Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 341/2021-T
Data da decisão: 2022-02-02  IRS  
Valor do pedido: € 195.821,75
Tema: IRS - Caducidade do direito de liquidação. Procedimento inspectivo. Direito de audição
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Decisão Arbitral

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-08-2021, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A… LDA, contribuinte fiscal n.º …, com sede zona industrial …, ... (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos seguintes actos de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o rendimento IRS e liquidação de juros compensatórios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018:

             Período de 2016: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 132.916,20;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 23.611,63;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 4.850,40;

             Período de 2017: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 9.961,00;

             Período de 2017: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 1.382,29;

             Período de 2018: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 20.946,80;

             Período de 2018: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 2.153,43.

 

A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-06-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22-07-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-08-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 01-10-2021, foi dispensada reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

Mostram os autos o seguinte:

 

a)            A sociedade B…, Lda., NIPC …,

sociedade fundida e incorporada em 2018/07/09 na empresa A…, Lda., NIPC …, sociedade ora Requerente, foi alvo de acção inspectiva externa de âmbito geral aos exercícios dos anos 2016, 2017 e 2018, ao abrigo das ordens de serviço nºs. OI2019… (ano de 2016), OI2019… (ano de 2017) e OI2019… (ano de 2018), da DF de …, tendo como motivo inicial a análise da legitimidade dos créditos que estiveram na origem dos reembolsos dos anos de 2016, 2017 e 2018;

b)           A abertura do procedimento inspectivo foi notificada à Requerente, relativamente a cada uma das ordens de serviço, em 14-02-2020, na pessoa do director financeiro da Requerente (páginas 5, 6 e 7 da parte 1 do processo administrativo); 

c)            O procedimento inspectivo foi prorrogado por três meses, por despacho de 20-07-2020, proferido pelo Director de Finanças de … (páginas 21 e 22 da parte 1 do processo administrativo);

d)           O procedimento inspectivo foi prorrogado por mais três meses, por despacho de 03-11-2020, proferido pelo Director de Finanças de … (páginas 24 e 25 da parte 1 do processo administrativo);

e)           Nesse procedimento inspectivo foi elaborado um projecto de Relatório da Inspecção Tributária, que consta das partes 1, 2 e 3 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

f)            A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, através do ofício n.º …, de 12-11-2020 (registo dos CTT RH…PT (páginas 3 e 4 da parte 7 do processo administrativo);

g)            A Requerente não exerceu o direito de audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária;

h)           Nesse procedimento inspectivo foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta das partes 7, 8 e 9 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

i)             Nesse Relatório da Inspecção Tributária foram efectuadas correções provêm dos movimentos apenas a débito (pagamentos) na conta 25324 - Financiamentos Obtidos – Participantes de Capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos – C… e D…, na conta 25321 – C…, e nas contas 25321 – C… e 25322 – D…, terem sido considerados como rendimentos de capitais, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 al. h) do artigo 5.º do CIRS;

j)             O Relatório da Inspecção Tributária foi notificado à Requerente por carta com aviso de recepção com o registo n.º RH …PT, recebida em 17-12-2020 (páginas 2 a 4 da parte 9 do processo administrativo);

k)            Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRS – Retenção na fonte:

             Período de 2016: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 132.916,20;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 23.611,63;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 4.850,40;

             Período de 2017: liquidação  de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 9.961,00;

             Período de 2017: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 1.382,29;

             Período de 2018: liquidação  de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 20.946,80;

             Período de 2018: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 2.153,43;

l)             Por despacho 30-12-2020, o Director de Finanças de … ordenou a notificação pessoal das liquidações referidas (página 8 da parte 11 do processo administrativo);

m)          Na sequência da ordem referida na alínea anterior, foi efectuada uma diligência para notificação da Requerente, relativamente às liquidações referentes ao período de 2016, a que se refere a «Certidão de Diligências Externas»  que consta da página 9 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

«Em cumprimento do mandado do Diretor de Finanças de Viana do Castelo, datado de 30-12-2020, para efeitos de notificação da empresa B…, LDA, NIPC …, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, cujos fundamentos dos valores apurados constam do relatório da inspeção tributária, que foi oportuna e validamente notificado ao sujeito passivo através do ofício nº …, de 2020-12-11, deslocámo-nos, na mesma data do mandado, à sede do representante da cessação, A…, Lda. (doravante A…), NIPC …, sita na Zona Industrial …, ... tendo ocorrido as situações que a seguir se relatam:

O primeiro contacto efetuou-se num pavilhão pertencente à empresa representante no qual fomos atendidos por um jovem que lá se encontrava (não identificado) que nos informou que os serviços administrativos e os representantes da empresa encontravam-se noutro pavilhão próximo, tendo de imediato se disponibilizado para nos acompanhar até ao local. Aí chegados disse-nos para aguardarmos fora da porta, tendo ele entrado para anunciar a nossa presença. Saiu dizendo que não se encontrava presente nenhum dos responsáveis da empresa e que nenhum colaborador lá presente se prestava a atender-nos dado que o assunto "parecia importante". Muito embora essas afirmações, fora das instalações encontrava-se uma viatura com a matricula espanhola …-…, que alegadamente pertencerá a um dos sócios-gerentes da "A…". Assim, não tendo sido possível o contacto com o representante legal da empresa, foi afixada na porta exterior da sede social da mesma e depositada na caixa de correio existente no local uma certidão de marcação de hora certa, elaborada nos termos do artigo 232º do Código de Processo Civil, com indicação de que voltaríamos à sede da empresa no dia 31 de dezembro de 2020, pelas 11 horas e 15 minutos.

A diligência aqui relatada foi testemunhada por E…, NIP … e F…, NIP ….

Viana do Castelo, 30 de dezembro de 2020»

n)           Na sequência da inviabilidade de concretizar a notificação das liquidações relativas ao período de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira afixou na porta exterior do edifício em que está a sede da Requerente uma certidão de marcação de hora certa, que consta das páginas 11 e 12 da parte 11 do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

«CERTIDÃO DE MARCAÇÃO DE HORA CERTA - Afixação

(art. 232º do Código de Processo Civil)

G…, Inspetora Tributária e Aduaneira, número de identificação profissional (NIP) …, certifico que tendo vindo hoje, pelas 11 H 15 à Zona Industrial …, ..., domicílio fiscal do representante legal do sujeito passivo B…, LDA, com o NIPC …, a fim de o notificar da demonstração da liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das demonstrações de liquidação de Juros Compensatórios, efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, referentes ao período de 2016, não pude levar a efeito essa diligência em virtude de, na morada supra referida, não ter encontrado o seu representante legal ou seu colaborador, nem qualquer outra pessoa a quem pudesse deixar nota do presente aviso com indicação de hora certa.

Por esse motivo afixei cópia do presente aviso com indicação de hora certa para a realização da diligência, comunicando ao representante do sujeito passivo que no dia 31 de dezembro de 2020, às 11 H 15, voltaremos ao local correspondente ao domicílio fiscal do referido representante, para levar a efeito a notificação atrás referida.

Fica ainda avisado que, se no dia acima designado não se encontrar presente, a notificação pessoal será feita em qualquer pessoa que seja capaz de transmitir os termos do ato (art.º 232º, n.º 2 do CPC). Caso não seja possível a colaboração de terceiros, a notificação será efetuada por afixação no mesmo local (artº 232º, n.º 4 do CPC).

Foi igualmente depositado um exemplar do presente aviso na caixa de correio existente no local. Para constar se lavrou o presente aviso que vai ser assinado por mim G…, NIP …, e pelas testemunhas E…, NIP … e F…, NIP ….

..., 30 de dezembro de 2020

As Testemunhas»

o)           Em 31-12-2020, foi efectuada a notificação nos termos do artigo 232.º do CPC que consta das páginas 29 a 33 da parte 11 do processo administração, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO

(art 232º do Código de Processo Civil)

G…, Inspetora Tributária e Aduaneira, NIP…, certifico que, tendo vindo hoje pelas 11 H 15 à Zona Industrial …, ..., domicílio fiscal do representante legal do sujeito passivo B…, LDA, NIPC …, em cumprimento do mandado que antecede e conforme aviso com indicação de hora certa afixado na sede social da empresa e depositado na caixa de correio existente no local no dia 30 de dezembro pelas 11 horas e 8 minutos, para efeitos de notificação do sujeito passivo B…, Lda., NIPC …, na pessoa do representante legal da empresa A…, Lda., NIPC …, na qualidade de representante da cessação do sujeito passivo antes identificado, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, num total de 15 folhas, cujos fundamentos dos valores apurados na presente notificação constam do relatório da inspeção tributária que foi oportuna e validamente notificado, através do nosso ofício nº …, de 2020-12-11, não foi possível o contacto com o representante legal, colaborador ou qualquer pessoa que fosse capaz de transmitir os termos do ato (art. 232º, nº 2 do CPC), pelo que a notificação foi efetuada por afixação no mesmo local (art. 232º, nº 4 do CPC), tendo sido depositados na caixa de correio existente no local cópia do mandado, desta certidão, bem como das mencionadas demonstrações.

Das liquidações pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Para constar, a presente certidão de notificação vai ser assinada por mim, G…, e pelas testemunhas E…, NIP … e G…, NIP ….

Viana do Castelo, 31 de dezembro de 2020

p)           Dessa notificação foi elaborada a «Certidão de Diligências Externas» que consta  da página 30 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Em cumprimento do mandado do Diretor de Finanças de …, datado de 30-12-2020, para efeitos de notificação da empresa B…, LDA,

NIPC …, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, deslocámo-nos à sede da empresa sita na Zona Industrial …, ..., pelas 11 horas e 15 minutos (hora marcada), para execução da comunicação de marcação de hora certa, elaborada nos termos do artigo 232º do Código de Processo Civil, afixada e depositada na caixa postal existente no local no dia 30 de dezembro de 2020, pelas 11 horas e oito minutos.

Na hora e data marcada, as instalações encontravam-se encerradas e ninguém atendeu. Contudo, fora das instalações encontrava-se uma viatura com a matrícula espanhola … …, que alegadamente pertencerá a um dos sócios-gerentes da "A…”.

Assim, não tendo sido possível o contacto com o representante legal da empresa, colaborador ou qualquer outra pessoa que fosse capaz de transmitir os termos do ato (artigo 232º, n.º 2 do CPC), procedemos à afixação da notificação na porta exterior da sede social, bem como foi depositado na caixa de correio existente no local uma cópia do mandado, da certidão de notificação e de todas as demonstrações das liquidações, nos termos do nº 4 do referido artigo.

A diligência aqui relatada foi testemunhada por E…, NIP … e F…, NIP ….

Viana do Castelo, 31 de dezembro de 2020.

A Funcionária

 As testemunhas

q)           Em 05-01-2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente a carta registada que consta da página 35 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, para efeitos do artigo 233.º do CPC, com cópia das liquidações relativas ao ano de 2016, indicando como termo do prazo de pagamento o dia 15-02-2021 e os meios de reacção;

r)            Em 04-06-2021, apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

                Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

                Não se provou que a Requerente tenha feito pagamento de qualquer das quantias liquidadas.

 

3. Matéria de direito

               

                               A Requerente imputa os seguintes vícios aos actos impugnados:

 

– Nulidade dos actos de liquidação por violação do artigo 59.º do CPPT – ausência de procedimento de liquidação;

– Anulabilidade por violação do princípio da participação;

– Caducidade do direito de liquidação relativamente às liquidações que se reporta ao ano de 2016.

 

                3.1. Questão da nulidade dos actos de liquidação por ausência de procedimento de liquidação

 

                A Requerente defende o seguinte:

 

             Nos termos do artigo 59.º, n.º 1 do CPPT, “O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente.”, sendo que o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes (n.º 2).

             Por outro lado, nos termos do n.º 7 do mesmo artigo, “Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços.”

             Significa isto que o ato de liquidação apenas pode ser praticado com base nas declarações dos contribuintes, ou através de procedimento oficiosamente instaurado pelos competentes serviços.

             Ora, na situação em apreço, as liquidações impugnadas não surgiram no seguimento de declarações prestadas pelo contribuinte.

             A impugnante também não foi notificada da existência de qualquer procedimento oficiosamente instaurado pelos serviços.

             A única notificação feita à impugnante foi a notificação da liquidação, inexistindo qualquer outra notificação que lhe tenha sido efetuada.

             Assim, os atos de liquidação impugnados são nulos, nos termos do artigo 161.º, n.º2 al. l) do Código do Procedimento Administrativo, por preterição total do procedimento legalmente exigido.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

             O procedimento administrativo de liquidação tributária é constituído por uma série de atos, combinados entre si, destinados a obter um resultado jurídico final, ou seja, o montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado;

             Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos competentes serviços, nos termos do n.º 7 do mesmo artigo;

             E nesse contexto, determina o n.º 2 do artigo 89.º do CIRS que, procede-se a liquidação adicional, em consequência de exame à contabilidade do sujeito passivo, ou, erros de facto ou de direito ou omissões verificadas em qualquer liquidação, de que haja resultado prejuízo para o Estado;

             A requerente foi notificada do início do procedimento inspetivo credenciada pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2019… (ano de 2016), OI2019… (ano de 2017) e OI2019… (ano de 2018), dando assim cumprimento ao previsto no n.º 2 do artigo 69.º da LGT e artigo 51º do RCPITA, e n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, do qual resultaram correções técnicas em sede de IRS-retenções na fonte a título definitivo, e as consequentes liquidações, face a se ter verificado haver a exigir imposto superior ao liquidado;

             E, aquando da notificação do relatório final de inspeção a que se refere o artigo 62º do RCPITA, efetuada através do ofício n.º … de 2020/12/11 (registo dos CTT RH … PT), foi ainda informado, que a breve prazo, os serviços da AT procederiam à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ela houver lugar. (cfr. PA em anexo).

             A Requerente tomou conhecimento da instauração do procedimento inspetivo através do qual foram efetuadas as correções em sede de IRS-RF, e deram origem às subsequentes liquidações, pelo que, não se verifica a alegada nulidade dos atos de liquidação por violação do artigo 59.º do CPPT, uma vez que a administração tributária cumpriu na íntegra o que a lei dispõe para as situações em causa.

 

                A Requerente invoca a nulidade prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que estabelece que são nulos «os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido».

                Nos termos do artigo 54.º da Lei Geral Tributária (LGT) o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente as acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária e a liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária.

                No caso em apreço foi efectuado um procedimento de  inspecção tributária, regulado pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira,  em que foram detectadas omissões de liquidação de que resultou prejuízo para o Estado, sendo esse o procedimento próprio para este efeito.

                A Requerente foi notificada da instauração do procedimento inspectivo (três vezes, uma em relação a cada uma das ordens de serviço subjacentes a inspecção), foi notificada de duas prorrogações, foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária e foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária.

                Nesta última notificação foi referido que «a breve prazo, os serviços da AT procederão a notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar» e, posteriormente a Requerente foi notificada das liquidações.

                Como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-05-2001, processo n.º 025832 (   ) «deve considerar-se fundamentado o acto de liquidação adicional, baseado em relatório dos serviços de fiscalização tributária, que, ainda que lhe não faça referência expressa, se situa, indubitavelmente, no respectivo quadro legal e fáctico, perfeitamente claro, esclarecedor e devidamente notificado» (página 2 da parte 9 do processo administrativo).

                Assim, é inequívoco que as liquidações têm subjacente procedimento inspectivo.

                De resto, o artigo 59.º, n. 1, do CPPT, invocado pela Requerente, não afasta este regime pois estabelece que «o procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente». 

                Neste caso, as liquidações foram efectuadas com base nos elementos que obteve a entidade competente, que foram os serviços de inspecção tributária.

                Pelo exposto, é manifesto que não se está perante uma situação de preterição total do procedimento legalmente exigido enquadrável na alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que as liquidações impugnadas não enfermam do vício de nulidade que a Requerente lhes imputa.

                Improcede, assim, o primeiro vício imputado pela Requerente às liquidações impugnadas.

 

                3.2. Questão da anulabilidade por violação do princípio da participação

 

                A Requerente defende o seguinte:

             Nos termos do artigo 60.º da LGT, os contribuintes têm direito ao direito de audição antes da liquidação;

             Consequência da completa ausência de procedimento, é a inelutável violação do direito de audição, previsto no artigo 60.º, n.º 1 da LGT, reiterando-se, a este propósito, que, sobre as notificações impugnadas, a impugnante foi apenas notificada das liquidações, não tendo recebido qualquer outra notificação que tenha precedido estas liquidações;

             Não tendo as liquidações respeitado o direito de participação e audição prévia da impugnante, deverão estas ser eliminadas do ordenamento jurídico.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

             A al. a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT prescreve que a participação dos

contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito pode efetuar-se sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação;

             É dispensada a audição do contribuinte antes da liquidação, salvo em caso de

invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado, tendo sido anteriormente ouvido antes da conclusão do relatório da inspeção tributária (cfr. n.º 3 do artigo 60º da LGT).

             Reportando para o caso em apreço, o sujeito passivo foi notificado, para a morada da sede que consta do cadastro da Autoridade Tributária, através do ofício n.º …, de 2020/11/12 (registo dos CTT RH… PT), no sentido de usar, querendo, o direito de audição nos termos dos artigos 60º, da Lei Geral Tributária e do RCPITA, tendo o referido prazo terminado em 2012/12/01, sem que tivesse sido exercido o direito de audição. (Cfr. PA, em anexo).

             Assim sendo, uma vez que a administração tributária cumpriu o que estipula a lei, não se mostra violado do princípio da participação, previsto no artigo 60º da LGT.

 

                O artigo 60.ºda LGT assegura a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através de audição antes da liquidação e antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, nos termos das alíneas a) e e) do seu n.º 1.

                Porém, por força do n.º 3 do mesmo artigo 60.º, é dispensada a audição se o contribuinte tiver sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

                Ter sido ouvido significa, neste contexto em que o exercício do direito de audição uma faculdade do sujeito passivo, ter sido notificado para se pronunciar, pois, trata-se de uma faculdade e, se o sujeito passivo nada dizer no prazo fixado, extingue-se o respectivo direito. 

                Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente foi notificada no procedimento de inspecção tributária, designadamente para se pronunciar sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, tendo-lhe sido proporcionada a possibilidade de se pronunciar sobre as correcções projectadas, que são as que estão subjacentes às liquidações impugnadas.

                Não são invocados no Relatório da Inspecção Tributária factos novos em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária, pelo que, tendo sido dada oportunidade à Requerente de se pronunciar sobre este, ficou dispensada a sua audição antes da liquidação, nos termos daquele n.º 3 do artigo 60.º.

                Pelo exposto, improcede o vício de preterição do direito de audição.

 

                3.3. Questão da caducidade do direito de liquidação quanto ao ano de 2016

 

                A Requerente diz o seguinte:

 

             A liquidação de imposto n.º 2020 …, bem como as liquidações de juros compensatórios 2020 … a 2020 …, e 2020 … a 2020 …, são relativas ao exercício de 2016;

             Nos termos do artigo 45º da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos;

             As liquidações relativas ao ano de 2016 foram notificadas ao sujeito passivo em janeiro de 2021;

             Todavia, o prazo de 4 anos previsto na LGT foi ultrapassado na passagem do ano de 2020 para 2021;

             Por esse motivo, mostra-se absolutamente caducado o direito da AT proceder às referidas liquidações de imposto.

 

                A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que não ocorreu a caducidade do direito de liquidação por ter sido efectuada notificação com hora certa em 31-12-2020.

                De harmonia com os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT o direito de liquidar os impostos sobre o rendimento caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, prazo esse contado do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário.

                Por isso, em princípio, as liquidações relativas ao ano de 2016 teriam de ser notificadas validamente até 31-12-2020.

                Mas, o prazo de caducidade esteve suspenso entre 09-03-2020 e 03-06-2020, por força do preceituado no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (com produção de efeitos 9 de Março de 2020, nos termos do artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril), até à revogação daquela norma pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor em 03-06-2020, nos termos do seu artigo 10.º.

                Na verdade, como resulta do teor expresso dos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 7.º;

 

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

 

                Aplicando-se esta suspensão dos prazos de caducidade «a todos os tipos de processos e procedimentos», aplica-se também ao prazo de caducidade do direito de liquidação, que respeita ao procedimento de liquidação de tributos.

                Por isso,  o prazo de caducidade do direito de liquidação em relação ao ano de 2016 foi alargado em 86 dias, pelo que, em vez de terminar em 31-12-2020, apenas terminou em 28-03-2021.

                Assim, mesmo que se devesse considerar feita a notificação apenas em Janeiro de 2021, como diz a Requerente, não teria ocorrido a caducidade do direito de liquidação.

                Mas, efectivamente, foi feita uma notificação com hora certa, em 31-12-2020, antes do termo do prazo de caducidade previsto sem a suspensão referida.

                Na verdade, a notificação pessoal nos termos do Código de Processo Civil pode ser efectuada no procedimento tributário, quando a entidade que a ela proceder o entender necessário, aplicando-se as regras da citação pessoal (artigo 38.º, n.ºs 5 e 6, do CPPT).

                Neste caso, como resulta da matéria de facto fixada, o Director de Finanças de … ordenou a notificação pessoal e foi efectuadas notificação com hora certa, com observância das formalidades previstas nos artigos 232.º e 233.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

                E, ao executar a notificação, no dia 30-12-2020, o funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira encarregado de a efectuar, perante a inviabilidade de efectuar a notificação em representante legal ou colaborador da Requerente, nem em qualquer outra pessoa a quem pudesse deixar nota do aviso com indicação de hora certa, deixou aviso com indicação de hora certa para a notificação (dia 31-12-2020 às 11,15 horas), que foi afixado na porta exterior da sede social da Requerente e depositada na caixa de correio existente no local, o que está de acordo com o preceituado no artigo 232.º, n.º 1, do CPC.

                Depois, na data e hora indicadas, o funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira  esteve no local da sede da Requerente e, não tendo sido possível o contacto com o representante legal, colaborador ou qualquer pessoa que fosse capaz de transmitir a notificação, efectuou-a por afixação no mesmo local, de harmonia com o n.º 4 do artigo  232.ºdo CPC, tendo sido depositados na caixa de correio existente no local cópia do mandado, da certidão da diligência, bem como das demonstrações das liquidações.

                Posteriormente, em 05-01-2021, segundo dia útil posterior a 31-12-2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente carta registada com cópia das liquidações e indicação da data-limite de pagamento e meios de impugnação administrativa e judicial, o que está em conformidade com o preceituado no artigo 233.º do CPC.

                Pelo exposto, foram observadas todas as formalidades da citação com hora certa, pelo que a notificação se considera efectuada em 31-12-2020.

                Consequentemente, não ocorreu a caducidade do direito de liquidação, mesmo que se entendesse que era essa a data da caducidade do direito de liquidação. 

                Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral também quando a esta questão.

 

                4. Juros indemnizatórios

               

                O direito a juros indemnizatórios depende de um pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

                No caso em apreço não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento de qualquer das quantias liquidadas.

                Por outro lado, não procede qualquer dos vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas, pelo que eventuais pagamentos não poderiam ser considerados indevidos.

                Por isso, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

                5. Decisão

 

                Nestes termos, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a todos os vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.

                Assim, acordam neste Tribunal Arbitral em:

                – julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

                5. Valor do processo

 

                De harmonia com o disposto no artigo  306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 195 821,75, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                8. Custas

 

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 06-10-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-08-2021, acordam no seguinte:

              

                1. Relatório

 

A…, LDA., contribuinte fiscal n.º …, com sede zona industrial - … ... (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos seguintes actos de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o rendimento IRS e liquidação de juros compensatórios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018:

             Período de 2016: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 132.916,20;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 23.611,63;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 4.850,40;

             Período de 2017: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 9.961,00;

             Período de 2017: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 1.382,29;

             Período de 2018: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 20.946,80;

             Período de 2018: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 2.153,43.

 

A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-06-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22-07-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-08-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 01-10-2021, foi dispensada reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Em 06-10-2021, foi proferida decisão sobre as questões colocadas no pedido de pronúncia arbitral, sendo julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios e absolvida a Autoridade Tributária e Aduaneira desses pedidos.

 

2. Articulado superveniente

 

Antes de ser notificada a decisão arbitral proferida em 06-10-2021, a Requerente veio, em 08-10-2021, apresentar um articulado superveniente.

Por despacho de 14-10-2021, o Tribunal Arbitral, considerando que «apesar de ter sido proferida decisão o Tribunal Arbitral não se dissolveu, pois a dissolução só ocorre após ter sido notificada a decisão e o arquivamento do processo (artigo 23.º do RJAT)» e que nos processos arbitrais tributários com Tribunal Colectivo, a decisão arbitral pode ser «decomposta para esse efeito em pronúncias parciais incidentes sobre as diversas questões suscitadas no processo» (artigo 22.º, n.º 1, do RJAT), decidiu manter a decisão proferida sobre as questões colocadas nos articulados iniciais e o prosseguimento do processo para apreciação do articulado superveniente e as questões suscitadas neste.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, opondo-se à apresentação do articulado superveniente e indicando prova testemunhal.

Por despacho de 09-11-2021, foi decidido, em suma:

– que há possibilidade de imputação de novos vícios depois da junção do processo administrativo, designadamente aqueles cujo conhecimento advém da junção do processo administrativo;

– sendo invocado pelo Sujeito Passivo que só teve conhecimento dos factos que alega com a notificação da junção do processo administrativo e tendo o requerimento sido apresentado em tempo, não era de rejeitar desde logo o requerimento apresentado, embora a sua atendibilidade ficasse dependente do juízo que se vier a fazer sobre a superveniência do conhecimento dos factos alegados.

 

Em 11-01-2022, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

Apenas o Sujeito Passivo apresentou alegações.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

s)            A sociedade B…, Lda., NIPC …,

sociedade fundida e incorporada em 2018/07/09 na empresa A… –Lda., NIPC …, sociedade ora Requerente, foi alvo de acção inspectiva externa de âmbito geral aos exercícios dos anos 2016, 2017 e 2018, ao abrigo das ordens de serviço nºs. OI2019… (ano de 2016), OI2019… (ano de 2017) e OI2019… (ano de 2018), da DF de …, tendo como motivo inicial a análise da legitimidade dos créditos que estiveram na origem dos reembolsos dos anos de 2016, 2017 e 2018;

t)            A abertura do procedimento inspectivo foi notificada à Requerente, relativamente a cada uma das ordens de serviço, em 14-02-2020, na pessoa da directora financeira da Requerente, C… (páginas 5, 6 e 7 da parte 1 do processo administrativo);

u)           O âmbito da Ordem de Serviço n.º Oi2019… foi alterado para geral por despacho de 09-03-2020, proferido pelo Director de Finanças de …, notificação por carta com o registo RH … PT, dirigida a “B…, Lda.” (páginas 8, 10 e 11 da parte 1 do processo administrativo);

v)            O âmbito das Ordens de Serviço n.ºs Oi2019… e Oi2019… foi alterado para geral por despacho de 08-07-2020, proferido pelo Director de Finanças de Viana do Castelo, notificação por carta com o registo RH … PT, dirigida a “B…, Lda.” (páginas 12, 15 e 16 da parte 1 do processo administrativo);

w)          O procedimento inspectivo foi prorrogado por três meses, por despacho de 20-07-2020, proferido pelo Director de Finanças de …, que foi notificado por carta com o registo RH … PT, dirigida a “Representante Legal de B…, Lda.” (páginas 17, 21 e 22 da parte 1 do processo administrativo);

x)            O procedimento inspectivo foi prorrogado por mais três meses, por despacho de 03-11-2020, proferido pelo Director de Finanças de … que foi notificado por carta com o registo RH … PT, dirigida a “Representante Legal de B…, Lda.” (páginas 23, 24 e 25 da parte 1 do processo administrativo);

y)            Nesse procedimento inspectivo foi elaborado um projecto de Relatório da Inspecção Tributária, que consta das partes 1, 2 e 3 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

z)            Para efeito do exercício do direito audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária foi expedido o ofício n.º …, de 12-11-2020 (registo dos CTT RH… PT) dirigido a “Representante Legal de B…, Lda” Zona Industrial …, Campos” (páginas 3 e 4 da parte 7 do processo administrativo);

aa)         Não foi exercido o direito de audição em relação ao projecto de Relatório da Inspecção Tributária;

bb)         Nesse procedimento inspectivo foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta das partes 7, 8 e 9 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

cc)          Nesse Relatório da Inspecção Tributária foram efectuadas correções provêm dos movimentos apenas a débito (pagamentos) na conta 25324 - Financiamentos Obtidos – Participantes de Capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos – D… e E…, na conta 25321 – D…, e nas contas 25321 – D… e 25322 – E…, terem sido considerados como rendimentos de capitais, nos termos do n.º 1 e do n.º 2 al. h) do artigo 5.º do CIRS;

dd)         O Relatório da Inspecção Tributária foi notificado à Requerente por carta com aviso de recepção com o registo n.º RH…PT, dirigida a “Representante Legal de B… –, Lda.” Zona Industrial de …,  Campos” recebida em 17-12-2020 pela directora financeira da Requerente, C… (páginas 2 a 4 da parte 9 do processo administrativo);

ee)         Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IRS – Retenção na fonte:

             Período de 2016: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 132.916,20;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 23.611,63;

             Período de 2016: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …., 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 4.850,40;

             Período de 2017: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 9.961,00;

             Período de 2017: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 1.382,29;

             Período de 2018: liquidação de retenção na fonte n.º 2020 …, no valor de € 20.946,80;

             Período de 2018: liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 …, 2020 … e 2020 …, no valor total de € 2.153,43;

ff)           Por despacho 30-12-2020, o Director de Finanças de … ordenou a notificação pessoal das liquidações referidas (página 8 da parte 11 do processo administrativo);

gg)         Na sequência da ordem referida na alínea anterior, foi efectuada uma diligência para notificação da Requerente, relativamente às liquidações referentes ao período de 2016, a que se refere a «Certidão de Diligências Externas» que consta da página 9 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

«Em cumprimento do mandado do Diretor de Finanças de …, datado de 30-12-2020, para efeitos de notificação da empresa B…, LDA., NIPC …, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, cujos fundamentos dos valores apurados constam do relatório da inspeção tributária, que foi oportuna e validamente notificado ao sujeito passivo através do ofício nº …, de 2020-12-11, deslocámo-nos, na mesma data do mandado, à sede do representante da cessação, A…, Lda. (doravante A…), NIPC …, sita na Zona Industrial …, ..., tendo ocorrido as situações que a seguir se relatam:

O primeiro contacto efetuou-se num pavilhão pertencente à empresa representante no qual fomos atendidos por um jovem que lá se encontrava (não identificado) que nos informou que os serviços administrativos e os representantes da empresa encontravam-se noutro pavilhão próximo, tendo de imediato se disponibilizado para nos acompanhar até ao local. Aí chegados disse-nos para aguardarmos fora da porta, tendo ele entrado para anunciar a nossa presença. Saiu dizendo que não se encontrava presente nenhum dos responsáveis da empresa e que nenhum colaborador lá presente se prestava a atender-nos dado que o assunto "parecia importante". Muito embora essas afirmações, fora das instalações encontrava-se uma viatura com a matrícula espanhola …-…, que alegadamente pertencerá a um dos sócios-gerentes da "A…". Assim, não tendo sido possível o contacto com o representante legal da empresa, foi afixada na porta exterior da sede social da mesma e depositada na caixa de correio existente no local uma certidão de marcação de hora certa, elaborada nos termos do artigo 232º do Código de Processo Civil, com indicação de que voltaríamos à sede da empresa no dia 31 de dezembro de 2020, pelas 11 horas e 15 minutos.

A diligência aqui relatada foi testemunhada por F…, NIP … e G…, NIP ….

Viana do Castelo, 30 de dezembro de 2020»

hh)         Na sequência da inviabilidade de concretizar a notificação das liquidações relativas ao período de 2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira afixou na porta exterior do edifício em que está a sede da Requerente uma certidão de marcação de hora certa, que consta das páginas 11 e 12 da parte 11 do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

«CERTIDÃO DE MARCAÇÃO DE HORA CERTA - Afixação

(art. 232º do Código de Processo Civil)

H…, Inspetora Tributária e Aduaneira, número de identificação profissional (NIP) …, certifico que tendo vindo hoje, pelas 11 H 15 à Zona Industrial …, ..., domicílio fiscal do representante legal do sujeito passivo B…, LDA., com o NIPC …, a fim de o notificar da demonstração da liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das demonstrações de liquidação de Juros Compensatórios, efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, referentes ao período de 2016, não pude levar a efeito essa diligência em virtude de, na morada supra referida, não ter encontrado o seu representante legal ou seu colaborador, nem qualquer outra pessoa a quem pudesse deixar nota do presente aviso com indicação de hora certa.

Por esse motivo afixei cópia do presente aviso com indicação de hora certa para a realização da diligência, comunicando ao representante do sujeito passivo que no dia 31 de dezembro de 2020, às 11 H 15, voltaremos ao local correspondente ao domicílio fiscal do referido representante, para levar a efeito a notificação atrás referida.

Fica ainda avisado que, se no dia acima designado não se encontrar presente, a notificação pessoal será feita em qualquer pessoa que seja capaz de transmitir os termos do ato (art.º 232º, n.º 2 do CPC). Caso não seja possível a colaboração de terceiros, a notificação será efetuada por afixação no mesmo local (artº 232º, n.º 4 do CPC).

Foi igualmente depositado um exemplar do presente aviso na caixa de correio existente no local. Para constar se lavrou o presente aviso que vai ser assinado por mim H…, NIP …, e pelas testemunhas F…, NIP … e G…, NIP ….

..., 30 de dezembro de 2020

As Testemunhas»

ii)            Em 31-12-2020, foi efectuada a notificação nos termos do artigo 232.º do CPC que consta das páginas 29 a 33 da parte 11 do processo administração, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

CERTIDÃO DE NOTIFICAÇÃO

(art 232º do Código de Processo Civil)

H…, Inspetora Tributária e Aduaneira, NIP…, certifico que, tendo vindo hoje pelas 11 H 15 à Zona Industrial …, ..., domicílio fiscal do representante legal do sujeito passivo B…, LDA., NIPC …, em cumprimento do mandado que antecede e conforme aviso com indicação de hora certa afixado na sede social da empresa e depositado na caixa de correio existente no local no dia 30 de dezembro pelas 11 horas e 8 minutos, para efeitos de notificação do sujeito passivo B…, Lda., NIPC …, na pessoa do representante legal da empresa A…, Lda., NIPC …, na qualidade de representante da cessação do sujeito passivo antes identificado, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, num total de 15 folhas, cujos fundamentos dos valores apurados na presente notificação constam do relatório da inspeção tributária que foi oportuna e validamente notificado, através do nosso ofício nº …, de 2020-12-11, não foi possível o contacto com o representante legal, colaborador ou qualquer pessoa que fosse capaz de transmitir os termos do ato (art. 232º, nº 2 do CPC), pelo que a notificação foi efetuada por afixação no mesmo local (art. 232º, nº 4 do CPC), tendo sido depositados na caixa de correio existente no local cópia do mandado, desta certidão, bem como das mencionadas demonstrações.

Das liquidações pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Para constar, a presente certidão de notificação vai ser assinada por mim, H…, e pelas testemunhas F…, NIP … e G…, NIP …

Viana do Castelo, 31 de dezembro de 2020

jj)           Dessa notificação foi elaborada a «Certidão de Diligências Externas» que consta da página 30 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Em cumprimento do mandado do Diretor de Finanças de …, datado de 30-12-2020, para efeitos de notificação da empresa B…, LDA., NIPC …, da Demonstração da Liquidação de Retenções na Fonte de IRS e das Demonstrações de Liquidação de Juros Compensatórios, relativas ao ano de 2016, deslocámo-nos à sede da empresa sita na Zona Industrial …, em ..., pelas 11 horas e 15 minutos (hora marcada), para execução da comunicação de marcação de hora certa, elaborada nos termos do artigo 232º do Código de Processo Civil, afixada e depositada na caixa postal existente no local no dia 30 de dezembro de 2020, pelas 11 horas e oito minutos.

Na hora e data marcada, as instalações encontravam-se encerradas e ninguém atendeu. Contudo, fora das instalações encontrava-se uma viatura com a matrícula espanhola … …, que alegadamente pertencerá a um dos sócios-gerentes da "A…”.

Assim, não tendo sido possível o contacto com o representante legal da empresa, colaborador ou qualquer outra pessoa que fosse capaz de transmitir os termos do ato (artigo 232º, n.º 2 do CPC), procedemos à afixação da notificação na porta exterior da sede social, bem como foi depositado na caixa de correio existente no local uma cópia do mandado, da certidão de notificação e de todas as demonstrações das liquidações, nos termos do nº 4 do referido artigo.

A diligência aqui relatada foi testemunhada por F…, NIP … e G…, NIP ….

Viana do Castelo, 31 de dezembro de 2020.

A Funcionária

 As testemunhas

kk)         Em 05-01-2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Requerente, dirigida a “Representante Legal de B…, Lda.” Zona Industrial de …,  Campos”, a carta registada que consta da página 35 da parte 11 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, para efeitos do artigo 233.º do CPC, com cópia das liquidações relativas ao ano de 2016, indicando como termo do prazo de pagamento o dia 15-02-2021 e os meios de reacção;

ll)            A directora financeira e contabilista da Requerente é C… (depoimento da testemunha I…);

mm)      A de B…, Lda. e a Requerente A… Lda. tinham as mesmas instalações (depoimento da testemunha I…);

nn)         Os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira que foram às instalações da Requerente não encontraram os seus administradores (depoimento da testemunha I…);

oo)         Em 04-06-2021, apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

                Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, no ponto indicado, com base no depoimento da testemunha I…, que aparentou depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos dados como provados com base no seu depoimento.

                Não se provou que a Requerente tenha feito pagamento de qualquer das quantias liquidadas.

 

 

4. Questão da admissibilidade do articulado superveniente

 

No articulado superveniente a Requerente, para além de dizer que aceita o que entende serem factos confessados pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, veio arguir novos vícios invocando factos que alega ter tido conhecimento através da junção do processo administrativo.

A junção do processo administrativo foi notificada à Requerente por via electrónica através do sistema de gestão processual do CAAD correio eletrónico, em 01-10-2021, pelo que a notificação se considera efectuada no «realizada no 3.º dia posterior ao da elaboração, ou no 1.º dia útil seguinte quando este não o seja, nos termos da lei processual civil, com as devidas adaptações» (artigo 10.º, n.º 4, do RJAT).

Por isso, é manifesto que a apresentação do articulado superveniente, em 08-10-2021, foi efectuada tempestivamente, quer à luz do prazo geral supletivo (  ), quer do prazo específico previsto no artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], em que se estabelece que «quando o novo articulado se funde na junção ao processo de elementos até aí desconhecidos ou aos quais não tinha sido possível o acesso, ele deve ser oferecido nos 10 dias posteriores à notificação da junção dos referidos elementos».

No articulado superveniente, no que concerne à imputação de novos vícios, a Requerente diz o seguinte, em suma:

 

– todas as notificações deste procedimento foram dirigidas à sociedade B…, Lda. (doravante “B…”);

– em 06-07-2018, operou-se a fusão entre a B…e a A… Lda. (doravante «A…»), tendo a B… sido extinta e o seu património incorporado na A…, pelo que o sujeito passivo B… já não existe desde aquela data, facto que foi registado e devidamente divulgado e publicitado pela ap. ../2018…, publicada online no portal da justiça;

– as notificações relativas ao procedimento inspetivo deveriam ser remetidas para o representante fiscal da B…, e não para a própria B…, que já não existia naquela data;

– a AT conduziu todo o procedimento notificando um sujeito passivo que não existe, não tendo remetido qualquer notificação para o representante fiscal da B…, ou para a A…, aqui impugnante;

– nenhum dos actos da inspeção foi válida e eficazmente notificado à impugnante ou ao representante fiscal da B…;

– a notificação da liquidação efetuada a 31 de Dezembro de 2020, relativa ao exercício de 2016, também não foi dirigida à impugnante nem ao representante fiscal da B…, mas sim à própria B… que naquela altura há muito não existia;

– aquela notificação ao sujeito passivo B… não é oponível ao sujeito passivo A…, motivo pelo qual o teor do processo administrativo não belisca a existência de caducidade relativamente aquele exercício, sem prejuízo da invalidade de todo o procedimento inspetivo, resultante do facto de no seu âmbito não terem sido efetuadas quaisquer notificações válidas e eficazes aos interessados;

– a impugnante, desconhecendo (por lhe ter sido ocultado) todo o processo administrativo que a AT trouxe a estes autos, estava convicta que não tinha ocorrido procedimento algum;

– a Requerente não foi notificada da existência de um procedimento inspetivo, dos atos praticados durante esse procedimento, para exercer audiência prévia, do relatório final, o que equivale a reafirmar, à semelhança do que foi dito no requerimento inicial, que as liquidações impugnadas não foram precedidas de qualquer procedimento tributário;

– para que a liquidação adicional de 2016, em nome da sociedade incorporada, seja eficaz em relação à sociedade incorporante, a mesma tinha de lhe ser validamente notificada no prazo de quatro anos, ou seja, até ao final do ano de 2020 (cfr. n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT), na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, tal como previsto no n.º 1 do artigo 41º do CPPT, o que não ocorreu;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu dizendo o seguinte, em suma:

– a peça processual não se relaciona com factos novos que a Requerente já não tivesse tido conhecimento, na medida em que:

1º- Todos os atos praticados no âmbito da ação inspetiva foram notificados aos gerentes e nas instalações da A… LDA.;

2º - Em todas as diligências, inclusive, deslocações de Inspetores às instalações da A… LDA./ B…, a Requerente nada alegou, nada disse, sobre a questão da B… já ter sido extinta, recebendo, inclusive, toda a documentação relacionada com a ação inspetiva, nomeadamente, entre outros, carta aviso (fls. 1 do PA), Ordem de Serviço (nº OI2019…/…/…), (fls. 3 e 4 do PA), projeto do relatório inspetivo (fls. 24 a 205 do PA) e relatório final inspetivo (fls. 206 a 233 do PA)

3.º - Acresce ainda, que toda a documentação contabilística e outra foi entregue pela A… aos Inspetores;

4.º - Por outro lado, a correção em questão foi efetuada aos exercícios anteriores à fusão, pelo que a ação inspetiva teria de ser dirigida à B… e não à A…, que assumiu todos os direitos e encargos decorrentes da fusão.

5. Ainda que assim não fosse, a substância teria de prevalecer naturalmente sobre a forma, na medida em que a A… e a B… têm as mesmas instalações, gerentes, contabilistas, ou seja, é tudo igual;

6. Neste sentido, pede-se o desentranhamento deste documento por não se tratar de um articulado superveniente.

 

– uma vez que os factos novos, que supostamente alega a Requerente, foram anteriormente conhecidos pela assinatura, por parte dos gerentes quer da A…, quer da B…, aqui representantes legais da A…, não se trata de um facto novo que possibilite a junção de novos articulados após a Resposta da Requerida, pelo que se requer nos termos do artigo 443º/1 do CPC, aplicável, ex vi, artigo 29º/1, al. e) do RJAT, o desentranhamento da peça processual, ou caso assim não se entenda, deverá o requerido ser indeferido, atendendo aos termos sub judice e aos demais de direito.

 

Antes de mais, importa esclarecer se podia ser instaurado procedimento de inspecção e serem efectuadas notificações relativas à actividade da B…, Lda. dirigindo-as ao seu «representante legal».

Como resulta do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, «extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade».

No entanto, para efeitos fiscais, a extinção da sociedade incorporada não extingue os seus direitos e deveres, como tem esclarecido repetidamente o Supremo Tribunal Administrativo

– no acórdão de 12-03-2003, processo n.º 01975/02, em que afirma que «a sociedade extinta continua, de resto, a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento. Não implicando o fim da personalidade jurídica de um dado sujeito a extinção dos créditos dos seus credores, nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efectuar um acto tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária. Menos, de exigir o pagamento da obrigação fiscal já antes liquidada»;

– no acórdão de 13-04-2005, processo n.º o1265/04, em que se refere que «a fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão»;

– no acórdão de 16-09-2009, processo n.º 0372/09, em que se refere que «do artigo 112.º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais não resulta a proibição de liquidação adicional de IRC a sociedade extinta por fusão, nem a da consequente instauração contra ela de execução fiscal tendente à cobrança coerciva daquela dívida, pois que a extinção da sociedade incorporada por fusão não arrasta consigo a extinção das dívidas tributárias cujo facto tributário ocorreu em momento anterior ao registo da fusão nem a impossibilidade de instaurar processo tendente à sua cobrança coerciva» e que «por essa razão, não é parte ilegítima na execução a sociedade incorporada, como não o é a sociedade incorporante a quem tais dívidas podem ser cobradas pois que para ela se "transmitiram", seja como sucessora seja como responsável pelo seu pagamento nos termos da lei das sociedades comerciais»;

– no acórdão de 10-02-2010, proferido no processo n.º 0925/09, em que se refere ainda que «a extinção da personalidade jurídica de sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres» e que «a liquidação efectuada em nome da sociedade incorporada é válida, eficaz e susceptível de demandar a responsabilidade pela liquidação pagamento da respectiva dívida pela sociedade incorporante»;

 

A esta luz, apesar da extinção da B…, Lda. por incorporação na Requerente A… Lda., a Autoridade Tributária e Aduaneira podia efectuar o procedimento de inspecção e emitir liquidações em nome daquela e efectuar as notificações à segunda, indicando que se reportavam à sociedade incorporada, desde que fossem enviadas para as suas instalações ou efetuados em seus funcionários.

Não se está, neste caso, perante uma situação em que devesse ser designado representante fiscal, nos termos do artigo 19.º, n.º 6, da LGT (que a Requerente invoca nas suas alegações), pois a representação da sociedade incorporada pela incorporante está ínsita na transmissão global de direitos e obrigações da primeira para a segunda, não se tratando de uma situação de cessação actividade da sociedade incorporada, pois ela continua no âmbito da sociedade incorporante.

Essa imputação à sociedade incorporante dos direitos e deveres da sociedade incorporada pela sua actividade anterior à fusão terá de ser efectuada em procedimentos tributários e liquidações autónomos em relação aos dirigidos à própria actividade da incorporante, por se tratar de factos tributários distintos dos que são imputáveis directamente à actividade desta.

Sendo assim, a fórmula utilizada nas notificações pela Autoridade Tributária e Aduaneira que foram dirigidas ao «representante legal da B…, Lda.» e enviadas para as instalações da sociedade incorporante (ou nelas efectuadas, nos caso sem que foram feitas notificações pessoais à sua directora financeira), afigura-se perfeitamente adequada, pois a A…, Lda. é efectivamente a representante legal da B…, Lda. e as notificações referem-se explicitamente à actividade desta anterior à fusão.

De qualquer modo, como decorre da jurisprudência do citado acórdão de 16-09-2009, processo n.º 0372/09, nos casos de fusão por incorporação é indiferente que as intervenções procedimentais e processuais sejam efectuadas em nome da incorporada ou da incorporante, sendo reconhecida legitimidade procedimental e processual a qualquer delas, desde que se trate de actividade daquela anterior à fusão.

Por isso, em matéria de notificações efectuadas nos procedimentos tributários o que releva é que elas sejam cheguem ao conhecimento da sociedade incorporante e que lhe permitam aperceber-se de se trata de actividade respeitante à sociedade incorporada.

No caso em apreço, resulta da prova produzida que a pessoa de nome C… a quem foram efectuadas as notificações pessoais relativas ao início da inspecção é directora financeira e contabilista da Requerente, pelo que as notificações se consideram efectuadas à Requerente, por força do disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, que prevê a «notificação de pessoa colectiva, ou entidade fiscalmente equiparada, na pessoa de empregado ou colaborador».

No que concerne às notificações relativas às alterações do âmbito da inspecção e suas prorrogações foram enviadas cartas registadas sem aviso de recepção dirigidas a “B…, Lda.” e “Representante Legal de B…, Lda.”, relativas a alterações do âmbito e prorrogações do prazo da inspecção presumem-se recebidas, em sintonia com o preceituado no artigo 39.º, n.º 1, do CPPT, já que não foram devolvidas e não foi ilidida a presunção aí associada a tal tipo de notificação.

De qualquer modo, o Relatório da Inspecção Tributária foi notificado por carta registada com aviso de recepção, que se comprovou ter sido recebida pela referida directora financeira C…, e, nos termos do artigo 39.º, n.º 3, do CPPT, «havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário».

 

Nesse Relatório da Inspecção Tributária refere-se ter havido prévia notificação para exercício do direito de audição, bem como as prorrogações e alterações extensão do âmbito da inspecção, pelo que tem de se concluir que a Requerente tinha conhecimento da existência do procedimento inspecção e teve possibilidade de invocar todos os vícios procedimentais ao apresentar o pedido de pronúncia arbitral, inclusivamente os relativos às notificações do início da inspecção, das prorrogações e para exercício do direito de audição prévia.

A notificação do relatório da inspecção fez-se por carta registada, o que está em consonância com os artigos 38.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (na redacção anterior à Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro),

Não afecta este conhecimento dos alegados vícios no momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral o facto de as notificações por carta registada simples terem sido dirigidas a “Representante Legal de B…, Lda.” Zona Industrial de …, Campos” ou a “B…, Lda.” Zona Industrial de …, Campos” e não explicitamente à Requerente, pois tendo ambas as empresas das mesmas instalações e não sendo devolvidas as cartas, presumem-se recebidas nessas instalações e a presunção não foi ilidida (artigo 39.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).

Na verdade, a Requerente é a A… Lda., e esta teve conhecimento imediato dos termos em que foram efectuadas as notificações relativas ao procedimento, logo que foi notificada a carta com aviso de recepção relativa ao Relatório da Inspecção Tributária.

Por isso, a Requerente teve possibilidade de invocar no pedido de constituição do tribunal arbitral os vícios que apenas veio a invocar no articulado superveniente, inclusivamente os relativos à forma como foram dirigidas as notificações e às que foram efectuadas pessoalmente à sua directora financeira e contabilista.

Como resulta do preceituado no artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, a apresentação de articulado superveniente com fundamento na junção ao processo de elementos, apenas é permitida quando eles eram desconhecidos ou inacessíveis para o autor.

Tal não se verifica no caso em apreço, pois a Requerente (A…, Lda.), tinha conhecimento no momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral da forma como foram efectuadas as notificações à sua directora financeira e contabilista e tinha possibilidade de aceder à totalidade do procedimento inspectivo.

Pelo exposto, não se admite o articulado superveniente e concluiu-se, como já se decidira no acórdão arbitral de 06-10-2021, que é de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios, com absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

                5. Decisão

 

                Nestes termos, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a todos os vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.

                Assim, acordam neste Tribunal Arbitral em:

                – julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

                6. Valor do processo

 

                De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 195.821,75, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                7. Custas

 

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

8. Notificação das pronúncias parciais

 

Notifiquem-se à Requerente a decisão arbitral que, de harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 1, do RJAT e do decidido no despacho de 14-10-2021, é integrada pela pronúncia parcial que consta do acórdão de 06-10-2021, quanto às questões suscitadas no pedido de pronúncia arbitral, e pela pronúncia parcial que consta do presente acórdão, quanto às questões suscitadas no articulado superveniente.

 

Lisboa, 01-02-2022

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

(Francisco Nicolau Domingos)