Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 309/2020-T
Data da decisão: 2020-11-30  ISV  
Valor do pedido: € 4.232,50
Tema: ISV – admissão em território nacional de veículo automóvel usado proveniente de outro Estado Membro da EU – artigo 11.º do CISV.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 11 de Setembro de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., contribuinte nº..., residente na Rua ..., ..., em Amorim (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 19 de Junho de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        A Requerente vem deduzir “impugnação da liquidação do ISV (…)” efectuada sobre o veículo automóvel identificado nos autos, com fundamento em ilegalidade por alegada violação do disposto no artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), peticionando a restituição do imposto pago alegadamente pago em excesso, no montante de EUR 4.232,50, acrescido dos juros indemnizatórios.

 

1.3.        Adicionalmente, a Requerente peticiona ainda que, caso subsistam dúvidas “(…) sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado”, formulando no pedido arbitral a seguinte questão:

 

O TJUE deverá esclarecer “(…) se a norma constante do art. 11 do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto descrimina negativamente os veículos usados admitidos no estado português, provenientes de um outro Estado membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal”.

 

1.4.        Com o pedido arbitral a Requerente arrolou duas testemunhas.

 

1.5.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22 de Junho de 2020 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.6.        Em 12 de Agosto de 2020, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.7.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.8.        Em 11 de Setembro de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.10.      A Requerida apresentou Resposta, em 12 de Outubro de 2020 (notificada a 13 de Outubro de 2020), na qual se defendeu por impugnação e por excepção, concluindo que “(…) deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

1.11.      Adicionalmente, na mesma data, a Requerida cópia de mapa relativo às matrículas atribuídas no período de 2010 a 2018 (com dados à data de 2019.09.02), bem como cópia do processo administrativo.

 

1.12.      Por despacho arbitral de 13 de Outubro de 2020 foi decidido, em síntese, pelo Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do RJAT, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)] e da livre condução do processo consignado nos artigos 19º e 29º, nº 2 do RJAT:

 

I.             Ser desnecessária a inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente;

II.            Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

III.          Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo sucessivo de 10 dias, a contar da notificação do presente despacho;

IV.          Determinar que a Requerente se pronunciasse no prazo de 10 dias concedido para alegações, e caso assim o entendesse, sobre o teor da matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta, bem como sobre o teor do documento aí anexado;

V.           Designar o dia 30 de Novembro de 2020 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.13.      Por último, o Tribunal advertiu a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.14.      As Partes não apresentaram alegações escritas no prazo concedido para o fazerem, pelo que a Requerente, notificada para se pronunciar relativamente à excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, não o fez dentro do referido prazo.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente começa por referir que “(…) introduziu em Portugal, (…), em 26.04.2018, o veículo automóvel de passageiros, usado, marca ..., modelo ..., proveniente do Reino Unido”, “(…) com a primeira matrícula registada nesse país” e “tendo, antes da sua entrada em território nacional, percorrido 99.604 quilómetros”.

 

2.2.        Esclarece a Requerente que “no cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, (…) procedeu à declaração aduaneira do referido veículo, tendo a AT procedido à liquidação do ISV (…), no valor de € 5.787,79”, “imposto que foi integralmente pago (…)” pela Requerente.

 

2.3.        Segunda a Requerente, “deste valor liquidado pela AT, € 497,18, corresponde ao valor da componente cilindrada e € 5.290,61, ao valor da componente ambiental”, “sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso do veículo, que foi de 80%”, não tendo havido qualquer redução relativamente à componente ambiental.

 

2.4.        Apesar da Requerente “(…) ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o que não poderia legalizar o veículo para poder circular em Portugal, considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)”, “(…) porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação (…) viola o art. 110º do TFUE (…)”.

 

2.5.        Neste âmbito, defende a Requerente que “o Imposto sobre Veículos (…) tem por incidência, entre outros factos tributários, a admissão de veículos tributáveis (…) em território nacional provenientes de outro Estado-membro da União Europeia”, “incidência, que se aplica aos veículos novos e usados, sendo que nos presentes autos apenas está em apreciação a introdução de veículos usados” sendo que “o cálculo do ISV incide sobre a cilindrada dos veículos e as suas emissões de C02, ou seja, a componente cilindrada e a componente ambiental”.

 

2.6.        Ora, “de acordo com a redação inicial do art. 11° do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo de imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo”, “redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional” mas, “desde a entrada em vigor deste art. 11º e da tabela anexa, que os importadores de automóveis usados admitidos em Portugal originários de outro Estado-membro, reclamaram junto das entidades competentes o facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos admitidos, (…), em Portugal, relativamente aos veículos usados transacionados em Portugal”.

 

2.7.        Segundo a Requerente, “(…) na redação inicial do art. 11°, esta redução apenas se aplicava a componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (C02), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros, já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes”.

 

2.8.        Ora, segundo a Requerente, “perante esta opção do legislador, os importadores desses veículos (…) reagiram junto de várias instâncias públicas (…)” “no sentido de serem eliminados os tratamentos desiguais e discriminatórios dados aos veículos usados admitidos em Portugal, re1ativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal” “e que determinava que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, pagasse mais ISV, relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal”, “o que se traduzia numa violação clara do disposto no art. 110º do TFUE (…)”.

 

2.9.        Segundo a Requerente, “fruto destas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por infração 2009/2296 contra a Republica Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do IS”, “processo que foi encerrado após uma pertinente alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12 (…)”, sendo que “(…) com esta alteração legislativa, ficou resolvida uma parte da i1egalidade, não ficando, contudo, sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 10º ano de uso e após os 5 anos de uso”.

 

2.10.      Ora, “face à manutenção desta divergência nos cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros estados­membros, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de ação por incumprimento contra a República Portuguesa (…)”, tendo sido proferido Acórdão pelo TJUE em 16-06-2016, que a Requerente parcialmente transcreve.

 

2.11.      Assim, “na sequência deste acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV (…)”, “alteração concretizada através de uma nova redação do art. 11º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo” sendo que “analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a ate aos 10 e mais anos de uso”.

 

2.12.      “Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV” porquanto segundo a Requerente, “(…) o legislador, com a nova redação dada ao art. 11°, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (…)”.

 

2.13.      Neste âmbito, reitera a Requerente que “(…) a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, viola frontalmente o art. 110° do TFUE (…)” pois “(…) permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo”, “onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional”, “onerando esses veículos com um ISV mais elevado, tomando-os mais caros, relativamente a veículos equivalentes matriculados em Portugal”, pelo que conclui a Requerente que “a norma do art. 11º do CISV, viola diretamente o disposto no art. 110º do TFUE”.

 

2.14.      Nestes termos, entende a Requerente que “a AT quando procedeu a liquidação do ISV (…), não levou em consideração o número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, tendo apenas considerado essa redução na componente cilindrada”, “tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu (…) que, como tal, esta ferida de ilegalidade”.

 

2.15.      Adicionalmente, peticiona a Requerente que “(…) se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110° do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial (…) ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma a luz do Tratado”, formulando a questão que pretende ver esclarecida.

 

2.16.      Esclarece ainda a Requerente que requereu “face a esta manifesta ilegalidade, (…) , em 18.05.2020, (…) junto da Alfandega de Leixões ao abrigo do disposto no art. 78° da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente ao veículo (…) identificado (…)”, tendo “tal pedido de revisão [sido] indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões (…)”, situação com a qual a Requerente não concorda porquanto alega que “conforme é pacifico na jurisprudência, a revisão do ato tributário (…) pode efetuar-se a pedido do contribuinte, respeitando-se assim os princípios constitucionais da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (…)”.

 

2.17.      Nestes termos, conclui a Requerente o pedido arbitral, peticionando que este seja julgado provado e procedente:

 

2.17.1.  “(…) procedendo-se à anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental” e;

2.17.2.  Que a Requerida seja “(…) condenada a restituir à Impugnante a quantia de

€ 4.232,50 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor a data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na Resposta apresentada, veio defender-se por impugnação e por excepção, concluindo que “(…) deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

Por excepção – da caducidade do direito de acção

 

3.2.        No âmbito da sua Resposta, a Requerida começa por invocar que, “(…) no caso dos autos, procede a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão das liquidações efetuadas, cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Alfândega de Leixões por ter decidido nesse sentido” porquanto “(…) constata-se que o meio jurídico utilizado pela Requerente para apresentar a impugnação no tribunal arbitral foi o despacho de indeferimento, por intempestividade, de revisão oficiosa apresentada”.

 

3.3.        Mas, segundo alega a Requerida, “(…) não pode a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão, extemporâneo, pois, deste modo estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação” pelo que “(…) não pode o tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral”.

 

3.4.        Neste âmbito, alega a Requerida que “se (…) as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, importa, assim, começar por analisar esta exceção porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito do pedido arbitral”.

 

3.5.        Ora, nesta matéria, reitera a Requerida que “tal pedido de revisão foi indeferido, com fundamento na sua intempestividade, tendo a administração aduaneira analisado o pedido face ao disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, transcrevendo o que, para o efeito, diz ter sido alegado pela Alfândega de Leixões para suportar o indeferimento do pedido de revisão, como segue:

 

“(…).

Quanto ao pedido feito por iniciativa do sujeito passivo, como tem que ser feito no prazo de 120 dias (prazo da reclamação graciosa) após a data do termo limite do pagamento do imposto, ele já não se encontra em prazo. (…). Para que o sujeito passivo possa pedir a revisão da liquidação por qualquer ilegalidade tem que o fazer no prazo de 120 dias, o que, manifestamente, não aconteceu.

(…).

3. Encontrando-se o pedido de revisão fora do prazo da reclamação administrativa, o mesmo não poderá ter como fundamento qualquer ilegalidade, mas apenas o erro imputável aos serviços (parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT).

4. Resulta da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT que a revisão dos actos tributários, nele prevista, será promovida pela entidade que os praticou.

5. Atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário ( atribuição reservada aos tribunais) será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do acto tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.(…)”.

“(…) - O prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º (4 anos) só será aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

- Ora, no que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de ISV sido efectuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estes em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhes está subjacente são as mesmas legais (logo, isentas de erro).

- Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com o fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8º nº 4 da CRP).

- Assim, atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre em obediência ao princípio da legalidade, (…) não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente do que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade.

Assim sendo, inexistindo erro imputável aos serviços inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do acto tributário, nos termos do artigo 78º nº 1 2º parte da LGT.

(…)”.

 

3.6.        Refere ainda Requerida que “em abono da tese defendida pela AT invoca-se jurisprudência arbitral recente, nomeadamente a que resulta das Decisões Arbitrais proferidas nos Processos n.º 345/2017-T e nº 114/2019 -T, as quais, não obstante respeitarem a outros tributos, e salvaguardadas as devidas diferenças, versam sobre pedidos de revisão da liquidação de imposto, indeferidos por extemporaneidade, cujo indeferimento foi o meio utilizado para justificar a interposição de pedido arbitral”, transcrevendo parcialmente, para o efeito, o teor desta última decisão, referindo que “(…) não pode nunca a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão, extemporâneo” pois, deste modo “(…) estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

 

3.7.        Assim, para a Requerida, “não tendo a Requerente invocado especificamente a primeira ou segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, mas tendo-o referido como um todo, resulta claramente do que atrás se explanou que, à luz do nº 1, 1ª parte, do artigo 78º da LGT, os pedidos de revisão oficiosa apresentados são manifestamente intempestivos, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa, de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV”.

 

3.8.        Por outro lado, entende ainda a Requerida que, “(…) à data dos factos tributários, a AT aplicou aos mesmos a lei aplicável, em vigor, em estrita observância do princípio da legalidade, não existindo, pois, erro imputável aos serviços que fundamente a 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT”.

 

3.9.        Deste modo, para a Requerida, “tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral, que só veio a ser efetuado em 08.06.2020”, concluindo que “(…) verifica-se a exceção de caducidade do direito de ação (…) devendo, em consequência, a Requerida, ser absolvida do pedido”.

 

Por Impugnação

 

3.10.      Prossegue a Requerida a sua defesa por impugnação, referindo que “foi efectuada a liquidação do imposto, relativa ao veículo identificado na DAV, conforme indicado nos Quadros T e V da declaração”, tendo sido observado, segundo a Requerida, o normativo nacional em vigor para o caso concreto.

 

3.11.      Segundo a Requerida, contrariamente ao que é defendido pela Requerente, “o atual modelo de fiscalidade automóvel tem, pois, em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente”, “pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas”.

 

3.12.      Assim, entende a Requerida que “(…) o modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em sintonia com o espírito deste artigo [referindo-se ao artigo 191º do TFUE], na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma ação preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor-pagador”.

 

3.13.      Com efeito, defende a Requerida que “da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional, mas, tão só, como se referiu, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, isto é, mais “amigos do ambiente” tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE”.

 

3.14.      E, reitera, que “a aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros”, “constatando-se (…) que não existe qualquer obstáculo ao funcionamento do mercado interno (…)”.

 

3.15.      Por outro lado, refere a Requerida que “em última análise, procurou-se, como se viu, aplicar o princípio da equivalência consagrado no artigo 1.º do CISV, bem como o princípio do poluidor pagador, já que, se o regime nacional atribuísse um desconto comercial à componente ambiental do ISV para veículos usados adquiridos noutro Estado-Membro da União Europeia, estaria a subverter por completo aquele princípio e a atribuir um alívio fiscal à admissão e importação de veículos usados mais poluentes”.

 

3.16.      Em suma, entende a Requerente que “não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050”.

 

3.17.      Para a Requerida, “de todo o exposto resulta, com clareza, a relevância social da matéria controvertida no contexto das orientações e disposições legais atinentes a objetivos de natureza ambiental definidos ao nível da União Europeia, internacional e nacional (…)” pelo que “atribuir a mesma percentagem à componente ambiental que é aplicada à componente cilindrada resulta num verdadeiro contrassenso, atenta a natureza diferente daquelas componentes (…)” concluindo que “(…) aplicar a mesma percentagem de redução resulta claramente numa subversão da tributação da componente ambiental, resultando na atribuição de um benefício que incentiva os consumidores a utilizarem veículos mais poluentes”.

 

3.18.      Adicionalmente, entente a Requerida que “ao atribuir, em resultado de tal aplicação, um desagravamento, que, no caso, redunda na atribuição de um verdadeiro benefício fiscal, tal interpretação não pode deixar de se considerar inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP”.

 

3.19.      Assim, entende a Requerida que “(…) a interpretação da Requerente, ao defender a aplicação da mesma percentagem de redução aplicável à componente cilindrada, pugna igualmente pela aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, o que, desde logo, é inconstitucional, posto que, face, ao n.º 2 do artigo 103.º da CRP, os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, verificando-se, assim, uma violação desta norma constitucional, bem como uma desaplicação do artigo 66.º da CRP” porquanto “(…) não se pode olvidar, igualmente, o estabelecido no artigo 66.º, relativo ao Ambiente e Qualidade de Vida, da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (…)”.

 

3.20.      Ora, segundo a Requerida, “neste âmbito, a CRP impõe ao Estado, (…), assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (…)”.

 

3.21.      Assim, para a Requerida, “(…) tendo o artigo 11.º do CISV sido alterado de acordo com o disposto na CRP em matéria ambiental, não pode ser afastado, ainda que com fundamento na aplicação, no direito interno, por via do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, do artigo 110.º do TFUE”, concluindo que “configurando a aplicação da interpretação, pugnada pela Requerente, uma desaplicação do direito internacional - do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris – que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP”.

 

3.22.      Nestes termos, segundo entende a Requerida, “concluindo-se que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário (…)”, “(…) não enferma de qualquer vício, devendo, consequentemente, a liquidação, na parte que vem impugnada, efetuada pela identificada alfândega, manter-se na ordem jurídica”.

 

3.23.      “Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pela Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional” porquanto dela resulta, segundo entende a Requerida, “(…) uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da (…) (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2)”.

 

3.24.      No que diz respeito ao princípio da legalidade, entende a Requerida, que “(…) no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica”.

 

3.25.      Assim, defende a Requerida que “(…) relativamente à liquidação ora impugnada, a mesma foi efetuada de acordo com as normas aplicáveis em vigor (…)”, não sendo possível “(…) extrair da norma a aplicação de uma nova redução, além da prevista no artigo 7.º do CISV, atinente à componente ambiental” porquanto alega que “(…) não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º” pelo que entende a Requerida que “(…) a interpretação da Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, e o artigo 9.º, alínea e) e artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental”.

 

3.26.      E, estando “(…) em causa um direito constitucional fundamental (…)” resulta para o Estado a obrigação “(…) de assegurar o direito ao ambiente, a obrigação de prevenir e controlar a poluição e seus efeitos, promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial, bem como assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º, n.º 2, alíneas a), f) e h), da CRP)”.

 

3.27.      Neste âmbito, alega ainda a Requerida que “(…) a interpretação defendida pela Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica” pelo que “(…) a aplicação de tal redução, não prevista na lei, não pode deixar de se considerar como um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei e que é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, que coloca igualmente a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal”.

 

3.28.      Adicionalmente, entende ainda a Requerida que “(…) ao defender a ilegalidade da liquidação por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, a Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, uma violação do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva” porquanto entende que “(…) tendo a Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia”.

 

3.29.      “Ora, defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais” verificando-se, segundo entende a Requerida, “(…) a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”.

 

3.30.      Assim, entende a Requerida que “em face do exposto, a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV (…) viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento (…)”, concluindo que o mesmo é inconstitucional, “(…) não podendo, por isso, ser aplicado no caso concreto”.

 

3.31.      No que diz respeito ao pedido de juros indemnizatórios apresentado pela Requerente, entende a Requerida que, dado que “(…) no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária” não assiste à Requerente “(…) o direito ao pagamento de juros indemnizatórios”.

 

3.32.      Por último, peticiona ainda a Requerida o indeferimento da prova testemunhal.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.

 

4.3.        Foi suscitada pela Requerida, na sua Resposta, a excepção da caducidade do direito de acção, a qual será analisada no Capítulo 6. desta Decisão.

 

4.4.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        Em 18-05-2018, foi apresentada na Alfândega de Leixões, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca e modelo ..., de cor preta, variante..., versão 02, movido a gasolina, nº de motor ..., cilindrada ... cc, com a matrícula definitiva ..., atribuída no Reino Unido em 22-03-2005 (doc. nº 1 apresentado pelo Requerente e processo administrativo).

 

5.4.        A referida DAV (à qual foi atribuído o nº 2018/...), foi apresentada pela Requerente (através de representante indirecto), tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente do Reino Unido, com 99.604 km percorridos (doc. nº1 apresentado pelo Requerente e processo administrativo).

 

5.5.        No Quadro E da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 99.9999 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 189 g/Km (doc. nº 1 apresentado pelo Requerente e processo administrativo).

 

5.6.        Tendo em consideração a data da 1ª matrícula (no país de origem), foi o veículo em questão considerado como um veículo com mais de dez anos de uso, para efeito dos escalões da Tabela D, prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV, ao qual corresponde uma percentagem de redução de 80%.

 

5.7.        No Quadro R da referida DAV, relativo ao cálculo do ISV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A).

 

5.8.        Do procedimento descrito nos pontos anteriores, resultou a liquidação de ISV nº 2018/..., de 11-05-2018, no valor total de EUR 5.787,79, liquidado pela Alfândega de Leixões, dos quais: (doc. nº 1 apresentado pelo Requerente e processo administrativo)

 

5.8.1.     EUR 2.485,88 são relativos à componente cilindrada, valor ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 80% do seu montante, ou seja, EUR 1.988,70, por força da redução resultante do número de anos do veículo, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV aplicável aos veículos usados, totalizando assim EUR 497,18 e;

5.8.2.     EUR 5.290,61 são relativos à componente ambiental, valor ao qual foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

 

5.9.        A Requerente pagou a totalidade do imposto em 17-05-2018.

 

5.10.      Ao veículo identificado no ponto 5.3., supra foi atribuída, em Portugal, em 17-05-2018, pela Direção Reg. Mob. Transp. do Norte, a matrícula ... .

 

5.11.      A Requerente apresentou, em 18-05-2020, junto da Alfândega de Leixões, pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de ISV identificada no ponto 5.8., supra, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), que correu termos sob o nº ...2020... (doc. nº 5 anexado pela Requerente).

 

5.12.      A Requerente foi notificada, em 16-06-2020, através do Ofício nº 2020..., de 15-06-2020, do despacho de indeferimento do Senhor Director da Alfândega de Leixões, de 12-06-2020, com os seguintes fundamentos (doc. nº 6 apresentado pela Requerente):

 

 

5.13.      A Requerente apresentou, em 19-06-2020, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial da liquidação de ISV identificada e o reembolso do montante de ISV que considera ter pago em excesso (EUR 4.232,50), acrescido de juros indemnizatórios.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.14.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo o processo administrativo.

 

Dos factos não provados

 

5.15.      Não foi obtida evidência documental do alegado pela Requerida nos artigos 28º, 29º e 30 da sua Resposta quanto aos seguintes factos:

 

5.15.1.  De ter sido “(…) elaborada a informação de serviço datada de 21.05.2020, no processo nº ...2020..., daquela alfândega, sobre a qual recaiu despacho do Senhor Director, datado de 22.05.2020, no sentido do indeferimento” (artigo 28º da Resposta);

5.15.2.  De ter sido emitido o ofício nº 2020..., de 28-05-2020, alegadamente notificado em 29-05-2020, através do qual a Requerente tenha sido notificada do projecto de decisão referido no ponto anterior “(…) para efeitos de Audição Prévia” (artigo 29º da Resposta) e;

5.15.3.  De ter sido “a resposta da Requerente (…) analisada na informação de serviço de 12.06.2020 (…)”(artigo 30º da Resposta) porquanto nada é referido nesse sentido no Ofício que notificou o despacho do Director da Alfândega de Leixões, datado de 12-06-2020, que indeferiu o pedido de revisão da liquidação de ISV em crise (doc. nº 6 anexado pela Requerente).

 

5.16.      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o pedido formulado pela Requerente é no sentido de entender que deverá ser parcialmente anulada a “(…) liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental” porquanto “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV – viola o art. 110º do TFUE (…)”, devendo “(…) a AT ser condenada a restituir (…) a quantia de € 4.232,5, cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento (…)”.

 

6.3.        Preliminarmente importa aqui analisar a excepção da caducidade do direito de acção, alegada pela Requerida na sua Resposta.

 

Questão prévia – Excepção da caducidade do direito de acção

 

6.4.        Com efeito, a Requerida na sua Resposta veio invocar que, no caso em análise nos autos, procede a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação de ISV efectuada, cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, em conformidade com o decidido pela Alfândega de Leixões.

 

6.5.        Neste âmbito, alega a Requerida que “(…) o meio jurídico utilizado pela Requerente para apresentar a impugnação no tribunal arbitral foi o despacho de indeferimento, por intempestividade (…)”, do pedido de revisão oficiosa apresentada mas, segundo entende a Requerida, “(…) não pode a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão (…)” que a Requerida considera extemporâneo, “(…) pois, deste modo estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

 

6.6.        Ora, tendo em consideração que a excepção da caducidade do direito de acção pode determinar, se proceder, a intempestividade do pedido de pronuncia arbitral (excepção peremptória), torna-se necessário começar por analisar esta excepção porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito daquele pedido.

 

6.7.        Neste âmbito, de acordo com o disposto no artigo 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29º do RJAT), “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.

 

6.8.        Ora, no caso em análise, a Requerente apresentou em 19-06-2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento, datado de 12-06-2020 (e notificado à Requerente em 16-06-2020), do pedido de revisão oficiosa da liquidação de ISV n.º 2018/..., de 11-05-2018, apresentado em 18-05-2020 junto da Alfândega de Leixões, relativa ao veículo da marca ... identificado nos autos, cujo termo do prazo para pagamento do respectivo imposto ocorreu em 25-05-2018.

 

6.9.        O referido pedido de revisão oficiosa foi indeferido com os fundamentos transcritos no ponto 5.12., supra, concluindo-se, em síntese no despacho de indeferimento que, “(…) inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2º parte do nº 1 do art. 78º da LGT”.

 

6.10.      Como vimos, a Requerida, na Resposta que apresentou veio referir nos artigos 11º a 13º da mesma que, “(…) analisando o pedido de revisão, com referência à primeira parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, refere a Alfândega:

 

(…).

Quanto ao pedido feito por iniciativa do sujeito passivo, como tem que ser feito no prazo de 120 dias (prazo da reclamação graciosa) após a data do termo limite do pagamento do imposto, ele já não se encontra em prazo. (…) Para que o sujeito passivo possa pedir a revisão da liquidação por qualquer ilegalidade tem que o fazer no prazo de 120 dias, o que, manifestamente, não aconteceu.”

 

“E, com referência à 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, afirma o seguinte:

 

(…)

3. Encontrando-se o pedido de revisão fora do prazo da reclamação administrativa, o mesmo não poderá ter como fundamento qualquer ilegalidade mas apenas o erro imputável aos serviços (parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT) 4. Resulta da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT que a revisão dos actos tributários, nele prevista, será promovida pela entidade que os praticou. 5. Atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sob o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário ( atribuição reservada aos tribunais) será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do acto tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.(…)”.

 

“Concluindo que:

 

(…)

- O prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º (4 anos) só será aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

- Ora, no que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de ISV sido efectuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estes em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhes está subjacente são as mesmas legais (logo, isentas de erro).

- Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com o fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8º nº 4 da CRP).

- Assim, atendendo a que a administração tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre em obediência ao princípio da legalidade, (…) não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente do que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade. Assim sendo, inexistindo erro imputável aos serviços inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do acto tributário, nos termos do artigo 78º nº 1 2º parte da LGT”.

 

6.11.      Ora, a argumentação que a Requerida refere na sua Resposta como tendo sido utilizada pela Alfândega no indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação não é aquela que, na realidade, foi notificada à Requerente no Ofício nº 2020 ... com referência ao despacho de indeferimento do pedido de revisão, em conformidade com o acima transcrito (vide ponto 5.12., supra), pelo que cumpre aqui analisar a fundamentação que foi efectivamente notificada.

 

6.12.      Com efeito, naquela notificação pode ler-se que:

 

“(…). O prazo previsto na 2º parte do nº 1 do artigo 78º da LGT só será aplicável se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços. Ora no que respeita à existência de erro, tendo a liquidação de ISV sido efetuada de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que a mesma não enferma de qualquer vício, pois, encontrando-se esta em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, é a mesma legal (logo isenta de erro). Sem embargo, acresce referi que, o erro que vem imputado à liquidação de ISV reconduz-se a uma questão de direito. Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, será de afastar, desde logo, a imputabilidade aos serviços da AT do imputado erro porquanto o ato tributário de liquidação visado, foi praticado nos termos do art. 11º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num julgamento de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no art. 110º do TFUE. Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (…), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (…). Assim, atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT. Efetivamente, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (…). Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2º parte do nº 1 do artigo 78º da LGT. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.13.      Como se pode constatar da argumentação transcrita no ponto anterior, a Alfândega de Leixões (na pessoa do seu Director Adjunto) apreciou a fundamentação que poderia legitimar o pedido de revisão de acto tributário apresentado pela Requerente, à luz do disposto na 2ª parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT, tendo concluído pela inexistência de erro imputável aos serviços e, consequentemente, pela inexistência de fundamento para o procedimento de revisão do acto tributário.

 

6.14.      Assim, o motivo do indeferimento do pedido de revisão foi a falta de fundamento para o mesmo dado ter sido entendido que não existiu erro imputável aos serviços porquanto se concluiu, em síntese, que “(…) o ato tributário de liquidação visado, foi praticado nos termos do art. 11º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num julgamento de conformidade com o direito comunitário (…)”, nada se tendo analisado quanto ao enquadramento daquele pedido de revisão face ao disposto na 1ª parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT.

 

6.15.      Mas terá razão a Requerida quando refere, na sua Resposta, que “(…) tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral (…)”?

 

6.16.      Segundo a Requerida, e apenas referido na sua Resposta, “não tendo a Requerente invocado especificamente a primeira ou segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, mas tendo-o referido como um todo, resulta claramente (…) que, à luz do nº 1, 1ª parte, do artigo 78º da LGT, os pedidos de revisão oficiosa apresentados são manifestamente intempestivos, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa, de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV.  Assim, tanto o prazo de 120 dias para apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação do sujeito passivo, se encontrava claramente ultrapassado, como, por outro lado, à data dos factos tributários, a AT aplicou aos mesmos a lei aplicável, em vigor, em estrita observância do princípio da legalidade, não existindo, pois, erro imputável aos serviços que fundamente a 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT” (sublinhado nosso).

 

6.17.      Ora, notificada para se pronunciar, em sede de alegações, quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida, a Requerente nada veio dizer ao processo.

 

6.18.      Nestes termos, cumpre assim analisar se deverá ou não proceder a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, nos termos que apresenta na Resposta.

 

6.19.      Para o efeito, recorde-se aqui, desde logo, o teor do disposto no artigo 78º da LGT, na redação em vigor à data da apresentação do pedido de revisão da liquidação de ISV identificada nos autos (18-05-2020), nos termos do qual se estabelece:

 

“Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.

 

6.20.      Ou seja, em termos gerais, o artigo transcrito no ponto anterior comporta quatro situações distintas de admissibilidade de revisão dos actos tributários, cada uma delas sujeita a prazo de interposição diferente:

 

a)            Em primeiro lugar, a revisão do acto tributário por iniciativa do sujeito passivo a efectuar dentro do prazo da reclamação (120 dias), com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78º, nº 1, 1º parte) (sublinhado nosso);

b)           Em segundo lugar, a revisão do acto tributário por iniciativa da Autoridade Tributária, a ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78º, nº 1, 2ª parte) (sublinhado nosso);

c)            Em terceiro lugar, a revisão excepcional da matéria tributável, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, a efectuar nos três anos posteriores ao do acto tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (artigo 78º, nº 4) (sublinhado nosso);

d)           Em quarto lugar, a revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta, a efectuar no prazo de quatro anos, seja qual for o fundamento (artigo 78º nº 6) (sublinhado nosso).

 

6.21.      Ora, a Requerente, ao solicitar o pedido de revisão da liquidação de ISV identificada, enquadrou a mesma genericamente no disposto no artigo 78º da LGT, sendo que o referido pedido de revisão apenas poderia ter, teoricamente, enquadramento no disposto no nº 1 daquele artigo 78º (ou com os fundamentos previstos na 1ª ou com os fundamentos previstos na 2ª parte).

 

6.22.      Com efeito, as situações referidas nas alíneas c) e d) do ponto 6.20., supra, não têm aplicabilidade ao caso em apreço pois o pedido de revisão apresentado pela Requerente não diz respeito a uma questão de determinação da matéria tributável, nem diz respeito a uma situação de duplicação de colecta.

 

6.23.      Assim, resta analisar o referido pedido de revisão à luz do disposto na primeira e segunda parte do nº 1, do artigo 78º da LGT, respectivamente, dado que a Requerente, repita-se, não o enquadrou especificamente em nenhum dos fundamentos que legitimam a apresentação do pedido de revisão aí previstos, limitando-se a referir que estava a requerer essa revisão do acto tributário de ISV em crise nos termos do artigo 78º da LGT.

 

6.24.      Ora, neste âmbito, e começando por analisar o disposto na primeira parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT, verifica-se que “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade”.

 

6.25.      Nesta matéria, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 70º e da alínea a) do nº 1 do artigo 102º, ambos do CPPT, o prazo para deduzir a reclamação graciosa é de 120 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

 

6.26.      Assim, no caso em análise, tendo em consideração que o prazo para pagamento voluntário da liquidação de ISV em crise terminou em 25-05-2018, o pedido de revisão daquela liquidação, ao ser apresentado em 18-05-2020, foi apresentado para além do prazo previsto na 1ª parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT, ou seja, para além dos 120 dias previstos para o fazer, pelo que o pedido de revisão “com fundamento em qualquer ilegalidade” seria de considerar intempestivo, não tendo, contudo, este fundamento sido objecto de apreciação no despacho do Director da Alfândega de Leixões.

 

6.27.      E no que diz respeito ao previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, quando aí se refere que “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada (…) por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação (…), com fundamento em erro imputável aos serviços”, o que deverá entender-se?

 

6.28.      Neste âmbito, refira-se desde logo que o eventual enquadramento do pedido de revisão apresentado pela Requerente foi analisado à luz deste normativo, pela Alfândega de Leixões, tendo sido concluído que “(…) não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (…). Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2º parte do nº 1 do artigo 78º da LGT. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.29.      Mas terá o pedido de revisão sido correctamente enquadrado face ao disposto no citado normativo?

 

6.30.      Nesta matéria, entende este Tribunal Arbitral que não atentos os argumentos que a seguir se apresentam.

 

6.31.      Como acima já referido, no nº 1 do artigo 78º da LGT estão previstas várias possibilidades de apresentação de pedido de revisão do acto tributário, sujeitas a diferentes prazos, consoante a sua fundamentação:

 

6.31.1.  Por um lado, está prevista a possibilidade de revisão do acto tributário por iniciativa do sujeito passivo, a efectuar dentro do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa, com fundamento em qualquer ilegalidade (1ª parte do nº 1), possibilidade que, como acima vimos, está no caso afastada, tendo em consideração o decurso do prazo, mas que não foi analisado no despacho de indeferimento notificado à Requerente;

6.31.2.  Por outro lado, está prevista a possibilidade de revisão do acto tributário por iniciativa da Autoridade Tributária, dentro do prazo de quatro após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte do nº 1);

6.31.3.  Ou, ainda, a possibilidade de apresentação a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, também com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte do nº 1), situação não aplicável no caso em análise dado que o ISV liquidado foi pago pela Requerente.

 

6.32.      Descartada já a possibilidade de enquadrar o pedido de revisão à luz do disposto na primeira parte do nº 1, do artigo 78º da LGT (ponto 6.31.1., supra), importa de seguida analisar o enquadramento do pedido de revisão face à possibilidade prevista no ponto 6.31.2., supra), ou seja, de poder ser ou não apresentado no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, fundamentação que foi de facto analisada pela Alfândega de Leixões e serviu de base ao indeferimento do pedido de revisão.

 

6.33.      Desde logo, e no que diz respeito à interpretação do artigo 78º, nº 1 da LGT, constitui jurisprudência assente que a revisão dos actos tributários pela Administração Tributária pode ser também requerida, pelos sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte).

 

6.34.      Ou seja, pode também o sujeito passivo aproveitar o prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, desde que o pedido de revisão oficiosa seja formulado com o referido fundamento.

 

6.35.      Em conformidade com o acima apresentado, a Alfândega de Leixões entendeu que “(…) tendo a liquidação de ISV sido efetuada de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que a mesma não enferma de qualquer vício, pois, encontrando-se esta em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, é a mesma legal (logo isenta de erro). Sem embargo, (…) o erro que vem imputado à liquidação de ISV reconduz-se a uma questão de direito. Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, será de afastar, desde logo, a imputabilidade aos serviços da AT do imputado erro porquanto o ato tributário de liquidação visado, foi praticado nos termos do art. 11º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num julgamento de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no art. 110º do TFUE. Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (…), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (…). Assim, atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num julgamento de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT. (…). Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2º parte do nº 1 do artigo 78º da LGT. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.36.      Ora, neste âmbito, refira-se que a posição assumida pela Alfândega de Leixões está em desconformidade com o entendimento da jurisprudência emanada dos Tribunais superiores, sendo aqui importante determinar se, no caso em apreço, houve ou não erro imputável aos serviços, uma vez que daqui decorre a fixação do prazo de apresentação do pedido de revisão, o qual irá condicionar, em última instância, o prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral apresentado no CAAD em 19-06-2020.

 

6.37.      Nesta matéria, para efeitos de determinação do que deverá entender-se por erro imputável aos serviços refira-se, nomeadamente, o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 1349/10.0BELRS), de 23-03-2017, nos termos do qual se afirma que:

 

“o acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” (…) da liquidação efectuada. O regime de revisão do acto tributário previsto no artº.78, da L.G.T., consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei (…). Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.). (…). O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.38.      Com efeito, para efeitos de apresentação do pedido de revisão de acto tributário, alicerçado em erro imputável aos serviços (e apresentado no prazo de quatro anos), considera-se que “(…) esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito. Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência que (…) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei (…)” (sublinhado nosso).

 

6.39.      Assim, “ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o art. 78.º, nº 1 (…) da LGT estabelece como requisito essencial da revisão oficiosa que o erro seja imputável aos serviços (…)”, erro esse que “(…) admite a patologia de facto e de direito (…)”, sendo que “(…) a ilegalidade não (…) pode ser imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à AT”.

 

6.40.      E, de acordo com o teor do Acórdão do TCAS nº 1058/10.0BELRS, de 31-01-2019 (relator Conselheiro Jorge Cortês), “(…) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE” (sublinhado nosso).

 

6.41.      Ora, no pedido de revisão oficiosa apresentado, a Requerente invocou como fundamentação para o mesmo que “a atual redação do artigo 11º do CISV (…) limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (…) viola frontalmente o art. 110º do TFUE”, entendendo assim ser parcialmente ilegal a liquidação de ISV em crise (sublinhado nosso).

 

6.42.      Da informação e despacho proferidos em sede de apreciação do pedido de revisão, com entendimento corroborado pela Requerida na Resposta apresentada, o entendimento aí vertido, e que fundamenta a decisão de indeferimento do pedido de revisão, vai no sentido de que, no caso sub judice, não se verifica qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não tinha o pedido de revisão apresentado enquadramento no prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78º, nº 1, 2ª parte, decisão que entendemos não estar correcta face ao que acima se expôs.

 

6.43.      Assim, e seguindo o defendido no Acórdão do TCAS citado no ponto 6.40., supra, a Alfandega de Leixões decidiu mal quando não considerou que, no caso, ao ter sido alegada uma violação do direito comunitário esta “(…) configura erro de direito, a enquadrar no conceito de erro imputável aos serviços e que, assim sendo, apelando à jurisprudência resultante do acórdão do STA de 12/12/2001, no proc. nº 026.233, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito comunitário por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços” (sublinhado nosso).

 

6.44.      Nesta conformidade, o pedido de revisão apresentado pela Requerente, com fundamento em erro imputável aos serviços deveria ter sido enquadrado na segunda parte do nº 1, do artigo 78º da LGT podendo, por isso, ser apresentado no prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços e, consequentemente, ser tempestivo para a apreciação da alegada ilegalidade do acto de liquidação de ISV em crise (com o fundamento apontado).

 

6.45.      E, ainda que se admita que, num primeiro momento, a Requerida estava obrigada a liquidar o ISV relativo à viatura automóvel identificada nos autos com base na DAV apresentada, e de acordo com a Tabela D Constante do artigo 11º do Código do ISV, em estrita observância do normativo legal nacional aplicável (porquanto nos termos do disposto no artigo 6º, nº 1 do Código do ISV, “(…) o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares”) e tendo em consideração que “a competência relativa à administração do imposto sobre veículos (…) cabe à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (…)”, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho (diploma que aprovou o Código do Imposto sobre veículos – ISV), os serviços competentes deveriam ter aceite o pedido de revisão apresentado pela Requerente e analisado a sua fundamentação, em conformidade com a melhor jurisprudência e doutrina, porquanto o direito da UE tem força jurídica superior à do direito nacional.

 

6.46.      Assim, ainda que não tenha sido bem enquadrado o fundamento do indeferimento do pedido de revisão, porquanto foi considerado não ter havido erro imputável aos serviços, o pedido de revisão era tempestivo e, consequentemente, será também considerado tempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 19-06-2020, dado que o mesmo se encontra dentro do prazo de 90 dias a contar da data de notificação do despacho de indeferimento do pedido de revisão (16-06-2020).

 

6.47.      Nesta matéria, refira-se que não procedem os argumentos apresentado pela Requerida, na sua Resposta, quando cita o teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 114/2019-T, de 15 de Julho de 2019 (da signatária), porquanto conforme é referido pela própria Requerida, a mesma respeita a outros tributos e devem ser salvaguardadas as devidas diferenças, que a seguir, de forma breve, se assinalam.

 

6.48.      Com efeito, refere-se na Decisão Arbitral referida no ponto anterior que “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência (…)” e que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, concluindo-se naquele processo arbitral que “(…) a intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IUC em crise terá repercussões no mecanismos de reação subsequentes, ou seja, em matéria do próprio pedido de pronúncia arbitral”, tendo-se aí concluído que não poderia defender-se e justificar-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento liminar de um pedido de revisão extemporâneo pois, deste modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já, há muito, os respectivos prazos de contestação (sublinhado nosso).

 

6.49.      Contudo, naquela decisão, a apreciação da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral teve por base a intempestividade do pedido de revisão com fundamento na primeira parte do nº 1 do artigo 78º da LGT porquanto não foram considerados aplicáveis os fundamentos (ausência de erro imputável aos serviços) para enquadrar o pedido de revisão na segunda parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT, tendo-se aí concluído que, naquele caso, o referido pedido era intempestivo, o que não acontece no caso em análise, dado o enquadramento do mesmo nos fundamentos previsto na segunda parte, do nº 1, do artigo 78º da LGT, em conformidade com o acima exposto.

 

6.50.      Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que deverá improceder a excepção da intempestividade do pedido arbitral.

 

6.51.      Nesta conformidade, cumpre agora analisar os pedidos formulados pela Requerente no sentido de obter (i) a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV identificada e a sua consequente anulação parcial, bem como a (ii) a restituição do imposto indevidamente liquidado e pago, acrescido dos juros indemnizatórios calculados, à taxa legal em vigor, sobre o referido montante.

 

6.52.      Com efeito, no caso em análise, em resultado da apresentação da DAV para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros identificado no ponto 5.3., supra, foi liquidado à Requerente o respectivo ISV pelo valor total de EUR 5.787,79, correspondendo EUR 497,18 à componente cilindrada (já com a redução de 20% incluída) e EUR 5.290,61 à componente ambiental (sem qualquer redução).

 

6.53       Apesar da Requerente ter pago, em 17-05-2020, o total do imposto liquidado pela Alfândega de Leixões, não concordou com o valor de ISV respeitante à componente ambiental porquanto entende que deveria ter sido também aí aplicada uma redução resultante do número de anos do veículo, à semelhança do que sucedeu com a componente cilindrada, sendo esta a razão pela qual apresentou este pedido de pronúncia arbitral, alegando que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11 do CISV – viola o art. 110º do TFUE (…)”, tendo a liquidação de ISV em crise sido efectuada “(…) com recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu (…) que, como tal, está ferida de ilegalidade”.

 

6.54.      Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio peticionar que se proceda “(…) à anulação parcial da liquidação de ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental”, devendo a Requerida “(…) ser condenada a restituir (…) a quantia de € 4.232,50 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa (…) em vigor (…)” (sublinhado nosso).

 

6.55.      Por seu lado, a Requerida entende que “o atual modelo de fiscalidade automóvel tem, pois, em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente” pelo que “(…) em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas”, concluindo que deve “(…) a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas (…)”, sendo que “a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental”.

 

6.56.      Neste âmbito, cumpre ao Tribunal Arbitral analisar o pedido e a posição de cada uma das Partes, de modo a decidir a qual das Partes assiste razão sendo que, para este efeito, terá este Tribunal Arbitral de avaliar se a liquidação de ISV relativa à viatura usada identificada nos autos (ponto 5.3., supra) padece ou não de ilegalidade parcial, devendo em caso afirmativo mandar-se anular parcialmente aquele acto tributário (conforme defende a Requerente) ou se, pelo contrário, como defende a Requerida, deverá aquele acto de liquidação de ISV ser integralmente mantido na ordem jurídica, por não enfermar da ilegalidade apontada pela Requerente.

 

6.57.      Face ao acima exposto, para apreciar a legalidade da liquidação efectuada, em sede de ISV, importa responder à seguinte questão de direito controvertida:

 

6.57.1.  A actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV está ou não em conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE?

 

6.58.      Para decidir a questão acima enunciada importará aferir se a interpretação, levada a cabo pela Requerida, do artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 217º da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro), da qual resultou a liquidação de ISV em crise (cuja anulação parcial constituiu o objecto deste pedido arbitral), viola ou não o disposto no artigo 110º do TFUE e, em caso de dúvidas, aferir se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos sugeridos pela Requerente.

 

6.59.      A questão respeitante à decisão do reenvio prejudicial, por razões de economia na exposição e fundamentação da presente decisão arbitral, será tratada em último lugar (e não a título prévio).

 

6.60.      Na análise que este Tribunal Arbitral irá efectuar será seguido, de muito perto, o teor da Decisão Arbitral prolatada no âmbito do processo nº 572/2018-T, de 30-04-2019, da signatária desta decisão.

 

Breve resenha histórica

 

6.61.      Em 2007, a tributação automóvel foi objecto de uma profunda reforma em Portugal, com a Lei n° 22-A/2007, de 29 de Junho, a abolir o Imposto Automóvel, o Imposto Municipal Sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem, dando lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e ao Imposto Único de Circulação (IUC), alterações que foram promovidas ao encontro das preocupações da União Europeia, tendo por objetivo a clarificação e a simplificação do sistema fiscal, reduzindo a carga fiscal aquando da aquisição do veículo e inserindo preocupações ambientais na graduação das taxas dos impostos em função das emissões de CO2.  

 

6.62.      Com efeito, com a introdução do ISV e do IUC, foi possível introduzir um elemento ambiental no cálculo do montante fiscal a pagar, em função, nomeadamente, do nível de emissões de CO2 emitidas pelo veículo e da cilindrada.

 

6.63.      Como é sabido, o ISV e o IUC regem-se pelo princípio da equivalência ou do poluidor-pagador, ou seja, é atribuído ao contribuinte a responsabilidade principal pelos custos ambientais causados, tendo como objectivo compensar os custos ambientais, em vez de fazer recair esta responsabilidade sobre os construtores de automóveis, que são os que responsáveis originários da poluição atmosférica, podendo afirmar-se que, em geral, a tributação automóvel inclui critérios de cariz ambiental nas diversas categorias de impostos, sendo que os impostos que incidem sobre os automóveis integram na sua base tributável aspectos ecológicos (tais como o fator de emissão de CO2 e o tipo de combustível), destinados a influenciar o consumo das pessoas e a serem mais selectivos nas suas escolhas.    

 

Enquadramento preliminar

 

6.64.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no Código do ISV (versão em vigor):

 

6.64.1.  Estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1);

6.64.2.  “Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” (artigo 5º do Código do ISV), sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional” (sublinhado nosso);

6.64.3.  “O imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (…) no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares” [artigo 6º, nº 1, alínea b)], sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3) (sublinhado nosso);

6.64.4.  “A introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)” (artigo 17º, nº 1), sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV” (sublinhado nosso);

6.64.5.  “Os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV (…)” nos prazos aí previstos (artigo 20º, nº 1), sendo que, nos termos do seu nº 2, se enumeram os documentos que a devem acompanhar;

6.64.6.  As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados (artigos 7º a 11º).

 

6.65.      Assim, e no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.

 

6.66.      Ao que a este caso interessa, ou seja, o cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nº 1 e 2 do Código do ISV dispõe que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)” (sublinhado nosso).

 

6.67.      No que diz respeito à competência para a liquidação do ISV, de acordo com o disposto no artigo 25º, nº 1 do Código daquele imposto, esta “(…) é realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base na DAV (…), dentro dos (…) prazos (…)” previstos.

 

Direito Nacional e Direito da União Europeia - Breve resenha histórica

 

6.68.      Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados, tendo essa legalidade sido, desde muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entidade entendia que as normas portuguesas, então vigentes, não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma.

 

6.69.      Ora, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.  

 

6.70.      Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso.

 

6.71.      Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

 

6.72.      Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.73.      Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, as jurisprudências têm entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.74.      Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

 

6.75.      Mais se considerou que, quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

 

6.76.      Assim, pode afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso “Gomes Valente” abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.

 

6.77.      Mas, ao que ao presente caso interessa, refira-se ainda que em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.

 

6.78.      Com efeito, o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental.

 

6.79.      Contudo, o referido Acórdão veio declarar que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto” (sublinhado nosso).

 

6.80.      Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das “importações” provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

 

6.81.      Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

 

6.82.      Em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.83.      Ora, relevando que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016.

 

6.84.      Com efeito, em matéria de direito internacional, o artigo 8º, nº 4 da CRP estabelece que “as disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático” (sublinhado nosso).

 

6.85.      Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.

 

6.86.      Em matéria de interpretação deste artigo, face aos direitos nacionais, já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.

 

6.87.      Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

 

6.88.      E tanto assim é que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:

 

“O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

 

6.89.      Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016, visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).

 

6.90.      E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

 

6.91.      Nestes termos, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

 

6.92.      Adicionalmente, e em conformidade com o acima analisado, refira-se que com a alteração legislativa verificada em 2016, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2017, e à revelia do disposto no artigo 110º do TFUE, Portugal deixou de considerar as percentagens de redução de ISV relativas à depreciação das viaturas no que diz respeito à componente ambiental pretendendo-se com isso, segundo a Requerida, “(…) imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e usados (…)”sem “(…) contrariar o direito comunitário, (…)”, “(…) tendo em vista o cumprimento das responsabilidade ambientais assumidas no âmbito do Protocolo de Quioto” porquanto “(…) não pode deixar de se referir o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, (…) porquanto naquele dispositivo, afirma-se, expressamente (…) que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente”.

 

6.93.      Ora, a situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.

 

6.94.      Com efeito, a Comissão voltou a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados “importados” de outros EM são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional e, nessa medida, instaurou junto do TJUE uma acção contra Portugal (doc. nº 4 anexado pela Requerente).   

 

6.95.      Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que o disposto no artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.

 

6.96.      Refira-se, por último que a Requerida elenca ainda uma vasta lista de alegadas inconstitucionalidades (apresentadas nos pontos 3.23. a 3.30., supra), de que alegadamente padece o entendimento defendido pela Requerente, como argumentos para sustentar a posição de que a liquidação de ISV não deverá ser anulada, nomeadamente que:

 

6.96.1.  “(…) a interpretação da Requerente, ao defender a aplicação da mesma percentagem de redução aplicável à componente cilindrada, pugna (…) pela aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, o que (…) é inconstitucional (…)” e “ao atribuir (…) um desagravamento, que (…) redunda na atribuição de um verdadeiro benefício fiscal, tal interpretação não pode deixar de se considerar inconstitucional (…)” (sublinhado nosso);

6.96.2.  “(…) tendo o artigo 11.º do CISV sido alterado de acordo com o disposto na CRP em matéria ambiental, não pode ser afastado, ainda que com fundamento na aplicação, no direito interno (…) do artigo 110.º do TFUE”, concluindo que a interpretação da Requerente configura “(…) uma desaplicação do direito internacional (…) que vincula o Estado Português (…)”;

6.96.3.  “(…) ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a interpretação do artigo 11.º do CISV pugnada pela Requerente sempre terá que se reputar de inconstitucional” porquanto dela resulta “(…) uma violação do princípio da legalidade (…), o qual (…) impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (…)”, “(…), não podendo ter atuado de modo diferente (…) sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica”;

6.96.4.  “(…) a interpretação da Requerente ofende claramente o princípio da equivalência (…) sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel (…)”;

6.96.5.  “(…) ao defender a ilegalidade da liquidação por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, a Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios (…), viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV (…) [o] princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva” porquanto “(…) tendo a Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável (…)”, estando-se, segundo entende a Requerida, “(…) perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais”, verificando-se “(…) a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”.

 

6.97.      Assim, em resumo, para a Requerida,“(…) a interpretação da Requerente do artigo 11.º do CISV quando interpretado da forma em que o faz, viola os princípios (…) da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento (…)”, concluindo que o mesmo é inconstitucional, “(…) não podendo, por isso, ser aplicado no caso concreto”.

 

6.98.      Neste âmbito, face ao elenco de inconstitucionalidades acima enunciadas, cumpre aqui referir o seguinte:

 

6.98.1.  O artigo 11º do CISV continua a ser contrário ao artigo 110º do TFUE e à interpretação conjugada, uniforme e reiterada que dos mesmos tem o TJUE dado a conhecer;

6.98.2.  Com base neste entendimento, a Comissão Europeia deu início a um procedimento de infracção contra o Estado Português, seguido de acção junto do TJUE;

6.98.3.  Subscrevendo a posição expressamente assumida pelo TJUE, não se afiguram a este Tribunal Arbitral dúvidas quanto à incompatibilidade do artigo 11º do CISV com o direito da UE (no caso, artigo 110º do TFUE), quando faz impender uma carga tributária agravada sobre os veículos usados provenientes de outros Estados Membros, comparativamente com os nacionais, por não ter em conta a necessária redução do montante do imposto incidente na componente ambiental;

6.98.4.  “O nº 4 do artigo 8º da CRP, estabelece o primado do direito comunitário, quando determina que as disposições dos tratados que regem a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito nacionais (…), desde que respeitados os princípios fundamentais do Estado de direito comunitário. Daí que, quando as normas de direito ordinário interno não são compatíveis com o direito comunitário, o Tribunal não as pode aplicar suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto”;

6.98.5.  Daqui se retira que o primado do direito da União Europeia é absoluto e impõe-se à própria Constituição pelo que a legalidade da liquidação de ISV aqui parcialmente impugnada deve aferir-se, em última instância, pela sua conformidade com o direito da UE que compete aos Estados membros, designadamente através dos tribunais, aplicar e fazer respeitar;

6.98.6.  Em relação ao argumento referido pela Requerida nos artigos 125. a 130. da sua Resposta (acima apresentado no ponto 6.96.5.), sempre se dirá que, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da (i)legalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta bem como da (i)legalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais, devendo os tribunais arbitrais decidir de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade. Assim, o Tribunal Arbitral não se pronuncia sobre a constitucionalidade de interpretações, entendimentos ou leituras de normas jurídicas, estando essa competência reservada ao Tribunal Constitucional;

6.98.7.  Quanto ao argumento, alegado pela Requerida, de pelo facto da Requerente ter recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação de ISV em crise, aquela ficar coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, refira-se que o recurso à arbitragem está previsto na lei (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro) e obedece a um regime legalmente definido, a que a Requerida se encontra vinculada (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março), pelo que se afigura desprovido de sentido alegar (indirectamente), nesta sede, que a Requerente deveria ter utilizado outra forma de impugnação para que a Requerida pudesse impugnar a decisão, caso esta lhe fosse desfavorável, não se verificando pois qualquer violação do princípio do livre acesso aos tribunais, que em sede deste processo não cabe sequer apreciar.

 

6.99.      Nestes termos, reitera-se a conclusão que a liquidação de ISV objecto do presente pedido arbitral padece de ilegalidade, na parte em que não considerou a redução de imposto sobre a componente ambiental, impondo-se a sua anulação parcial.

 

6.100.    Em consequência, será negativa a resposta a dar à questão a decidir, enunciada no ponto 6.57.1., porquanto se entende que a actual legislação portuguesa vertida no artigo 11º do Código do ISV não está em conformidade com o disposto no direito comunitário, designadamente no artigo 110º do TFUE (aplicável por força do artigo 8º, nº 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o acto tributário de ISV objecto do pedido arbitral porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a redução de ISV relativa à componente ambiental, em conformidade com o disposto no referido artigo 110º do TFUE.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.101.    Para o efeito, analisadas as matérias em presença e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, porquanto, no caso concreto, estão preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE:

 

6.102.    Por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro e, por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada) que não deixa dúvidas de interpretação do normativo da UE que esteve na base do normativo nacional aplicável.

 

6.103.    Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido o pedido apresentado pela Requerente.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.104.    A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial da liquidação de ISV identificada no processo, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de ISV cobrado em excesso (EUR 4.232,50).

 

6.105.    No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.106.    De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.107.    Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).  

 

6.108.    Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido pelo que o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.109.    Ora, na sequência da declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV identificado, com os fundamentos apontados, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.110.    Nestes termos, terá de haver lugar ao reembolso parcial do montante de ISV pago pela Requerente, relativos ao ISV na parte em que a liquidação em crise se deve considerar anulada, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.

 

6.111.    Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de ISV indevidamente cobrada e paga, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.112.    Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.113.    Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.114.    Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida;

7.1.2.     Indeferir o pedido de reenvio prejudicial, por se afigurar desnecessário;

7.1.3.     Julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral, determinando-se a anulação parcial da liquidação de ISV identificada no processo e ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso, no montante de

EUR 4.232,50, acrescida dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;

7.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 4.232,50.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2020

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira