Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 3/2017-T
Data da decisão: 2017-07-28  IRS  
Valor do pedido: € 215.298,42
Tema: IRS - Obrigação de retenção na fonte sobre distribuições de resultados
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), José Rodrigo de Castro e Luís M. S. Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A…, Lda., com sede na Rua…, … ..., …-… Lisboa, contribuinte fiscal n.º…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número único de matricula e de Pessoa Coletiva, apresentou, no dia 30 de dezembro de 2016, pedido de pronúncia arbitral, para apreciação da legalidade do ato de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, no valor total de EUR 215.298,42, sendo EUR 188.740,33 correspondentes a retenção na fonte de IRS alegadamente devido e EUR 26.558,09 relativos a juros compensatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13 de janeiro de 2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável. Em 27 de fevereiro de 2017, foram as Partes devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, foi comunicado às Partes que o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 14 de março de 2017.

O pedido é tempestivo, à face do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, e o tribunal arbitral coletivo é competente para dele conhecer, nos termos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. O processo não enferma de nulidades e não há exceções nem obstáculos à apreciação do mérito da causa.

Em síntese, a Requerente alega o seguinte:

(1) Foi notificada pela AT para envio do ficheiro SAF-T respeitante ao ano 2012, por referência ao último mês que se encontrasse fechado;

(2) Em resposta à notificação, enviou o ficheiro SAF-T, que apresentava um saldo em «caixa» no valor de EUR 719.544,49;

(3) Na sequência da ação inspetiva ao abrigo da OI 2014…, foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), de acordo com o qual foram promovidas correções fiscais às retenções na fonte de IRS respeitantes ao período de tributação de 2012, no montante de EUR 188.740,33, que se decompõem em: (a) distribuições de resultados, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS (CIRS): base de incidência: EUR 595.382,55; imposto: EUR 157.776,38; (b) registos em conta de sócios, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS: base de incidência: EUR 116.845,08; imposto: EUR 30.414,43;

(4) No seguimento das conclusões constantes do RIT, foi notificada da liquidação oficiosa de retenções na fonte de IRS n.º 2016…, no valor total de EUR 215.298,42, sendo EUR 188.740,33 correspondentes a retenção na fonte e EUR 26.558,09 a juros compensatórios;

(5) O valor do saldo em «caixa», EUR 719.544,49, foi regularizado contabilisticamente em 2012, por contrapartida das contas #55 (Reservas), #56 (Resultados Transitados) e #2788102 (Outros devedores e credores);

(6) Entre 2001 e 2009, esteve sujeita ao regime simplificado de tributação em IRC e, não obstante a exigência legal de ter contabilidade organizada, por lhe ser aplicável aquele regime fiscal mais simples de apuramento do lucro tributável não se apercebeu que os registos contabilísticos não estavam corretamente realizados ou lançados pela entidade a quem confiara esse serviço;

(7) Na vigência da aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável, a sua contabilidade apresentava incongruências resultantes de situações passadas que não haviam, até 2012, sido detetadas e não haviam sido regularizadas;

(8) Foi após a solicitação do ficheiro SAF-T que os responsáveis pela contabilidade informaram a Gerência que as demonstrações financeiras ostentavam um saldo em «caixa» no valor de EUR 719.544,49, “situação que causou óbvia surpresa e consequentemente motivou a realização de uma auditoria externa”;

(9) Porque verificada a desconformidade das contas com a realidade factual, procedeu às regularizações acima referidas [no ponto 5], para espelhar o que havia sido a prática reiterada de distribuições de lucros;

(10) Não se verificou qualquer distribuição de lucros - presumida ou efetiva - no exercício de 2012;

(11) Por referência aos períodos de tributação entre 2001 (ano de constituição) e 2012, os resultados líquidos dos exercícios decompõem-se conforme segue (atas de aprovação de contas que junta como Docs. 4 a 18) (em EUR): 2001: 18.903,37; 2002: 56.201,47; 2003: 80.676,28; 2004: 74.813,92; 2005: 58.018,28; 2006: 87.089,21; 2007: 112.180,02; 2008: 127.374,73; 2009: 79.123,83; 2010: 6.935,57; 2011: 1.457,80; 2012: -930,46; com o valor agregado de EUR 701.844,02;

(12) De acordo com as mesmas atas e por referência aos vários exercícios, foi deliberada a distribuição de lucros aos sócios, nas seguintes importâncias: 2001: 17.958,20; 2002: 54.646,64; 2003: 80.676,28; 2004: 74.813,92; 2005: 58.018,28; 2006: 87.089,21; 2007: 112.180,02; 2008: 127.374,73; 2009: 79.123,83; 2010: 6.000,00; 2011: -; 2012: -; com o valor agregado de EUR 697.881,11;

(13) Sobre o saldo da conta de …, no montante de EUR 719.544,49: seria objetivamente impossível que tivesse um mínimo de adesão, seria manifestamente improvável que uma empresa com a sua dimensão dispusesse de tal soma em «caixa», pois, sendo esse montante resultante do resultado líquido apurado em exercícios anteriores (entre 2001 e 2011), essa assunção significaria que lhe teria sido impossível, por falta de meios financeiros, realizar as transferências e efetuar os pagamentos em favor dos sócios que efetivamente realizou ao longo desses mesmos exercícios;

(14) Não procedeu a retenções na fonte sobre as distribuições de resultados, mas essas distribuições (essas transferências) ocorreram entre 2002 e 2011; os fundos relevados em «caixa» foram, ao longo dos vários exercícios anteriores a 2012, efetivamente distribuídos (e utilizados) pelos sócios; os sócios gerentes nunca auferiram vencimentos em todos os exercícios mencionados (2002 a 2011), o que conduz à conclusão de que as transferências realizadas ao longo dos anos não ocorreram a esse título; tais transferências, bem como depósitos diretamente efetuados nas contas pessoais dos sócios, também não foram mútuos, nem reembolsos de despesas incorridas em nome e por conta da Requerente; outra natureza não tiveram, senão a de distribuição de lucros;

(15) A mesma conclusão é aplicável relativamente aos gastos que, através da utilização do seu cartão bancário, suportou com despesas destinadas a uso pessoal dos sócios, os quais sem prejuízo da sua incorreta valoração como custos indispensáveis à atividade, se terão de considerar como lucros ou adiantamentos por conta destes na esfera dos respetivos beneficiários;

(16) Até 2009, foi tributada, em sede de IRC, pelo regime simplificado e tal circunstância conduziu a falta de rigor na contabilização das operações e na separação entre a sua esfera patrimonial e as dos sócios;

(17) O modus operandi subjacente ao fluxo financeiro das receitas da atividade pressupunha que: (a) o recebimento da contraprestação das consultas médicas era maioritariamente efetuado em numerário ou em cheque; (b) tais importâncias eram entregues ao sócio-gerente Dr. B… que, com regularidade pelo menos bissemanal procedia ao respetivo depósito nas suas contas bancárias pessoais (predominantemente a conta «… …»), assim como nas da sócia-gerente Dra. C…; (c) esses valores, registados em «caixa» na contabilidade da Requerente, eram diretamente depositados nas contas pessoais dos sócios;

(18) Entre 2002 e 2009, D… Lda. celebrou com o Dr. B… um contrato de prestação de serviços, tendo como contraprestação o montante de EUR 1.995,20, que em 2004 passou para EUR 2.100,00 e em 2006 para EUR 2.500; pese embora tal contrato tenha sido celebrado com o Dr. B…, os rendimentos daí decorrentes eram faturados pela Requerente, mas a contraprestação pelos serviços prestados à D… era depositada na conta bancária pessoal do Dr. B…;

(19) Ao longo do período em análise, constituía prática reiterada a realização de transferências bancárias em favor dos sócios sem qualquer fundamento que as titulasse; foram realizadas transferências bancárias a débito da conta E… …, titulada pela Requerente, para as contas F… … e E… … tituladas pelo Dr. B…, ao longo dos vários exercícios considerados; acresce “a transferência reiterada de importâncias não despiciendas e que corroboram a alegação de que não corresponde à realidade o saldo de «caixa»”;

(20) Uma soma considerável dos montantes registados em «caixa», mais especificamente a importância total de EUR 368.495,60, foi distribuída aos sócios nos anos 2005 a 2009, e tais distribuições são prévias ao exercício de 2012;

(21) Incorreu, ao longo dos anos, em despesas destinadas à esfera privada dos sócios, através do uso de cartão de crédito, com “frequente utilização” para “aquisição de bens como bilhetes de cinema, compras de supermercado, vestuário, brinquedos, artigos desportivos, vestuário infantil, entre outros”; tais despesas, sem prejuízo da sua incorreta valoração como custos indispensáveis à atividade, por se destinarem à esfera pessoal dos sócios, terão de se qualificar como lucros (ou adiantamentos por conta destes) na esfera dos beneficiários; conforme se depreende pela natureza das despesas, conjugada com o facto de os sócios-gerentes Dr. B… e Dra. C…, casados e prestadores dos serviços médicos debitados pela Requerente aos seus clientes, serem os sócios quase totalitários da Requerente, a conta bancária desta foi, ao longo dos períodos considerados, utilizada como conta bancária pessoal dos sócios; os fundos de tal conta bancária eram utilizados com um propósito que extravasava o seu fim corporativo ou escopo empresarial que, em rigor, lhe estaria subjacente.

(22) A mesma confusão patrimonial está espelhada no facto de fundos existentes nas contas pessoais dos sócios também terem servido para o pagamento de despesas da Requerente, conforme sucedeu, a título exemplificativo, no caso do pagamento do IRC de 2007 (EUR 7.742,71, em 03.09.2007) e 2008 (EUR 10.444,55, em 01.10.2008), cujas importâncias foram pagas diretamente através do saldo da conta F… n.º…, cujo titular é o Dr. B…, sócio da Requerente;

(23) O exercício realizado por amostragem relativo aos períodos de tributação referidos é aplicável, nos mesmos termos, aos demais anos;

(24) A AT alega que as distribuições de lucros ocorreram em 2012 ao constatar que o saldo evidenciado em «caixa» na contabilidade da Requerente já havia saído da respetiva esfera patrimonial; não constando de qualquer conta do ativo da Requerente, outra conclusão não pode ser extraída senão a de que tais importâncias foram distribuídas com precedência face ao ano de 2012;

(25) Em 2012, eram duas as contas bancárias da Requerente: uma no E… (que a 01.01.2012 ostentava um saldo credor de EUR 239,44 e a 31.12.2012 um saldo credor de EUR 87,68) e outra no G… (que a 01.01.2012 tinha um saldo credor de EUR 201,20 e a 27.12.2012 um saldo credor de EUR 427,95); sendo assim, e tendo sido ao longo dos vários exercícios apurados resultados líquidos positivos, se a importância correspondente a EUR 719.544,49 não se encontra em «caixa», se igualmente não se encontra registada em qualquer conta bancária titulada pela Requerente, e se também não se encontra relevada em qualquer outra conta do ativo, conclusão diversa não pode ser extraída senão a de que tal valor já teria sido anteriormente distribuído;

(26) Tendo sido tais importâncias efetivamente atribuídas aos sócios em data anterior a 2012, não é possível sustentar qualquer correção ou liquidação com base no «facto» de que foram colocadas à disposição nesse ano 2012;

(27) As únicas atas que poderão fazer fé são as devidamente assinadas pelos sócios e só essas podem suportar que as distribuições de lucros foram realizadas em data anterior a 2012;

(28) Os pontos a esclarecer prendem-se com o momento da elaboração das atas e não tanto com as distribuições que estas habilitaram ou atestaram, e sobre quais as atas a efetivamente considerar; sobre este segundo ponto, por força da informalidade que norteou a contabilidade da Requerente e da negligência inerente à atuação do(s) Técnico(s) Oficial(ais) de Contas responsáveis nos períodos em consideração de 2001 a 2011, não houve, também no capítulo da elaboração das atas que se impunham, qualquer rigor; essa ausência de rigor não foi ao ponto de os sócios, ao longo dos anos, terem elaborado atas nos termos das quais a totalidade do resultado líquido do exercício era afeto a Reservas Livres e/ou Resultados Transitados; tais atas (a existirem) nunca foram elaboradas pelos sócios, nunca foram do seu conhecimento e jamais foram por si assinadas;

(29) Foi por se ter apercebido da ausência de suporte formal às distribuições de resultados dos exercícios de 2002 a 2011 que procedeu à elaboração das atas, as quais vêm espelhar a realidade ocorrida em anos anteriores e que, em consequência, evidenciam a (efetiva) atribuição de lucros em momento anterior a 2012;

(30) A morada constante das atas, por referência ao período entre 2002 e 2004, não é coincidente com aquela que, apenas em 27.10.2004, foi comunicada junto do Serviço de Finanças competente, mas a extemporaneidade da comunicação não consubstancia fundamento suficiente para colocar em causa a autenticidade das atas devidamente assinadas pelos Sócios, nem pode ser elevada a questão decisiva ou de extrema relevância; a alteração da sede da Requerente ocorreu antes de 2004, o que se atesta, por exemplo, pela Declaração, emitida pelo Banco E…, que declara que desde 25.06.2002 a Requerente solicitou a alteração de morada para envio da respetiva correspondência para a Rua …, …, …, Lisboa, e a correspondência enviada para a Requerente evidencia, em data anterior a 27.10.2004, que a mesma era já remetida para a atual morada;

(31) Não colhe a alegação de que as atas apresentadas, e que justificam as distribuições realizadas entre 2002 e 2011, não são autênticas;

(32) A falta de autenticidade está evidenciada nas atas não assinadas pelos sócios, que as desconheciam e que, alegadamente, terão sido preparadas pelo TOC;

(33) A questão subjacente reside em determinar se se encontram efetivamente preenchidos os pressupostos legais para a tributação em 2012 da atribuição de lucros aos sócios no valor de EUR 712.227,63, o que, a ocorrer, determinaria uma obrigação de imposto devido a título de Retenções na Fonte de IRS no montante de EUR 188.740,32;

(34) Não há fundamento para que se possa sustentar que, em 2012, atribuiu ou colocou à disposição bens aos sócios, motivo pelo qual considera que a liquidação é ilegal por inexistência de facto tributário;

(35) A AT alega que a Requerente dispunha de elevados saldos de Caixa na sua contabilidade, tendo utilizado tais meios para efetivar distribuições de lucros aos sócios em 2012, mas não consegue demonstrar como teria havido fundos suficientes suscetíveis de terem permitido, simultaneamente, tais atribuições e de terem também, entre 2002 e 2011, permitido distribuições de fundos na mesma ordem de grandeza, pois ao longo de uma década tais distribuições foram ocorrendo com carácter de informalidade;

(36) A AT adianta que em dezembro de 2012 os sócios deliberaram distribuir o montante de reservas disponíveis, na data em que foram contabilizadas e elaboradas as atas de distribuição de resultados, bem como que, quanto à contabilização (saída) do montante de EUR 116.845,08 com destino às contas de sócios, também contabilizadas em dezembro de 2012, com atas redigidas naquela data, estão reunidos os requisitos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, mas a asserção da AT só estaria conforme à lei invocada se no momento da contabilização dos dividendos os respetivos fundos não tivessem sido antes colocados à disposição (o que se presume quando é realizada a contabilização em favor dos sócios). Isto é, apenas deveria haver retenção na fonte de IRS no momento da contabilização se ainda não tivesse, de facto, ocorrido a distribuição - o que não foi o caso;

(37) A formalização de registos contabilísticos relativos a factos pretéritos não pode, sem mais, desencadear a tributação;

(38) Ainda que não houvesse suporte contabilístico e que as atas de aplicação de resultados da Requerente não lograssem espelhar tais deliberações de distribuição, constatada a atribuição de fundos sempre se aplicaria a presunção prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, pelo que jamais a distribuição de lucros teria ocorrido em 2012, mas em períodos de tributação anteriores; se o referido preceito determina que quando haja lançamentos realizados em contas de sócios que não resultem de empréstimos, de trabalho dependente ou do exercício de cargos sociais, os mesmos se presumem realizados a título de lucros (ou adiantamentos por conta destes), então, por um argumento de maioria de razão, tem de conceder-se que as distribuições de fundos realizadas anteriormente (no montante de EUR 595.382,55) terão a mesma natureza;

(39) O mesmo racional é aplicável, sem qualquer adaptação, à importância de EUR 102.498,66, relativa às atas n.º' 11, 12, 13 e 14, respeitantes a distribuições de lucros e adiantamentos por conta daqueles dos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2010;

(40) As distribuições de lucros em causa não podem ter ocorrido em 2012 - em termos materiais não haveria liquidez para operar tais distribuições -, o que conduz à conclusão de que as mesmas já teriam ocorrido entre 2002 e 2011 e nesses momentos de «colocação à disposição» ocorreu a obrigação de retenção na fonte (ponto 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS);

(41) À luz do preceituado no artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), estamos em presença de um ato cujo direito de o promover já caducou, pois que em causa estão factos que ocorreram entre 2002 e 2011; tendo o facto tributário ocorrido em 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, já caducou o direito à sua liquidação; a caducidade do direito à liquidação constitui vício gerador de ilegalidade do ato, gerando anulabilidade; em causa estão factos tributários anteriores ao ano 2012, isto é, o pressuposto da tributação (a distribuição em 2012) não é verdadeiro, pelo que, a manter-se, significaria que estaria a ser consentido à AT o direito de liquidar impostos para lá do prazo que o citado preceito da LGT consente;

(42) Em face da desconformidade contabilística detetada, não pode a AT, de forma arbitrária, ficcionar atribuições de lucros por referência a um momento em que as mesmas não ocorreram;

(43) O mecanismo que a AT teria ao seu dispor seria o recurso à avaliação indireta (artigo 88.º da LGT); não tendo optado por essa via, não lhe é legítimo lançar mão de outros expedientes que não lhe consentem, num quadro de legalidade, exercer esse direito à liquidação;

(44) Existe insuficiente, errónea e contraditória fundamentação do ato tributário: (a) a insuficiência da fundamentação decorre da circunstância de a liquidação assentar num facto tributário que manifestamente não existiu no período que a AT elegeu - em 2012 não ocorreu qualquer distribuição de resultados ou de reservas por parte da Requerente; (b) a fundamentação é errónea pois seria impossível a compatibilização entre a existência do já referido saldo em «caixa» e a verificação continuada, entre 2002 e 2011, de distribuições de lucros aos sócios; (c) a fundamentação é contraditória, já que as disposições legais em que se funda não são suscetíveis de justificar a obrigação de reter na fonte, pois os factos - a previsão - não permitiam sequer a sua convocação. Os factos mobilizados pela AT não têm adesão à realidade, o que implica que a liquidação em apreço se encontra ferida de vício de fundamentação, pelo que é ilegal, devendo ser anulada, ou, no mínimo, anulável por vício de, agora, obscura fundamentação;

(45) No âmbito do processo de execução fiscal instaurado por referência à liquidação aqui em crise, aderiu ao Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro, pelo que requer o integral reembolso das importâncias pagas, acrescidas dos respetivos juros legais.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente. Em síntese:

(46) No decurso de uma recolha de elementos, no âmbito do despacho DI2013…, em dezembro de 2013, relativamente ao exercício de 2012, e no que concerne ao projeto dos “elevados saldos de caixa”, os serviços de inspeção tributária (SIT) detetaram regularizações contabilísticas do saldo de caixa da Requerente em final de 2012, alegadamente com base em atas de anos anteriores a 2009 e outros documentos, nos quais constataram existir fortes indícios que as mesmas tenham sido elaboradas na sequência da notificação efetuada ao abrigo do pedido de colaboração elaborado pela AT, tendo originado a proposta de inspeção que deu origem à OI n.º 2014…;

(47) A origem da situação foi uma notificação efetuada por parte da Equipa de Auditoria Informática do Departamento A da Inspeção Tributária, em novembro de 2012, solicitando o envio do ficheiro SAF-T “relativo à contabilidade do exercício de 2012 até ao último mês que se encontre fechado”;

(48) Na resposta a esta notificação, foi enviado o ficheiro SAF-T até outubro de 2012, que continha nesse mês um montante em caixa, conta 11, de EUR 719.544,49;

(49) No decurso dessa informação, foi aberto o Despacho DI2013…, de forma a analisar e enquadrar a situação; na análise aos elementos enviados pelo TOC da Requerente, relativos ao exercício de 2012 e no âmbito do referido despacho, foram detetadas regularizações contabilísticas reportadas a 31/12/2012, creditando a Conta 11 – Caixa em EUR 595.382,55, por contrapartida das contas 55 – Reservas, 56 – Resultados Transitados, ou seja, esta regularização permitiu “consumir” EUR 230.530,62 de Reservas e EUR 364.851,93 de Resultados Transitados;

(50) Questionada a Requerente sobre o suporte documental dos lançamentos em causa, esta enviou uma folha em Excel, com a indicação dos movimentos contabilísticos por conta e com a designação em todos eles de “operações diversas” (anexo II do RIT); uma vez que o documento referido (folha em Excel), per si, fiscalmente não justificava a regularização efetuada, foi novamente solicitada justificação para os lançamentos contabilísticos, tendo sido remetidas 9 atas (desde a ata nº 2 à ata nº 10) (Anexo III do RIT), supostamente de períodos entre 2002 e 2008, todas elas com proposta e aprovação de aplicação de resultados, que de alguma forma justificam ao cêntimo a regularização total de EUR 595.382,55 da conta de caixa, por contrapartida de reservas e resultados transitados;

(51) O ano de análise fiscal da situação foi 2013, quando o sujeito passivo foi questionado em relação ao exposto seria o exercício de 2008 o 1º exercício de caducidade, caso existissem efetivamente deliberações dos sócios no sentido de serem efetuadas distribuições de resultados;

(52) Os serviços de inspeção tributária (SIT) consideraram duvidosas as atas enviadas, tendo encetado diligências de forma a testar a autenticidade das mesmas, tendo constatado a existência de duplicação de numeração da “ata n.º 2”;

(53) Também ouviram, em termo de declarações, dois dos anteriores TOC’s da Requerente, o Sr.º H…, TOC responsável pelo encerramento de contas do exercício de 2012, e Sr.ª I…, TOC responsável pela contabilidade nos períodos a que respeitam as atas em causa. Ambos não reconhecem e estranham as atas em causa (atas nº 2 a nº 8), sendo que o Sr.º H…, também sócio-gerente da J…, Lda., referiu em audição em 8 de Setembro de 2014, que as atas lhe foram remetidas pela sociedade K…, “têm o cabeçalho e rodapé do programa que utilizo”, ou seja, têm o licenciamento atribuído à J…, Lda., no entanto não foram elaboradas por ele, tal como não tinham sido elaboradas pela Sr.ª I… (TOC nos períodos de referência das atas), de acordo com as suas declarações. A Sr.ª I…, no dia 13 de Julho de 2015, numa inquirição já no âmbito do processo de inquérito nº …/15… IDLSB, quando confrontada com as atas 2 a 10, declarou que, “de certeza absoluta, nenhuma das atas ora mostradas foram por si vistas enquanto foi TOC da A… Lda., e que de certeza absoluta, também não passaram por ninguém da J…, Lda, porque se tivessem sido elaboradas e lá aparecido certamente teriam sido elaboradas guias de pagamento de retenção na fonte sobre adiantamentos por conta de lucros.”; o Sr.º H… juntou ainda cópia da troca de e-mails entre ele (através de L…, funcionária da J…, Lda.), a sociedade K… (representada por M… e N…) e B… (sócio-gerente da A…), relacionados com o assunto em causa e que também originou a mudança de responsável da contabilidade, para um TOC que prestava serviços para a K…, no caso O… . Da troca de e-mails ficou patente que foram dadas instruções ao Srº H…, por parte do Srº B…, que deveria respeitar e seguir as indicações da K… quanto às regularizações a fazer relativas ao saldo de caixa.

(54) Os SIT verificaram também num e-mail de 28 de maio de 2013, que o Sr.º H… (através de L…) enviou uma simulação do modelo 22 de IRC do exercício de 2012, onde constava um valor a pagar de EUR 161.035,86, uma vez que teria considerado precisamente os EUR 595.382,55 que estariam por justificar no saldo de caixa como variação patrimonial negativa, ou seja, o Sr.º H… reconhecia que deveria ter sido pago imposto por aquele montante que estava contabilizado em caixa, por retirada deste património da sociedade. Ou seja, nesta data, havia um claro reconhecimento pelo TOC responsável à data, que a sociedade tinha aquele saldo de caixa contabilizado e que, não existindo o mesmo fisicamente na posse da sociedade, teria que ter uma consequência e enquadramento fiscal.

(55) Posteriormente e no âmbito do processo de Inquérito nº …/15… IDLSB, foram remetidos aos SIT os seguintes documentos, disponibilizados pelo atual TOC, Sr.º O… em 30 de julho de 2015: (a) livro de atas, onde constam fotocópias da capa, documento interno, termo de abertura, liquidação de imposto de selo e atas nº 1 a 18; (b) pasta com a lombada “Documentos Oficiais A…”, onde constam fotocópias da lombada da pasta, termo de abertura de livro de atas e ata nº 2; (c) pasta com a lombada “Dossier Fiscal A…, Lda”, onde constam fotocópias da lombada da pasta e atas nº 3 a 9, as quais não estão assinadas (existem duas atas com o nº 5).

(56) Relativamente à pasta com a lombada “Documentos Oficiais A…” analisando as atas naquela incluídas, os SIT constataram: ata n.º 2, datada de 2004/10/20, onde foi efetuada a alteração de sede social, que foi depositada pelo contribuinte no serviço de finanças de Lisboa –…; focando a pasta com lombada “Dossier Fiscal A…, Lda” analisando as atas naquela incluídas, os SIT constataram: (a) ata n.º 3, datada de 2004/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2003, de EUR 80.676,28 com aplicação a reservas livres de EUR 80.676,28, conforme consta na IES submetida em 2004/06/22, quadro 07; (b) ata n.º 4, datada de 2005/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2004, de EUR 74.813,92, com aplicação em reservas legais de EUR 750,00 em reservas livres de EUR 74.063,92, conforme consta na IES submetida em 2005/06/24, quadro 07; (c) ata n.º 5, datada de 2006/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2005, de EUR 58.018,28, com aplicação em reservas legais de EUR 1.000,00 em reservas livres de EUR 57.018,28, conforme consta na IES submetida em 2006/03/30, quadro 07; (d) outra ata n.º 5, datada de 2007/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2006, de EUR 87.089,21, com aplicação em resultados transitados de EUR 87.089,21, conforme consta na IES submetida em 2008/06/27, quadro 0540 – campo A0587; (e) ata n.º 6, datada de 2008/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2007, de EUR 114.339,41, com aplicação em resultados transitados de EUR 114.339,41, conforme consta na IES submetida em 2009/07/10, quadro 0540 – campo A0587; (f) ata n.º 7, datada de 2009/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2008, de EUR 127.374,73, com aplicação em resultados transitados de EUR 127.374,73, conforme consta na IES submetida em 2010/06/29, quadro 0540 – campo A0587; (g) ata n.º 8, datada de 2010/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2009, de EUR 79.123,83, com aplicação em resultados transitados de EUR 79.123,83, conforme consta na IES submetida em 2011/09/01, quadro 0531-A – campo A6091; (h) ata n.º 9, datada de 2011/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2010, de EUR 6.935,57, com aplicação em resultados transitados de EUR 6.935,57, conforme consta na IES submetida em 2012/07/07, quadro 0531-A – campo A6091, em anexo IX fls. 2 do RIT;

(57) As atas não estão assinadas, mas foram apresentadas pelo atual TOC O… .

(58) Os SIT concluíram que as ‘outras’ atas 2 a 10, de distribuição de resultados dos anos 2001 a 2008 que suportam a regularização do saldo de caixa no montante de EUR 595.382,55, foram elaboradas não nas datas nelas mencionadas, mas posteriormente com o único propósito de impedir a tributação da retirada de rendimentos da sociedade aos sócios, pois: (a) surgem na sequência de uma notificação de novembro de 2012, ao abrigo do princípio de colaboração, tendo sido apresentado Ficheiro SAFT- T de outubro de 2012, onde a conta caixa apresenta um saldo de EUR 719.544,49; (b) foram facultadas pela primeira vez, por correio eletrónico de resposta de 16 de dezembro de 2013, por parte do Srº O…, a uma notificação ao abrigo do princípio da colaboração de 3 de dezembro de 2013;

(59) Apesar de as ‘outras’ atas terem sido facultadas pela primeira vez em 16 de dezembro de 2013, os SIT puderam verificar que as mesmas aparecem referidas pela primeira vez num e-mail de 2013/03/23, enviado pelo Sr.º M… a solicitar ao Sr.º H…, “… o favor de saldar a conta de caixa a 31.12.2012…”, “…conforme deliberações dos sócios nas atas 2 a 10 (em anexo) …”, e-mails esses que o Sr.º H… facultou apenas em 2014/09/08, quando foi ouvido em termo de declarações;

(60) A apresentação das ‘outras’ atas 2 a 10, onde são aprovadas distribuições de lucros, até ao ano 2008, surge em 2013, ano que decorria a análise, sendo que o ano de 2008 era o 1º ano de caducidade do direito à liquidação;

(61) A TOC responsável pela elaboração da contabilidade nos períodos em causa das atas, Sra. I…, bem como o TOC responsável pela contabilidade em 2012, o Sr.º H…, referiram que as ‘outras’ atas em causa não foram elaboradas por nenhum deles; a Sra. I… disse ter “certeza absoluta” que as atas nunca teriam sido vistas por ela, nem tão pouco terão passado por alguém da J…, Lda., (sociedade onde foi elaborada a contabilidade) “porque se tivessem sido elaborado e lá aparecido certamente teriam sido elaboradas guias de pagamento de retenção na fonte sobre adiantamento por conta de lucros”.

(62) Uma vez que, além do saldo de EUR 595.382,55, em que foi saldada a conta de caixa, existia um outro saldo de EUR 116.845,08, que tinha saído da conta de caixa - 11 com destino às contas 2788102 – B… (EUR 57.254,09), 2788103 – C…(EUR 57.254,09) e 2788104 – P… (EUR 2.336,90), os SIT notificaram pessoalmente o sócio-gerente Dr. B… em 24/09/2015 para explicar a que título teriam sido transferidos esses montantes, que identificasse a natureza das transferências da sociedade para os sócios e que juntasse cópia dos documentos que titulam as transferências. Em resposta ao solicitado, foi remetido, via e-mail pelo Dr. B… à Requerida a resposta à referida notificação. Da análise ao e-mail que foi remetido, os SIT identificaram como autor do mesmo o Sr Q…, por parte da K…, que elaborou um e-mail de resposta que foi reencaminhado pelo Dr. B…, em que veio referir que o valor não poderia estar correto e que terá verificado que não estariam contabilizadas as atas nº 11 a 14. e juntou as seguintes atas, em anexo a esse e-mail, de 5 de outubro de 2015: ata 11: distribuição de EUR 17.374,83, exercício de 2008; ata 12: distribuição de EUR 70.000,00, exercício de 2009; ata 13: distribuição de EUR 9.123,83, exercício de 2009; ata 14; distribuição de EUR 6.000,00, exercício de 2010; no total de EUR 102.498,66; o remanescente (diferença dos EUR 116.845,08 contabilizados nas contas 27 e a distribuição constante de EUR 102.498,66), relativamente ao fundo de maneio à guarda do Dr. B… teria sido integralmente utilizado para o pagamento de despesas no ano 2013. Justificou ainda que as importâncias transferidas para os sócios estão documentadas pelas atas que juntou.

(63) Para além da constatação de serem atas que vêm na sequência das atas apresentadas para períodos caducados, atas nº 2 a 10, pode-se reparar novamente o cuidado que houve na sua elaboração, nomeadamente na sua relação cronológica face ao momento que foram solicitadas. Ou seja, como já havia sido notado pelos SIT, as atas nº 2 a 10 apareceram na sequência de uma solicitação do ano 2013, sendo que a última ata corresponde a uma suposta distribuição de resultados aos seus sócios no ano 2008, precisamente o primeiro ano de caducidade do direito á liquidação, com referência ao ano de análise 2013, agora as atas nº 11 a 14, surgem na sequência de uma notificação do ano 2015, sendo que a última ata corresponde a uma suposta distribuição de resultados aos seus sócios no ano 2010, precisamente o primeiro ano de caducidade do direito à liquidação, com referência ao ano de análise 2015.

(64) Em conclusão dos SIT: (a) no âmbito do Projeto “elevados saldos de caixa“ foi o sujeito passivo notificado para apresentar um conjunto de elementos que justificassem aquele ativo; (b) apesar de não ter existido prova de distribuição de resultados nos anos anteriores e como forma de impedir a tributação foram elaboradas atas referentes a períodos caducados, com o objetivo de justificar a retirada de rendimentos da sociedade em proveito dos seus sócios sem qualquer tributação; (c) é apenas em dezembro de 2012 que os sócios decidem distribuir os montantes disponíveis, o total do capital próprio cifrava-se em EUR 702.476,08, sendo as rúbricas outras reservas de EUR 230.530,62 e resultados transitados de EUR 464.945,46, tendo em conta os movimentos contabilísticos realizados; (d) o momento da distribuição ocorreu assim na data em que foram contabilizadas e elaboradas as atas de distribuição de resultados, em dezembro de 2012, distribuição esta sobre que incide IRS, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, à taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 71º do CIRS, taxa esta que no período em causa é de 26,5%; (e) quanto à contabilização (saída) do montante de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, também contabilizadas em dezembro de 2012, com atas redigidas naquela data, estão reunidos os requisitos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, para se aplicar a presunção relativa a rendimentos da categoria E, rendimentos esses sobre que também incide IRS nos mesmos termos do parágrafo anterior; (f) por se terem detetado factos indiciadores da prática de crime fiscal, procedeu-se ao levantamento e Informação Preliminar, com indícios de crime, tendo-a remetido para a Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direção de Finanças de Lisboa, dando origem à instauração do processo n.º …/15… IDLSB, que se encontra em fase de acusação por fraude fiscal, previsto no artigo 103.º do RGIT; (g) tendo sido notificada a Requerente por via postal para exercer no prazo de quinze dias o direito de audição previsto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária e 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, a mesma não fez uso do referido direito, mantendo-se assim os fundamentos e as respetivas correções que constavam no Projeto de Relatório de Inspeção.

(65) No pedido, a Requerente vem acrescentar uma situação pontual decorrente de um contrato celebrado entre a D…, Lda. e o sócio B…; a Requerente afirma, mas não comprova, que foram auferidos rendimentos que terão sido faturados por si e depositados nas contas pessoais do Dr. B… . Não é feita prova: da existência de faturação emitida pela Requerente à D…, Lda.; de terem sido contabilizadas faturas emitidas pela Requerente à D…, em contas de ganhos da Requerente; de terem sido contabilizados influxos na contabilidade da Requerente, decorrentes da faturação emitida à D…; da quantificação anual e evidência efetiva de fluxos financeiros decorrentes de recebimentos ocorridos decorrentes das prestações de serviços à D…, nas contas bancárias do Dr. B… .

(66) O requerimento de pronúncia arbitral e respetivos documentos em nada alteram as conclusões retiradas no procedimento inspetivo, encontrando-se no RIT os esclarecimentos e elementos de prova que fundamentam os factos tributários agora em crise; ficaram expostos ao logo do relatório de inspeção, junto ao PA, todos os pressupostos legais para a determinação do imposto apurado pela falta de liquidação e entrega do imposto, relativo a retenções na fonte, à taxa liberatória, em violação do disposto nos artigos 71.º, 98.º e 102.º do CIRS.

(67) Embora não alegado pela AT na Resposta, mas porque consta do RIT (pág. 4) e se trata de matéria de Direito que sempre poderia e deveria o tribunal convocar, quanto ao prazo de caducidade, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do art. 45° da LGT (prazo de 4 anos) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano (n.º 5 do artigo 45.° da LGT). Os factos tributários em análise encontram-se incluídos no processo de inquérito com o n.º …/15… DLSB.

 

Instrução e alegações

No dia 22 de maio de 2017, foi realizada reunião do tribunal, em que foi produzida prova por declarações de parte do sócio e gerente da Requerente, B…, e prova testemunhal, por depoimento de R…, empregada administrativa, entre 2000 e 2005, do consultório em que B… exercia a sua profissão de médico, e de M…, Contabilista Certificado da Requerente desde 2013, Consultor Fiscal da K…, atual prestadora de serviços de contabilidade à Requerente.

Na mesma reunião, foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

(A) A Requerente, A…, Lda., foi constituída em 2001 e desenvolve a sua atividade na área da prestação de serviços médicos.

(B) Tem como sócios, desde a sua constituição, B… (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 2.450,00 correspondente a 49% do capital social), C… (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 2.450,00 correspondente a 49% do capital social) e a P… (titular, à data da constituição, de uma quota com o valor nominal de EUR 100,00 correspondente a 2% do capital social).

(C) Em 29 de novembro de 2012, a Requerente foi notificada pela Equipa de Auditoria Informática do Departamento A da Inspeção Tributária, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º da LGT, solicitando o envio do ficheiro SAF-T “relativo à contabilidade do exercício de 2012 até ao último mês que se encontre fechado”.

(D) Na resposta a esta notificação, a Requerente enviou o ficheiro SAF-T, referindo ‘Saldos do mês de outubro” [de 2012], que continha nesse mês um montante em caixa, conta 11, de EUR 719.544,49.

(E) Foi após receberem a solicitação do ficheiro SAF-T que os responsáveis pela contabilidade da Requerente informaram a Gerência da mesma que as demonstrações financeiras ostentavam o saldo em «caixa» no valor de EUR 719.544,49, situação que motivou a realização de uma “auditoria externa”, pedida pela Requerente à K… .

(F) O valor do saldo em «caixa», EUR 719.544,49, foi regularizado contabilisticamente em 2012, por contrapartida das contas #55 (Reservas), #56 (Resultados Transitados) e #2788102 (Outros devedores e credores), porque “verificada a desconformidade das contas” com o que a Requerente considerava “a realidade factual”.

(G) No decurso da receção do ficheiro SAF-T, foi emitido o Despacho DI2013…, no sentido de os Serviços da AT analisarem e enquadrarem a situação. Na análise aos elementos enviados pelo TOC da Requerente relativos ao exercício de 2012 e no âmbito do referido Despacho, a AT detetou as regularizações contabilísticas reportadas a 31/12/2012, creditando a Conta 11 ‘Caixa’ em EUR 595.382,55, por contrapartida das contas 55 ‘Reservas’, 56 ‘Resultados Transitados’: EUR 230.530,62 de Reservas e EUR 364.851,93 de Resultados Transitados.

(H) Questionada pela AT sobre o suporte documental dos lançamentos em causa, a Requerente enviou uma folha em Excel com a indicação dos movimentos contabilísticos por conta e com a designação em todos eles de “operações diversas”, todos com a data de 31/12/2012;

(I) Solicitada pela AT a justificação para os lançamentos contabilísticos, a Requerente remeteu 9 atas (com os números de ordem 2 a 10), mencionando períodos entre 2002 e 2008, todas elas com proposta e aprovação de aplicação de resultados, suportando a regularização total de EUR 595.382,55 da conta de Caixa.

(J) Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) fizeram diligências de forma a testar a autenticidade das atas, tendo ouvido, em termo de declarações, dois dos anteriores TOCs da Requerente, H…, responsável pelo encerramento de contas do exercício 2012, e I…, responsável pela contabilidade nos períodos a que respeitam as atas em causa. Consta dos termos e dos documentos que os acompanham, em síntese e com interesse para o processo: (a) que todos os lançamentos contabilísticos e fechos anuais de contas da Requerente passaram pelos referidos TOCs, com exceção dos lançamentos de acerto de Caixa efetuados no final de 2012, sendo estes efetuados por indicação da K… e do gerente da sociedade Dr. B…; (b) que a Requerente tinha saldos elevados no final de cada exercício e que a explicação para tal facto resulta de estar então enquadrada no regime simplificado do IRC e de terem sido apresentadas receitas sem contrapartidas de despesa, levando ao acumular do saldo de Caixa ao longo de praticamente toda a vida da Requerente; (c) que, após a Requerente ser notificada para apresentação do ficheiro SAF-T da contabilidade do exercício de 2012, foi efetuado o acerto de Caixa, por aconselhamento da K… e indicação da Gerência, bem como foi substituída a Dec. mod. 22 do exercício de 2012, por indicação da mesma K…, retirando o acréscimo que tinha sido inicialmente incluído como variação patrimonial negativa (campo 704) no valor de EUR 595.382,55; (d) que, no que toca ao exercício de 2012, os vários movimentos a crédito na conta …, imputados a 31/12/2012, num montante total de EUR 724.916,49, tiveram como documentos de base um e-mail da K…, com data de 23 de março de 2013, e atas numeradas 2 a 10, em anexo ao mesmo, ou seja, não foram elaboradas pelos TOCs responsáveis pela contabilidade da Requerente no exercícios 2001 a 2008; (e) que foram dadas instruções ao TOC H…, em emails de 28 e 30 de maio de 2013, pelo sócio e gerente da Requerente B…, para seguir as indicações da K…, designadamente quanto a retirar o acréscimo que tinha sido incluído na Dec. Mod. 22 como variação patrimonial negativa, e quanto à declaração IES relativa ao ano 2012, por conseguinte também quanto às regularizações relativas ao saldo de Caixa;

(K) Consta do Processo Administrativo que, no âmbito do Processo de Inquérito nº …/15… IDLSB, foram remetidos aos SIT, em 30 de julho de 2015, pelo atual TOC da Requerente, O…, vários documentos, dos quais decorre, em síntese e com interesse para o processo, que existem várias atas, numeradas de 3 a 9 (com duplicação do número 5), não assinadas pelos sócios da Requerente, que suportam os valores inscritos nas declarações IES submetidas em nome desta: (a) Ata n.º 3, datada de 2004/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2003, de EUR 80.676,28, com aplicação integralmente a reservas livres, conforme consta da IES submetida em 2004/06/22; (b) Ata n.º 4, datada de 2005/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2004, de EUR 74.813,92, com afetação a reservas legais de EUR 750,00 e a reservas livres de EUR 74.063,92, conforme consta da IES submetida em 2005/06/24; (c) Ata n.º 5, datada de 2006/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2005, de EUR 58.018,28, com afetação a reservas legais de EUR 1.000,00 e a reservas livres de EUR 57.018,28, conforme consta na IES submetida em 2006/03/30; (d) Outra ata n.º 5, datada de 2007/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2006, de EUR 87.089,21, com afetação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2008/06/27; (e) Ata n.º 6, datada de 2008/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2007, de EUR 114.339,41, com afetação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2009/07/10; (f) Ata n.º 7, datada de 2009/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2008, de EUR 127.374,73, com afetação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2010/06/29; (g) Ata n.º 8, datada de 2010/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2009, de EUR 79.123,83, com afetação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2011/09/01; (h) Ata n.º 9, datada de 2011/03/30, corresponde à deliberação de aprovação de contas e de afetação dos resultados do ano 2010, de EUR 6.935,57, com afetação integral a resultados transitados, conforme consta da IES submetida em 2012/07/07.

(L) Até 2009, a Requerente foi tributada, em sede de IRC, pelo regime simplificado, com falta de rigor na contabilização das operações, designadamente sem contabilização de despesas, e com confusão entre a sua esfera patrimonial e as dos sócios, incluindo um padrão de recebimento das contraprestações dos serviços da Requerente diretamente pelo sócio-gerente Dr. B…, que procedia ao depósito nas suas contas bancárias pessoais, assim como nas da sócia-gerente Dra. C… . Portanto, tais valores, registados em Caixa na contabilidade da Requerente, eram diretamente depositados nas contas pessoais dos dois sócios e gerentes. Ao longo do período em análise, constituía prática reiterada a realização de transferências bancárias em favor dos sócios sem qualquer fundamento que as titulasse. A Requerente incorreu, ao longo dos anos, em despesas destinadas à esfera privada dos sócios, através do uso de cartão de crédito, com “frequente utilização” para “aquisição de bens como bilhetes de cinema, compras de supermercado, vestuário, brinquedos, artigos desportivos, vestuário infantil, entre outros”.

(M) Consta do Relatório de Gerência relativo ao exercício do ano 2012, com data de assinatura pelos gerentes de 31 de março de 2013 (Doc. 3 junto pela Requerente): «Segundo o Balanço a 31 de Dezembro de 2012, os capitais próprios da Empresa passaram de EUR 701.018,28 no final de 2011 para EUR 104.705,27 no final de 2012. A gerência informa e esclarece que a supra referida redução dos capitais próprios resultou de uma regularização de natureza contabilística, no decorrer do ano 2012, do montante da rubrica de "caixa e depósitos bancários". Com efeito, por manifesta negligência, os serviços de contabilidade, externos à Empresa, não haviam registado, nos exercícios anteriores, as distribuições de lucros verificadas desde a constituição da sociedade.»

(N) Na declaração de parte do sócio e gerente da Requerente, B…, este declarou que as atas foram elaboradas, “após a auditoria externa” realizada na sequência do envio do ficheiro SAF-T, “para refletirem o que se tinha passado nos anos anteriores” e que “foram todas elaboradas em 2012”.

(O) Todas as atas em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013). Isto é, embora nelas conste que, nos dias 31.03.2002, pelas 19h (Ata n.º 2), 31.03.2003, pelas 19h (Ata n.º 3), 31.03.2004, pelas 17h (Ata n.º 4), 31.03.2005, pelas 17h (Ata n.º 5), 31.03.2006, pelas 22h (Ata n.º 6), 31.03.2007, pelas 13h (Ata n.º 7), 2.12.2007, pelas 18h (Ata n.º 8), 31.03.2008, pelas 11h (Ata n.º 9) e 7.12.2008, pelas 22h (Ata n.º 10): “reuniram-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidades prévias”, não existe evidência alguma de que as referidas reuniões da Assembleia Geral tenham efetivamente tido lugar nessas datas, e nas horas nelas tão cuidadosamente mencionadas, antes formando o tribunal a convicção sólida de que tais referências são falsas, designadamente em face dos factos referidos nos pontos E, F, H, I, J, K, M e N.

(P) Além do saldo de EUR 595.382,55, em que foi saldada a conta de Caixa, existia um outro saldo de EUR 116.845,08, que tinha saído da conta de Caixa com destino às contas 2788102 –B… (EUR 57.254,09), 2788103 – C… (EUR 57.254,09) e 2788104 – P…(EUR 2.336,90).

(Q) Notificado pessoalmente o sócio-gerente Dr. B… em 24/09/2015, para explicar a que título teriam sido transferidos esses montantes, identificar a natureza das transferências e juntar cópia dos documentos que as titulam, foi por este remetido e-mail, de 05/10/2015, em que refere que o valor não poderia estar correto e que terá verificado que não estariam contabilizadas as atas n.º 11 a 14, que juntou em anexo ao mesmo. Delas consta que, nos dias 31.03.2009, pelas 12h (Ata n.º 11), 31.10.2009, pelas 19h (Ata n.º 12), 31.03.2010, pelas 22h (Ata n.º 13), 31.03.2011, pelas 12h (Ata n.º 14), “reuniram-se em Assembleia Geral, com dispensa de formalidades prévias” os sócios da Requerente e deliberaram as seguintes distribuições: na Ata n.º 11, EUR 17.374,83, do exercício de 2008; na Ata n.º 12, EUR 70.000,00, do exercício de 2009; na Ata n.º 13, EUR 9.123,83, do exercício de 2009; na Ata n.º 14, EUR 6.000,00, do exercício de 2010; no total de EUR 102.498,66. O remanescente (diferença dos EUR 116.845,08 contabilizados nas contas 27 e a distribuição de EUR 102.498,66), relativamente ao fundo de maneio à guarda do Dr. B…, teria sido integralmente utilizado para o pagamento de despesas no ano 2013.

2.2. Factos não provados

A Requerente não provou – nem tentou fazê-lo – que, nos dias e horas referidos nas atas numeradas 2 a 10, nas quais se consigna ter havido deliberações de distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, se tenham efetivamente realizado as reuniões da Assembleia Geral de sócios, “com dispensa de formalidades prévias”, que tais atas são ex lege supostas registar.

A Requerente não provou – nem tentou fazê-lo – que, nos dias e horas referidos nas atas numeradas 11 a 14, nas quais se consigna ter havido deliberações de distribuição de resultados dos exercícios de 2008 a 2010, se tenham efetivamente realizado as reuniões da Assembleia Geral de sócios, “com dispensa de formalidades prévias”, que tais atas são ex lege supostas registar.

Não existem outros factos que sejam relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A convicção do tribunal sobre factos provados e não provados resulta do exame crítico dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, que mostraram conhecer os factos e depuseram com isenção.

 

3. Matéria de direito

A matéria de direito, relativamente ao pedido principal, é de enunciação simples, tendo em conta que a arbitragem tributária não é de plena jurisdição: existe ilegalidade no ato de liquidação administrativa de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016…, no valor total de EUR 215.298,42, sendo EUR 188.740,33 correspondentes a retenção na fonte de IRS alegadamente devido e EUR 26.558,09 relativos a juros compensatórios?

 

A Requerente alega que tal ato está ferido de ilegalidade. Parte das seguintes premissas valorativas dos factos:

(a) As distribuições de lucros aos sócios tiveram lugar em datas anteriores a 2012, através de todas as apropriações diretas, levantamentos e utilização de cartão bancário da Requerente, que foram sendo feitos pelos sócios como refletido nas atas numeradas 2 a 10, identificadas no ponto ‘O’ da matéria de facto fixada, ainda que as atas em causa tenham sido elaboradas em data ulterior, v.g., em 2012;

(b) Não procedeu a retenções na fonte sobre as distribuições de resultados, mas essas distribuições (essas transferências) ocorreram entre 2002 e 2011; os fundos relevados em «caixa» foram, ao longo dos vários exercícios anteriores a 2012, efetivamente distribuídos (e utilizados) pelos sócios; os sócios gerentes nunca auferiram vencimentos em todos os exercícios mencionados (2002 a 2011), o que conduz à conclusão de que as transferências realizadas ao longo dos anos não ocorreram a esse título; tais transferências, bem como depósitos diretamente efetuados nas contas pessoais dos sócios, também não foram mútuos, nem reembolsos de despesas incorridas em nome e por conta da Requerente; outra natureza não tiveram, senão a de distribuição de lucros;

(c) Não se verificou qualquer distribuição de lucros - presumida ou efetiva - no exercício de 2012;

(d) Tendo sido tais importâncias efetivamente atribuídas aos sócios em data anterior a 2012, não é possível sustentar qualquer correção ou liquidação com base no «facto» de que foram colocadas à disposição nesse ano 2012;

(e) Não colhe a alegação de que as atas apresentadas, e que justificam as distribuições realizadas entre 2002 e 2011, não são autênticas;

(f) Embora a AT alegue que a Requerente dispunha de elevados saldos de Caixa na sua contabilidade, tendo utilizado tais meios para efetivar distribuições de lucros aos sócios em 2012, não demonstra como teria havido fundos suficientes suscetíveis de terem permitido, simultaneamente, tais atribuições e de terem também, entre 2002 e 2011, permitido distribuições de fundos na mesma ordem de grandeza, pois ao longo de uma década tais distribuições foram ocorrendo com carácter de informalidade;

(g) Embora a AT alegue que em dezembro de 2012 os sócios deliberaram distribuir o montante de reservas disponíveis, na data em que foram contabilizadas e elaboradas as atas de distribuição de resultados, bem como que, quanto à contabilização (saída) do montante de EUR 116.845,08 com destino às contas de sócios, também contabilizadas em dezembro de 2012, com atas redigidas naquela data, estão reunidos os requisitos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, tal asserção da AT só estaria conforme à lei invocada se no momento da contabilização dos dividendos os respetivos fundos não tivessem sido antes colocados à disposição (o que se presume quando é realizada a contabilização em favor dos sócios);

(h) Apenas deveria haver retenção na fonte de IRS no momento da contabilização se ainda não tivesse, de facto, ocorrido a distribuição - o que não foi o caso;

(i) A formalização de registos contabilísticos relativos a factos pretéritos não pode, sem mais, desencadear a tributação;

(j) Ainda que não houvesse suporte contabilístico e que as atas de aplicação de resultados da Requerente não lograssem espelhar tais deliberações de distribuição, constatada a atribuição de fundos sempre se aplicaria a presunção prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, pelo que jamais a distribuição de lucros teria ocorrido em 2012, mas em períodos de tributação anteriores;

(k) Se o referido preceito determina que, quando haja lançamentos realizados em contas de sócios que não resultem de empréstimos, de trabalho dependente ou do exercício de cargos sociais, os mesmos se presumem realizados a título de lucros (ou adiantamentos por conta destes), então, por maioria de razão, tem de conceder-se que as distribuições de fundos realizadas anteriormente (no montante de EUR 595.382,55) terão a mesma natureza;

(l) O mesmo racional é aplicável, sem qualquer adaptação, à importância de EUR 102.498,66, relativa às atas n.º' 11, 12, 13 e 14, respeitantes a distribuições de lucros e adiantamentos por conta daqueles dos períodos de tributação de 2008, 2009 e 2010;

(m) As distribuições de lucros em causa não podem ter ocorrido em 2012 - em termos materiais não haveria liquidez para operar tais distribuições -, o que conduz à conclusão de que as mesmas já teriam ocorrido entre 2002 e 2011 e nesses momentos de «colocação à disposição» ocorreu a obrigação de retenção na fonte (ponto 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS);

(n) À luz do preceituado no artigo 45.º da LGT, estamos em presença de um ato cujo direito de o promover já caducou, pois que em causa estão factos que ocorreram entre 2002 e 2011;

Para concluir que a caducidade do direito à liquidação constitui vício gerador de ilegalidade, gerando a anulabilidade do ato respetivo.

Aduz ainda que existe insuficiente, errónea e contraditória fundamentação do ato tributário: (i) insuficiência de fundamentação, por a liquidação assentar num facto tributário que manifestamente não existiu no período que a AT elegeu: em 2012 não ocorreu qualquer distribuição de resultados ou de reservas por parte da Requerente; (ii) fundamentação errónea pois seria impossível a compatibilização entre a existência do já referido saldo em «caixa» e a verificação continuada, entre 2002 e 2011, de distribuições de lucros aos sócios; (iii) fundamentação contraditória, já que as disposições legais em que se funda não são suscetíveis de justificar a obrigação de reter na fonte, pois os factos - a previsão - não permitiam a sua convocação: os factos mobilizados pela AT não têm adesão à realidade, o que implica que a liquidação em apreço se encontra ferida de vício de fundamentação, pelo que é ilegal, devendo ser anulada, ou, no mínimo, anulável por vício de, agora, obscura fundamentação.

 

A Requerida propugna pela inexistência de ilegalidade do ato e pela improcedência do pedido:

(i) O momento da distribuição [de EUR 595.382,55] ocorreu na data em que foram contabilizadas e elaboradas as atas de distribuição de resultados, em dezembro de 2012, distribuição esta sobre que incide IRS, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS, à taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 71º do CIRS, taxa esta que no período em causa é de 26,5% (artigo 1.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro);

(ii) Quanto à contabilização (saída) do montante de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, também contabilizadas em dezembro de 2012, com atas redigidas naquela data, estão reunidos os requisitos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, para se aplicar a presunção relativa a rendimentos de categoria ‘E’, rendimentos sobre que também incide IRS nos mesmos termos do parágrafo anterior.

 

Apreciação de Direito.

O que está em causa é o tratamento jurídico-tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em dezembro de 2012.

No entendimento da AT, como explanado no RIT e replicado na Resposta apresentada, ocorreram, em dezembro de 2012, quer o facto tributário da distribuição de lucros e reservas no valor de EUR 595.382,55, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, quer o facto tributário presumido (iuris tantum) de serem lucros ou adiantamentos de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

No entendimento da Requerente, tais factos tributários existiram efetivamente no mundo jurídico, mas nos exercícios em que os sócios foram fazendo, pelas várias formas acima referidas, apropriações de valores da Requerente, pelo que a liquidação administrativa tomando por base a existência de tais factos tributários em 2012 está viciada de ilegalidade.

Como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius, pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas. A Requerente não procedeu às retenções na fonte, nem, consequentemente, ao pagamento do imposto devido nos cofres do Estado.

Porém, o tribunal dá também como provado que todas as atas (numeradas de 2 a 10) em que se consigna a distribuição de resultados dos exercícios de 2001 a 2008, no valor agregado de EUR 595.382,55, para regularização do saldo de Caixa reportado no ficheiro SAF-T a outubro de 2012, foram elaboradas após o envio desse ficheiro pela Requerente (portanto, em 2012 ou já mesmo em 2013), bem como que as atas (numeradas de 11 a 14) em que se consigna a distribuição do valor agregado de EUR 102.498,66, todas contabilizadas em dezembro de 2012, foram elaboradas em data necessariamente não anterior à das primeiras.

Ora, a deliberação pelos sócios – ocorrida em 2012 ou 2013, embora feita constar de atas falsamente antedatadas – das referidas distribuições gera, ela mesma, o facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.

Caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela atividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto. No limite, uma nova liquidação de imposto geraria duplicação de coleta, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com efeito de ilegalidade do ato tributário.

Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adotadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2103, geram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de coleta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função de factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.

Não se julga, pois, por verificada qualquer ilegalidade do ato de liquidação objeto do pedido de decisão arbitral, designadamente a de caducidade do direito a liquidar, pelo que improcede o pedido da Requerente.

Aliás, importa acrescentar que repugnaria à própria axiologia da tributação que a obrigação de pagar imposto sobre uma capacidade contributiva gerada pela apropriação pelos sócios gerentes das disponibilidades de caixa da Requerente pudesse ser afastada por uma ‘fórmula’ tão ‘básica’ quanto a da omissão, ao longo de anos bastantes para a caducidade do direito a liquidar, de lançamentos na conta Caixa correspondentes aos atos de apropriação, seguida de uma ou mais regularizações contabilísticas retroativas, feitas em data já para lá do período de exercício do direito a liquidar. E ainda repugnaria mais se essa ‘fórmula’ que se revelasse apta a evadir a tributação fizesse recurso a atas em que falsamente se faz constar a realização, em certos dias e em certas horas de anos já abrangidos pela caducidade do direito a liquidar, de reuniões da Assembleia Geral “com dispensa de formalidades prévias”, nas quais são deliberadas distribuições de resultados desses anos.

Relativamente aos vícios alegados pela Requerente relativamente à fundamentação do ato tributário:

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT fixam como métrica da obrigação de fundamentar a sucinta exposição das razões de facto e de direito que motivam o ato, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária, bem como estatuem que a fundamentação deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. O n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento Administrativo – de aplicação supletiva ao procedimento tributário, por força da alínea d) do artigo 2.º do CPPT – é igualmente pertinente, ao aditar ao corpus normativo a equivalência à falta de fundamentação da adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato. Vejamos cada uma das arguições da Requerente.

Alega, em primeiro lugar, que a fundamentação é insuficiente, o que decorre da circunstância de a liquidação assentar num facto tributário que manifestamente não existiu no período que a AT elegeu – “em 2012 não ocorreu qualquer distribuição de resultados ou de reservas por parte da Requerente”. Há aqui confusão manifesta sobre o que é o instituto da fundamentação. A Requerente pode discordar – e discorda – da interpretação jurídica feita pela AT, que subsume a factualidade, nas suas circunstâncias de tempo, à norma do CIRS que estatui haver aí um facto tributário. Porém, não alega, nem transparece, que tenha tido dificuldade na reconstituição do iter subjacente àquela interpretação, antes o procura lucidamente contrariar. Compulsado o Processo Administrativo, em particular o RIT, não se conclui por qualquer insuficiência de fundamentação, no seu sentido legalmente fixado.

Alega depois que a fundamentação é errónea pois seria impossível a compatibilização entre a existência do referido saldo em «caixa» e a verificação continuada, entre 2002 e 2011, de distribuições de lucros aos sócios. Mais uma vez, o que está em causa é que a Requerente discorda da construção jurídica feita pela AT, mas a liquidação de IRS não assenta no fundamento da existência de um saldo “em caixa” – este foi o desencadeador da ação inspetiva –, mas em que o momento da distribuição de EUR 595.382,55 ocorreu na data em que foram contabilizadas e elaboradas as atas de distribuição de resultados, em dezembro de 2012, que subsume à previsão da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do CIRS, e que a contabilização (saída) do montante de EUR 116.845,08 com destino às contas de sócios, também contabilizadas em dezembro de 2012, com atas redigidas naquela data, se subsume à previsão do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, com o corolário da presunção de serem a título de lucros ou adiantamento dos lucros. A Requerente entende que o momento da distribuição é anterior, ao longo dos anos 2001 a 2008 e 2008 a 2010, respetivamente. Porém, saber se existe uma distribuição juridicamente relevante quando da eletiva elaboração das atas com as deliberações de distribuição é uma questão de direito, não encerrada ou resolvida apenas por ter havido ao longo daqueles anos a apropriação pelos sócios gerentes de valores da Requerente.

Alega, finalmente, que a fundamentação é contraditória, já que as disposições legais em que se funda não são suscetíveis de justificar a obrigação de reter na fonte, pois os factos - a previsão - não permitiam sequer a sua convocação. Diz, por outras palavras, que os factos mobilizados pela AT não têm adesão à realidade, o que implica que a liquidação em apreço se encontra ferida de vício de fundamentação. Vejamos se é assim. Os factos “mobilizados pela AT”, vertidos, na sua valoração pelo tribunal, nos pontos 58 a 64, suportam a conclusão pela existência da obrigação de retenção de IRS na fonte, bem como, na falta de cumprimento desta pela Requerente, a realização da liquidação administrativa cuja anulação vem pedida pela Requerente. Não se considera verificada a contradição apontada.

 

4. Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação do ato de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016… .

 

5. Pedido de reembolso das importâncias pagas no âmbito do Regime Especial de Redução do Endividamento ao Estado

Relativamente ao pedido de integral reembolso das importâncias pagas pela Requerente, no âmbito do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro, acrescidas dos respetivos juros legais, o mesmo está prejudicado pela decisão quanto ao pedido principal.

 

6. Valor do processo e custas

De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, nas alíneas a), b) c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 215.298,42 (duzentos e quinze mil, duzentos e noventa e oito euros e quarenta e dois cêntimos).

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 4.284,00 (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros), a cargo da Requerente.

 

28 de julho de 2017.

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

 

(José Rodrigo de Castro)

 

 

 

 

(Luís M. S. Oliveira)