Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 335/2020-T
Data da decisão: 2021-08-31  IVA  
Valor do pedido: € 75.444,26
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição e Seguros – Isenção – Art. 9.º, 1) e 28) do CIVA – Acórdão do TJ C-581/19.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), José Coutinho Pires e Rui Miguel Zeferino Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24 de setembro de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., LDA., pessoa coletiva número..., com sede na ..., ...-... ..., da área do Serviço de Finanças da ..., adiante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente. 

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos 2016, 2017, 2018, no valor global de € 75.444,26 (€ 69.837,47 de IVA e € 5.606,79 de juros compensatórios).

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega ter aplicado corretamente as isenções do artigo 9.º, 1) e 28) do Código do IVA aos serviços de nutrição e de seguros prestados, e argui os vícios de seguida elencados, que, na sua perspetiva, invalidam os atos de liquidação em causa:

a)            Violação do princípio da boa-fé;

b)           Violação do princípio da proporcionalidade;

c)            Violação do princípio do inquisitório;

d)           Erro na matéria de facto;

e)           Erro na matéria de direito;

f)            Erro na subsunção dos factos à matéria de direito;

g)            Falta de fundamentação;

h)           Preterição de formalidades essenciais;

i)             Errónea quantificação da matéria tributável.

 

A Requerente juntou 6 documentos e não requereu prova testemunhal.

 

Em 3 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 13 de julho 2020.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 24 de setembro de 2020.

 

                Em 28 de outubro de 2020, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e apresentou Resposta, na qual começa por solicitar que seja expurgado do valor da causa a importância dos juros compensatórios, por entender que a Requerente não peticionou a respetiva anulação, apenas a das liquidações do imposto, pelo que deve ser reduzido o valor da causa em conformidade. Manifesta a sua discordância da factualidade alegada pela Requerente e afirma não terem sido aplicados métodos indiretos.  Sobre a falta de fundamentação, considera demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o seu sentido e alcance e poderia, se não fosse o caso, ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

                Sustenta ainda que a Requerente não alegou nem provou que as consultas de nutrição tivessem prosseguido fins terapêuticos, essenciais à aplicação da isenção do artigo 9.º, 1) do CIVA. Acerca da inquirição de clientes aleatoriamente selecionados, refere ser um procedimento que se inscreve nas prerrogativas dos Serviços de Inspeção Tributária, com base num inquérito curto e simples, não resultando violado o princípio da proporcionalidade, nem tendo, por outro lado, sido violado o princípio do inquisitório. A existência de divergência de opinião não traduz má-fé, não compreendendo a Requerida em que medida lhe é imputado tal vício.

 

                Em relação ao erro sobre os pressupostos, a Requerida defende que a mera disponibilização destes não beneficia da isenção de IVA, cuja norma refere “serviços prestados” e não “serviços disponibilizados”. Tendo em conta que é a Requerente que invoca a norma de isenção, cabia-lhe provar os pressupostos da sua aplicação, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), nomeadamente os fins terapêuticos.

 

                Por fim, encontrando-se pendente no Tribunal de Justiça um processo de reenvio prejudicial sobre idêntica questão no âmbito de outro processo arbitral, a Requerida requer a suspensão da instância até à decisão do Tribunal de Justiça no processo C-581/19, Frenetikexito, e pugna pela improcedência da ação arbitral com as legais consequências.

 

                Em 16 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral suspendeu a instância, após conceder o contraditório à Requerente, que se opôs à suspensão, por entender ser a questão prejudicial desnecessária à decisão e pôr em causa a celeridade inerente à jurisdição arbitral.

 

                Entendeu o Tribunal, ao contrário da Requerente, a pertinência da suspensão até ser conhecida a decisão do processo de reenvio prejudicial C-581/19, por forma a assegurar a conformidade da pronúncia arbitral com a interpretação do direito europeu realizada pelo Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional competente para esse efeito, em virtude de as questões relevantes para a decisão respeitarem à isenção de IVA das prestações de serviços de nutrição realizadas pela Requerente e à respetiva acessoriedade aos serviços de ginásio, precisamente a matéria questionada no mencionado processo de reenvio, sem que tal comprometesse excessivamente o princípio da celeridade, já sendo conhecidas as conclusões da Advogada-Geral (apresentadas em 22 de outubro de 2020).

 

Em 9 de março de 2021, na sequência da prolação da decisão do Tribunal de Justiça no processo C-581/19, o Tribunal Arbitral determinou a cessação da suspensão da instância e a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade.

 

Por despacho de 18 de março de 2021, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivada da tramitação processual e da complexidade de análise das questões suscitadas, tendo sido as Partes notificadas para alegações, por despacho de 15 de abril de 2021, e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral, no termo do previsto no artigo 21.º do RJAT, considerando a prorrogação.

 

A Requerente apresentou alegações, em 24 de maio de 2021. Além da posição anteriormente assumida, que reitera, argui a propósito da decisão do Tribunal de Justiça que se trata de um entendimento inovador, com a introdução de uma interpretação restrita do conceito de finalidade terapêutica (tratamento ou prevenção imediata de uma patologia), cuja teleologia teria de ser relevada no diploma de transposição, o Código do IVA, não o tendo sido.

 

Acrescenta que os autos patenteiam que quer a Requerente, quer a Requerida partiram da premissa de que os serviços nutricionais eram suscetíveis de ser abrangidos pela isenção, verificando-se uma errada interpretação das normas legais pela AT e uma fundamentação insuficiente, pois ignora os serviços isoladamente faturados, que não são acessórios, e que há serviços efetivamente prestados e não apenas disponibilizados.

 

Sobre a repartição do ónus da prova, a Requerente argui que nunca foi instada a provar a finalidade terapêutica ao longo do procedimento, nem as questões colocadas pela AT aos seus clientes visaram tal condição.

 

Em relação à omissão do pedido de anulação dos juros compensatórios no petitório, invocado pela AT, pronuncia-se no sentido de que as liquidações de juros compensatórios estão identificadas como objeto do processo, e considera que o pedido as abrange, até porque a decisão da anulação das liquidações de IVA implica a necessária anulação dos juros compensatórios.

 

A Requerida contra-alegou, em 8 de junho de 2021, e mantém a sua posição que considera em linha com o entendimento expressado pelo Tribunal de Justiça no sentido de que só são isentos os serviços que demonstrem a finalidade terapêutica, conceito que deve ser interpretado, ainda segundo aquele Tribunal, de forma restrita. Este entendimento tem efeitos ex-tunc, não tendo o acórdão limitado no tempo os seus efeitos, pelo que tem de ser acatado, sob pena de violação do direito da União Europeia, do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio da neutralidade do IVA.

 

Considera ainda que, ao contrário do que afirma a Requerente, a fundamentação das liquidações (do “RIT”) contém como fundamento da não aplicação da isenção de IVA a não verificação da finalidade terapêutica, referida a propósito dos serviços disponibilizados e não necessariamente prestados, sendo que as consultas de nutrição não têm necessariamente e sempre um fim de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, podendo visar alcançar a silhueta pretendida ou obter melhor performance desportiva. A existência de benefícios para a saúde não corresponde a finalidade terapêutica, sendo inequívoco que a atividade física também é benéfica para a saúde e não beneficia de isenção.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, tendo em conta o regime de suspensão de prazos constante do artigo 7.º da Lei n.º 1/2020, de 19 de março, na redação conferida pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, cessado nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.           A..., LDA., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 1998, cujo objeto social consiste em “Atividades de Manutenção Física proporcionadas por ginásios que possuem espaços diversificados, oferecendo várias atividades, sem preocupações de competição, de modo a preservar ou a melhorar a condição física. Exploração de Ginásios Desportivos e Health Clubs. Outras atividades de Saúde Humana”. Até 12 de junho de 2018, o objeto social referia apenas “exploração de ginásios desportivos e health clubs” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) com base na certidão permanente.

B.            À data dos factos, entre 2016 e 2018, a Requerente estava inscrita com o CAE Principal 93130 – Atividades de Ginásio (fitness) e com dois CAE Secundários: 93110 – Gestão de Instalações Desportivas e 86906 – Outras Atividades de Saúde Humana, N.E. – cf. pág. 3 do RIT.

C.            A Requerente está enquadrada no regime normal de IVA com periodicidade trimestral – cf. RIT.

D.           Desde 8 de agosto de 2014, que a Requerente está inscrita na Entidade Reguladora da Saúde como prestador de cuidados de saúde, autorizado a prestar serviços de nutrição aos clientes, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 127/2014, de 22 de agosto – cf. RIT.

E.            No âmbito das “Atividades de Saúde Humana” a Requerente realizava prestações de serviços de nutricionismo, prestadas por profissionais desta área (nutricionistas), com competências reconhecidas pela respetiva Ordem dos Nutricionistas – cf. RIT.

F.            As instalações da Requerente dispunham de gabinetes destinados à prestação de serviços de nutrição (consultas) onde os nutricionistas exerciam a sua atividade, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, auferindo uma avença de periodicidade mensal – cf. RIT.

G.           Os clientes da Requerente podiam adquirir, através de um contrato de fidelização pelo período mínimo de 12 meses, a prestação, em simultâneo, de serviços de ginásio (fitness) e de aconselhamento dietético e nutricional composto por um rastreio nutricional mensal – cf. RIT e contratos disponibilizados pela Requerente.

H.           Se os clientes da Requerente optassem pelo contrato de fidelização, com a prestação dos dois tipos de serviços (ginásio e um rastreio nutricional mensal) em simultâneo, beneficiando de vantagens comerciais (descontos), a mensalidade destes serviços era faturada em duas rúbricas separadas:

             prestações de serviços de ginásio/fitness, sobre as quais era liquidado o IVA à taxa de 23%;

             prestações de serviços de nutricionismo/dietética, às quais era aplicado o regime de isenção de IVA, não sendo liquidado o imposto,

– cf. RIT.

I.             Ainda com referência ao caso de prestação integrada dos dois tipos de serviços, a mensalidade era sempre faturada pela Requerente, quer o cliente usufruísse ou não dos serviços – cf. RIT.

J.             Os clientes da Requerente também podiam adquirir serviços de nutrição autonomamente, fora do âmbito do contrato de fidelização ou além deste – cf. RIT e contratos disponibilizados pela Requerente.

K.            Até abril de 2017, os contratos de fidelização celebrados pela Requerente com os seus clientes continham as seguintes cláusulas/condições gerais sobre serviços de nutrição:

“Nutrição:

O associado declara aceitar que os serviços de aconselhamento de nutricionismo são oferecidos no âmbito de uma campanha promocional desenvolvida pelo B... Health Club e que nessa conformidade:

- as condições de preço pelos serviços de fitness em resultado da adesão à referida campanha manter-se-ão se e enquanto esta integrar a oferta comercial do B... Health Club. No caso da mesma não se mostrar eficiente para o B... Health Club no plano operacional e económico, serão observados os preços de serviço de fitness constantes na tabela de preços sem aquela campanha promocional.

- No caso do associado após a subscrição do presente aditamento desistir da adesão à campanha promocional de adesão aos serviços de aconselhamento de nutricionismo, deixará de beneficiar do preço especial pelo serviço de fitness, passando a observar-se os preços que constam da tabela de preços do B... Health Club sem aquela campanha promocional;” – cf. RIT e contratos disponibilizados pela Requerente.

L.            A partir de meados de 2017 os contratos de os contratos de fidelização celebrados pela Requerente com os seus clientes, passaram a conter a seguinte cláusula sobre serviços de nutrição:

“NONA

(Prestação de serviços dietéticos)

9.1. Pelo presente contrato, a primeira outorgante obriga-se a prestar igualmente serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por um rastreio nutricional mensal, com vista à aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente, do domínio da promoção, tratamento e gestão de recursos alimentares.

9.2. O pagamento dos serviços referidos no número anterior (rastreio nutricional mensal) está incluído na mensalidade constante do ponto 5.2.1., da cláusula quinta deste contrato, correspondendo a 30% do seu valor, isento de IVA nos termos da alínea b), do nº1, do art. 9º, do CIVA.

9.3. Excecionados os serviços previstos no ponto 9.1, caso o sócio pretenda acompanhamento nutricional, terá de suportar o respetivo custo, de acordo com a tabela de preços fixada pela primeira outorgante.”

– cf. RIT e contratos disponibilizados pela Requerente.

M.          A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo de âmbito geral, abrangendo os anos de 2016, 2017 e 2018, com vista à “comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”, ao abrigo das ordens de Serviço n.ºs OI2018.../.../... . Os atos inspetivos tiveram início em 7 de outubro de 2019, concluindo-se o procedimento em 9 de janeiro de 2020 – cf. RIT.

N.           Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT conclui que a componente de acompanhamento nutricional faturada mensalmente com os serviços de ginásio tem caráter acessório a estes e não cumpre os requisitos da disciplina restrita do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA, pelo que não é isenta de IVA, bem como a componente residual de seguros debitada aos clientes – cf. RIT.

O.           A Requerente optou por não exercer o seu direito de audição, tendo sido emitido o Relatório definitivo (“RIT”), que manteve as correções preconizadas no Projeto, com os fundamentos que infra se transcrevem parcialmente, no que aos presentes autos releva:

[…]

II.3. OUTRAS SITUAÇÕES

[…]

II.3.5.2. Demonstração de resultados

[…]

- Pode dizer-se que se verifica uma queda pronunciada das vendas no ano de 2011 (32%), coincidente com o ano onde as alterações do Orçamento de Estado, alteraram a taxa de IVA nas prestações de serviços dos ginásios, mas também o ano da intervenção do FMI em Portugal. Nos dois anos seguintes a tendência de queda mantém-se, mas de forma menos pronunciada, iniciando-se a recuperação no ano de 2014, tendo-se em 2018, verificado um aumento de 46%, face ao ano anterior.

- Apontar que, a soma dos valores do fornecimentos e serviços externos com os gastos com pessoal, não refletem de imediato a tendência das vendas, ou seja, mantêm praticamente os valores no ano de 2011, face a 2010. Ou seja, a empresa mantém, a sua estrutura de gastos, embora se registe queda acentuada nas vendas. Já numa fase mais recente (2017), há uma quebra nos fornecimentos e serviços externos, em contrapartida com a subida dos gastos com pessoal, situações intimamente ligadas, uma vez que a empresa, passa a integrar postos de trabalhadores dependentes que eram, anteriormente de prestadores de serviços. Por exemplo, no ano de 2016, verifica-se o pagamento de rendimentos de trabalho dependente a 6 trabalhadores, para no ano de 2017 se verificar o pagamento da mesma tipologia de rendimentos a 10 trabalhadores, subindo em 2018 para 14 trabalhadores (anexo 5).

[…]

 

II.3.7.  Enquadramento da atividade/operacional da empresa

A atividade principal da empresa é a exploração de ginásios, colocando à disposição dos seus  clientes, conforme as modalidades a que estes aderem, equipamentos específicos, assim como aulas  de grupo, com vista à prática de exercício físico, espaços popularmente conhecidos por «ginásio», ou  «health club», onde e como é o caso, há salas para a prática de atividade física, com o auxílio de  equipamentos (máquinas, tapetes rolantes, bicicletas fixas, etc.), salas para a prática de aulas de  grupo.

As instalações da sede (...), também tinham piscina interior, que foi desativada, em recente remodelação do espaço ocorrida em 2018.

[…]

A empresa coloca, também, à disposição dos clientes, um serviço de acompanhamento nutricional, declaradamente não personalizado, como adiante se explanará, sendo que, para tal se encontra registada, desde 2014-03-18, como exercendo a atividade secundária de «Outras Atividades de Saúde Humana, N.E» (cessou-a, em 2018-06-19, vindo a reativar a mesma atividade em 2018-0701), Pela análise que se seguirá, constata-se ser residual, quer pelos valores exíguos pagos a profissionais nutricionistas, face aos restantes profissionais (o que não representa, de forma alguma a proporção refletida em termos das prestações de serviços) quer pelas declarações da amostra de clientes selecionados para audição, que não corrobora de forma alguma a dimensão que a alegada atividade de nutrição representa, face àquela que é efetivamente a atividade por excelência de um «ginásio».

II.3.8.  Outros factos a destacar

A empresa, faz como que um balanço do valor mensal pago pelo cliente, entre a prestação de serviço de ginásio e a possibilidade do acompanhamento nutricional.

Com o auxílio das funcionalidades do programa Microsoft Excel, nomeadamente as «tabelas dinâmicas» e «filtros», tendo por base o acumulado de documentos de venda emitidos, comunicados pelo ficheiro mensal SAF-T, dados que carregam a informação constante da aplicação informática, «e-fatura», apresenta-se a seguinte tabela com a distribuição de ocorrências, por percentagem isenta no total desse documento de venda, onde se destacam os intervalos com maior número de ocorrências:

[…]

A empresa faz um balanceamento entre o valor tributável e o valor isento. Ao longo dos anos o número de documentos emitidos com uma parte isenta foi subindo exponencialmente, sendo que, nos anos de 2014 a 2017, a moda do balanceamento Ginásio/Nutrição era na ordem dos 35%, que cresce nos anos seguintes, como se pode verificar na tabela, onde, em 2019, o máximo de ocorrências acontece nos 49%, sinal que o balanceamento sobe para o lado da nutrição.

Para exemplificar o exposto, relativamente à aplicação do balanceamento a clientes específicos e tendo por base os clientes que como adiante se verificará, foram notificados para esclarecer o eventual usufruto ou não das prestações de serviço de valores referentes a esses 20 clientes e cujo detalhe de movimentos, consta de anexo 29.

As tendências de ocorrências, relativamente a esses 20 clientes, podem verificar-se na tabela […]

Ora, é facilmente percetível que a moda se situava tendencialmente no intervalo de 32/35%, no entanto no ano de 2018 verificam-se ocorrências relevantes em níveis superiores, 42% e 49%, o que apenas corrobora a tendência de subida dos valores isentos que como já se referiu atingem na atualidade praticamente, metade do volume de negócios, situação que não é consentânea com a realidade operacional da empresa, um comum ginásio.

Para terminar, cumpre referir que, recebidos os ficheiros SAF-T anuais das vendas solicitados, se constata que, empresa além do balanceamento relacionado com a nutrição, isenta também os valores de seguro cobrados a clientes.

Acrescentar ainda que, o balanceamento demonstrado nas tabelas anteriores absorve as vendas à taxa de 13%. Dizer apenas que o impacto da margem de erro decorrente desta baixa taxa é exíguo, tendo em conta que as vendas a essa taxa (sempre água engarrafada), representam em termos de documentos e no acumulado possível dos três anos (como exposto, não foi possível o tratamento dos SAF-T, 2017 das instalações de ... e 2018, das instalações da ...), apenas a 0,0086% (3305 de 38477 movimentos de linhas de faturas conhecidos), em termos de documentos emitidos e a 0,0061% (€3.080,03 de €501.041,35), em termos de valores tributáveis. Todo este raciocínio está demonstrado no anexo 3, que resume o n.º de movimentos e seu valor, por produto e por taxa de IVA aplicável.

[…]

III.          DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. EM SEDE DE IVA LIQUIDADO

III.1.1.  NUTRIÇÃO

III.1.1.1. Enquadramento

Como anteriormente abordado a empresa que é um comum ginásio e fatura parte substancial das prestações de serviço com isenção de IVA, a maior parte alegadamente por prestações de serviço de nutrição, mas também por faturação de seguro aos seus clientes, sendo que, não aplica qualquer método de afetação ao IVA suportado nas aquisições, como seria de esperar num sujeito passivo misto, que, aliás, nunca declarou ser.

III.1.1.2. Contrato de fidelidade

A empresa, vincula os seus clientes via contrato de fidelidade com pagamento por débito bancário. Solicitados por notificação, exemplos de tais contratos, foram fornecidos quatro, um por cada ano e uma minuta, nos termos solicitados.

O contrato de 2016 (anexo 4), mais simples dos 4 fornecidos inclui um parágrafo nutrição. O último item, refere apenas que, no caso de cliente desistir da adesão à campanha promocional de adesão aos serviços de aconselhamento de nutricionismo, deixará de beneficiar do preço especial pelo serviço de fitness, passando a observar-se os preços que constam da tabela de preços do B... Health Club sem aquela campanha promocional.

Apontar apenas que, esta espécie de cláusula não se aplica ao procedimento instaurado pelo ginásio, onde tendencialmente e como demonstrado, é aplicado à generalidade dos clientes um balanceamento da sua mensalidade, com uma parte relativa a ginásio e outra relativa a nutrição, mecanismo que demonstradamente, já vigorava em 2016.

O contrato de 2017 (anexo 4), mais elaborado e composto por 15 cláusulas numeradas e com epígrafe, refere na sua nona cláusula que o ginásio se compromete a um rastreio nutricional mensal com vista à aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética, na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente no domínio da promoção, tratamento e gestão de recursos alimentares.

Acrescenta que, este rastreio está incluído na mensalidade e o seu valor é isento de IVA nos termos da alínea B), do nº 1 do artigo 9º do IVA, sendo que, se o sócio pretender acompanhamento nutricional divergente do apresentado, terá que suportar o respetivo custo.

Ora, não é este o conceito de prestação de serviço de consulta de nutrição que beneficia de uma isenção ao abrigo do n.º 1 artigo 9.º do CIVA (a alínea b) que refere nos contratos não existe). Este aconselhamento não personalizado, não é condição suficiente para isentar uma prestação de serviços ao abrigo do artigo 9.º, n.º 1 do CIVA, bem como, decorre da informação vinculativa AT, n.º 9215 de 2015-08-19, que adiante se esmiuçará, que circunscreve liminarmente a aplicação da isenção ao aconselhamento direto ao utente.

Repare-se que, segundo a redação do contrato, se o cliente quiser de facto um acompanhamento nutricional personalizado, terá que suportar o custo, segundo o ponto 3, da cláusula 9.ª dos contratos.

Os restantes contratos (anexo 4), têm a mesma redação do contrato de 2017, no que respeita à matéria aqui em análise.

III.1.1.3. Identificação dos profissionais e seu exercício no período temporal

Identificadas que foram as profissionais nutricionistas3 que exerceram funções no ginásio no triénio 2016/2017/2018, concretamente, C..., NIF ... e cédula profissional  nº ...N, que exerceu de janeiro de 2016 a dezembro de 2018 e D..., NIF..., cédula profissional, ...N, que exerceu em dezembro de 2018, sendo que não se verifica prestação serviços de nutrição no mês de agosto de 2016, julho e agosto de 2017 e metade do mês de agosto de 2018, tudo isto segundo aplicação informática de emissão de faturas recibo, vulgos «recibos verdes». […]

3A sua inscrição profissional na Ordem dos Nutricionistas foi confirmada […].

Releve-se que, embora não haja prestadoras de serviços de nutrição em agosto de 2016 e julho e agosto de 2017, o sujeito passivo não deixou de faturar prestações de serviços de acompanhamento nutricional nesses meses.

III.1.1.4. Relação desmesurada entre nutrição vs outros indicadores

Por questões que se prendem com o suporte do aqui alegado, ou seja, da prova concreta, os dados de suporte para a análise que se segue, são retirados do ficheiro SAT-T, fornecido pelo sujeito passivo (contém tabela de artigos, permitindo isolar tipologias diferentes de prestações de serviços),  que como se sabe, está incompleto, faltando a parte das prestações de serviço do ano de 2017, das  instalações de ..., faltando também, a parte das prestações de serviço do ano de 2018, das instalações da ... .

De resto, mesmo com as faltas de informação verificadas, é inegável a existência de errado enquadramento e tratamento fiscal, que, mesmo assim, são absolutamente evidentes.

Assim, apresentam-se as margens de lucro conhecidas na componente nutrição, tendo em conta os valores pagos a nutricionistas (acima listados) e os valores isentos a título de nutrição (retirados dos ficheiros SAF-T (resumido a anexo 3, por artigo e por taxa), com as ferramentas do «Microsoft Excel», «filtros» e «tabelas dinâmicas».

Valores em euros

                2016      2017       2018

Prestações de serviço de nutrição SAFT-T            69.686,90             26.242,20            76.981 ,61

Gastos com nutricionistas            3.675,00               3.290,00               5.511,12

Margem de lucro %        1.796% 698%     1.297%

Apontar que, tal como exposto no segundo parágrafo do presente ponto, as margens de lucro em 2017 e 2018, seriam muito superiores, ainda assim são desprovidas de qualquer cabimento nas regras da oferta/procura.

Analisando a questão pela perspetiva dos gastos correntes, veja-se a proporção entre os gastos diminutos, incorridos com nutricionistas, comparados com gastos gerais com pessoal e fornecimentos e serviços externos e que suportam toda a atividade de ginásio/fitness, cujos valores foram retirados da demonstração de resultados, constante da declaração de informação contabilística e fiscal (IES).

 Valores em euros

                2016      2017       2018

Fornecimentos serviços externos (IES)  144.528,91          129.285,46          123.238,69

Gastos com pessoal (IES)             53.855,17            74.099,60             158.836,04

Total      198.384,08          203.385,06          282.074,73

Gastos com nutricionistas            3.675,00               3.290,00               5.511,12

% gastos com nutricionistas / total gastos FSE +gastos c/pessoal               1,85%    1,62%    1,95%

 

Seguidamente veja-se a comparação entre recursos humanos afetos à nutrição e todos os valores que a empresa suporta [em] cursos humanos (cujo detalhe consta de anexo 5 e cujos valores foram retirados da aplicação informática de gestão de faturas-recibo e sistema de gestão das declarações mensais de remunerações), veja-se a proporção, em primeiro lugar, entre os recursos humanos afetos à nutrição, versus, total de recursos humanos:

 

                2016      2017       2018

Número de funcionários/prestadores de serviço              34           27           35

Nutricionistas    1              1             2

% nutricionistas / total funcionários e prestadores de serviços   2,9%      3,7%      5,7%

 

Note-se que, em 2018 a subida é influenciada pela existência de duas nutricionistas, embora uma delas, apenas tenha prestado serviço em dezembro daquele ano.

Seguidamente com os valores despendidos com esses mesmos recursos humanos:

Valores em euros

                2016      2017       2018

Valores despendidos com recursos humanos     103.561,08          89.352,65            153.180,28

Valores despendidos com nutricionistas               3.675,00               3.290,00               5.511,12

% do valor despendido c/nutricionistas / total valor despendido com recursos humanos              3,55%    3,68%    3,60%

 

Tendo agora como base, o resumo do ficheiro SAF-T, apresentado em anexo 3 (com as contingências já referidas da impossibilidade de leitura dos dois ficheiros SAF-T, acima abordadas) teríamos os seguintes indicadores:

Valores em euros

                2016      2017       2018

Gastos nutricionismo     3.675,00               3.290,00               5.511,12

Réditos nutrição               69.686,90            26.242,20            76.981,61

Gastos restantes             194.709,08          200.095,06          276.563,61

Réditos restantes (excluindo seguros)   129.985,88          50.230,75             124.577,21

Ora, pelos valores que atribui às duas componentes do rédito (isento e tributado) pode constatar-se que a atividade de ginásio, tendo por base as declarações, é deficitária, os valores decorrentes das vendas, não suportam os gastos. Já a atividade de nutrição é altamente lucrativa.

Este cenário declarativo, não reflete, obviamente, a realidade operacional da empresa, muito menos a verdade material. Ele visa apenas por via de um mecanismo de formação de preço, a diminuição das bases tributáveis em imposto sobre o valor acrescentado, por via da pretensa transmissão isenta de prestações de serviço de nutrição.

III.1.1.5. Da inscrição na Entidade Reguladora da Saúde (ERS) / notificação para envio de documentação de suporte das consultas de nutrição

Na resposta do sujeito passivo à notificação enviada, o mesmo informa que desde 8 de agosto de 2014, está inscrito na Entidade Reguladora da Saúde, como prestador de cuidados de saúde. Acrescenta que está devidamente autorizado e presta serviço de nutrição aos seus clientes, através de uma nutricionista devidamente habilitada, inscrita na ordem dos nutricionistas e integrante do quadro de pessoal da empresa. Acrescenta que desde outubro 2018 desenvolveu uma aplicação móvel para acompanhamento personalizado do serviço prestado de nutrição.

O licenciamento na ERS é apelidado «licenciamento simplificado», que, segundo artigo 4.º do Decreto Lei n.º 127/2014 de 22/08, estabelece o regime jurídico a que ficam sujeitos a abertura, a modificação e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, consiste em «mera comunicação prévia e inicia-se com o preenchimento eletrónico de declaração disponível com recurso ao Portal de Licenciamento existente no portal de internet da ERS, no qual o declarante se responsabiliza pelo cumprimento integral dos requisitos de funcionamento exigíveis para a atividade que se propõem exercer ou que exercem.»

Portanto, a entidade, não vistoria previamente as instalações, podendo fazê-lo, posteriormente em sede de fiscalização (artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 126/2014 de 22/08, que procede à reestruturação da ERS), onde poderá impor medidas sancionatória e cautelares (artigos 22.º e 23.º, do citado diploma).

Notificado que foi também para a apresentação dos suportes documentais das operações que originam as isenções por acompanhamento nutricional, na resposta, nada esclareceu, nem indicou, nem juntou, além da referência à inscrição na ERS e a existência de uma aplicação móvel.

Ora, o ónus da prova, para isentar prestações de serviços, recai sobre quem invoque esse direito à isenção (artigo 74.º da Lei Geral Tributária), pelo que é da responsabilidade do sujeito passivo a existência de um mecanismo que permita a fundamentação e documentação para o reconhecimento dessas isenções.

III.1.1.6. Do enquadramento legal vigente da isenção

A disciplina restrita do n.º 1, do artigo 9.º do CIVA, fundamento legal principal, delimitante e  absolutamente contundente no caso aqui em apreço, dispõe no sentido de que, «estão isentas de imposto, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas», situação ainda mais evidente na redação da  alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva do Conselho 2016/112/CE (Diretiva do IVA), que é igualmente taxativa, quando dispõe que a isenção de IVA se aplica «Às prestações de serviço de assistência efetuadas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa».

Prosseguindo com o enquadramento legal, a AT, já se pronunciou acerca desta matéria, tendo emitido, em 2015-08-19, a ficha doutrinária 9215, relativamente às prestações de serviço de nutrição e seu enquadramento na isenção do n.º 1, do artigo 9.º, da qual se transcrevem excertos aplicáveis:

«Nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estão isentas de imposto as "prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".

No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado "(…) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão".

Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.

É ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares".

A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Decreto-Lei n.º 261/83.

Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA" (…)

"(...) Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção (...)"

"(...) Passando a exercer simultaneamente operações sujeitas que conferem direito a dedução do imposto suportado e operações isentas que não conferem tal direito a requerente passa a considerar-se, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto, devendo esta condição ser assinalada na declaração de alterações a entregar.

Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, deve atender à disciplina do artigo 23.º do CIVA no que respeite aos bens e serviços que utilize simultaneamente nas atividades que exerce (tributadas e isentas), devendo indicar qual o método de dedução a utilizar: método de percentagem de dedução, denominado prorata, ou o método da afetação real.»

Tal com destacado nos terceiros e quartos parágrafos imediatamente anteriores, seriam considerados, os valores refletidos aos clientes das efetivas prestações de serviço efetuadas aos mesmos, o que em rigor seria a faturação das consultas/acompanhamentos, neste caso, a serem validados e corretamente documentados, dos 1781 acontecimentos que ocorreram no biénio 2016/2017.

Acrescentar que é comum a interpretação da informação vinculativa 9215, no sentido que, à luz da mesma não resulta que, as prestações tenham que ser efetivas.

O que se verifica na informação vinculativa, lendo os parágrafos com a epígrafe «do pedido» (pedido de enquadramento do sujeito passivo que solicitou a informação), as questões levantadas estão sempre relacionadas com a «realização do serviço», pelo que a resposta e enquadramento, têm em consideração esse pressuposto. Portanto, a informação vinculativa 9215 foi solicitada para enquadramento genérico da nutrição nos ginásios (pontos 1 a 5 da mesma), nunca a este esquema de decomposição de preço instaurado pelo sujeito passivo na sua faturação e, o enquadramento da AT feito naquela, é abstrato e cinge-se a dois pilares: que os serviços sejam prestados por 5 nutricionistas e que as entidades associem CAE consentâneo. Mas, mesmo assim, sendo a informação direcionada, fundamentalmente, para o enquadramento genérico e abstrato da nutrição em ginásios, o ponto 17, lembra a disciplina limitadora do IVA e refere que «esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades».

Também a ficha doutrinária/informação vinculativa 2962 de 2012-04-18 aborda precisamente ma situação semelhante, mas noutra ótica.

Veja-se; uma nutricionista, que presta serviços de vária natureza a uma entidade, (estudar alimentos, supervisionar a qualidade na aquisição, elaborar ementas, estar atenta às condições de higiene e segurança alimentar, prescrever dietas individuais, etc.) e solicitou esclarecimento sobre o enquadramento em sede de IVA. Repare-se que apenas o ramo dietética está abrangido pela isenção.

O entendimento daquela ficha doutrinária é de que «…a atividade de nutricionista pode beneficiar da isenção consignada no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, desde que o seu exercício se enquadre na descrição prevista no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, para a atividade de dietética», mas «…uma vez que não se pode individualizar as operações realizadas pela consulente no âmbito do contrato de prestação de serviços que celebrou com a instituição, deve proceder, por todos os serviços efetuados, à liquidação do imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n. 1 do artigo 18.º do CIVA (23%)».

Assim, mais uma vez, a interpretação subjacente à consideração ou não dos valores isentos está sempre assente na obrigatoriedade da individualização os serviços de dietética, únicos que poderão beneficiar de isenção. A falta de individualização dos valores faturados de forma genérica aos clientes, decorrente de «modus operandi» adotado pela empresa, obriga à liquidação do IVA à taxa normal.

Ora, sabe-se que o mecanismo é o da faturação indiferenciada de acompanhamento nutricional, tendencialmente à generalidade dos clientes.

Para terminar, se em termos comerciais é admitida a comercialização de pacotes de serviços, com benefícios para o cliente, como por exemplo um pacote de telecomunicações com Televisão + Internet + Voz, sobre todos eles incidindo IVA à taxa de 23%, o mesmo raciocínio, como o aqui presente, onde o sujeito passivo comercializa um plano incluindo dois serviços, que é parcialmente isento de imposto, não se pode aplicar às situações onde há serviços sujeitos à disciplina do n.º 1, do artigo 9.º do CIVA, uma vez que este dispositivo legal, circunscreve a isenção ao exercício de determinadas profissões, isto é, só beneficiam da isenção atos concretos, acontecidos ou que têm que acontecer e nunca a uma possibilidade de tal serviço ser livremente usufruído ou não. E é neste pressuposto simples e de fácil leitura, interpretação e compreensão, que reside toda a diferença. A fronteira delimitante da isenção, é o exercício concreto e efetivo de determinadas profissões e nunca mais que isso. É de facto uma redação absolutamente objetiva e restritiva.

Exemplificando com um exemplo absurdo, mas que espelhará a real dimensão do que sempre se pretende aqui espelhar. Se o aqui sujeito passivo optasse, pela comercialização de um plano conjunto onde o preço da mensalidade fosse estipulado em €100,00 (acrescido de IVA), sendo que, optava por formar o preço, atribuindo 99% do preço a acompanhamento nutricional e 1% à frequência do ginásio, quer isto dizer que entregaria sobre esta mensalidade de €100,00, apenas €0,23 cêntimos de IVA, sendo que explora um ginásio e apenas uma parte reduzida de clientes iria a uma consulta de nutrição. Não faria sentido e a situação aqui em análise, em abstrato, é a mesma, apenas a percentagem isenta difere, daí a importância da fronteira delimitante da isenção ao exercício da profissão, tão profusamente referida no presente projeto de relatório.

III.1.1.7. Parecer da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) de 2019-08-05

Recentemente a OCC, emitiu um parecer a pedido de uma empresa (anexo 6) que tem um sistema semelhante ao do aqui sujeito passivo, tendo aquela solicitado o mesmo, no seguimento de procedimentos de inspeção da AT, indicando que, «A título de exemplo, os clientes pagam 40 euros, sendo que 12 euros são isentos, aplicando o art.º 9.º do CIVA. A Autoridade Tributária (AT) já aplicou coimas nos anos 2014 e 2015, exigindo o valor de IVA (…)»

Sucintamente, a OCC conclui que, «No caso em concreto, a prestação de serviços é única, apesar de ser composta por vários serviços realizados. Na realidade, os clientes da empresa adquirem o acesso ao ginásio da empresa e não os serviços de nutricionismo de forma individualizada. Dessa forma, a empresa em causa não deve efetuar qualquer desagregação na fatura, com o objetivo de aplicar taxas de IVA específicas a cada serviço realizado, devendo antes aplicar uma taxa comum ao serviço como um todo. No caso em concreto, a taxa a aplicar será a taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.».

Diga-se que, o pedido de parecer refere apenas a faturação conjunta de duas componentes indissociáveis, sem nunca referir a efetividade do serviço, ou seja o acontecimento efetivo ou não dos acompanhamentos nutricionais. Esse facto absolutamente diferenciador, indiscutivelmente mais importante, nem é abordado no pedido, obviamente não o é também na resposta. Ainda assim a OCC é perentória em afastar as prestações de serviço dessa natureza, do âmbito da isenção do IVA.

Portanto, o procedimento adotado pelo aqui SP, sem abordar a temática da efetividade das consultas, do seu acontecimento, abordando apenas a não aquisição de forma individualizada da nutrição, obsta, no entender da OCC, a que estas prestações de serviço, possam ser isentas de IVA.

III.1.1.8. Contributos externos de especialistas em direito na temática nutrição nos ginásios publicados em revista distribuída no setor

Em artigo (anexo 7), publicado na edição 13 (primavera 2017) revista GYM FACTORY, da responsabilidade de um dos especialistas que colabora com a empresa como advogado consultor, Alexandre Miguel Mestre, no ponto 5. (faturação adequada) refere que [alínea a)] só são de faturar serviços de nutrição efetivamente prestados e que [alínea c)], se for cobrado ao utente um valor único e fixo, englobando, simultaneamente atividade física/desportiva e os serviços de nutrição, não há lugar a isenção de IVA, visto que não se está perante a existência de dois artigos autónomos, mas sim de um serviço principal (ginásio) e outro complementar (nutrição), ou seja, uma decomposição económica que altera a funcionalidade do IVA.

Acrescente-se ainda que, a mesma revista, publicou, na sua última edição (17 – primavera 2018), mais uma vez, agora em artigo escrito por outro especialista associado à revista, João Almeida e Paiva (anexo 8), o entendimento em tudo semelhante, enfatizando-se apenas que refere num parágrafo «Administração direta de cuidados de saúde ao utente», que deve acontecer, «Efetiva  prestação presencial de consultas de nutrição ao utentes» e «efetivo posterior acompanhamento  nutricional presencial aos utentes, não obstante ser possível a prestação online em paralelo (não em exclusivo)…»

III.1.1.9. IVA nos «inputs» deduzido na totalidade

A empresa atribui um «peso» substancial à nutrição no total do volume de negócios, mas a montante, não aplica qualquer método de afetação quanto ao IVA suportado nas aquisições de bens e serviços.

O mecanismo de dedução relativo a bens de utilização mista, encontra-se vertido no artigo 23.º do código do IVA, sendo que o regime regra para sujeitos passivos que exerçam uma atividade   económica, parte da qual, não confira direito à dedução, é a dedução do imposto na percentagem correspondente ao montante anual das operações (neste caso do valor de vendas isento) que deem  lugar a dedução [al. b), do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA - «pro-rata»], não estando ainda assim  prejudicada a possibilidade de tal dedução ser realizada através da afetação real, com base em critérios objetivos que permitam identificar o grau de utilização desses bens (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA).

Ora, no caso aqui em análise não houve qualquer limitação [à] dedução de imposto (este foi deduzido na íntegra), criando-se aqui um cenário consentâneo com a expressão «o melhor de dois mundos» uma vez que o sujeito passivo isenta uma parte considerável das mensalidades e teria que apurar o IVA não dedutível, o que não se verificou/verifica, sinal de que o próprio sujeito passivo, sem o querer, demonstra que age apenas como um ginásio.

III.1.1.10. Das declarações dos clientes

Foram notificados para prestação de esclarecimentos sobre relações económicas com terceiro, 15 clientes via postal (responderam 14), para comparecerem no serviço de finanças ... 4 e 5 clientes via correio eletrónico (responderam 4), visto serem da área de residência de Vila Nova de Gaia, onde o sujeito passivo explorou um espaço no triénio em análise. O critério de seleção foi a escolha do primeiro nome de cada letra do Alfabeto, dentro dos registos isentos e para clientes que tivessem mais de três movimentos, ou que tivessem movimentos de valor mais elevado que indiciasse semestralidade ou anuidade, por exemplo (as letras K, Q, Y, W, U e X, não devolveram qualquer registo):

 

 

Cliente 1 (anexo 9)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, instalações e acompanhamento por parte de profissional.

Questionada sobre a frequência das consultas, disse que fez nove consultas, de 2015-07-08 a 2017-07-18, deixando de usufruir depois dessa data.

 

Cliente 2 (anexo 10)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu aulas de cycling e máquinas.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não.

 

Cliente 3 (anexo 11)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu Ginásio, aulas e piscina.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fez algumas, não em todos os meses.

 

Cliente 4 (anexo 12)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, aulas de grupo, três vezes por semana.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fez uma, no início.

 

Cliente 5 (anexo 13)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu desporto.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fez um aconselhamento inicial.

 

Cliente 6 (anexo 14)

Questionado sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu ginásio.

Questionado se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não, foi-lhe proposto, mas não aceitou.

 

Cliente 7 (anexo 15)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu exercício físico.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não e que nunca lhe foi proposto.

 

Cliente 8 (anexo 16)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu que nunca chegou a frequentar.

 

Cliente 9 (anexo 17)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, serviços de ginásio, aulas de grupo e musculação.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não conseguia precisar, mas que fez umas «três ou quatro», em 2016 e 2017.

 

Cliente 10 (anexo 18)

Questionado sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu serviços de ginásio.

Questionado se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fez duas.

 

Cliente 11 (anexo 19)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, hidroginástica, pilates e nutrição.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu dizendo que se pudesse ia todos os meses, até porque não pagava mais por isso.

 

Cliente 12 (anexo 20)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu ginásio.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não.

 

Cliente 13 (anexo 21)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu ginásio.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fez uma no início.

 

Cliente 14 (anexo 22)

Questionada sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu aulas de grupo.

Questionada se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que fazia, tendencialmente, trimestralmente.

 

Cliente 15 (anexo 23)

Questionado sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, que era frequentador normal, que praticava exercício físico.

 

Cliente 16 (anexo 24)

Questionado sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu, serviços de ginásio.

Questionado se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que lhe foi proposto, mas recusou.

 

Cliente 17 (anexo 25)

Questionado sobre que tipo de serviços lhe prestou a empresa, respondeu ginásio.

Questionado se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu que não.

 

Cliente 18 (anexo 26)

Questionado se fez consultas de nutrição e em caso afirmativo, em que moldes, respondeu fazia várias, mensalmente.

 

Resumindo as declarações:

Um cliente nunca chegou a frequentar o ginásio, seis clientes negam categoricamente a presença em qualquer consulta de nutrição, um cliente refere que apenas frequentava o ginásio, seis clientes foram a uma ou algumas consultas, dois clientes referem a regularidade mensal das mesmas, um cliente refere a frequência de nove consultas e um cliente refere a frequência trimestral.

Portanto, do universo dos 18 clientes com declarações prestadas, apenas dois, dizem que tinham caráter mensal, um deles, era frequentador das instalações da ..., que respondeu a um e-mail, logo sem a contingência de apenas saber o assunto no momento das declarações (respondeu passados três dias) e a outra cliente, respondeu no segundo dia.

III.1.2.  SEGUROS

A empresa isenta ainda todos os movimentos que fatura com seguros (detalhe em anexo 3).

As operações de seguro, resseguro e prestações de serviços conexas, estão de facto abrangidas pela isenção, constante do n.º 28, do artigo 9.º do CIVA, bastando para tal que, sejam transacionadas por corretores e intermediários de seguro, o que não se verifica, uma vez que, antes de mais, o sujeito passivo não está inscrito nesse ramo de atividade.

Aliás, nem poderia estar, visto que se trata de um setor regulado e o acesso à atividade não é livre, encontrando-se regulado no Decreto-Lei 144/2006 de 31 de julho, que transpõe a Diretiva n.º 2002/92/CE, do Parlamento, do Europeu e do Conselho, de 9 de Dezembro, relativa à mediação de seguros.

A alínea a) do n.º 1, do artigo 7.º do citado Decreto-lei, dispõe que, o acesso à atividade depende de registo do mediador, junto do Instituto de Seguros de Portugal, hoje Autoridade de Seguros de Portugal.

Consultada a pesquisa disponibilizada no sítio da Autoridade de Seguros de Portugal na internet (httos://www.asf.com.pt/NR/exeres/2AIOB40A-0883-48FD-B508-

5E7543816541.htm), constata-se que a empresa não está registada, assim como não declara exercer essa atividade.

A aplicação da isenção, mostra-se assim, indevida, dado que o valor indicado nunca pode corresponder a um seguro, pelo que a prestação de serviços em causa está sujeita a IVA.

Tais valores devem ser sujeitos a IVA.

III.1.3.  CONCLUSÕES / CORREÇÕES

Tendo em conta, a disciplina restrita do n.º 1, do artigo 9.º do CIVA, fundamento legal principal, delimitante e absolutamente contundente no caso aqui em apreço, que dispõe no sentido de que,  «estão isentas de imposto, as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de  médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas», situação ainda mais evidente na redação da alínea c), do n.º 1, do artigo 132.º da Diretiva do Conselho 2016/112/CE  (Diretiva do IVA), que é igualmente taxativa, quando dispõe que a isenção de IVA se aplica «Às prestações de serviço de assistência efetuadas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa», situação ainda dissecada, quer pela ficha doutrinária 9215 de 2015-08-19, que a ponto 17, refere claramente que a isenção se «refere  ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que a caracteriza», quer pela ficha doutrinária 2962, nos seus pontos 13 e 14, que circunscrevem a isenção da dietética à aplicação dos conhecimentos de dietética, ou seja, ao exercício efetivo de nutrição.

Tendo também em conta que, o mecanismo instaurado pelo sujeito passivo de faturação generalizada de uma componente mista fitness/nutrição, num balanceamento que tem vindo a aumentar, (a ser verdade, o setor nutrição seria altamente lucrativo e o setor fitness deficitário situação que não se ajusta à verdade dos factos) redundando em si mesmo num mecanismo de formação de preço com vista à diminuição da base tributável de IVA que, não se ajusta, de todo, às reais operações da empresa.

Existia, é evidente a possibilidade de obter aconselhamento nutricional, mas num carácter acessório ao ginásio, que, no entanto, serve outro propósito, a redução da base tributável a submeter a incidência de IVA.

Relativamente a esta matéria, recente parecer da OCC, datado de 2019-08-05, solicitado por uma empresa num caso em tudo semelhante ao presente, é perentório em não admitir a isenção de IVA, neste tipo de faturação.

De resto, o disposto nos contratos de prestação de serviços (anexo 4), curiosamente referem a prestação de serviços dietéticos, mas da «aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde geral e na educação dos indivíduos» (aconselhamentos genéricos) e que a pretensão da parte do cliente de acompanhamento nutricional, ou seja, da aplicação de conhecimentos específicos de nutrição, ao seu caso concreto (exercício efetivo na perspetiva clínica), nem está incluído, referindo que «caso o sócio pretenda acompanhamento nutricional, terá que suportar o respetivo custo….». Assim sendo, além de todos os fundamentos aqui explanados, este, por si só afasta a isenção do IVA. Portanto o cliente, por sua iniciativa, pode até ir «falar» com a nutricionista numa perspetiva pedagógica sobre o que comer, etc. mas se quiser um plano personalizado tem que pagar, é isto que o contrato define.

Lembrar as posições assumidas por reconhecidas figuras do direito, em revista parceira da mesma, que não hesitaram em classificar a atividade de nutrição como sendo acessória e pondo de lado, este balanceamento da faturação.

Além disso, o sujeito passivo apenas juntou como suporte, o comprovativo da inscrição na ERS, para o suporte de toda uma dimensão na área da saúde, o que prova apenas a intenção de exercer uma atividade, neste caso de nutrição e não o exercício efetivo.

Aliás, o próprio sujeito passivo reconhece que não é sujeito passivo misto, com uma parte da atividade isenta, uma vez que, a montante, não aplica qualquer método de afetação, nos termos do artigo 23.º do CIVA, deduzindo na totalidade o IVA das aquisições.

E ainda que, factualmente, é evidente, o desequilíbrio entre os valores despendidos com nutrição e os altos rendimentos que a mesma gera, em contraponto com o setor fitness que é deficitário, tudo isto ao arrepio de qualquer verdade material.

Para terminar, também se verifica a isenção indevida da comercialização do artigo «seguro» ou designações semelhantes.

Nestes termos, provada que está a isenção indevida das prestações de serviço, são propostas correções aritméticas.

O cálculo das correções, será mediante a liquidação de imposto ao valor das vendas isentas, na sua totalidade, apurado pelo sujeito passivo na sua contabilidade (balancete em anexo 27 e extratos das vendas) […]”.

 

P.            A Requerente foi notificada dos atos tributários discriminados nos quadros infra, no montante global de € 75.444,26 (€ 69.837,47 de IVA e € 5.606,79 de juros compensatórios) – cf. cópia dos atos de liquidação e das demonstrações de acerto de contas juntos pela Requerente:

 

Q.           Em discordância com as liquidações de IVA e de juros compensatórios, identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 2 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

               

                               FACTOS NÃO PROVADOS

 

Com relevo para a decisão não ficou provado o aconselhamento direto e personalizado dos clientes da Requerente, nos moldes referidos nos arts. 83.º e 86.º, do ppa, não tendo a Requerente carreado quaisquer elementos de prova neste sentido.

 

Não existem outros factos alegados relevantes que devam considerar-se não provados.

 

 

2.            DO DIREITO

 

2.1.        DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

A questão essencial a dirimir prende-se com a aplicabilidade da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, aos serviços de nutrição prestados pela Requerente no período delimitado [de 2016 a 2018]. Neste âmbito, importa apreciar o elenco supra discriminado de vícios materiais e formais suscitados pela Requerente.

 

Em relação à ordem de conhecimento dos vícios invocados, considerando a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença no âmbito deste processo, importa apreciar, em primeiro lugar, os vícios materiais, de erro nos pressupostos, de facto e de direito, que, a constatarem-se, comprometem definitivamente as liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, e só depois os vícios formais, incluindo procedimentais, pois estes, apesar de invalidantes, permitem a reedição futura dos atos tributários (v. artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

Acresce ainda apreciar uma segunda questão, residual, relativa à isenção das operações de seguro debitadas pela Requerente aos seus clientes.

 

2.2.        REDUÇÃO DO VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou no proémio do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) o valor da causa no montante de € 75.444,26. Este valor corresponde à soma dos atos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios referentes aos anos 2016, 2017, 2018 e 2019, decomposto em € 69.837,47 de IVA e € 5.606,79 de juros compensatórios.

 

No entanto, como bem assinala a Requerida, a Requerente limita-se a requerer no petitório “que devem ser anuladas as liquidações de IVA supra arroladas relativas aos exercícios de 2016, 2017, e 2018”, não deduzindo qualquer pedido relativamente aos juros compensatórios, nem ao IVA do ano 2019.

 

O tribunal está limitado pelo princípio do pedido e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas Partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras, não podendo arbitrar em quantidade superior (um maius) ou em objeto diverso (um aliud) do que se pedir, como dispõem os artigos 95.º, n.ºs 1 a 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 609.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT.

 

A violação do princípio do pedido determina a nulidade da sentença por pronúncia indevida, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (v. com idêntica consequência o artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC). É a Requerente que tem, a um tempo, o direito e o ónus, de formular e definir a sua pretensão. Se o não fizer, não pode o tribunal suprir a sua omissão, desenvolvendo atividade assistencial a uma das partes (artigo 16.º, alínea b) do RJAT que assegura o princípio de igualdade das Partes).

 

Nestes termos, encontra-se este tribunal arbitral impedido de conhecer de qualquer pedido relativo a juros compensatórios, pelo que procede a redução do valor da ação requerida pela AT, ao abrigo do disposto nos artigos 306.º do CPC e 97.º-A do CPPT. Com efeito, dispõe o artigo 306.º que é ao tribunal que cabe, em fase de sentença , fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes. E este valor, quando sejam impugnados atos de liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende, como regula o artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, para que remete o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), ou seja, o valor das liquidações de IVA dos anos 2016 a 2018 como peticionado.

 

Afigura-se neste ponto irrelevante o argumento esgrimido pela Requerente, em sede de alegações, de que as liquidações de juros compensatórios estão devidamente identificadas no processo e que a anulação das liquidações de IVA sempre implicará a anulação dos juros compensatórios correlativos. Com efeito, a mera identificação dos atos tributários não constitui um pedido anulatório dos mesmos e a anulação consequente das liquidações de juros compensatórios, após a anulação jurisdicional das liquidações de IVA a que respeitam, na falta de pedido expresso na ação impugnatória, não se enquadra na pronúncia constitutiva do tribunal, mas em sede de execução do julgado anulatório, cuja competência pertence à Administração.

 

Assim sendo, fixa-se o valor da causa no montante de € 69.476,54 (€ 75.444,26 - € 5.606,79 de juros compensatórios - € 360,93 de IVA de 2019), não havendo lugar ao pagamento, pelo sujeito passivo, de valor remanescente da taxa de arbitragem, uma vez que, apesar da redução de valor, a ação se manteve no mesmo escalão, para efeitos de cálculo das custas arbitrais.

 

2.3.        ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO

 

ENQUADRAMENTO DOS SERVIÇOS DE RASTREIO NUTRICIONAL NO CONCEITO DE PRESTAÇÕES EFETUADAS NO EXERCÍCIO DAS PROFISSÕES PARAMÉDICAS. REQUISITOS DA ISENÇÃO DE ACORDO COM O TRIBUNAL DE JUSTIÇA E ÓNUS DA PROVA

 

A questão central a dirimir respeita à aplicabilidade aos serviços de nutricionismo prestados pela Requerente da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA para as “prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

 

Esta norma transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, doravante “Diretiva IVA”  , que se enquadra no capítulo referente às isenções em benefício de atividades de interesse geral e dispõe o seguinte:

                “1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

[…]

c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa; […]”

 

                A matéria em apreço foi objeto de apreciação no recente processo de reenvio prejudicial Frenetikexito, C-581/19, com acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 4 de março de 2021, que se pronunciou sobre as questões de saber: (i) se um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem serviços de manutenção e bem-estar físico constitui uma prestação de serviços independente; e (ii) se o direito à isenção de IVA previsto no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA pressupõe a prestação efetiva do serviço ou se a mera disponibilização é suficiente para esse efeito.

 

Neste âmbito, o Tribunal de Justiça começa por observar que a resposta às questões assinaladas pressupõe o enquadramento prévio do serviço de acompanhamento nutricional na norma de isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva, indicando, para esse efeito, os seguintes parâmetros de análise:

a)            Os termos utilizados para designar as isenções do citado artigo 132.º devem ser interpretados restritivamente, embora devam respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal e não devam privá-las dos seus efeitos ;

b)           A isenção em causa deve ser interpretada à luz do contexto em que se insere e das finalidades e economia da Diretiva IVA, não visando as prestações efetuadas em meio hospitalar ou similar (isentas em aplicação da alínea b)), mas as prestações médicas e paramédicas fornecidas fora desse âmbito ;

c)            O conceito de “prestações de serviços de assistência” que consta do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA visa “prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde ;

d)           Por conseguinte, as “prestações de serviços de assistência”, na aceção da norma de isenção do IVA em causa, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA ;

e)           A qualificação profissional habilitante para o exercício das atividades em causa [o acompanhamento nutricional] é definida pelos Estados-Membros e cabe ao tribunal nacional verificá-la ;

f)            Verificado este requisito, a prestação de serviços apenas deve ser isenta, por derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, se cumprir a finalidade de interesse geral comum ao conjunto de isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva IVA ;

g)            É pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, “ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica” . Uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito ;

h)           Pelo que, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, i.e., com uma finalidade terapêutica, um serviço de acompanhamento nutricional “não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA”  ;

i)             Esta interpretação não viola o princípio da neutralidade, uma vez que serviços de acompanhamento nutricional com finalidade terapêutica e desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último .

 

O Tribunal de Justiça formula ainda algumas considerações sobre a temática da acessoriedade ou independência dos serviços de acompanhamento nutricional em relação aos serviços de índole desportiva (frequência do ginásio), num quadro fático semelhante, nos seus contornos essenciais, ao fixado na presente ação arbitral . Conclui aquele Tribunal europeu, a este respeito, que, sob reserva de verificação do órgão jurisdicional nacional, em princípio, se estará perante uma prestação de serviços distinta e independente.

 

Compulsados os factos, resulta que ambas as versões dos contratos da Requerente (até abril de 2017 e após essa data) preveem o serviço de aconselhamento de nutricionismo a todos os cliente aderente à modalidade de fidelização, independentemente de quaisquer considerações sobre a prevenção específica ou tratamento de patologias dos clientes. Esse serviço corresponde à disponibilização de um rastreio nutricional que, de acordo com o contrato mais recente, tem em vista a “aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente, do domínio da promoção, tratamento e gestão de recursos alimentares” (pontos K e L da matéria de facto).

 

Não ficou demonstrado nos autos, nem, aliás, foi alegado pela Requerente, que estes serviços acompanhamento e rasteio nutricional estavam especificamente conexos com o tratamento ou prevenção de patologias dos clientes, com um risco concreto de prejuízo para a saúde destes, pelo que, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça sobre o sentido da isenção contemplada no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, transposta pelo artigo 9.º, 1) do Código do IVA, não pode ter-se por satisfeito o requisito de que o serviço em questão tenha uma finalidade terapêutica, que é essencial ao preenchimento do critério de atividade de “interesse geral” que preside às referidas normas de isenção.

 

Assim, somente podem ser consideradas “prestações de serviços efetuadas no exercício [de] … profissões paramédicas”, para efeitos da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, aquelas que se qualifiquem como serviços de assistência com uma específica finalidade terapêutica.

 

Deste modo, embora seja incontestável que uma nutrição correta contribui para uma vida saudável, assim como o próprio exercício físico, este objetivo não basta para se qualificar a atividade de rastreio nutricional como revestindo finalidade terapêutica, com a consequente inaplicabilidade da norma de isenção de IVA, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos, seguindo o entendimento do Tribunal de Justiça, vinculativo sobre a interpretação das normas da Diretiva IVA, com necessária repercussão no sentido das normas de transposição de direito interno (aqui o artigo 9.º, 1) do Código do IVA). 

 

Recorda-se que o Tribunal de Justiça é o órgão competente para decidir, a título prejudicial sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (v. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – “TFUE”), sendo a Diretiva um desses atos com caráter vinculativo para o Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar  (v. artigo 288.º do TFUE). Acresce que a Constituição determina no seu artigo 8.º, n.º 4 que “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”

 

Impõe-se, nestes termos, aos órgãos jurisdicionais nacionais fazer observar e aplicar a Diretiva IVA conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, o que na situação vertente implica exigir a demonstração da finalidade terapêutica dos serviços de acompanhamento nutricional concretamente prestados pela Requerente aos seus clientes, através de profissionais qualificados.

 

Na situação sub iudice, não foi demonstrada a finalidade terapêutica dos serviços de acompanhamento nutricional prestados pela Requerente (através de profissionais qualificados, nutricionistas), cujo ónus, de acordo com o regime de repartição estabelecido no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, cabia àquela .

 

Por outro lado, mesmo que se tivesse demonstrado nos autos (que não se demonstrou) o aconselhamento direto e personalizado dos clientes da Requerente, tal não implicaria, por si, que esse aconselhamento tivesse uma específica finalidade terapêutica, o que depende, antes, de um elemento distinto, referente à ligação desse aconselhamento com uma concreta patologia ou com um concreto risco de prejuízo para a saúde dos clientes em causa.

 

Tratando-se da aplicação de uma norma de isenção, é sobre o sujeito passivo que pretende da mesma beneficiar que recai o ónus de alegação e prova de uma prestação de serviços de assistência, efetuada no exercício da profissão paramédica de nutricionista, com finalidade terapêutica. Neste sentido, v. a respeito da distribuição do ónus probandi relativo a normas de isenção de IVA o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de novembro de 2020, proferido no processo n.º 02571/08.4BEPRT, que chega a idêntica conclusão, “uma vez que a operação em causa está, em regra, sujeita a tributação”.

 

Concluindo-se pela insusceptibilidade de aplicação do regime de isenção de IVA e consequente tributação dos serviços de acompanhamento nutricional, a questão da acessoriedade ou independência destes, face à prestação de serviços de ginásio, não é decisiva, pois sendo-lhes aplicável o mesmo regime e taxa de IVA, são, em qualquer caso sujeitos a IVA, conforme materializado pelos atos de liquidação controvertidos. Assim, mesmo na tese da Requerente (de não verificação da dita acessoriedade entre os dois tipos de serviços), o IVA sobre os serviços de nutrição continua a ser devido por aplicação do artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA (prestação de serviços a títulos oneroso), dado que não foi afastada a “incidência” deste imposto por via da reunião dos pressupostos da norma de isenção prevista no artigo 9.º, 1) do mencionado Código. 

 

Acresce assinalar que, dada a falta de demonstração do fim terapêutico, essencial à aplicação da norma de isenção em apreço, resulta prejudicada, por ser inútil, a apreciação da questão de saber se a mera disponibilização do serviço seria suficiente para esse efeito.

 

                SOBRE A ALEGADA TRIBUTAÇÃO POR MÉTODOS INDIRETOS

 

                Segundo a Requerente as liquidações impugnadas derivam de uma correção realizada por métodos indiretos dissimulados sob a capa de métodos diretos, referindo-se a uma “singela quantificação da matéria tributável”.

 

Interessa notar que a avaliação indireta constitui um meio auxiliar e de última ratio que pretende determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha, conforme previsto no artigo 83.º, n.º 2 da LGT. Tem por fundamento a violação dos deveres de colaboração por parte do sujeito passivo, em moldes que suscitem a “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto” (artigo 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT).

 

Nos presentes autos, o cálculo das correções do IVA devido nos serviços de nutrição e nas operações de seguro foi efetuado de forma direta, com base nos elementos apurados na contabilidade do sujeito passivo e por este declarados (balancete e extratos das vendas identificando as vendas isentas). Estes elementos foram aceites e assumidos como corretos pela AT, pelo que não se constata a adoção de qualquer método indireto ou presuntivo associado à determinação do quantum do IVA devido, nem a errónea quantificação da base tributável, pois a base de incidência é a correta (o valor das prestações de serviços de nutrição e de seguros reportadas como isentas pela Requerente nos períodos em causa) e a taxa de imposto a aplicável, de 23%, improcedendo o vício arguido. Importa a este respeito salientar que caso se verificasse uma correção por métodos indiretos, seria este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para da mesma conhecer e, bem assim, os vícios associados (incluindo o de preterição de formalidades essenciais), atenta a norma de exclusão expressamente prevista pela Portaria de Vinculação da AT ao CAAD (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) que contempla, no seu artigo 2.º, alínea b) as “[p]retensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

 

ISENÇÃO INDEVIDA DE OPERAÇÕES DE COMERCIALIZAÇÃO DE SEGUROS

 

A Requerente repercutiu os custos com seguros aos seus clientes, sem que efetuasse a liquidação de IVA, tendo a Requerida considerado ser indevida a aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, 28) à comercialização do artigo “seguro” ou designações semelhantes pela Requerente, em virtude de esta última não ser um mediador de seguros registado na Autoridade de Seguros de Portugal.

 

A contestação desta correção pela Requerente suporta-se apenas nos vícios formais e procedimentais apontados à ação inspetiva e à fundamentação (formal) dos atos tributários impugnados, não apresentando qualquer argumento substantivo de oposição à correção em apreço. 

 

Aliás, a Requerente refere que se não fosse a forma como as liquidações foram quantificadas que não permite separar atos tributários (o IVA é um imposto de obrigação única cuja liquidação se efetua operação a operação) aceitaria a legalidade das correções decorrentes desta factualidade e requereria a anulação das liquidações apenas quanto à questão dos serviços de dietética. Contudo, sobre a “forma como as liquidações foram quantificadas”, interessa ter em conta que a AT tomou por base os valores das operações registados na contabilidade pela própria Requerente (multiplicados pela taxa de 23%), pelo que se afigura errónea a afirmação da Requerente de que essas liquidações não permitem separar os atos tributários. Ao invés, esses atos de liquidação podem ser objeto de anulação parcial, como é entendimento constante da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que considera o ato tributário de liquidação, por natureza, um ato divisível e, consequentemente, é suscetível de anulação parcial, no respetivo processo de impugnação (v. a título de exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de novembro de 2013, processo n.º 0285/13).

 

                OUTROS VÍCIOS ALEGADOS PELA REQUERENTE

 

                A Requerente rejeita a existência de balanceamento entre a faturação de serviços de nutricionismo (isentos) e da área desportiva (tributada) e o caráter desmesurado da relação entre os nutrição versus outros indicadores apontados pelo RIT, alegando que a atividade de prestação de serviços de saúde gera proporcionalmente maior valor acrescentado que a de ginásio, e que tais argumentos constituiriam a base sobre a aplicação da norma anti-abuso que não foi, porém, aplicada pela Requerida.

 

                Estamos perante argumentos que, sem prejuízo de serem efetivamente um bom ponto de partida para a aplicação do regime anti-abuso, correspondendo à mera análise de dados factuais retirados da contabilidade do sujeito passivo, não conduziram à correção do IVA pela Requerida com base nessa qualificação, nem foram determinantes para a questão central da não isenção dos serviços de nutrição, sendo meramente descritivos e contextuais.

 

                Por outro lado, não se constatando qualquer correção por abuso de direito ou fraude à lei (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), não é exigível à AT a adoção do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, pelo que, a este respeito, também improcede o vício de preterição de formalidades essenciais invocado pela Requerente.

 

                No tocante à desvalorização da inscrição na ERS por parte da AT, não se alcança o erro nos pressupostos suscitados pela Requerente, uma vez que aquela reconheceu que essa inscrição tinha sido efetuada e que estava válida à data dos factos. De igual modo, não se identifica erro nos pressupostos nos elementos caracterizadores do sujeito passivo no RIT, pois deste relatório resulta claro que a Requerente não só exercia a atividade de ginásio, como a de prestação de serviços de nutrição, sobre a qual, aliás, incidem as correções, pelo que não se alcança a má-fé apontada pela Requerente. Adicionalmente, não se afigura que o “exemplo absurdo” meramente hipotético referido pela AT no RIT, a título de considerando a latere e de mero reforço de um ponto de vista fundado por outras razões, possa constituir erro nos pressupostos que vicie os atos tributários aqui impugnados, dado que não constitui fundamento essencial destes.

 

                Por outro lado, em relação às orientações administrativas (informações vinculativas) e pareceres referidos no RIT, além de não se identificar qualquer contradição, os mesmos não foram prestados à Requerente, pelo que não vinculam a AT (v. artigo 68.º da LGT), nem o Tribunal, atento o postulado da legalidade tributária (v.  artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição).

 

Sobre o regime de dedução integral de IVA praticado pela Requerente, que a Requerida relata (e bem) como inconsistente com a aplicação do regime de isenção de IVA aplicado a uma parte da sua atividade , não é de conjeturar que a AT fizesse correções a este título  (ou que devesse fazê-las”), tendo em conta que esse pressuposto, da aplicação do regime de isenção de IVA, não é aceite. Com efeito, se para a Requerida as operações são tributadas nos termos gerais e não isentas de IVA, deve ser liquidado o IVA em falta sobre tais operações que, sendo todas tributadas, conferem o direito à dedução, inexistindo qualquer IVA não dedutível associado às mesmas.

 

Nenhuma destas questões se refere ao ponto central das correções de IVA levadas a efeito no RIT e que se prende com a falta de demonstração, por parte da Requerente, dos requisitos da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA.

 

É, de igual modo, inatacável a quantificação da matéria tributável realizada no RIT, pois, como acima referido, a “singela” quantificação, derivou dos valores declarados pelo sujeito passivo como operações isentas e como tal apurados na sua contabilidade, aos quais foi aplicada a correspondente taxa normal de IVA (23%).

 

2.4.        A QUESTÃO DA FINALIDADE TERAPÊUTICA NÃO CONFIGURA UMA QUESTÃO NOVA

 

A Requerente argui nas suas alegações que o enquadramento preconizado pelo Tribunal de Justiça, que só foi conhecido na pendência da presente ação após a fase dos articulados, constitui uma questão nova, que não foi ponderada por nenhuma das Partes, tendo ambas partido da premissa de que os serviços nutricionais eram suscetíveis de ser abrangidos pela isenção.

 

Convém, antes de mais, notar que, contrariamente à posição expressa pela Requerente, a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-581/19 não vem afastar a possibilidade de os serviços nutricionais serem isentos de IVA. Esse pressuposto mantém-se, pois o ponto 31 do acórdão contempla a hipótese desses serviços serem indicados como prestados “para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde”, caso em que serão isentos de IVA. Todavia, não sendo dada essa indicação, não se pode assumir ou presumir, à partida, que tenham finalidade terapêutica, impondo-se a sua demonstração.

 

Como é sabido, as isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu, que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. E no que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa atender a que, segundo a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, já se considerava que estes teriam de ser configurados como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” – v. Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

 

Deste modo, não se conclui pelo caráter inovatório da pronúncia do Tribunal de Justiça reclamado pela Requerente, não tendo o Tribunal imposto qualquer limitação no tempo aos efeitos do acórdão. Assim, vigora o princípio geral que o Tribunal de Justiça tem sistematicamente defendido nos processos de reenvio, de que as suas decisões a título prejudicial sobre interpretação definem o significado e o âmbito de uma regra comunitária tal como deveria ter sido interpretada e aplicada desde a sua entrada em vigor, i.e., com efeitos ex tunc .

 

Relativamente ao argumento esgrimido pela Requerente, também em fase de alegações, de que, reconduzido o problema à clássica repartição do ónus da prova (artigo 74.º da LGT), nunca foi instada a provar a finalidade terapêutica ao longo do processo, importa notar que, ainda que com imperfeições de exposição, se encontram no RIT elementos suficientes para concluir que a Requerida colocou em crise os pressupostos da isenção do artigo 9.º, 1) do Código do IVA e que a Requerente não alegou, nem provou ter preenchido, no todo ou em parte, esses pressupostos.

 

Resulta do ponto “III.1.1.6. Do enquadramento legal vigente da isenção” do RIT, que a AT alude à “disciplina restrita” do artigo 9.º, 1) do Código do IVA como fundamento legal principal das correções e que, à luz da Diretiva IVA, esta isenção depende de serem realizadas prestações de serviço de assistência no âmbito do exercício das profissões paramédicas.

 

De seguida, o RIT remete para o disposto no artigo 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que define as atividades paramédicas como compreendendo a “utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação”. Ora, a finalidade terapêutica prende-se precisamente com esta definição, pelo que não pode afirmar-se que a mesma é alheia à fundamentação dos atos tributários que consta do RIT.

 

Conforme reiteradamente afirmado no RIT, um acompanhamento/rastreio nutricional como aquele referido nos contratos de fidelização da Requerente “com vista à aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética, na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente no domínio da promoção, tratamento e gestão de recursos alimentares […] não é o conceito de prestação de serviço de consulta de nutrição que beneficia de uma isenção ao abrigo do n.º 1 artigo 9.º do CIVA”.

 

O facto de a AT se centrar, de seguida, na circunstância de, na maioria dos casos revelados no inquérito por amostragem realizado aos clientes da Requerente, o serviço de acompanhamento nutricional ser apenas disponibilizado e não utilizado pelos clientes, concluindo que a disponibilização de serviços genéricos de nutrição não utilizados implica que aqueles serviços não possam ser qualificados como “prestações efetivas” e “exercício efetivo de nutrição”, como profissão paramédica, para efeitos de aplicação da isenção, constitui um forte indício da falta de finalidade terapêutica, finalidade que apenas à Requerente competia provar.

 

Nestes termos, os atos de liquidação de IVA em crise fundamentam-se na falta de preenchimento dos pressupostos do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, tendo em conta o recorte de atividades paramédicas constante do artigo 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 261/83, que contém uma definição similar àquela que o Tribunal de Justiça emprega para delimitar a finalidade terapêutica. O Decreto-Lei n.º 261/83 refere a “utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação” e o Tribunal de Justiça “prestações de serviços de assistência que […] tenham por finalidade diagnosticar, tratar, e na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”.

 

Deste modo, ainda que com imperfeições, o RIT contém como fundamento principal a não realização, pela Requerente, de serviços de assistência com as finalidades descritas, possibilitando-lhe [à Requerente] em momento apropriado defender-se com base nessa fundamentação, suficientemente clara e congruente .  

 

Porém, a Requerente, ao invés de demonstrar, como se lhe impunha, os fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença ou reabilitação e os moldes em que os serviços foram prestados, para efeitos de preenchimento dos pressupostos da isenção de IVA que se arroga, optou por uma extensa defesa, na qual escrutina minuciosamente, pela negativa e de forma severa, a fundamentação da AT, sem contudo despender qualquer esforço a lograr ou tentar demonstrar os pressupostos da isenção.

 

E, como atrás se mencionou, é ao contribuinte que, em relação a normas de isenção, cabe provar os respetivos pressupostos, não tendo a AT que o convidar, insistir ou obrigar a provar, pelo que falece, neste ponto, razão à Requerente.

 

2.5.        VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ DA PROPORCIONALIDADE E DO INQUISITÓRIO

 

A Requerente alega ter sido violado o princípio da boa-fé sem, contudo, circunstanciar os parâmetros violados. Refere genericamente o “acinte da redação” do RIT que, contudo, este Tribunal não vislumbra, constatando-se que a Requerida identificou os factos de forma objetiva e procedeu ao seu enquadramento técnico, sem nota de agressividade ou de menor ponderação. O mesmo não se pode afirmar em relação ao ppa.

 

No tocante à menção de “Ginásio” como atividade efetiva da Requerente não se afigura violadora da boa-fé, pois é realmente aquela a que se dedica, sem prejuízo de prestar adicionalmente serviços de nutrição, como atividade secundária, o que também ficou claro ao longo do RIT.

 

Bem assim, a referência descritiva e analítica a alguns elementos quantitativos de anos anteriores (mesmo que caducados), para delinear o quadro de evolução da atividade da Requerente (a menos que fossem falsos ou deturpados, o que esta não alega). A audição de clientes da Requerente para comprovação das operações constitui uma das prerrogativas da AT que não pode ser inviabilizada pelo desconforto da Requerente, não se alcançando em que medida é que apurar a verdade material viola o princípio da boa-fé. De igual modo, não se vislumbram no RIT ilações dissonantes das premissas, nem factos “denegridos”.

 

Sobre as prestações de serviços de nutrição serem efetuadas de forma não personalizada, mesmo que se tratasse de um erro da AT, o que, reitera-se, a Requerente nem tentou demonstrar, tal não seria suficiente para se concluir sobre uma conduta desleal ou desonesta da Requerida, ou uma atuação contraditória desta. Idêntica conclusão se impõe em relação à interpretação da norma de isenção preconizada pela AT, que, afinal, não era censurável e cujo sentido foi confirmado pelo Tribunal de Justiça em situação semelhante à da Requerente, pese embora a existência de pareceres e jurisprudência arbitral em sentido contrário.

 

No que se refere à alegada violação do princípio da proporcionalidade a Requerente alega que a audição dos seus clientes no âmbito do procedimento inspetivo foi desnecessária, desadequada e não constitui o meio menos lesivo de alcançar o objetivo de descoberta da verdade material.

 

Não podemos acompanhar este entendimento da Requerente. As diligências instrutórias constituem uma importante prerrogativa da AT para o exercício da atividade inspetiva e para o cumprimento do dever de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material” – v. artigo 58.º da LGT e 29.º, n.º 1, alínea g) do RCPITA. No caso concreto, as perguntas formuladas pelos Serviços de Inspeção aos clientes da Requerente foram objetivas e sucintas.

 

Neste contexto, a confirmação de elementos sobre as operações realizadas com clientes constitui um procedimento de auditoria comum (mesmo quando estamos perante uma auditoria realizada por entidades privadas, sem prerrogativas de autoridade) que visa obter informações de forma isenta de fonte externa (terceiros), por forma a validar dados.

 

 A confirmação de junto de fontes independentes e externas à entidade que está a ser inspecionada satisfaz o critério da necessidade, pois é indispensável à validação de certos elementos declarados pelo contribuinte (como sucede, de igual forma, com a fiscalização cruzada). Por outro lado, é a forma adequada de alcançar essa validação, pois dirige-se a uma fonte externa, precisamente aquela que tem conhecimento direto dos factos que se pretendem clarificar e/ou confirmar.

 

No caso concreto, a interferência junto de terceiros foi mínima, materializando-se em duas perguntas claras e sucintas, pelo que não se constata o invocado excesso de meios.

 

A alternativa apresentada ao tribunal pela Requerente, no sentido de que a AT deveria ter ouvido os clientes nas suas instalações [da Requerente], é notoriamente contraproducente à independência e liberdade (não condicionada) do depoimento dos clientes, pois é óbvio que se tivessem alguma coisa para relatar desfavorável à Requerente se sentiriam constrangidos a fazê-lo nas instalações desta, além de que constitui uma inaceitável interferência nas prerrogativas de autoridade e margem de discricionariedade legalmente conferidas à AT para prossecução das suas atribuições de interesse público.

 

Em argumento contraditório, a Requerente invoca, por outro lado, que a AT não observou o princípio do inquisitório, apenas tendo colocado perguntas simplistas e tipificadas, de resposta curta, insuficientes para a descoberta da verdade material, opinando sobre a forma como a Requerente devia conduzir a atividade administrativa.

 

Neste ponto, afigura-se que a Requerente faz uma leitura indevida do princípio do inquisitório, no sentido de o mesmo dever abranger (que não deve) uma atividade da AT que suprisse o ónus que a Requerente não satisfez de demonstrar as consultas de nutrição realizadas e a forma como o foram que, paradoxalmente, tendo a oportunidade de fazer a prova no presente processo arbitral, não promoveu para o efeito qualquer iniciativa, nem carreou meios de prova.   

 

À face do exposto, não se verifica a suscitada violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e do inquisitório, cabendo à AT e não à Requerente a determinação da forma do exercício da função administrativa, sujeita ao controlo negativo do princípio da proporcionalidade que, no caso concreto, não apresenta desvio manifesto dos parâmetros da necessidade, idoneidade e contenção de meios para atingir os fins legítimos visados.

 

 

2.6.        FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

A Requerente invoca que a fundamentação constante do Relatório de Inspeção não é clara e é contraditória, em violação do disposto no artigo 77.º, n.º 1 da LGT e o artigo 268.º, n.º 3 da CRP.

 

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

 

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, deve considerar-se “fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário” – acórdão proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o RIT contém, com suficiente clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou as correções de IVA impugnadas, que se prendem com a falta de preenchimento dos pressupostos da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA pelos serviços de nutrição faturados pela Requerente. 

 

                Não se constata qualquer dificuldade em entender o percurso lógico-dedutivo que conduziu à prolação dos atos de liquidação, nem se identifica contradição nessa fundamentação, nem nos pareceres e fichas doutrinárias invocados pela AT (é, aliás, a própria Requerente a reconhecer que as duas informações doutrinárias da AT assentam em distintos pressupostos factuais, pelo que não são suscetíveis de contradição).

 

Estes argumentos, o seu sentido e alcance, foram devidamente percecionados pela Requerente que os refuta de forma circunstanciada, pelo que, pelas razões expostas, improcede o vício de falta de fundamentação (formal) suscitado pela Requerente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

                EM SÍNTESE

 

                Não se verificam os vícios, substantivos e formais, suscitados pela Requerente em relação aos atos tributários de liquidação de IVA de que a Requerente foi alvo em relação aos anos 2016, 2017 e 2018, acima identificados, que, nessa medida, se mantém na ordem jurídica.

 

 

IV.          DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

 

 

V.           VALOR DO PROCESSO

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 69.476,54 relativo às liquidações de IVA cuja anulação é peticionada pela Requerente – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT (v. ponto 2.2 supra sobre a redução do valor da causa).

 

 

VI.          CUSTAS

 

                Custas no montante de € 2.488,00, a cargo da Requerente, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

               

Lisboa, 31 de agosto de 2021

 

Notifique-se.
 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

José Coutinho Pires

Rui Miguel Zeferino Ferreira