Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 338/2021-T
Data da decisão: 2022-02-03  IVA  
Valor do pedido: € 14.489,35
Tema: IVA - Falta de Fundamentação, Liquidação oficiosa.
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SUMÁRIO: Não satisfaz os requisitos da fundamentação dos actos tributários de liquidação oficiosa, efectuada nos termos do disposto no artigo 88º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a nota de liquidação que não indica nem os critérios quantitativos nem as operações de apuramento da matéria colectável, que sustentam o valor da liquidação do imposto, limitando-se a referir a importância a pagar e a data limite de pagamento.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

1. A...,S.L., com sede em ..., Espanha, contribuinte português nº ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) veio em 2021-06-04 apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 dos artigos 2º, 5º, nº 2 alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 , todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de  liquidação oficiosa de IVA nº  2020..., de 2020-08-18, no valor de 14.489,35 € com limite de pagamento em 2020-12-28.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e de imediato notificado à Requerida nos termos legais.

3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJTA, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquela Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em 2021-07-22 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b), na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5.O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2021-08-10, de acordo com a prescrição da alínea c)do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2021-08-19 a Requerida apresentou a sua resposta, tendo protestado juntar o processo administrativo (PA),

7.A cuja junção veio a proceder em 2021-10-11.

8. Por despacho proferido em 2021-10-12, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas, simultâneas, e indicado prazo limite para a prolação da sentença e sua notificação às partes.

9. A Requerente apresentou em 2021-11-05 as suas alegações onde, fundamentalmente, reitera o vertido em sede de pedido de pronúncia arbitral.

10. A Requerida não apresentou alegações.

11. A fundamentar o seu pedido a Requerente invoca, em síntese e com relevo para o que aqui importa o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição);

11.1. A Requerente é uma sociedade de direito espanhol que é fabricante global de componentes fundidos e maquinados com presença nos principais mercados mundiais de automóveis,

11.2. A Requerente manteve, durante diversos anos, a actividade de comercialização dos seus produtos em Portugal,

11.3. os quais eram enviados para Portugal e colocados num armazém à consignação, ou seja, eram objecto de facturação à medida em que o(s) Cliente(s) o solicitasse (m) para a sua própria actividade.

11.4. (…) a Requerente liquidava, cobrava e pagava IVA mensalmente, como tudo consta dos registos da Direcção de Serviços do IVA.

11.5. A Requerente em 15.07.2020 fez entrega da declaração de cessação de actividade para efeitos de IVA, tendo indicado como data de cessação o dia 31.12.2019,

11.6. Em Fevereiro de 2021 fez a apresentação das declarações mensais de IVA respeitantes aos meses de Janeiro a Junho de 2020.

12. Como referido, em 2021-10-11, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta, aí procedendo à descrição factual conducente à liquidação impugnada, dedicando especial destaque à alegada falta de fundamentação, que será objecto de apreciação e decisão infra.

12.1. Culminando a sua resposta pugnando que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”

13.Em resultado do despacho arbitral de 2022-01-22, veio a Requerida em 2022-01-26 alterar parcialmente a sua resposta, nomeadamente quanto ao artigo 16º, que passou a ter a seguinte redação; “Como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez no presente pedido de pronúncia arbitral”,

13.1 Informando ainda que “Relativamente à liquidação de imposto em apreço, a Requerente não apresentou qualquer Reclamação Graciosa.”

14. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJTA.

16.Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se.

17. O processo não enferma de nulidades.

18. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II.  FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provadas

Com relevo para a apreciação da questão suscitada nos presente autos, dão-se como provados e assentes os seguintes factos;

1.A Requerente é uma sociedade de direito espanhol que é fabricante global de componentes fundidos e maquinados com presença nos principais mercados mundiais de automóveis,

2.A Requerente manteve, durante diversos anos a actividade de comercialização dos seus produtos em Portugal,

3.A Requerente obteve um número fiscal português (...),

4. A Requerente foi notificada do acto de liquidação oficiosa de IVA nº 2020..., nestes termos; (cfr. documento nº 1  junto com o pedido de pronúncia arbitral),

 

 

 

 

5. A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto apurado na liquidação oficiosa de IVA, no montante de 14.489,35 €,

6. Em 15 de Julho de 2020 a Requerente entregou a declaração de cessação de actividade, indicando como data da mesma o dia 31 de Dezembro de 2019,

7.A Requerente veio em 15 de Fevereiro de 2021 apresentar as declarações mensais de IVA respeitantes aos meses de Janeiro a Junho de 2020,

8. Em 2021-06-04, a Requerente apresentou junto do CAAD, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3.Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr., artigo 123º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da (s) questão (ões) do Direto (cfr., artigo 596º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr., artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil), na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg., força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do Código de Procedimento e Processo Tributário, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis  de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B.DO DIREITO

B.1.Ordem de conhecimento dos vícios

De conformidade ao estatuído no artigo 124º do CPPT, aplicável ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, não sendo imputados aos actos impugnados vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada qualquer relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios, deverá ser aquela que segundo o prudente arbítrio do julgador, se mostre a mais estável ou eficaz à tutela dos interesses ofendidos.

Nos presentes afigura-se-nos que procedendo à interpretação do pedido de pronúncia arbitral, poder-se-á concluir que a Requerente não estabeleceu qualquer ordem de conhecimento dos vícios que assaca à liquidação impugnada.

Isto posto;

Por regra, o vício de falta de fundamentação é um vício de forma que, em caso de anulação, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com eliminação do vício.

Todavia, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos da Requerente, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecta a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto e/ou de direito.

 

A respeito deste segmento sempre se realça que “Embora o vicio de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, nas situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o tribunal se aperceber qual o real conteúdo do acto impugnado, a nível dos seus pressupostos de facto ou de direito” 

Em idêntico sentido, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/10/2010, prolatado no âmbito do processo 0151/09 (Relatora Conselheira Dulce Neto);

“ II- Apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios fundamentais ou de fundo em relação aos vícios de forma, tal regra não é absoluta, podendo essa tutela passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, mais concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito),por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo”.

Deste modo, as questões que a este tribunal são colocadas, são as seguintes:

i – a de saber-se se o acto tributário de liquidação oficiosa de IVA padece do vício de falta de fundamentação e,

ii – se o mesmo enferma de erro dos seus pressupostos de facto e de direito.

 

*****

B.2.Da falta de fundamentação

a- Posição da Requerente

A Requerente para sustentar a sua tese, veio invocar, em síntese, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

- A notificação da Liquidação do IVA em apreço (ver Doc., nº 1) é completamento omissa quanto aos critérios utilizados para a estipulação do valor de IVA oficiosamente determinado, limitando-se a indicar a “importância a pagar de € 14.489,35”,

- Valor este que – por total omissão de qualquer fundamentação – a ora Impugnante não tem como compreender,

- A omissão em causa configura violação do dever de fundamentação quanto ao quantum imposto pelo artº 77º da Lei Geral Tributária,

- não dando a conhecer à aqui Impugnante o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir pelo valor que decidiu e não por qualquer outro valor,

- devendo, por isso, o acto ser considerado como não fundamentado (artº 99º CPPT) e, em consequência, anulado.

 

b- Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira, convocando jurisprudência e doutrina conexas com este segmento, pugna pela suficiência de uma fundamentação sucinta, (…) “mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo a fundamentação do ato administrativo-tributário suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, foram capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão”.

 

Tece ainda a AT considerações sobre a exigência legal de fundamentação, concluindo que “(…) a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato, como resulta do próprio exercício jurídico -argumentativo que fez quer através da reclamação graciosa, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral.”

 

*****

Como já afirmado noutro contexto,   é inquestionavelmente adquirido e consensualizado que os actos administrativos têm que ser objecto de fundamentação, dever esse de resto com acolhimento constitucional, no artigo 286º, nº 3 da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”, densificando-se na lei ordinária nos artigos 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo  para a generalidade dos actos administrativos, e no artigo 77º da Lei Geral Tributária para os actos administrativos tributários.

Parafraseando Diogo Freitas do Amaral “a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo.”

No que contende com a fundamentação dos actos tributários determina o nº 2 do artigo 77º da LGT que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Fundamentação essa que, de resto, assume algumas singularidades em função da presença de situações do relevo “anormal” para os contribuintes.

Por outro lado, e como corolário da obrigatoriedade da fundamentação dos actos administrativos colocar-se-á o exercício do contraditório que, em última instância terá como virtualidade que o administrado possa afrontar os argumentos contra si produzidos.

É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral, que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:

- oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido,

- contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido,

-clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos,

- plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

 

A jurisprudência arbitral tributária, não tem divergido da demais, no que contende com a necessidade/ obrigação de fundamentação do acto de liquidação de tributos, e sua amplitude, tomando-se, a título meramente exemplificativo, o que vem dito no processo 250/2020-T, de 4 de Janeiro de 2021, prolatado no âmbito do CAAD;

“(…) A Requerida alega ainda, para afastar o vício de falta de fundamentação, que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário impugnado, porque isso resultado do exercício jurídico-argumentativo que faz no seu pedido arbitral (vd, artigo 18º da resposta da Requerida). Não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, esta posição da Requerida porque não é aceitável sob pena de se subverter o quadro de vinculação constitucional e legal em vigor nesta matéria que, perante insuficiências manifestas de fundamentação da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária, se imponha ao contribuinte o ónus de detetar e suprir as referidas falhas de fundamentação. A fundamentação é um requisito do próprio ato e cabe ao seu autor a obrigação de o fundamentar de facto de direito. O contribuinte não pode ficar adstrito a substituir-se ao autor do ato na busca do sentido da fundamentação para exercer de forma mais eficaz as suas garantias de defesa. No caso de existir um deficiente cumprimento do dever da fundamentação por parte da Autoridade Tributária não compete ao contribuinte fazer suposições e tentar descortinar a fundamentação completa para esse ato. Consequentemente, o cumprimento deficiente do dever de fundamentação, a cargo da Autoridade Tributária, não pode ser convalidado pela ação do contribuinte.”

Ora,

Tendo em consideração que o acto de liquidação de IVA impugnado se consubstancia no documento nº 1 junto pela Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral e em mais nenhum outro, facilmente se concluirá que o acto de liquidação controverso  não se encontra devida e legalmente fundamentado, desde logo pela circunstância de sequer ter indicado as razões e critérios quantitativos para se ter alcançado um valor de imposto a pagar de  14.489,35 € a que acresce a inverificação de clareza e plenitude de que supra se deu conta.

Numa outra vertente, veio a Requerida referir que “a verificar-se uma situação da falta ou insuficiência da fundamentação- hipótese que só em teoria e sem conceder se admitiria-, podia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade” (cfr., artigo 19º da resposta).

Relativamente a este segmento, sempre se recorda que a interpretação a conferir a tal normativo vai no sentido de se estar perante uma faculdade concedida a favor do contribuinte e não de um dever que se lhe possa impor como alternativo ao dever de fundamentação ou forma de a suprir.

Como avançam Paulo Marques e Carlos Costa,  “o contribuinte ao receber a notificação do acto tributário e se a mesma não contiver a menção dos fundamentos da decisão tributária subjacente, não sabe com exacto rigor e certeza se é o próprio acto notificado que não está fundamentado, dando origem ao vício de forma, ou se é apenas a notificação que não transmite os fundamentos do acto notificado, sendo aquela um mero requisito de eficácia e não de validade da liquidação (artigo 77º, nº 6, da LGT).”

 

Face ao que vem de expor-se e sem necessidade de quaisquer outras mais considerações declara-se a ilegalidade da liquidação, por vício de forma por ausência de fundamentação, procedendo o pedido de pronúncia arbitral.

 

- Questões de conhecimento prejudicado

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada objecto do presente processo, por vício de forma, por falta absoluta de fundamentação, fica prejudicado, por ser mostrar inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil) o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.

 

Com efeito, o artigo 124º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea a)  do RJAT , ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnante, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Fica assim prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pela Requerente, deixando-se nota que o tribunal arbitral tributário, é materialmente incompetente para determinar ou fixar qualquer pedido de prestação de caução por meio de garantia bancária, face ao disposto nos artigos 2º e 10º do RJAT e Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março.

 

DECISÃO

Face ao que vem de dizer-se, decide este tribunal:

i -julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral declarando-se a ilegalidade e consequente, anulação do acto de liquidação adicional de IVA, nº 2020..., no montante de 14.489,35 €, com data de 2020-08-18,

ii - condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

V.VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 14.489,35 € (catorze mil quatrocentos e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJTA, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros).

 

NOTIFIQUE-SE as partes, bem como o Ministério Público.

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

[A redaçcão da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas em que se manteve a grafia do original].

 

Três de Fevereiro de dois mil e vinte e dois,

 

O árbitro

(J. Coutinho Pires)