Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 322/2021-T
Data da decisão: 2021-10-28  IRS  
Valor do pedido: € 21.266,48
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias de residente na UE – inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

 

I. A revogação do ato tributário que é objeto do pedido de pronúncia arbitral, dentro do prazo previsto no artigo 13.º do RJAT, tem como consequência a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente, se a pretensão da requerente tiver sido integralmente satisfeita com a revogação.

 

II. A requerente é responsável pelas custas se o procedimento prosseguir por sua vontade, não se demonstrando a utilidade do respetivo prosseguimento.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., residente em ..., ..., Paris, França, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10. º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentando pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação de IRS n. º 2020..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2020..., relativa ao período de 2019, resultando num valor a pagar de 42.532,96 €.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à requerida no dia 27/05/2021.

 

3. No dia 01/07/2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou, nos termos do disposto no artigo 13.º do RJAT, que, por despacho de 25/06/2021 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária IR, foi revogada a liquidação objeto do pedido, com todas as consequências legais daí advenientes, tendo juntado Informação da DSIRS onde foi exarado o despacho revogatório.

 

4. Por Despacho de 02/07/2021, e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira, o Senhor Presidente do CAAD solicitou à requerente que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, se dignasse informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.

 

5. A requerente optou por não se pronunciar, tendo o procedimento prosseguido, por aplicação do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT. 

 

6. A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo aquele comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

7. Devidamente notificadas dessa designação a 15/07/2021, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, pelo que o Tribunal Arbitral foi constituído em 03/08/2021.

 

8. A fundamentar o pedido alega a requerente, muito sucintamente, o seguinte:

 

             No ano de 2019, a requerente era residente em França, e, como tal, não era residente em Portugal.

             A requerente adquiriu, em abril de 2017, a fração autónoma designada pela letra "L", correspondente ao piso 3, designado por B3, destinado a habitação, do prédio urbano sito em ..., na Rua ..., números ..., ..., ... e ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. º ... e inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ... .

             O referido imóvel foi adquirido pelo preço de 322.500,00 €.

             A 18 de Outubro de 2019, a requerente procedeu à alienação do imóvel identificado supra, pelo valor de 532.500,00 €.

             A 7 de abril de 2020, a requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2019, a qual foi acompanhada do Anexo G, sob a epígrafe "Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais".

             Na referida declaração, a requerente afirmou a sua condição de não residente. Em concreto, no quadro 8B, assinalou, no campo 06, o seu país de residência - França - e "a tributação pelo regime geral" no caso de "Residência em país da UE ou EEE"

             Na sequência da apresentação da referida declaração de rendimentos, a requerente foi notificada da liquidação de IRS n. º 2020..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n. º 2020..., relativa ao ano de 2019, no valor de 42.532,96 €.

             Da liquidação de IRS identificada supra resulta que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou a totalidade da mais-valia apurada na determinação do rendimento coletável da requerente, sobre o qual liquidou imposto à taxa de 28%.

             Apesar de não concordar com a legalidade dos atos tributários em causa, e para evitar quaisquer atos de execução fiscal por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, a requerente efetuou o pagamento do montante alegadamente devido nos termos das demonstrações de liquidação e acerto de contas acima identificados.

             A requerente considera a liquidação ilegal, em virtude da violação do Direito da União Europeia, face às diferenças de regime entre a tributação das mais-valias realizadas por sujeitos passivos residentes e por sujeitos passivos não residentes, sendo que no primeiro caso o saldo é apenas considerado em 50 % do seu valor e no segundo caso em 100% do seu valor.

             Com vista à reposição da legalidade, a requerente peticionou a anulação da liquidação de IRS n. º 2020..., correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2020..., com o consequente reembolso do IRS pago em excesso no montante de € 21.266,48 e, bem assim, o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.

 

9. Em 11/08/2021, notificada a requerida para responder e juntar processo administrativo, argumentou, sumariamente, o seguinte:

 

             Conforme requerimento apresentado pela requerida a 01/07/2021, a liquidação objeto dos autos foi revogada por despacho da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, de 25/06/2021, com todas as consequências legais daí advenientes, deixando de existir na ordem jurídica.

             No despacho revogatório igualmente se reconheceu o direito da requerente à restituição do valor pago em excesso, bem como o direito aos juros indemnizatórios peticionados.

             A revogação da liquidação ocorreu no prazo dos 30 dias consagrado no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, pelo que o pedido, nos precisos termos em que foi formulado pela requerente, ficou satisfeito com a revogação da liquidação impugnada e com o reconhecimento do direito à restituição do valor pago em excesso e aos juros indemnizatórios.

             Apesar de notificado pela ATA, bem como pelo CAAD, a requerente não se pronunciou sobre a revogação da liquidação, não obstante para tal ter sido instada.

             É manifesto que nos presentes autos, face à revogação da liquidação objeto do P.P.A. e reconhecimento do peticionado, não existe objeto processual, o que inquina a constituição do Tribunal Arbitral e contende com o interesse em agir da requerente e, consequentemente, com a sua legitimidade processual.

 

             Ainda que assim não fosse, como parece ser, a falta de objeto, porque anterior à constituição do Tribunal Arbitral, configura uma impossibilidade originária da lide que determina a extinção da instância, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável por força do estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

             Nos termos do suprarreferido e tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 536.º do CPC e no artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não sendo o prosseguimento dos autos imputável à requerida AT, é evidente que não lhe pode ser imputada a responsabilidade pelas custas no processo.

             Neste mesmo sentido decidiu este CAAD no âmbito do P. 454/2018-T: “O prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), só aos requerentes pode ser imputável. Nos termos previstos no artigo 536.º, n.º 3 do CPC, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas. Tendo em conta que a AT procedeu à revogação do ato de liquidação antes da constituição do Tribunal Arbitral, o prosseguimento do processo, apesar da satisfação do pedido formulado, só aos requerentes pode ser imputável. As custas devem, por isso, ser totalmente imputáveis aos requerentes”.

             Conclui dizendo que (i) deve ser declarada extinta a instância por impossibilidade originária da lide; e (ii) deve a requerente ser condenada nas custas do processo.

 

10. Por Despacho de 12/08/2021, considerando a exceção invocada pela requerida na resposta apresentada, a requerente foi notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a referida matéria de exceção, bem como sobre a matéria relativa ao encargo das custas.

 

11. Decorrido o referido prazo sem que a requerente se tenha pronunciado, o Tribunal notificou as partes no sentido de dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, convidando-as a produzirem, querendo, alegações escritas no prazo de quinze dias.

 

12. Em 24/08/2021, a requerente pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à extinção do processo arbitral, considerando a revogação do ato tributário pela requerida.

 

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

 

A requerente e a requerida têm personalidade e capacidade judiciárias, são partes legítimas e encontram-se legalmente representadas.

 

Existe uma questão prévia que deve ser desde já conhecida pelo Tribunal, relativamente à impossibilidade ou inutilidade superveniente da instância.

 

Importa igualmente decidir quanto à responsabilidade das custas.

 

 

III. DA IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE SUPERVENIENTE

 

A requerida, tendo sido notificada do pedido de constituição de tribunal arbitral, revogou totalmente o ato impugnado pela requerente, nos termos e prazo previstos no artigo 13º, nº1, do RJAT.

 

A revogação do ato satisfez o pedido da requerente na íntegra, reconhecendo-lhe o direito ao recebimento do indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais.

 

Aliás, a requerente, embora já após a constituição do Tribunal e em fase de alegações, veio declarar nada ter a opor à extinção do processo arbitral, tendo em conta a revogação do ato tributário pela requerida.

 

Deixou, assim, de existir o objeto imediato do processo, que era a anulação do ato de liquidação tributária. Conforme dispõe o artigo 165.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, “a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”.

 

Nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, o que se verifica quando ocorrem na pendência do processo factos novos que prejudicam a finalidade do processo.

 

É o que sucede no presente processo, em que a requerida, antes da constituição do tribunal arbitral, comunicou ao Senhor Presidente do CAAD que o ato impugnado pela requerente fora revogado, juntando o respetivo documento de prova, com a consequente satisfação de todas as pretensões da requerente.

 

 

IV. RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

 

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (fora das situações expressas no número 2 da aludida norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo da requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à requerida, caso em que é esta a responsável pela totalidade das custas.

 

Argumenta a requerida que procedeu à revogação do ato de liquidação antes da constituição do tribunal arbitral, pelo que o prosseguimento do processo, apesar da satisfação do pedido formulado, só à requerente pode ser imputável, sendo-lhe por isso totalmente imputáveis as custas.

 

Efetivamente, o artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária dispõe que, “cessando o procedimento por qualquer motivo antes de ser constituído o tribunal arbitral, o requerente é reembolsado da taxa de arbitragem paga, deduzindo-se um valor para efeito da cobrança de encargos administrativos e de processamento”. Ou seja, a taxa de arbitragem não é devida caso o tribunal não chegue a constituir-se, podendo apenas ser devido um valor de despesas que, no caso concreto, a ser exigido, não deve ultrapassar uma UC.

 

Desta forma, não se vislumbram razões, nem a requerente as apresentou, para a constituição do tribunal, satisfeitas que estavam todas as suas pretensões.

 

Contudo, a ausência de resposta da requerente ao Despacho de 02/07/2021do Senhor Presidente do CAAD, através do qual foi solicitado à requerente que se dignasse informar o CAAD sobre o prosseguimento do procedimento, deu origem à constituição do Tribunal Arbitral.

 

Está-se assim fora do âmbito da exceção prevista no referido 536.º, n.º 3, afirmando-se que a impossibilidade ou inutilidade é imputável à requerida, uma vez que a faculdade de revogação do ato dentro dos 30 dias concedidos pelo artigo 13.º do RJAT permite exatamente evitar que, não havendo razões atendíveis, seja dada continuidade ao procedimento que está na origem das custas.

 

Embora em situação diversa da controvertida, mas com utilidade hermenêutica, atente-se ao disposto no artigo 533.º, n.º 4, do CPC: “o autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial, suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da ação, salvo quando a parte contrária tenha inviabilizado a utilização desse meio de resolução alternativa do litígio”.

 

Pelo exposto, a responsabilidade pelas custas deve ser imputada à requerente, uma vez que o procedimento prosseguiu por sua vontade, não se tendo demonstrado a utilidade do respetivo prosseguimento.

   

Neste mesmo sentido têm seguido diversas decisões do CAAD, referindo-se, entre outras, as do Processo nº 70/2020-T e do Processo nº 73/2019-T.

 

V.  DECISÃO

 

Nos termos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

 

a) Declarar extinta a presente instância arbitral, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide;

b) Condenar a requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento e Processo Tributário, e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de 21.266,48 €.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerente.

 

Notifique-se.

 

28 de outubro de 2021

 

O Árbitro Singular

(Jorge Belchior de Campos Laires)