente na qual estes decidem «a restituição de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares realizadas pelos acionistas K... e L...». Sendo certo que não são estas as prestações em discussão, pelo menos, terá de admitir-se que o conhecimento e prática da Requerente na realização de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares – neste caso, e sem margem para controvérsia, estamos na presença de instrumentos de capital próprio.

 

82.          Face a tudo o acima exposto: (i) não sendo analisadas as características das prestações em questão, designadamente as condições do seu reembolso e a relação que se estabelece entre a entidade e o seu acionista (ii) a mera invocação da suscetibilidade de reembolso das prestações (iii) o facto de a AT se referir expressamente às prestações como prestações suplementares, quer no procedimento inspetivo quer no procedimento arbitral (iv) o facto de as partes nunca terem questionado a correta classificação como instrumento de capital próprio (v) o facto de outras prestações acessórias efetuadas pela Requerente referirem expressamente que seguem o regime das prestações suplementares, são, por tudo acima exposto, elementos manifestamente suficientes para fundamentar a minha discordância quanto à conclusão da posição que faz vencimento.         

 

83.          Repito, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo. Nada na posição que faz vencimento aborda, do ponto de vista técnico, este tema, não me parecendo assim que a argumentação da Requerente de que estamos na presença de um instrumento de capital próprio possa ser desconsiderada.

 

84.          Além do exposto, também não são referidos todos os fundamentos de facto necessários para fundamentar a decisão, gerando-se causa para impugnação da decisão arbitral nos termos do artigo 28.º, n.º1 alínea a) do RJAT.

 

Questões de natureza constitucional

 

85.          Não posso igualmente deixar de referir que a tributação, em sede de IRC, de um facto aquisitivo, neste caso, de prestações suplementares, me levanta questões de constitucionalidade. 

 

86.          Nos termos do artigo 3.º do Código do IRC, este imposto - sobre o rendimento – incide sobre o lucro das sociedades comerciais. A base de incidência do imposto deve assim obediência ao artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa o qual determina que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu lucro real».

 

87.          No caso em concreto, duas pessoas independentes – D... e a sociedade Requerente – acordam, ao abrigo de um contrato de compra e venda, transmitir prestações suplementares sobre uma entidade terceira – a B..., S.A., – por um valor abaixo do seu valor nominal.

 

88.          Não cabe ao tribunal sindicar o quantum da transmissão nem os fundamentos de esta se ter concretizado abaixo do seu valor nominal. As partes interessadas e envolvidas na transação – vendedor e comprador – avaliam o potencial de recuperabilidade das prestações suplementares e, em função disso, estipulam o preço da sua transmissão, podendo, naturalmente, o preço ser inferior ao valor nominal do crédito, em função da expectativa de recuperabilidade das prestações suplementares. 

 

89.          Naturalmente, estamos perante uma transação entre D... e a Requerente, em nada impactando a esfera patrimonial da B..., a qual apenas vê alterado o credor das prestações suplementares.

 

90.          Assim, a operação com a qual o tribunal foi confrontado é prática comercial recorrente - duas entidades transmitirem direitos de crédito entre si abaixo do seu valor nominal. 

 

91.          Recorde-se que a realidade jurídica posta em causa pela AT é o facto aquisitivo, i.e., deve a sociedade Requerente ser tributada, no momento da aquisição, pela diferença entre o valor nominal das prestações suplementares (1.551.667,00€) e a quantia paga (1.029.999,00€)? 

 

92.          Ora, não é necessário recordar, o IRC incide sobre o lucro das sociedades. Assim, exemplificando, se um qualquer comprador de um crédito comprar, pelo preço de 10, um crédito com um valor nominal de 100, deve automaticamente ser tributado em IRC por 90? Parece-me óbvio que não.

 

93.          Efetivamente, o mero facto aquisitivo não permite determinar se o comprar tem ou ganho ou perda, i.e., se da compra obterá, ou não, lucro. Admita-se que o comprador consegue cobrar os 100 do devedor – nesse caso, sim, terá um ganho de 90, naturalmente sujeito a IRC. Porém, se o comprador não conseguir cobrar nada do devedor, terá uma perda de 10.  

 

94.          Assim, considero desprovido de qualquer sentido considerar que a Requerente tem um ganho com a aquisição de direitos de crédito, mesmo que abaixo do seu valor nominal. Trata-se de um facto aquisitivo, não tributável em sede de IRC. O IRC tributa a obtenção de rendimentos - princípio constitucional da tributação pelo lucro real, vertido no Código do IRC no princípio do rendimento-acréscimo.

 

95.          Como é facilmente entendível, não pode ser o facto aquisitivo que gera um facto tributário em IRC - a tributação depende da realização do ativo adquirido, como sempre assim é, i.e., a Requerente deveria ser tributada em função do rendimento real obtido pela diferença entre o valor recebido da B..., S.A., e o valor pago a D... . Esta aferição e apuramento é, obviamente, subsequente ao facto aquisitivo. 

 

96.          Porém, entende a AT, invocando-o no procedimento inspetivo e no processo arbitral que, independentemente do que sucede subsequente ao facto aquisitivo, deve a Requerente ser tributada pela diferença entre o valor de aquisição e o valor nominal das prestações suplementares – tal entendimento é, na minha opinião, violador dos fundamentos do Código do IRC e, sobretudo, violador da lei fundamental.

 

Questão final – as razões da variação patrimonial positiva inscrita na contabilidade

 

97.          Naturalmente, sendo um facto aquisitivo e, como tal, não gerador, per si, de um ganho contabilístico e, muito menos, de um ganho sujeito a IRC, é legítimo questionar quais os fundamentos do reconhecimento de uma variação patrimonial positiva nas demonstrações financeiras da Requerente. 

 

98.          Para responder a esta questão, é preciso compreender o conjunto de operações societárias praticadas, o que, manifestamente, não foi corretamente efetuado pela AT nem pela posição que faz vencimento, conforme abaixo se explana.

 

99.          A AT, quer na fundamentação do processo inspetivo quer na Resposta às Alegações da Requerente já no âmbito deste tribunal refere que «Sucede porém que o montante restituído ao accionista pelas prestações acessórias por si detidas na empresa, foi inferior ao montante destas, sendo que, tal operação, tratando-se de uma restituição a um accionista que sai da empresa, consubstancia um efectivo e definitivo incremento patrimonial para a empresa, como tal sujeito a IRC.»

 

100.       Também a posição que faz vencimento refere que «Mas ainda que se estivesse perante uma prestação suplementar, cuja restituição se traduzisse numa operação sobre o capital próprio, o reembolso definitivo de uma prestação suplementar por montante inferior ao seu valor seria equivalente a uma desoneração ou perdão a favor da sociedade. E essas VPP não são excluídas para efeitos do lucro tributável nos termos do art.º 21º do CIRC».

 

101.       Ora, neste capítulo tanto a AT como a posição que faz vencimento laboram num erro fundamental: em momento algum houve um reembolso de prestações suplementares.

 

102.       Ouve sim, uma aquisição de prestações suplementares por parte da Requerente a D... e, posteriormente, uma fusão por incorporação da B..., S.A., na Requerente – é esta operação de fusão, com efeitos retroativos em termos contabilísticos e fiscais, que explica o registo da variação patrimonial positiva.

 

103.       Efetivamente, recorde-se, em 12/08/2013 foi celebrado um contrato de compra e venda o qual teve por objeto a venda por parte de D... à Requerente de prestações suplementares que este detinha na B..., SA no montante total de 1.651.667,00€, correspondendo 1.551.667,00€ a prestações suplementares e 100.000,00€ a suprimentos.

 

104.       De acordo com o ponto 3 do referido contrato, e como contrapartida da transmissão das prestações suplementares e suprimentos, a Requerente paga a D... a quantia de 1.029.999,00€. O facto jurídico verificado é a aquisição de prestações suplementares, não se verificando qualquer reembolso de prestações suplementares por parte da B..., i.e., apenas o titular das prestações suplementares foi alterado.

 

105.       Posteriormente, com data de 30/12/2013, a globalidade do património da sociedade B..., S.A. foi transferido para a esfera da sociedade Requerente, em virtude de contrato de fusão (ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do Código do IRC) por incorporação daquela sociedade na Requerente.

 

106.       Porém, como a fusão teve efeitos retroativos a 5/4/2013 houve necessidade de integrar as duas contabilidades e aí, efetivamente, surge a variação patrimonial positiva (correspondente a uma reserva de fusão) na medida em que, na esfera da Requerente, a prestação suplementar, adquirida tinha um valor distinto do contabilizado na esfera da B..., S.A., (1.651.667,00€) – com a fusão por incorporação extinguem-se, por confusão, as prestações suplementares, assim se explicando a variação patrimonial positiva.

 

107.       Ao longo das peças referentes ao procedimento inspetivo e as peças do tribunal é evidente confusão por parte da AT que, a meu ver, poderá ter conduzido à sua interpretação errada da questão por parte da posição que faz vencimento. 

 

108.       Nos termos do descrito pela AT no RIT, na denominada Fase 1 das operações, a Requerente adquire (por via de uma entrada de ativos) as participações na B..., S.A., a 5 acionistas individuais, ficando a B..., S.A., com dois acionistas: a Requerente e a sociedade H… .

 

109.       Refere a AT no mesmo RIT que a Fase 2 das operações corresponde à Fusão da B..., S.A., na Requerente, a qual, note-se, só ocorre em 30.12.2013. Refere a AT "a C… [Requerente] fica titular da globalidade do património da B..." e a "B... extingue-se". Ora, obviamente que assim não poderia ser, dado que a Requerente, conforme acima referido, teria 2 acionistas, não podendo fazer-se uma fusão nestes termos. A confusão da AT explica-se por uma errada compreensão jurídica dos factos.

 

110.       Efetivamente, a denominada Fase 3 (aquisição das prestações suplementares) ocorre antes da Fase 2 - a aquisição, pela Requerente a D..., das prestações suplementares, ocorre em 12 de agosto de 2013. É com esta aquisição que a Requerente se torna acionista única da B..., permitindo fazer a fusão por incorporação no final de 2013, embora com eficácia retroativa para efeitos contabilísticos e fiscais.

 

Em conclusão,

 

111.       Mal andou a AT na rigorosa compreensão das operações, a qual é essencial para a análise fiscal deste caso, concretamente para a explicação da natureza da variação patrimonial positiva registada nas contas - conforme página 15 do RIT e todas as explanações da AT, entende esta que a variação patrimonial positiva contabilística e o facto tributário em IRC ocorrem com a aquisição das prestações suplementares.

 

112.       Também a posição que faz vencimento labora, na minha opinião, em cima da mesma visão. Veja-se, até, a redação da “secção V – Questões a decidir” - «A segunda prende-se com a tributação de uma variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações  acessórias por montante inferior ao valor pelo qual estavam contabilizadas» - ora, se o que cabe ao tribunal sindicar é o facto aquisitivo das prestações suplementares, como é que estas já «estavam contabilizadas»?

 

113.       Creio ser óbvio que não ocorreu nenhum reembolso de prestações suplementares, tendo havido sim, uma aquisição destas abaixo do seu valor nominal o que fez com que, em resultado da fusão por incorporação da B... S.A., se mostrasse contabilisticamente uma variação patrimonial positiva, dadas as diferenças dos montantes inscritos nas contabilidades da sociedade incorporante – a Requerente – e a sociedade incorporada.

 

114.       Por fim, apesar de a questão fundamental para a AT e que cabe ao tribunal sindicar é se o facto aquisitivo das prestações suplementares abaixo do seu valor nominal deve constituir facto tributário em sede de IRC, não deixo de referir que, obviamente, a extinção por confusão das prestações suplementares, não pode produzir efeitos fiscais na esfera das sociedades envolvidas na fusão, dado esta ter sido feita ao abrigo do regime especial de neutralidade fiscal aplicável ao regime das fusões.

 

 

Termos do voto de vencido (Segunda Questão)

 

1. No que concerne aos vícios formais, a decisão arbitral pode padecer de nulidade porquanto pode incorrer em vício de oposição dos fundamentos com a decisão, violação do princípio do contraditório e, bem assim, em pronúncia indevida.

 

2. Discordo do ponto de vista material da decisão arbitral que fez vencimento.

 

3. Não posso deixar de destacar que a tributação, em sede de IRC, do mero ato aquisitivo de prestações suplementares é suscetível de violar o artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

 

 

Rodrigo Domingues

 

 

*******************

 

 

Decisão Arbitral

I -  RELATÓRIO

 

1.            A…, S.A. pessoa colectiva n.º…, com sede no …, …-… …,  … (de ora em diante designada por “Requerente”), da área do serviço de finanças de …, doravante a Requerente, apresentou, por requerimento de 25 de maio de 2017, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRC n.º 2016 … no valor de € 31.071,42, respeitante ao exercício de 2013;

2.            A Requerente indicou como árbitro o dr. Rodrigo Rabeca Domingues;

3.            A AT, doravante também a Requerida, indicou como árbitro o Prof. Dr. Américo Brás Carlos;

4.            Os árbitros das partes indicaram como Presidente o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros;

5.            O Tribunal Arbitral ficou constituído por despacho do Presidente do CAAD de 8 de agosto de 2017;

6.            A Requerida apresentou a sua resposta a 28 de setembro de 2017;

7.            A 26 de Outubro de 2017 a AT enviou o PA para os autos;

8.            A Reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT teve lugar no dia 27 de novembro de 2017;

9.            A Requerente solicitou um período adicional de 10 dias para apresentação das suas alegações, que foi deferido pelo Tribunal em 7 de dezembro de 2017;

10.          A Requerente apresentou as suas alegações a 20 de dezembro de 2017;

11.          A Requerida apresentou as Contra-Alegações em 8 de janeiro de 2018.

 

II - POSIÇÃO DAS PARTES

C-           DA REQUERENTE

12.          A Requerente é uma sociedade comercial anónima;

13.          A globalidade do património da sociedade B…, S.A., com o NIPC…, foi transferido para a esfera da sociedade Requerente, em virtude de contrato de fusão por incorporação daquela sociedade nesta;

14.          A Requerente alega que a incorporação realizou-se ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do CIRC;

15.          A integração do património da sociedade incorporada na esfera da sociedade incorporante foi efetuada com efeitos à data de constituição desta última (05.04.2013), data a partir da qual se consideram, para efeitos contabilísticos e fiscais, como realizadas por conta desta sociedade todas operações praticadas pela sociedade incorporada.

16.          Àquela data a sociedade incorporante denominava-se C…, S.A.;

17.          No dia 12 de agosto de 2013 a C… S.A.  adquiriu ao sócio D… os direitos de crédito, por prestações acessórias e suprimentos, no montante de 1.551.667,00€ e 100.000,00€, respetivamente, que este sócio detinha sobre a sociedade incorporada (B…, S.A.);

18.          Como contrapartida dos créditos cedidos, a ora Requerente pagou ao mencionado sócio a quantia global de 1.029.999,00€, montante inferior ao valor nominal dos créditos cedidos;

19.          A Requerente foi objeto de procedimento de inspeção tributária relativa aos anos de 2013 e 2014 e nele a AT procedeu a correções de índole aritmética à matéria coletável da ora Requerente, em sede de IRC, no montante de 734.464,96€;

20.          Aquelas correções deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2016 … no valor de € 31.071,42 e foram devidas a duas situações:

c)            Dedutibilidade de gastos com encargos financeiros não aceites para efeitos fiscais, a que corresponde uma correção à matéria coletável no montante de 212.796,96€;

d)           Variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido do exercício, a que corresponde uma correção à matéria coletável no montante de 521.668,00€.

 

Dedutibilidade de gastos de financiamento

21.          Em março de 2010 a B…, S.A., celebrou com o Banco E… um contrato de financiamento, no montante de 6.000.000,00€ destinados integralmente à reestruturação do Grupo F…, nomeadamente ao pagamento das responsabilidades da sociedade G…, S.A. , detida a 100% pela B… S.A.;

22.          Trata-se de um “mútuo de escopo”, já que a mutuária ficou adstrita a dar determinado destino à importância recebida;

23.          Em dezembro de 2011 a B… S.A. celebrou com a  sua participada, G…, um contrato de suprimentos com base no qual emprestou a esta última até ao montante de 5.600.000,00€, de acordo com as necessidades de financiamento desta;

24.          O capital mutuado tinha um período de carência de juros de dois anos, findos os quais seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais;

25.          Com efeitos a partir de 5 de abril de 2013, a dívida contraída pela mutuária passou para a Requerente, por ter incorporado aquela sociedade na sequência de uma fusão datada de 30 de Dezembro de 2013, mas com efeitos retroativos àquela data;

26.          A Requerente considera que o contrato que a sua incorporada celebrou com a participada desta é de natureza onerosa, uma vez que passados dois anos sobre o período de carência passaram a ser devidos juros;

27.          No procedimento inspetivo a AT certificou-se de que os juros foram cobrados e relevados contabilisticamente nos termos legais;

28.          A Requerente acrescenta que a carência no pagamento de juros, durante um determinado período de tempo, teve impacto na taxa de juro contratada para os períodos posteriores, que foi agravada por forma a refletir os juros que não foram recebidos pela entidade mutuante durante o referido período de carência.

29.          Acrescenta ainda a Requerente que a previsão do período de carência está totalmente em consonância com a fragilidade da situação financeira da entidade mutuária, a qual foi determinante da necessidade de esta se financiar através da sociedade sua acionista;

30.          Concluindo a Requerente que os custos contabilizados por si com os juros suportados na sequência do empréstimo bancário não podem deixar de ser considerados como dedutíveis para efeitos fiscais, por serem indispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto;

31.          A Requerente justifica a sua consideração na versão em vigor à data dos factos do artigo 23.º do CIRC que esclarecia que: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado (…)”.

32.          Alega que o referido requisito de indispensabilidade de custo tem vindo a ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma ponderação a fazer entre a assunção de um encargo, por um lado, e a sua realização no interesse da empresa, por outro, sempre atento o objeto societário da entidade; e, neste sentido, apenas deverão ser excluídos da dedutibilidade os gastos totalmente desconexos com a atividade da empresa ou sem interesse económico para aquela.

33.          A atividade das empresas não se resume à sua mera atividade operacional (normal e corrente) baseando-se, também, no investimento financeiro, que se poderá traduzir, no futuro, em ganhos sujeitos a imposto, nomeadamente via distribuição de dividendos. Nesse sentido, o ato de suprir as necessidades de financiamento de uma sociedade sua subsidiária com recurso a capitais alheios terá de ser entendido como um ato legítimo de gestão empresarial que visa a manutenção da fonte produtora;

34.          A Requerente salienta que a própria lei comercial consagra, expressamente, que a realização de prestações suplementares ou prestações acessórias é parte integrante da prossecução do seu escopo lucrativo das sociedades (artigos 209.º e 210.º do Código das Sociedades Comerciais);

35.          A Requerente discorda do entendimento da AT, na linha do que tem sido a jurisprudência dos tribunais superiores, segundo o qual a dedutibilidade dos juros com financiamentos obtidos e posteriormente aplicados em subsidiárias apenas adquiriria relevância fiscal caso a Requerente fosse uma SGPS ou tivesse no seu objeto social a gestão de participações sociais;

36.          Segundo a Requerente a posição dos tribunais e da AT é meramente formal e não coadunável com a realidade das operações efetivamente realizadas pelas sociedades;

37.          No caso em apreciação nos autos, a Requerente entende que ao suprir as carências de tesouraria da sociedade que detém a 100%, estará naturalmente a prosseguir a sua atividade empresarial e o seu escopo lucrativo, indiretamente, por via sua subsidiária;

 

 

Variações patrimoniais positivas

38.          No procedimento inspetivo concluiu-se que o diferencial de 521.668,00€ verificado entre o montante pago ao accionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado correctamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido. Desta situação resulta pois um efectivo incremento do património da empresa, no montante de 521.668,00€, não sendo aplicável à mesma qualquer das excepções à tributação previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC.”

39.          A Requerente discorda por considerar estar-se perante prestações suplementares que, enquanto instrumentos de capital próprio, se encontram excluídas de tributação de acordo com os termos previstos na alínea a) do artigo 21º do CIRC;

40.          De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27 são considerados instrumentos de capital próprio quaisquer contratos que evidenciem um interesse residual do seu titular nos ativos de uma entidade, pós a dedução de todos os seus passivos;

41.          Assim, incluem-se no capital próprio as ações (e quotas) emitidas pela própria sociedade, as prestações suplementares e, devido ao carácter residual desta categoria, quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadrem na definição de “passivo financeiro”;

42.          Os instrumentos de capital próprio podem originar variações patrimoniais em várias situações (nomeadamente realização e reembolso de prestações suplementares, ganhos ou perdas na aquisição e alienação de ações próprias) sendo que, regra geral, as mesmas estarão sempre excluídas do lucro tributável ao abrigo do citado artigo;

43.          A Requerente enfatiza que mesmo que tal não fosse entendido, sempre teria de concluir-se que o montante de 521.668,00€ corresponderia a uma variação de justo valor sem relevância para efeitos de apuramento do lucro tributável, uma vez que à luz da NCRF 27 (parágrafo 10) os ativos financeiros deverão, no momento inicial, ser reconhecidos pelo seu justo valor;

44.          Acrescenta ainda a Requerente que, nos termos do artigo 18.º n.º 9, por regra, as variações de justo valor não têm relevância para efeitos do apuramento do CIRC, exceto tratando-se de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, ou, quando se trate de instrumentos de capital próprio, estes tenham um preço formado em mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação superior a 5%;

45.          Não se verificando no caso concreto nenhuma das exceções indicadas, também por esta via sempre teríamos que concluir que a quantia registada no montante de 521.668,00€, correspondente à diferença entre o valor nominal do crédito e o preço pago, não é relevante para efeitos de apuramento do lucro tributável da Requerente.

Nas Alegações:

46.          A Requerente invoca que, de acordo com vários acórdãos de tribunais superiores, a exigência para a dedutibilidade dos encargos é o carácter oneroso ou não do contrato de financiamento. Por isso, e como aquele que assumiu com a incorporação da B… S.A. é oneroso, os respetivos encargos que dele decorram deverão ser considerados para efeitos de dedução à matéria coletável para efeitos de IRC.

47.          Defende, assim, que os custos contabilizados pela Requerente com os juros suportados na sequência do empréstimo bancário não podem deixar de ser considerados como dedutíveis para efeitos fiscais por serem indispensáveis à realização dos rendimentos sujeitos a imposto, ou seja, os juros cobrados pela Requerente à sociedade mutuária.

48.          A Requerente alega ser esta a consideração seguida por decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, identificando várias;

49.          Conclui que, com base no art.º 23º do IRC (redação vigente à data dos factos) devem considerar-se indispensáveis todos os gastos que sejam necessários à realização do interesse societário, ou seja, todos os gastos essenciais à realização de proveitos ou à manutenção da fonte produtora da entidade;

50.          Com efeito, o referido requisito de indispensabilidade de custo tem vindo a ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma ponderação a fazer entre a assunção de um encargo, por um lado, e a sua realização no interesse da empresa, por outro, sempre atento o objecto societário da entidade;

51.          Em relação à aquisição dos créditos a D…, por contrato de compra e venda de 12 de Agosto de 2013, a Requerente alega que à data da sua ocorrência a B… S.A. encontrava-se já incorporada na requerente, pelo que tudo se passou como se a Requerente estivesse a adquirir os seus próprios créditos por prestações suplementares e suprimentos o que determinou a extinção destes;

52.          Assim, a operação traduziu-se num ganho de €100.000,00 e numa variação patrimonial positiva de €561.668,00, esta última excluída de tributação ao abrigo do disposto no artigo 21.º do CIRC, por configurarem operações em instrumentos de capital próprio;

53.          Mas mesmo que tal não se entendesse, defende a Requerente, sempre teria de concluir-se que o montante de €521.668,00 nunca seria sujeito a tributação pelo facto de a operação de fusão ter sido realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguinte do Código de IRC; 

 

 

 

D-           DA REQUERIDA

 

54.          A Requerente  encontra-se no topo do grupo F…, sendo detentora da totalidade do capital social da empresa G…, SA;

55.          Por seu turno, a G…, SA é a sociedade que detém participação direta nas restantes empresas do grupo;

56.          Com efeitos a 5 de abril de 2013, a B… SA foi incorporada na C…, SA, que depois passou a adotar  a mesma denominação da sociedade incorporada com o NIPC … .

57.          A operação de fusão foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal prevista no art.º 73º e seguintes do CIRC;

58.          A empresa efetuou um pedido de autorização para a transmissibilidade de prejuízos fiscais apurados pela extinta sociedade incorporada, nos termos previstos no art.º 75º do CIRC, o qual foi deferido pela Direção de Serviços do IRC.

59.          Os acionistas da B…, SA, à exceção do acionista H…, SGPS, S.A., entregaram as ações que nela detinham para a realização de ações por si subscritas no capital da nova sociedade (C…, S.A.) – entrada em espécie;

60.          Aquelas ações foram entregues pelo seu valor nominal, o qual totalizava o montante de 430.000,00€, conforme declaração modelo 4 entregue em 07/05/2013;

61.          Foram, entretanto, subscritas 50.000 ações da nova sociedade, ao valor nominal de 1€ cada, sendo, consequentemente, o capital social subscrito na nova sociedade (50.000,00€) inferior à valorização das ações da sociedade originária (430.000,00€), motivo pelo qual houve lugar a um prémio de emissão, o qual foi relevado contabilisticamente na conta 54.1. - da então denominada C…, S.A.;

62.          Nos anos de 2012 e 2013 na sociedade incorporada registaram-se erros na contabilização dos lucros tributáveis, que deram origem a correções no montante total de €323.792,33;

63.          As irregularidades verificadas resultaram de a sociedade incorporada ter contraído em março de 2010 um empréstimo bancário no E…  no montante de 6.000.000,00€,  que se destinou, não a exploração da empresa, mas ao financiamento, de forma gratuita, da subsidiária G…, S.A. sob a forma de prestações acessórias e suprimentos;

64.          Em face da fusão efetuada, a partir de 05/04/2013, as operações em causa passaram a ser relevadas contabilisticamente na sociedade incorporante;

65.          A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária;

66.          Do disposto no art.º 23º do CIRC (redação à data de 31.12.2013) conclui-se que apenas poderiam ser aceites fiscalmente os juros de capitais alheios aplicados na exploração da empresa, e que fossem indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto;

67.          Não se vislumbrou  até 31/12/2013 qualquer benefício para a sociedade incorporada ou para a sociedade incorporante, pelo facto de a primeira se ter endividado perante a banca;

68.          No período compreendido entre 05/04/2013 e 31/12/2013, a contabilização dos seguintes encargos financeiros, relacionados com o empréstimo bancário foi de €212.796,96, que foi proposto pelos serviços da AT acrescerem ao declarado no exercício de 2013;

69.          A 12 de agosto de 2013 a sociedade H…, Lda., vendeu à C…, SA, a sua participação, de cerca de 28,33% na B…, SA;

70.          Na mesma data D… vendeu os créditos que  detinha na B…, SA, no montante de €1.651.667,00, correspondendo €1.551.667,00 a prestações suplementares e €100.000,00 a suprimentos, bem como a sua participação de 16,63% no capital social da I…;

71.          Como contrapartida, a C… , SA pagou: €170.000,00 à empresa H… pelas ações detidas por esta empresa na B…; €1.029.999,00 a D… pelos créditos (prestações suplementares e suprimentos) por si detidos na B…; €1  a D… em contrapartida das ações por si detidas na I…;

72.          Apenas a operação relativa aos suprimentos influenciou de forma positiva o resultado fiscal apurado no exercício, pois o diferencial de €521.668,00 verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido;

73.          De acordo com o disposto no art.º 21º do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do exercício, uma vez que o conceito de lucro fiscal é definido no nº 2 do art.º 3º do CIRC, como sendo a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC;

74.          No caso em análise, a operação em causa não consubstancia uma entrada de capital na empresa, mas antes uma saída, em dinheiro, para um dos titulares;

75.          Esta saída de dinheiro consubstancia uma variação patrimonial negativa, que não contribui para a formação do lucro tributável do exercício – c) do art.º 24º do CIRC – da mesma forma que não contribuiu a entrada de capital pelo referido sócio, a qual ocorreu ainda na esfera da sociedade incorporada – exclusão de tributação nos termos da a) do nº 1 do art.º 21º do CIRC;

76.          Porém,  o montante restituído ao acionista pelas prestações acessórias por si detidas na empresa foi inferior ao montante destas, sendo que, tal operação, tratando-se de uma restituição a um acionista que sai da empresa, consubstancia um efetivo e definitivo incremento patrimonial para a empresa, como tal sujeito a IRC;

77.          A Requerida defende que o facto de a variação patrimonial obtida resultar de uma operação de fusão não tem qualquer relevância quanto à tributação da mesma em sede de IRC, pois as implicações fiscais das operações de fusão são tratadas de forma específica nos art.ºs 73º a 78º do CIRC, não se encontrando especificada em tais normais quaisquer disposições relativas a variações patrimoniais positivas;

78.          Consequentemente, a variação patrimonial em causa tem, pois, enquadramento no disposto no art.º 21º do CIRC;

79.          A variação patrimonial positiva só não seria tributada em sede de IRC caso se enquadrasse numa das exceções previstas nas alíneas a) a c) no nº 1 do art.º 21º do CIRC;

80.          Ora, de acordo com o disposto no art.º 21º do CIRC, concorrem para a formação do lucro tributável, as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do exercício, uma vez que o conceito de lucro fiscal é definido no nº 2 do art.º 3º do CIRC, como sendo a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC;

81.          O que está aqui em causa não é qualquer acréscimo de capital próprio – que é do que trata o art.º 21º do CIRC - mas antes a restituição de prestações suplementares, a qual consubstancia uma variação patrimonial negativa, também ela excluída de tributação, nos termos previstos no art.º 24º do CIRC;

82.          Tal restituição não foi efetuada pelo valor com que o referido sócio tinha entrado na empresa, já que, a empresa restituiu ao sócio menos 521.668,00€ do que o montante com que ele havia entrado na empresa;

83.          Este acréscimo de património está sujeito a tributação nos termos do disposto nos art.ºs 3º, nº2 e 17º, nº 1 do CIRC, e dela não excluída, nos termos do art.º 21º, nº 1 a) do CIRC, terá necessariamente de ser acrescido ao lucro tributável;

84.          Relativamente à aplicação do disposto no n.º 9 do art.º 18º do CIRC, a AT rejeita a argumentação da Requerente defendendo ser sua convicção de que a mesma não pode ter acolhimento, porquanto a Requerente não tem vindo a mensurar este instrumento de capital próprio (passivo financeiro, visto ser reembolsável) pelo método do justo valor mas sim pelo custo de aquisição, a que acresce a falta de prova do justo valor à data do reembolso. Assim, e por não se tratar de uma variação de justo valor (nos termos definidos no SNC/NCRF 27) a mesma nunca poderá ter enquadramento no disposto no n.º 9 do art.º 18.º do CIRC;

85.          Nas Contra-Alegações a AT limitou-se a dar por reproduzido o teor da sua Resposta, em virtude de as Alegações da Requerente não haverem introduzido qualquer elemento, de facto ou de direito, que determine a alteração da posição assumida pela entidade requerida em sede de Resposta.

 

 

III-          SANEAMENTO

v.            As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

vi.           O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

vii.          O processo não enferma de qualquer nulidade.

viii.         Não foram suscitadas exceções ou questões preliminares de que cumpra

 conhecer antes da decisão.

 

 

IV-          FACTOS PROVADOS

22.          A Requerente é uma sociedade comercial anónima, cujo objeto social  é a prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; a prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio e a compra, exploração, promoção oneração e venda de imóveis;

23.          Em março de 2010 a sociedade B… SA (NIPC…)  celebrou com o E… um contrato de mútuo no montante de €6.000.000,00 para a reestruturação do Grupo F…, nomeadamente o pagamento das responsabilidades da sociedade G…, Lda, detida a 100% pela B… S.A..

24.          Em dezembro de 2011 a B… S.A.  celebrou com a sua participada G… SGPS um contrato de suprimentos, através do qual lhe emprestou 5.600.000,00, de acordo com as necessidades de financiamento desta;

25.          O capital mutuado tinha um período de carência de juros de dois anos, findos os quais seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais; 

26.          A partir de 01/01/2014, a Requerente passou a cobrar os juros de financiamento à sua subsidiária, que foram relevados contabilisticamente nos termos legais;

27.          Por fusão de 30 de dezembro de 2013, com efeitos a 5 de abril de 2013 foi incorporada na Requerente a sociedade B… S.A.;

28.          A operação de fusão foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal prevista no art.º 73º e seguintes do CIRC;

29.          A sociedade incorporada cessou a sua atividade, para efeitos de IVA a 5 de abril de 2013 e para efeitos de IRC a 30 de dezembro de 2013;

30.          À data de 5 de abril de 2013 a Requerente tinha a denominação de C…, S.A.;

31.          No período compreendido entre 05/04/2013 e 31/12/2013, a contabilização dos  encargos financeiros relacionados com o empréstimo bancário foi de €212.796,96;

32.          A 12 de agosto de 2013 a Requerente  adquiriu ao sócio D…, os direitos de crédito, por prestações acessórias e suprimentos, no montante de €1.551.667,00 e  €100.000,00, respetivamente, que este sócio detinha sobre a sociedade incorporada ( B…, S.A.);

33.          Como contrapartida a Requerente pagou ao mencionado sócio a quantia global de €1.029.999,00;

34.          Do montante pago ao sócio D… e do valor do crédito que este detinha resultou para a Requerente uma variação patrimonial positiva (VPP) no montante de €521.668,00;

35.          A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo relativo aos anos de 2013 e 2014.

 

V-           Questões a decidir

São duas as questões sobre as quais o Tribunal tem de pronunciar-se:

C)             A primeira prende-se com a dedutibilidade fiscal dos gastos decorrentes de contrato de mútuo celebrado por uma sociedade incorporada pela Requerente antes da incorporação;

D)           A segunda prende-se com a tributação de uma variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações acessórias por montante inferior ao valor pelo qual estavam contabilizadas.

 

VI-          Fundamentos e Decisão

De acordo com o estabelecido no art.º 3º, n.º do CIRC, “o lucro (das entidades enunciadas no n.º 1) consiste na diferença entre o s valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste código”. Nestes termos, como afirma  Joaquim Fernando Ricardo em anotação a este artigo (Direito Tributário, Coletânea de Legislação, 15ª ed.) A noção de lucro acolhida em sede de IRC abrangem quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo patrimonial e não o regular fluxo de rendimentos ligados à área funcional das empresas. É o denominado rendimento acréscimo, o qual abrange todo e qualquer incremento patrimonial.

Diverso é o conceito de lucro tributável, que encontra acolhimento no n.º 1 do art.º 17º do CIRC, que é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

Após a aplicação das correções ao lucro tributável encontra-se a matéria tributável sobre a qual incidirá a responsabilidade do sujeito passivo no ano em apreciação. O art.º 23º do CIRC contém a enunciação dos gastos suscetíveis de determinar correções ao lucro tributável, que são os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…). Para o caso em crise nos autos, interessa os gastos indicados na alínea c) deste artigo, ou seja, de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração ….e os resultados da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos  financeiros valorizados pelo custo amortizado

Está em crise nos autos a dedutibilidade dos encargos resultantes de um contrato de mútuo celebrado pela sociedade B… SA (que posteriormente foi incorporada pela Requerente)  com uma sociedade por esta detida ( G…, Lda) para financiamento desta.

Afirma a Requerente nas suas Alegações que “na sequência de uma operação de fusão por incorporação, a totalidade dos activos e passivos, direitos e obrigações da sociedade mutuária foram transferidos para a esfera da Requerente com efeitos retroativos à data de 05.04.2013”, acrescentando que, daí resultou  “que a dívida inicialmente contraída pela sociedade incorporada passou a estar contabilizada na esfera da sociedade incorporante, ora Requerente.”Ora, mais uma vez nos defrontamos com o formal versus o substancial. Formalmente, após a absorção de passivo e ativo da sociedade incorporada pela sociedade incorporante, esta teria de proceder à respetiva contabilização. Porém, o que a lei exige (o art.º 23º, n.º 1 do CIRC) em termos substanciais para reconhecer a natureza dedutível a encargos de natureza  financeira é a verificação da  imprescindibilidade desses gastos  para o alcance de um de  dois dos seguintes objetivos:  para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

O contrato de mútuo celebrado pela sociedade B… SA  com o E… regista,  com interesse para a questão em apreciação nos presentes autos, as seguintes características:

•             a data de celebração - março de 2010;

•             o montante – 6.000.000,00 (seis milhões de euros);

•             o destino do capital mutuado - reestruturação do Grupo F…, nomeadamente o pagamento das responsabilidades da sociedade G…, Lda , detida a 100% pela B… S.A..

Para satisfação deste destino, em dezembro de 2011 aquela mutuária (B… SA)  celebrou com a sua participada G… um contrato de suprimentos, através do qual lhe emprestou 5.600.000,00.

A incorporação da sociedade mutuária na Requerente verificou-se com efeitos à data de 5 de abril de 2013, o que significa que a sociedade incorporante e ora Requerente recebeu os ónus do contrato de mútuo por força da incorporação da sociedade B… S.A. e passou a constar da sua contabilidade própria. Dito por outras palavras, a Requerente foi alheia à celebração dos contratos antes referidos, ou seja, não tomou qualquer decisão acerca do interesse desses contratos para o prosseguimento da sua atividade, antes se limitou a assumir os encargos deles decorrentes por virtude de ter incorporado a mutuária inicial. 

Neste contexto, considera o Tribunal não estarem reunidos os requisitos cuja verificação o art.º 23º, n.º 1, c) do CIRC exige para a dedutibilidade dos gastos.

O Tribunal reconhece a natureza onerosa do contrato celebrado pela sua incorporada com a G… e que originaram os encargos suportados pela Requerente. Esta natureza ficou  provada nos autos e para a relevância da mesma a Requerente procedeu a ampla citação jurisprudencial.

O Tribunal não reconhece, porém, o caráter de comprovada imprescindibilidade do contrato para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, requisito igualmente necessário para a valoração da dedutibilidade, conforme o disposto no já identificado art.º 23º, n.º 1, c) do CIRC.

Embora haja que admitir – como unanimemente o tem feito a jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores – que a atribuição de imprescindibilidade não contém uma natureza unívoca, antes tem de ser verificada casuisticamente, o certo é que no caso em apreciação nos autos o Tribunal entende, que ela não se verifica face ao objeto social da Requerente (prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio, e  compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis) não se estando perante um encargo imprescindível, quer para a   realização dos rendimentos sujeitos a imposto, quer para a manutenção da fonte produtora.

A Requerente, ao suportar os encargos decorrentes do contrato de mútuo que assumiu à data em que incorporou a sociedade B… S.A., satisfez um compromisso oneroso a que se encontra adstrita por força da referida incorporação, não está a desenvolver uma ação que se relacione diretamente com a sua atividade ou com a atividade da sociedade que incorporou e nem sequer  escolheu essa atividade para a manutenção da fonte produtora.

Acresce que, tratando-se do pagamento de encargos com empréstimos, entende o Tribunal que  a caracterização e regime que cabe - indispensabilidade e dedutibilidade fiscal, ou não - aos juros concomitantes, resulta de um juízo de indispensabilidade para a entidade que os suporta (Ac. STA, proc. 171/11), reportado ao momento em que foram incorridos.

Não existe, portanto, qualquer nexo causal entre os gastos suportados pela Requerente com o empréstimo e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (Ac. TCA-Sul, proc. nº 6754/13);

Inexiste, também, a comprovada “necessidade”  do pagamento de tais juros “atento o objeto societário do ente comercial em causa” (Acs TCA-SUL, proc. 8137/14 e proc. 5327/12)  

É este, como se disse, o entendimento que a doutrina dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo têm vindo a seguir e que este Tribunal entende ser seu dever prosseguir também (art.º 8º, n.º 3 do Código Civil).

Vejam-se a este propósito, de entre vários, os seguintes  acórdãos:

Do Supremo Tribunal Administrativo  de 24-09-2014, proferido no Rec. N.º 0779/12, segundo o qual I- No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

Do Tribunal Central Administrativo  Sul, de 16-11-2004, Proc n.º 00182/04 CT-2º Juízo que decidiu: I- Nos termos do art.º 23º do CIRC, só se consideram custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. II- O art.º 17 n.º 1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas). III- É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.º 23º do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. IV- A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial. V- Resultando dos autos que a ora impugnante concedeu empréstimos aos sócios, tal circunstância revela que os empréstimos que contraiu junto de terceiros em cada um dos ditos exercícios excederam nessa medida as necessidades da empresa ou ao menos a sua capacidade de os aplicar na exploração, ou seja, a ora impugnante não teria decerto recorrido ao crédito se não tivesse concedido empréstimos aos sócios ou se não o tivesse feito nos montantes em que o fez. VI- Sendo o objeto social da impugnante o comércio de automóveis e não a concessão de crédito, os encargos financeiros com empréstimos obtidos de terceiros só podem legalmente ser havidos como custos abrangidos pela c), 1ª parte, do n.º 1 daquele art.º 23º e como tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efectivamente empenhados na actividade estatutária da empresa, de acordo com o princípio da especialidade. VII – O entendimento contrário ao propugnado em VI implicava que todas as empresas seriam tentadas a contrair empréstimos com o fito de financiar os seus sócios, na certeza de que os encargos inerentes a esses empréstimos seriam deduzidos em sede de IRC a título de custos, o que subverteria o princípio de justiça fiscal, na sua vertente de princípio da igualdade na repartição dos encargos fiscais. VIII- Donde que as operações havidas entre a impugnante e os sócios e os encargos delas derivados não possam, de todo em todo, serem perspetivados como elementos realizadores dos proveitos indispensáveis à manutenção da fonte produtora.

 

Do Tribunal Central Administrativo Sul, de   25-11-2009, proferido no âmbito do   Proc. n.º 03501/09 CT-2º Juízo, onde se lê que I- Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

II. - O art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).

III. - É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

IV. - A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.

 

Como escreveu o dr.  José Campos Amorim (“A dedutibilidade dos gastos em sede de IRC- Considerações Gerais” in Opinião e Análise – texto que foi elaborado com base no Código do IRC em vigor até 31/12/2013) “Tem que existir uma relação direta entre os gastos e os proveitos, isto é, os gastos têm que gerar direta ou indiretamente rendimentos ainda que futuros. A relevância fiscal de um gasto não depende apenas da sua necessidade, adequação e normalidade, mas também da “produção de resultado” ou “ligação a um negócio lucrativo, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial”

É este também o entendimento coerente com o princípio da tributação do rendimento real, consagrado no n.º 2 do art.º 104º da Constituição da República. Com efeito, o rendimento das entidades com escopo lucrativo deve ser aplicado na realização desse mesmo escopo dentro do seu objeto de atividade.

Acresce, ainda, que, no que respeita aos juros de capitais alheios, estes só são fiscalmente dedutíveis se tais capitais forem aplicados na exploração da sociedade que os suporta (art. 23º, nº 2, al. c) do CIRC). O que não foi o caso. 

Para sustento da sua posição, a Requerente aponta várias decisões proferidas no âmbito do CAAD, com as quais este Tribunal entende ser seu dever discordar. Com efeito, há que convocar desde logo o objetivo que presidiu à criação deste Centro de Arbitragem, que foi essencialmente o cumprimento do princípio da celeridade processual, traduzido na criação de uma entidade suscetível de aliviar os tribunais e reduzir as pendências.

Não obstante as naturais garantias de independência consagradas para o funcionamento dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, o certo é que estes não podem constituir-se como   criadores de jurisprudência própria que se oponha à que é seguida pelos Tribunais Centrais Administrativos e pelo Supremo Tribunal Administrativo.  Esta circunstância foi desde logo acautelada pelo legislador no n.º 2 do art.º 25º do decreto-lei n.º 10/2011, de 10 de janeiro (RJAT), ao prever como causa de recurso de uma decisão arbitral para o STA, a oposição desta, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

 

Das variações patrimoniais positivas

A AT procedeu a uma correção ao lucro tributável em virtude de a Requerente ter beneficiado de uma variação patrimonial positiva derivada do pagamento das prestações  acessórias  de que era titular o acionista D… . Com efeito, este era credor do montante de €1.551.667,00, mas a Requerente pagou unicamente €1.029.999,00.

A Requerente contesta a correção, mas sem razão.

Com a diferença entre o montante do crédito e o valor pago, o certo é que a Requerente teve um aumento da sua força económica real, ou seja, melhorou a sua situação líquida, e, de acordo com a teoria do acréscimo patrimonial consagrada no artigo 3, nº 2 do CIRC, aumentou o seu lucro.

Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral (doc. N.º 1) estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unânime em esclarecer que as prestações acessórias, sendo reembolsáveis, como é o caso, devem ser contabilizadas como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação.

 

É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo. A obrigação de restituição é presente (não futura) e a sua liquidação exigirá uma saída de recursos do património da sociedade. É um ato semelhante ao que ocorre num empréstimo . Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão.

 

Mas ainda que se estivesse perante uma prestação suplementar, cuja restituição se traduzisse numa operação sobre o capital próprio, o reembolso definitivo  de uma prestação suplementar por montante inferior ao seu valor seria equivalente a uma desoneração ou perdão a favor da sociedade. E essas VPP não são excluídas para efeitos do lucro tributável nos termos do art.º 21º do CIRC.

 

A Requerente alega também que à data da compra e venda das prestações acessórias de D… (12.08.2013) a B… S.A. encontrava-se já incorporada na requerente, pelo que tudo se passou como se a Requerente estivesse a adquirir os seus próprios créditos o que determinou a extinção destes. Não tem, porém razão. Antes da referida compra e venda, o titular de tais créditos era unicamente D… e não a Requerente, e nem se entenderia como esta pagaria €1.029.999,00 a título de contrapartida por direitos que já lhe pertencessem.

 

Invoca também a Requerente que o montante pago ao sócio foi menor em virtude de ser esse o justo valor das suas ações suplementares, pelo que seria aplicável ao caso o dispositivo consagrado no n.º 9 do art.º 18º do CIRC, segundo o qual Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados.

 

Mas também neste aspeto não assiste razão à Requerente. Com efeito, não basta afirmar que uma variação patrimonial positiva tem origem em ajustamentos que decorrem da aplicação do justo valor para que essa variação deixe de concorrer para a formação do lucro tributável. É que este valor, que a Requerente qualifica como “o justo”, apenas por ela e pelo sócio a quem foram pagas as prestações suplementares foi determinado. Assim, trata-se de um valor consensual e não do justo valor, para cuja mensuração é necessário bastante mais do que um mero acordo. Como escreve o já citado dr. José Campos Amorim ( agora in “O justo valor e as suas implicações fiscais http://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/850/1/COM_JoseAmorim_2012.pdf)  só é possível mensurar o justo valor nas situações de elevada fiabilidade de mensuração, como é o caso dos ativos financeiros cotados em mercados organizados e dos bens avaliados por terceiros independentes, por exemplo, os escritórios e edifícios. São casos em que é possível determinar de forma objetiva e razoável o valor do item. Caso não seja possível mensurar com fiabilidade, deve-se manter a valorimetria do custo histórico.

Termos em que decide o tribunal considerar improcedente na sua integralidade a impugnação apresentada pela Requerente.

 

Custas nos termos legais.

Valor: €31.071,42 (trinta e um mil, setenta e um euros e quarenta e dois cêntimos

Lisboa, 02 de abril de 2018

 

Árbitro Presidente - Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente)

 

Árbitro - Rodrigo Domingues

 

Árbitro - Américo Brás Carlos

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO

 

Passo a expor os fundamentos formais e materiais que me afastam da posição que fez vencimento.

 

Começo por efetuar, na secção I, uma breve síntese dos factos relevantes que suportam as minhas conclusões na presente declaração de voto.

 

IV.          BREVE SÍNTESE DOS FACTOS

 

Dedutibilidade dos gastos de financiamento

 

Os factos subjacentes à primeira questão encontram-se resumidos nos pontos 21 a 25 da posição que faz vencimento, e que abaixo reproduzo no seu essencial.

 

Em março de 2010, a B…, celebrou com o E…  um contrato de financiamento, no montante de 6.000.000,00€ destinado integralmente à reestruturação do Grupo F…, nomeadamente ao pagamento das responsabilidades da sociedade G…, detida a 100% pela B… .

 

Trata-se de um “mútuo de escopo”, já que a mutuária ficou adstrita a dar determinado destino à importância recebida.

 

Em dezembro de 2011, a B… celebrou com a sua participada, G…, um contrato de suprimento com base no qual emprestou a esta última até ao montante de 5.600.000,00€, de acordo com as necessidades de financiamento desta.

 

O capital mutuado tinha um período de carência de juros de dois anos, findo o qual seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais.

 

Com efeitos a partir de 5/4/2013, a dívida contraída pela B… foi transferida para a Requerente, em resultado de uma fusão por incorporação datada de 30 de dezembro de 2013, mas com efeitos retroativos àquela data.

 

Em 2013, ano a que respeita a liquidação de IRC em litígio, ainda decorreu o período de carência de juros. Em 2014, terminado o período de carência, passaram a ser cobrados juros à sociedade G… .

 

Variações patrimoniais positivas

 

Em 12/08/2013 foi celebrado um contrato de compra e venda entre D… e a Requerente, o qual teve por objeto, entre outros, a venda dos direitos de crédito (por prestações suplementares e suprimentos) que D… detinha na sociedade B…, S.A., no montante total de 1.651.667,00€, correspondendo 1.551.667,00€ a prestações suplementares e 100.000,00€ a suprimentos.

 

De acordo com o ponto 3 do referido contrato, e como contrapartida da transmissão das prestações suplementares e suprimentos, a Requerente pagou a D… a quantia de 1.029.999,00€.

 

Com data de 30/12/2013, a globalidade do património da sociedade B…, S.A., foi transferido para a esfera da Requerente, em virtude de contrato de fusão (ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas - (IRC) por incorporação daquela sociedade na Requerente.

 

A integração do património da sociedade B…, S.A., (sociedade incorporada) na esfera da Requerente (sociedade incorporante) foi efetuada com efeitos à data de constituição desta última (05/04/2013).

 

Conforme pág.15 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) e ponto 43 da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) às Alegações da Requerente «das operações efetuadas destaca-se, pelas implicações fiscais a ela associadas, a aquisição de créditos, a qual foi contabilizada pela empresa da seguinte forma:» (todos os sublinhados efetuados ao longo da presente Declaração são meus).

 

V.           QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO

 

A primeira questão prende-se com a dedutibilidade fiscal, em 2013, dos gastos decorrentes do contrato de mútuo (essencialmente juros) celebrado com o E…, ano em que se verificou o período de carência de juros nos suprimentos concedidos à sociedade G… . Tais encargos foram assumidos pela Requerente enquanto sociedade incorporante da B… .

 

Dado que a matéria alvo de discussão entre as partes se prende com a interpretação da disposição fiscal vertida no artigo 23.º do Código do IRC (Gastos) começo por transcrever, na parte relevante,  a sua redação à data dos factos: «Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração (…) ».

 

 

O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pelas entidades sujeitas a IRC. Como se sabe, trata-se de um princípio cuja amplitude interpretativa tem conduzido a considerável litigância entre os contribuintes e a AT, sendo, por isso, bastante sindicado pelos Tribunais, judiciais e arbitral. É, assim, vasta a jurisprudência sobre este princípio.

 

Efetivamente, a caracterização dos gastos fiscalmente aceites como sendo os que «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» encerra um requisito de indispensabilidade com margem interpretativa, reconheço, considerável. Adicionalmente, no que respeita à dedutibilidade de «juros de capitais alheios» é igualmente considerável a margem interpretativa sobre o conceito de aplicação «na exploração».

 

A AT, no RIT e na Resposta ao Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, assenta a sua posição alegando que o empréstimo ao E… se destinou à concessão de financiamentos (suprimentos) gratuitos.

 

A Requerente, no Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, fundamenta o seu entendimento com base em vasta jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo (STA)  quer do CAAD  - com base nesta jurisprudência a Requerente contesta, no seu essencial, o facto de a AT ter desconsiderado a aceitação fiscal dos gastos financeiros dado o empréstimo ter sido destinado, no seu entendimento, à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária.

 

A posição que faz vencimento reconhece que não estamos perante um financiamento gratuito , não retirando, porém, qualquer consequência deste reconhecimento. No essencial, a posição que faz vencimento nega provimento às pretensões da Requerente com base: (i) no facto de a Requerente ter recebido «os ónus do contrato de mútuo por força da incorporação da sociedade B… (…) foi alheia à celebração dos contratos antes referidos, ou seja, não tomou qualquer decisão acerca do interesse desses contratos para o prosseguimento da sua atividade, antes se limitou a assumir os encargos deles decorrentes por virtude de ter incorporado a mutuária inicial» (ii) « (…) a atribuição de indispensabilidade não se verifica face ao objeto social da Requerente (…)»

 

A posição que faz vencimento cita ainda, de forma genérica, sem ser evidente a sua aplicabilidade ao caso concreto que «(…) dedutibilidade fiscal, ou não - aos juros concomitantes, resulta de um juízo de indispensabilidade para a entidade que os suporta (Ac. STA, proc. 171/11), reportado ao momento em que foram incorridos (…) Não existe, portanto, qualquer nexo causal entre os gastos suportados pela Requerente com o empréstimo e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (Ac. TCA-Sul, proc. nº 6754/13); Inexiste, também, a comprovada “necessidade” do pagamento de tais juros “atento o objeto societário do ente comercial em causa” (Acs TCA-SUL, proc. 8137/14 e proc. 5327/12).  

 

Efetivamente, e conforme referi, a caracterização dos custos fiscalmente aceites como sendo os que «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» encerra um requisito de indispensabilidade que pode ser interpretada e sindicada por diferentes perspetivas – uma perspetiva mais formal (ligação ao objeto social)?; uma perspetiva mais substancial/teleológica, no sentido que o artigo 23.º apenas pretende desconsiderar os custos desconexos com a atividade? qual o alcance da expressão «manutenção da fonte produtora»? Qual a amplitude do nexo causal que se deve estabelecer entre os gastos e rendimentos? Devem atender-se a outros fatores como a normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica? Deve o artigo 23.º escrutinar as decisões da gestão? 

 

Repito, todas estas visões merecem uma cuidada reflexão, não sendo, de todo, ao contrário do que refere a posição que faz vencimento, a jurisprudência unânime. 

 

Porém, há uma conclusão que me parece legítimo qualificar de inequívoca e unânime, sancionada pelo STA e que transcrevo do Acórdão n.º 0570/2013, embora pudesse retirá-la de muitos outros acórdãos, «O conceito de indispensabilidade dos custos é um conceito indeterminado tendo cabido à jurisprudência o seu preenchimento, mas de forma casuística não tendo surgido de tal labor uma definição concreta do mesmo. Mas essa indeterminação não consente que a AT para a sua relevância o possa fazer sob o critério da sua razoabilidade ou mesmo necessidade ou de conveniência».

 

Importa, assim, delimitar o conceito de indispensabilidade dos custos invocado pela AT, vertido no RIT e que esteve na origem do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, por a Requerente ter dele discordado.

 

A posição da AT

 

Perante uma questão controversa, alvo de vasta doutrina e jurisprudência dos tribunais, a fundamentação jurídica-tributaria da desconsideração do gasto por parte da AT é inédita.

 

Começa a AT por referir no RIT  que:

 

«Assim, em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, conclui-se pois que apenas poderão ser aceites fiscalmente os juros de capitais alheios aplicados na exploração da empresa, e que sejam naturalmente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ».

 

«No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a B…, S.A., NIPC …, suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a B…, S.A. NIPC…), o qual não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária, G…, S.A.»

 

«Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…)»

 

«Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem na incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.»

 

«A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 7914 – Ganhos de financiamento concedido a subsidiárias (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014.»

 

Assim, começa a AT por dizer que o financiamento não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária (…) «Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…)»

 

Assim, é inequívoco concluir que, para a AT, os encargos bancários perante o E… não podem ser considerados como aceites fiscalmente porque foram utilizadas para concessão de financiamentos (no seu entendimento) gratuitos.

 

Os restantes parágrafos do RIT certificam esta conclusão:  «(…) não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…) e «(…) não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto». Conclui à AT que «A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária» (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014.

 

Ou seja, para a AT, o requisito de indispensabilidade consagrado no artigo 23.º, em todas as suas dimensões, apenas se encontra violado por uma razão – o carácter gratuito do financiamento. É inequívoco que assim é, na medida em que, refere a própria AT, a partir de 2014 não suscita quaisquer questões de artigo 23.º na medida em que «a sociedade passou a cobrar juros».

 

Se dúvidas houvesse sobre a fundamentação da AT, a análise à Resposta ás Alegações da AT retira quaisquer dúvidas:

 

«Tanto a sociedade incorporada como a sociedade incorporante não declararam, nos exercícios de 2012 e 2013, qualquer ganho relacionado de alguma forma com o empréstimo efectuado à sua participada, sob a forma de prestações acessórias e suprimentos»

 

«Ora, no caso dos exercícios de 2012 e 2013, os gastos financeiros contabilizados não contribuíram para a realização de quaisquer proveitos;

 

«No caso concreto da sociedade incorporante, e tendo em conta que em 2014, a empresa passou a debitar juros à sua subsidiária, não foram pois propostas quaisquer correcções»

 

«Não obstante, no exercício de 2013, foram contabilizados gastos que não tiveram qualquer contrapartida em termos de proveitos desse mesmo exercício».

 

De tudo o acima exposto, resulta: 

 

Os gastos não foram considerados pela AT como comprovadamente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, com base, única e exclusivamente, por terem sido aplicados, em 2013, na concessão de financiamentos, na sua visão, gratuitos.

 

É esta alegada gratuitidade, com a qual a Requerente discordou, que presidiu à Constituição do Tribunal Arbitral, questionando-o. 

 

Ora, é a própria posição que faz vencimento que admite como provado que o financiamento não foi gratuito, concordando, assim, formalmente, com o essencial da fundamentação deduzida pela Requerente no que respeita à questão trazida ao Tribunal.

 

 

Porém, decide a posição que faz vencimento pela não aceitação dos gastos, fundamentando a sua posição em considerações gerais em torno do conceito de indispensabilidade que, analisado o RIT e a Resposta ao Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, foram, em momento algum, postas em prejuízo pela AT. Repito, é inequívoco que assim é, na medida em que, refere a própria AT, a partir de 2014 não suscita questões de artigo 23.º na medida em que «a sociedade passou a cobrar juros».

 

Por fim, não deixo de referir que:

 

Apesar de ter sido dada como provada a não gratuitidade do financiamento, o que, sendo a questão colocada ao Tribunal, deveria, desde logo, ter encerrado a questão a favor da Requerente, ainda assim, o Tribunal Arbitral deveria ter entendido que a questão fundamental que lhe foi colocada, em torno da gratuitidade ou não dos financiamento se concretiza no facto de, citando a AT, «no exercício de 2013, foram contabilizados gastos que não tiveram qualquer contrapartida em termos de proveitos desse mesmo exercício», i.e., para a AT os gastos do financiamento não foram aceites porque, nesse ano, não geraram proveitos, usando, para se expressar, indevidamente a qualificação “gratuitos”.

 

Ora, sobre esta interpretação da questão que foi colocada ao Tribunal Arbitral – gratuidade ou não do financiamento - nada é referido pela posição que faz vencimento.

 

Termos do voto de vencido (Primeira Questão)

 

1. Face a tudo o acima exposto, acompanho a decisão que faz vencimento no que respeita à parte em que reconhece a natureza onerosa do financiamento.

 

2. Discordo da decisão que faz vencimento, por entender que mesma é suscetível de padecer de vícios formais, os quais podem culminar na nulidade da decisão.

 

3. Sobre a análise material vertida na posição que faz vencimento, sobre ela não me pronuncio por não se referir à questão que foi colocada ao Tribunal.

 

VI.          QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO

 

A segunda questão objeto do pedido de pronúncia arbitral prende-se com a tributação, em sede de IRC, da variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações acessórias  por montante inferior ao valor pelo qual se encontravam contabilizadas, cabendo ao Tribunal sindicar se o facto jurídico respeitante à aquisição de prestações suplementares  abaixo do seu valor nominal é suscetível de gerar, per se, um facto tributável em sede de IRC na esfera do adquirente (da Requerente).

 

Em momento algum, a contabilização da aquisição de prestações suplementares efetuada pela Requente foi alvo de contenda e discussão entre as partes, tendo sido dado como facto provado a sua correta contabilização via os referidos capitais próprios, ou seja, que as prestações suplementares sub judice se classificam, do ponto de vista contabilístico, como instrumentos de capital próprio (e não como passivos).

 

Contudo, a posição sufragada nos autos – e que fundamenta a improcedência desta questão – tem inerente a (re)qualificação (e consequente contabilização) das prestações suplementares como passivo. Resulta expresso da decisão arbitral que «Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral (doc. N.º 1) estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unânime em esclarecer que as prestações acessórias, sendo reembolsáveis, como é o caso, devem ser contabilizadas como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação. (…) É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo (…)». Para concluir que «Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão».

 

Ora, discordo da decisão que faz vencimento por entender que mesma pode padecer de vícios formais, por violação do princípio do contraditório e por pronúncia indevida, os quais podem culminar na nulidade da decisão, bem como de vícios materiais, como abaixo detalho.

 

III.A. Vícios formais

 

As partes sempre qualificaram as prestações como instrumento de capital próprio, e não como passivo, nunca tendo tal qualificação sido objeto de contenda entre as mesmas quer no procedimento inspetivo quer no presente processo arbitral.

 

Tal como decorre das peças processuais apresentadas pelas partes – nomeadamente, do Pedido de Pronúncia Arbitral, da Resposta e das Alegações escritas –, a questão jurídica acometida e discutida em Tribunal pressupôs sempre a qualificação das prestações suplementares como capital próprio (e, como tal, contabilizadas no capital próprio e não no passivo).

 

Mais ainda, é a própria AT, que sanciona a contabilização das prestações suplementares como instrumento de capital próprio (e, enquanto tal, corretamente contabilizada nos capitais próprios) e não como passivo. Senão veja-se, a título exemplificativo, as seguintes assunções da AT:

«No exercício de 2013 verificaram-se operações de concentração empresarial que geraram diversos movimentos, os quais se encontram contabilisticamente em contas de capitais próprios e activos»  .

«Os créditos em causa encontravam-se relevados na contabilidade a crédito nas contas 53202 – Prestações Suplementares (…)», conta de capital próprio» .

De facto, o diferencial de 521.668€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade (…) sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)» .  

 

O teor da generalidade destes comentários encontra-se igualmente vertido na Resposta da AT às Alegações da Requerente, destacando-se, no seu ponto 44 «Da contabilização efetuada, conclui-se pois que (…) sob a forma de prestações suplementares (…) contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»

 

Porém, sustenta a posição que faz vencimento, como argumento essencial de fundamentação da decisão, que a «contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não refletida no RLE e muito menos excluída da tributação.»

 

Acrescentando:

 

«É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo. A obrigação de restituição é presente (não futura) e a sua liquidação exigirá uma saída de recursos do património da sociedade. É um ato semelhante ao que ocorre num empréstimo. Não tem efeitos sobre o capital próprio, não se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 21º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão.»

 

Do princípio do contraditório

 

Resulta do que foi supra exposto que a qualificação como instrumento de capital próprio nunca foi contestada quer pela Requerente, quer pela Requerida. Porém, a decisão arbitral que fez vencimento procede à requalificação das prestações suplementares como passivo sem que tivesse sido conferida às partes – e, em concreto, à Requerente, a quem tal qualificação jurídica impacta desfavoravelmente – oportunidade para manifestarem a sua discordância prévia, tendo em vista influenciar o sentido decisório.

 

O princípio do contraditório comporta a obrigação de dar às partes do processo a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões (de facto e de direito) que possam ter influência na decisão da causa e, a fortiori, na definição dos seus direitos e deveres legais.

 

Com efeito, o contraditório das partes apenas pode ser afastado em caso de manifesta desnecessidade, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC, o que ocorrerá «(…) quando a solução da questão seja evidente, não sendo aceitável que haja controvérsia sobre ela por parte de quem possui os conhecimentos jurídicos exigíveis para intervenção em processos judiciais» (cf. SOUSA, Jorge Lopes de, Guia da Arbitragem Tributária Revisto e Atualizado, 3.ª Edição, Almedina, 2017, p. 185).

 

 Ora, atento ao caso sub judice, a qualificação das prestações suplementares como passivo não é evidente e, por conseguinte, não integra uma situação de manifesta desnecessidade. Pelo contrário, a controvérsia interpretativa é desde logo evidente atenta (i) à qualificação assumida pelas partes, (ii) ao facto deste Tribunal divergir quanto a essa qualificação e, ainda, (iii) pelos motivos que melhor se descrevem nos fundamentos materiais da presente declaração de voto de vencido infra.

 

Pelo que, ao decidir com base num fundamento de direito em relação ao qual as partes nunca tiveram oportunidade de se pronunciar, o Tribunal Arbitral parece violar o princípio do contraditório (cf. artigos 16.º do RJAT e 3.º do CPC), podendo padecer a decisão arbitral do vício de nulidade (cf. n.º 1 do artigo 195.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), merecendo, por isso, a minha discordância.

 

Da pronúncia indevida

 

Acresce que a decisão arbitral pode, ainda, incorrer em pronúncia indevida – em concreto, em excesso de pronúncia – padecendo, também por esse motivo, do vício de nulidade, por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT e, bem assim, do artigo 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT.

 

Efetivamente, o conceito de pronúncia indevida que vigora em arbitragem tributária (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea d), do RJAT) inclui e extravasa o conceito de excesso de pronúncia.

 

A nulidade de sentença por excesso de pronúncia ocorre quando e se o Tribunal Arbitral conhecer de qualquer questão de que legalmente não poderia ter conhecido. As questões de que o Tribunal se pode ocupar encontram-se balizadas, no que ora releva, pela causa de pedir, ou seja, pelos fundamentos de facto e direito que sustentam juridicamente a pretensão da Requerente

 

Reitere-se que nunca foi acometida pelas partes ao Tribunal a questão da qualificação das prestações suplementares como instrumento de capital próprio ou passivo, pelo que tal questão nunca incorporou a causa de pedir da presente ação. De facto, a fundamentação do ato tributário posto em crise – levada a cabo pela AT em sede de inspeção – procedeu à qualificação das prestações suplementares como instrumento de capital próprio, sendo que a legalidade ou acerto dessa mesma qualificação nunca foi colocada em crise pela Requerente (ou pela própria AT) não tendo integrado, assim, a causa de pedir desta ação arbitral. Deste modo, ao concluir-se na decisão arbitral pela alteração da qualificação das prestações suplementares de instrumento de capital próprio para passivo, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre questões que extravasam a causa da pedir e substituiu-se, na prática, à AT no cumprimento do seu dever legal de fundamentação das decisões (cf. artigo 77.º da Lei Geral Tributária), incorrendo, por via disso, em pronúncia indevida.

 

Com efeito, se por hipótese a qualificação como passivo tivesse integrado a fundamentação do ato tributário ab initio e tivesse sido contestada pela Requerente poderia o Tribunal Arbitral ter conhecido dessa mesma questão e não se encontraria limitado nos seus poderes de pronúncia.

 

Porém, não tendo tal questão integrado a causa de pedir (conforme foi delimitada no pedido de pronúncia arbitral), o Tribunal Arbitral não beneficia de poderes para se substituir à AT corrigindo a fundamentação do ato, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia e, por conseguinte, em pronúncia indevida.

 

Pelo que, não integrando a qualificação das prestações suplementares como passivo ou instrumento de capital próprio a causa de pedir da ação, entendo que a pronúncia arbitral sobre tal questão de direito pode inquinar a decisão arbitral do vício de pronúncia indevida, determinando a sua nulidade.

 

III.B        Vícios materiais

 

Não obstante os vícios de forma acima enunciados, sustento de seguida a minha discordância quanto à fundamentação da decisão que faz vencimento.

 

Direito da contabilidade

 

A análise técnica da posição que faz vencimento limita-se a dizer que a contabilização como passivo resulta de formalmente estarmos perante prestações acessórias e estas serem reembolsáveis. Indica ainda uma alegada unanimidade doutrinária quanto à sua contabilização. Porém, apenas indica um autor  que, curiosamente, admite que assim não seja. 

 

Analisemos então a questão do ponto de vista técnico, i.e., se nos termos do direito contabilístico as prestações suplementares adquiridas devem ser classificadas como instrumento de capital próprio (e, como tal, contabilizadas no capital próprio) ou como passivo (sendo aí contabilizadas).

 

Dispõe o § 5 da Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 27 – Instrumentos Financeiros  que

«Passivo financeiro: é qualquer passivo que seja:

(a) uma obrigação contratual:

(i) de entregar dinheiro ou outro activo financeiro a uma outra entidade; ou

(ii) de trocar activos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para a entidade; ou

(b) um contrato que seja ou possa ser liquidado em instrumentos de capital próprio da própria entidade e que seja:

(i) um não derivado para o qual a entidade esteja ou possa estar obrigada a entregar um número variável de instrumentos de capital próprio da própria entidade; ou

(ii) um derivado que seja ou possa ser liquidado de forma diferente da troca de uma quantia fixa em dinheiro ou outro activo financeiro por um número fixo dos instrumentos de capital próprio da própria entidade. Para esta finalidade, os instrumentos de capital próprio da própria entidade não incluem instrumentos que sejam eles próprios contratos para futuro recebimento ou entrega dos instrumentos de capital próprio da própria entidade».

e,

«Instrumento de capital próprio: é qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos activos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos.»

 

As prestações acessórias encontram-se previstas no artigo 209.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). As prestações acessórias podem estar previstas no contrato de sociedade, bem como as suas condições, nomeadamente no que se refere à sua onerosidade e reembolso.

 

As prestações suplementares encontram-se previstas nos artigos 210.º a 213.º do CSC. As prestações suplementares podem estar previstas no contrato de sociedade, bem como as suas condições, nomeadamente no que se refere ao reembolso. As prestações suplementares não vencem juros.

 

Ora, cumpre desde logo dizer que não é pelo facto de serem reembolsáveis que as prestações (acessórias ou suplementares) qualificam como passivo. As prestações suplementares também são reembolsáveis, sendo sempre contabilizadas no capital próprio. Para a conclusão sobre o tratamento de instrumentos financeiros é necessário conhecer a sua substância, a qual rege a sua classificação no balanço da entidade mais do que a sua forma legal (cfr. Normal Internacional de Contabilidade n.º 32 - § 15 e seguintes).

 

No caso concreto, a existência de uma obrigação de liquidar não é suficiente para que se estabeleça um passivo. Se assim fosse, conforme referido, as prestações suplementares também seriam contabilizadas no passivo, o que não se verifica. Assim, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo.

 

O SNC incorpora precisamente esta perspetiva, de acordo com a referência específica feita nas notas de enquadramento à conta 53 – Outros instrumentos de capital próprio:

 

«53 — Outros instrumentos de capital próprio Esta conta será utilizada para reconhecer as prestações suplementares ou quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadrem na definição de passivo financeiro». Ou seja, a conta 53 de capital próprio não se restringe à contabilização de prestações suplementares, admitindo-se a sua utilização para quaisquer outros instrumentos financeiros que assumam a natureza de instrumentos de capital próprio.   

 

Sobre este tema, também se debruçaram Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis em “Prestações acessórias e Partes de Capital” referindo que «a contabilização das prestações acessórias em Capital Próprio ou Passivo não é unívoca», citando ainda os ilustres autores, o Ofício da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) n.º 17/96, de 28 de Fevereiro de 1996 , e Ana Pinto Rocha (Da perda grave do capital social nas sociedades de capitais: O papel das prestações acessórias e suplementares, Petrony, 2009, pp.168 a 172).   

 

Mais recentemente, já no âmbito do SNC, a questão foi novamente colocada à CNC (Pergunta 15 das FAQs disponível no site da CNC):

 

Nos termos do SNC, as prestações suplementares, nas sociedades por quotas, e as prestações acessórias, nas sociedades anónimas, são consideradas instrumentos de capital próprio sempre e em qualquer situação? Ou podem/passam a ser reconhecidas como passivos financeiros, dado que parecem satisfazer a definição de passivo financeiro das NCRF?

 

Resposta: Conforme definição contida na NCRF 27 – Instrumentos financeiros, são instrumentos de capital próprio quaisquer contratos que evidenciem um interesse residual nos ativos de uma entidade após dedução de todos os seus passivos.

(…)

No tocante às prestações acessórias, o seu reconhecimento como capital próprio só ocorrerá se o contrato a que corresponda o conteúdo da obrigação cumprir a definição de instrumento de capital próprio. (Revista pelo CNCE em 15 de fevereiro de 2017)

 

Conforme resulta do acima exposto, parece-me isento de controvérsia concluir que, a mera denominação/forma de “prestações acessórias”, não se conhecendo as suas características, e apenas se invocando a sua suscetibilidade de reembolso, é manifestamente insuficiente e carente de fundamentação poder concluir-se que devam estar contabilizadas no passivo. Sobre este tema, e a irrelevância da forma, merece a pena uma leitura do recente Acórdão n.º 717/2017 do Tribunal Constitucional, precisamente em torno de qualificação das prestações suplementares, abordando igualmente o tema das prestações acessórias . 

 

Antes, para determinar a sua contabilização, deve analisar-se as características do instrumento financeiro em questão e compreender a relação entre a entidade e o seu acionista. Conforme referido, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo – esta análise não foi feita pela posição que faz vencimento.

 

Note-se que, dos autos do procedimento inspetivo e do presente processo arbitral não consta documentação, designadamente o próprio contrato, que permita concluir sobre as características das prestações suplementares alvo de transmissão não sendo, consequentemente, a sua análise feita pelas partes nem pela posição que faz vencimento.

 

Pelas partes não foi feita qualquer análise porque tal seria inútil na medida em que aceitaram como correto estarmos perante a presença de prestações suplementares contabilizadas como instrumento de capital próprio, tal como amplamente referido no processo inspetivo:  

 

«A venda por parte do sujeito passivo D… (…) 1.551.667,00 € a prestações suplementares (…)»  

 

«1.029.999€ a D… em contrapartida dos créditos (prestações suplementares) e suprimentos (…)» 

 

«Os créditos em causa encontravam-se relevados na contabilidade a crédito nas contas 53202 – Prestações Suplementares (…)», conta de capital próprio.

 

«De facto, o diferencial de 521.668€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade (…) sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»  

 

A generalidade destes comentários encontra-se igualmente vertido na Resposta da AT às Alegações da Requerente, destacando-se, no seu ponto 44 «Da contabilização efetuada, conclui-se pois que (…) sob a forma de prestações suplementares (…) contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva (…)»

 

Também a posição que faz vencimento não elabora de forma suficiente sobre o tema, limitando a dizer-se que estamos perante prestações denominadas de acessórias, logo reembolsáveis, e como tal contabilizadas no passivo, não analisando as suas características (até porque, como referi, não teria informação para o fazer). Será assim razoável concluir que, na visão da posição que faz vencimento, toda e qualquer prestação denominada/na forma acessória deve ser contabilizada no passivo, o que está manifestamente incorreto face ao acima descrito.

 

Por fim, não deixo também de notar que, do anexo 5 ao RIT consta ainda ata da Assembleia Geral dos acionistas da Requerente na qual estes decidem «a restituição de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares realizadas pelos acionistas J… e  K…». Sendo certo que não são estas as prestações em discussão, pelo menos, terá de admitir-se que o conhecimento e prática da Requerente na realização de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares – neste caso, e sem margem para controvérsia, estamos na presença de instrumentos de capital próprio.

 

Face a tudo o acima exposto: (i) não sendo analisadas as características das prestações em questão, designadamente as condições do seu reembolso e a relação que se estabelece entre a entidade e o seu acionista (ii) a mera invocação da suscetibilidade de reembolso das prestações (iii) o facto de a AT se referir expressamente às prestações como prestações suplementares, quer no procedimento inspetivo quer no procedimento arbitral (iv) o facto de as partes nunca terem questionado a correta classificação como instrumento de capital próprio (v) o facto de outras prestações acessórias efetuadas pela Requerente referirem expressamente que seguem o regime das prestações suplementares, são, por tudo acima exposto, elementos manifestamente suficientes para fundamentar a minha discordância quanto à conclusão da posição que faz vencimento.        

 

Repito, por exemplo, se as prestações acessórias não tiverem reembolso definido ou o reembolso for dependente de votação normal em Assembleia Geral, e não vencerem juros, são contabilizadas no capital próprio e não no passivo. Nada na posição que faz vencimento aborda, do ponto de vista técnico, este tema, não me parecendo assim que a argumentação da Requerente de que estamos na presença de um instrumento de capital próprio possa ser desconsiderada.

 

Questões de natureza constitucional

 

Não posso igualmente deixar de referir que a tributação, em sede de IRC, de um facto aquisitivo, neste caso, de prestações suplementares, me levanta questões de constitucionalidade. 

 

Nos termos do artigo 3.º do Código do IRC, este imposto - sobre o rendimento – incide sobre o lucro das sociedades comerciais. A base de incidência do imposto deve assim obediência ao artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa o qual determina que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu lucro real».

 

No caso em concreto, duas pessoas independentes – D… e a sociedade Requerente – acordam, ao abrigo de um contrato de compra e venda, transmitir prestações suplementares sobre uma entidade terceira – a B…, S.A., – por um valor abaixo do seu valor nominal.

 

Não cabe ao tribunal sindicar o quantum da transmissão nem os fundamentos de esta se ter concretizado abaixo do seu valor nominal. As partes interessadas e envolvidas na transação – vendedor e comprador – avaliam o potencial de recuperabilidade das prestações suplementares e, em função disso, estipulam o preço da sua transmissão, podendo, naturalmente, o preço ser inferior ao valor nominal do crédito, em função da expectativa de recuperabilidade das prestações suplementares. 

 

Naturalmente, estamos perante uma transação entre D… e a Requerente, em nada impactando a esfera patrimonial da  B…, a qual apenas vê alterado o credor das prestações suplementares.

 

Assim, a operação com a qual o tribunal foi confrontado é prática comercial recorrente - duas entidades transmitirem direitos de crédito entre si abaixo do seu valor nominal. 

 

Recorde-se que a realidade jurídica posta em causa pela AT é o facto aquisitivo, i.e., deve a sociedade Requerente ser tributada, no momento da aquisição, pela diferença entre o valor nominal das prestações suplementares (1.551.667,00€) e a quantia paga (1.029.999,00€)? 

 

Ora, não é necessário recordar, o IRC incide sobre o lucro das sociedades. Assim, exemplificando, se um qualquer comprador de um crédito comprar, pelo preço de 10, um crédito com um valor nominal de 100, deve automaticamente ser tributado em IRC por 90? Parece-me óbvio que não.

 

Efetivamente, o mero facto aquisitivo não permite determinar se o comprar tem ou ganho ou perda, i.e., se da compra obterá, ou não, lucro. Admita-se que o comprador consegue cobrar os 100 do devedor – nesse caso, sim, terá um ganho de 90, naturalmente sujeito a IRC. Porém, se o comprador não conseguir cobrar nada do devedor, terá uma perda de 10.  

 

Assim, considero desprovido de qualquer sentido considerar que a Requerente tem um ganho com a aquisição de direitos de crédito, mesmo que abaixo do seu valor nominal. Trata-se de um facto aquisitivo, não tributável em sede de IRC. O IRC tributa a obtenção de rendimentos - princípio constitucional da tributação pelo lucro real, vertido no Código do IRC no princípio do rendimento-acréscimo.

 

Como é facilmente entendível, não pode ser o facto aquisitivo que gera um facto tributário em IRC - a tributação depende da realização do ativo adquirido, como sempre assim é, i.e., a Requerente deveria ser tributada em função do rendimento real obtido pela diferença entre o valor recebido da B…, S.A., e o valor pago a D… . Esta aferição e apuramento é, obviamente, subsequente ao facto aquisitivo. 

 

Porém, entende a AT, invocando-o no procedimento inspetivo e no processo arbitral que, independentemente do que sucede subsequente ao facto aquisitivo, deve a Requerente ser tributada pela diferença entre o valor de aquisição e o valor nominal das prestações suplementares – tal entendimento é, na minha opinião, violador dos fundamentos do Código do IRC e, sobretudo, violador da lei fundamental.

 

Questão final – as razões da variação patrimonial positiva inscrita na contabilidade

 

Naturalmente, sendo um facto aquisitivo e, como tal, não gerador, per si, de um ganho contabilístico e, muito menos, de um ganho sujeito a IRC, é legítimo questionar quais os fundamentos do reconhecimento de uma variação patrimonial positiva nas demonstrações financeiras da Requerente. 

 

Para responder a esta questão, é preciso compreender o conjunto de operações societárias praticadas, o que, manifestamente, não foi corretamente efetuado pela AT nem pela posição que faz vencimento, conforme abaixo se explana.

 

A AT, quer na fundamentação do processo inspetivo quer na Resposta às Alegações da Requerente já no âmbito deste tribunal refere que «Sucede porém que o montante restituído ao accionista pelas prestações acessórias por si detidas na empresa, foi inferior ao montante destas, sendo que, tal operação, tratando-se de uma restituição a um accionista que sai da empresa, consubstancia um efectivo e definitivo incremento patrimonial para a empresa, como tal sujeito a IRC.»

 

Também a posição que faz vencimento refere que «Mas ainda que se estivesse perante uma prestação suplementar, cuja restituição se traduzisse numa operação sobre o capital próprio, o reembolso definitivo de uma prestação suplementar por montante inferior ao seu valor seria equivalente a uma desoneração ou perdão a favor da sociedade. E essas VPP não são excluídas para efeitos do lucro tributável nos termos do art.º 21º do CIRC».

 

Ora, neste capítulo tanto a AT como a posição que faz vencimento laboram num erro fundamental: em momento algum houve um reembolso de prestações suplementares.

 

Ouve sim, uma aquisição de prestações suplementares por parte da Requerente a D… e, posteriormente, uma fusão por incorporação da B…, S.A., na Requerente – é esta operação de fusão, com efeitos retroativos em termos contabilísticos e fiscais, que explica o registo da variação patrimonial positiva.

 

Efetivamente, recorde-se, em 12/08/2013 foi celebrado um contrato de compra e venda o qual teve por objeto a venda por parte de D… à Requerente de prestações suplementares que este detinha na B…, SA no montante total de 1.651.667,00€, correspondendo 1.551.667,00€ a prestações suplementares e 100.000,00€ a suprimentos.

 

De acordo com o ponto 3 do referido contrato, e como contrapartida da transmissão das prestações suplementares e suprimentos, a Requerente paga a D… a quantia de 1.029.999,00€. O facto jurídico verificado é a aquisição de prestações suplementares, não se verificando qualquer reembolso de prestações suplementares por parte da B…, i.e., apenas o titular das prestações suplementares foi alterado.

 

Posteriormente, com data de 30/12/2013, a globalidade do património da sociedade B…, S.A. foi transferido para a esfera da sociedade Requerente, em virtude de contrato de fusão (ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73º e seguintes do Código do IRC) por incorporação daquela sociedade na Requerente.

 

Porém, como a fusão teve efeitos retroativos a 5/4/2013 houve necessidade de integrar as duas contabilidades e aí, efetivamente, surge a variação patrimonial positiva (correspondente a uma reserva de fusão) na medida em que, na esfera da Requerente, a prestação suplementar, adquirida tinha um valor distinto do contabilizado na esfera da B…, S.A., (1.651.667,00€) – com a fusão por incorporação extinguem-se, por confusão, as prestações suplementares, assim se explicando a variação patrimonial positiva.

 

Ao longo das peças referentes ao procedimento inspetivo e as peças do tribunal é evidente confusão por parte da AT que, a meu ver, poderá ter conduzido à sua interpretação errada da questão por parte da posição que faz vencimento. 

 

Nos termos do descrito pela AT no RIT, na denominada Fase 1 das operações, a Requerente adquire (por via de uma entrada de ativos) as participações na B…, S.A., a 5 acionistas individuais, ficando a B…, S.A., com dois acionistas: a Requerente e a sociedade H… .

 

Refere a AT no mesmo RIT que a Fase 2 das operações corresponde à Fusão da B…, S.A., na Requerente, a qual, note-se, só ocorre em 30.12.2013. Refere a AT "a C… [Requerente] fica titular da globalidade do património da B…" e a "B… extingue-se". Ora, obviamente que assim não poderia ser, dado que a Requerente, conforme acima referido, teria 2 acionistas, não podendo fazer-se uma fusão nestes termos. A confusão da AT explica-se por uma errada compreensão jurídica dos factos.

 

Efetivamente, a denominada Fase 3 (aquisição das prestações suplementares) ocorre antes da Fase 2 - a aquisição, pela Requerente a D…, das prestações suplementares, ocorre em 12 de agosto de 2013. É com esta aquisição que a Requerente se torna acionista única da B…, permitindo fazer a fusão por incorporação no final de 2013, embora com eficácia retroativa para efeitos contabilísticos e fiscais.

 

Em conclusão,

 

Mal andou a AT na rigorosa compreensão das operações, a qual é essencial para a análise fiscal deste caso, concretamente para a explicação da natureza da variação patrimonial positiva registada nas contas - conforme página 15 do RIT e todas as explanações da AT, entende esta que a variação patrimonial positiva contabilística e o facto tributário em IRC ocorrem com a aquisição das prestações suplementares.

 

Também a posição que faz vencimento labora, na minha opinião, em cima da mesma visão. Veja-se, até, a redação da “secção V – Questões a decidir” - «A segunda prende-se com a tributação de uma variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações  acessórias por montante inferior ao valor pelo qual estavam contabilizadas» - ora, se o que cabe ao tribunal sindicar é o facto aquisitivo das prestações suplementares, como é que estas já «estavam contabilizadas»?

 

Creio ser óbvio que não ocorreu nenhum reembolso de prestações suplementares, tendo havido sim, uma aquisição destas abaixo do seu valor nominal o que fez com que, em resultado da fusão por incorporação da B… S.A., se mostrasse contabilisticamente uma variação patrimonial positiva, dadas as diferenças dos montantes inscritos nas contabilidades da sociedade incorporante – a Requerente – e a sociedade incorporada.

 

Por fim, apesar de a questão fundamental para a AT e que cabe ao tribunal sindicar é se o facto aquisitivo das prestações suplementares abaixo do seu valor nominal deve constituir facto tributário em sede de IRC, não deixo de referir que, obviamente, a extinção por confusão das prestações suplementares, não pode produzir efeitos fiscais na esfera das sociedades envolvidas na fusão, dado esta ter sido feita ao abrigo do regime especial de neutralidade fiscal aplicável ao regime das fusões.

 

 

Termos do voto de vencido (Segunda Questão)

 

1. No que concerne aos vícios formais, a decisão arbitral pode padecer de nulidade porquanto pode incorrer em vício de violação do princípio do contraditório e, bem assim, em pronúncia indevida.

 

2. Discordo do ponto de vista material da decisão arbitral que fez vencimento.

 

3. Não posso deixar de destacar que a tributação, em sede de IRC, do mero ato aquisitivo de prestações suplementares é suscetível de violar o artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.

 

 

Rodrigo Domingues.