Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2021-T
Data da decisão: 2022-02-22  IMI  
Valor do pedido: € 315.886,72
Tema: IMI - Terrenos para construção. Determinação do VPT. Revisão do ato tributário - Artigos 45.º, 38.º e 39.º do CIMI e 78.º da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), José Nunes Barata (Árbitro Adjunto) e Raquel Franco (Árbitro Adjunto e Relator) e, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral Coletivo na seguinte decisão arbitral:

I. RELATÓRIO

 

1.            Em 15 de maio de 2021, a A..., S.A., com número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...‐... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (doravante abreviadamente designado por “Fundo”), com o número de identificação fiscal ..., doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT).

2.            O pedido tem por objeto a declaração de ilegalidade e anulação (parcial) dos atos tributários de liquidação de IMI n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., com referência aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 315.886,72, com a consequente restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos. A Requerente formula ainda o pedido, a título subsidiário, de que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e que, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o presente coletivo, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 20 de julho de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 29 de setembro de 2021.

6.            Em 4 de outubro de 2021, o Tribunal decidiu que era dispensável a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). 

7.            Por despacho de 26 de outubro de 2021, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas, tendo ainda fixado o prazo para prolação da decisão arbitral, advertindo a Requerente de que deveria pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

8.            No dia 01 de novembro de 2021, a Requerente apresentou alegações escritas.

9.            No dia 10 de janeiro de 2022, o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da decisão arbitral nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

II. POSIÇÕES DAS PARTES

 

a. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

O artigo 45.º do Código do IMI estabelece normas de determinação do valor patrimonial tributário (“VPT”) dos terrenos para construção, que são diferentes e especiais em relação às regras aplicáveis aos prédios urbanos edificados.

 

A redacção do n.º 1 do referido artigo 45.º vigente à data dos factos tributários – anos 2015, 2016, 2017 e 2018 ‐ era a seguinte: “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

 

Estabelecia o n.º 2 do referido preceito legal que “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

 

E dispunha ainda o n.º 3 que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm‐se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».

 

Deste modo, é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.

 

Com efeito, e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” – tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter‐se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

 

Atentas as referidas disposições normativas, bem se pode ver que o factor de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI; nos prédios urbanos classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, por sua vez, o facto de localização é considerado através da aplicação do coeficiente de localização. Deste modo, a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” – que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos.

 

Porém, e até recentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira tipicamente calculava o valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” com base na fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI para prédios urbanos, edificados, classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, considerando os coeficientes de localização, de afectação ou de qualidade e conforto (só não era aplicado o coeficiente de vetustez referente à idade do prédio).

 

 Ora, a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afectação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT

 

Pelo que, concluiu o STA no aresto em análise que «[n]a fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI».

 

No que respeita à consideração do coeficiente de afectação, bem como do coeficiente de qualidade e conforto na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, cumpre referir a decisão do STA, prolatada no processo 0824/15, de 20 de Abril de 2016, nos termos da qual se conclui que o artigo 45.º do Código do IMI é a norma específica que regula a determinação deste valor dos terrenos para construção. Deste modo, o STA reconheceu que o “coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade”,  sendo “[t]ais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece” – cf. Acórdão de 20 de Abril de 2016, proferido no processo 0824/15.

 

O Acórdão do STA de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17 resume, numa única decisão, a jurisprudência deste douto Tribunal quando à ilegal aplicação destes três coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, conforme exposto no sumário deste Acórdão infra transcrito: “I    Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto. II ‐ O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. III ‐  Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.

 

Nestes termos, no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

Face ao supra exposto, na sequência da flagrante violação das regras de determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” demonstrada pela jurisprudência reiterada do STA nesta matéria, a própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.

 

Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Fundo nos anos 2015, 2016, 2017 e 2018 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Fundo quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço

 

 Assim, os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram‐se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão.

 

Por conseguinte, é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas Tabelas supra: a) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2015, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 76.347,73; 26 b) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 79.758,98; c) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 79.890,01; d) Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 79.890,01.

 

Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)

 

Com efeito, nos termos supra expendidos e demonstrados, a determinação do VPT de terrenos para construção sempre deverá ser efectuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários). Pelo que a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

 

b. Na sua Resposta, a Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

 

Sobre a inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário, sustenta que a discordância do Requerente em relação às liquidações de IMI impugnadas se prende apenas com o VPT fixado para os terrenos para construção.

 

Assim sendo, a causa de pedir e o pedido respeitam ao ato destacável que determinou o VPT, que é diretamente impugnável, nos termos dos artigos 86.º, n.º 1 da LGT e 134.º do CPPT, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, não o sendo por via da impugnação dos atos de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

 

Mesmo se fosse admissível a revisão oficiosa do ato de avaliação dos imóveis, este só seria possível através do disposto no artigo 78º da LGT e nessa situação apenas caberia nos n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º que se refere à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos imóveis, por via da respectiva avaliação. Este n.º 4 do artigo 78º da LGT determina, no entanto, que esse pedido tenha que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que não aconteceu no que respeita à liquidação de IMI do ano de 2015. Com efeito, a liquidação de IMI de 2015 foi emitida em 26-02-2016, pelo que, em 27-11-2020 - data do pedido de revisão oficiosa - já haviam decorrido os três anos contados de 31-12-2016, sendo forçoso concluir que o pedido de revisão oficiosa para este ano não poderia ser objeto de revisão oficiosa por ser intempestivo. Assim, sustenta que deve manter-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa quanto ao ano de 2015, por não padecer de qualquer ilegalidade.

 

Relativamente aos juros indemnizatórios, constituem requisitos da condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, (i) que haja erro em acto de liquidação de tributo, (ii) que esse erro seja imputável aos serviços, (iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, (iv) e que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido. No caso dos autos, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27.11.2020, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios, um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, 27.11.2021, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.

 

c. Nas alegações apresentadas, a Requerente veio, em síntese, sustentar o seguinte:

 

Jurisprudencialmente, tem sido admitida a contestação de actos tributários de liquidação de IMI com base em ilegalidades que afectam actos interlocutórios, passíveis de impugnação autónoma (i.e. actos destacáveis), do procedimento tributário relevante para aquela liquidação, nomeadamente em resultado de valores patrimoniais tributários cuja determinação padece de ilegalidade.

O mesmo sucedeu já em sede arbitral, invocando a Requerente o processo arbitral n.º 760/2020‐T, em que a situação fáctica é idêntica à subjacente ao presente processo.

Ainda sobre a admissibilidade da contestação de actos tributários de liquidação de IMI com base em ilegalidade que poderia ter sido apreciada no âmbito de um acto destacável, vide Acórdão do STA de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 01685/13. Em matéria de tributação em sede de Imposto do Selo, vide Decisão Arbitral de 23 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 755/2016‐T.

Doutrinalmente, existem entendimentos diversos quanto à admissibilidade da impugnação de actos tributários de liquidação de imposto com base em fundamento em vícios de acto destacável. A Requerida invoca o entendimento de não admissibilidade preconizado por JORGE LOPES DE SOUSA e por CASALTA NABAIS (cf. articulados 20.º e 21.º da Resposta). Contudo, diferente entendimento doutrinal é adoptado por outros relevantes autores em matéria de procedimento e processo tributário. Com efeito, referem SERENA CABRITO NETO e CARLA CASTELO TRINDADE (in Contencioso Tributário – Volume I – Procedimento, Princípios e Garantias, Edições Almedina, 1ª edição, Coimbra, 2020, p.490), que “NUNO CERDEIRA RIBEIRO entende que caso o interessado não impugne o acto destacável do procedimento, tal não o impede de invocar os vícios desse acto aquando da impugnação do acto final de liquidação. Com efeito, este autor defende que o contribuinte apenas está impedido de recorrer a dois meios processuais invocando os mesmos vícios, isto é, o interessado pode optar entre impugnar o acto destacável desde logo ou impugnar apenas o acto final e aí alegar os vícios do acto destacável. «O que nunca pode é impugnar o ato final assacando‐lhe vícios que já imputara ao ato destacável em impugnação anterior»”.

Deste modo, SERENA CABRITO NETO e CARLA CASTELO TRINDADE adoptam esta posição favorável à impugnação de actos finais de liquidação, “sendo aquela que melhor se coaduna com o princípio da tutela jurisdicional efectiva. É nosso entendimento que os vícios dos actos destacáveis são arguíveis na discussão da legalidade do acto final ainda que não tenham sido objecto de impugnação autónoma, não se podendo, porém, duplicar meios sob pena de os eventuais vícios do acto destacável serem uma questão prejudicial da impugnabilidade do acto definitivo” (realce nosso) – cf. Contencioso Tributário – Volume I – Procedimento, Princípios e Garantias, Edições Almedina, 1ª edição, Coimbra, 2020, p. 490.

Face ao supra exposto, a Requerente entende que, no presente processo arbitral, a defesa por impugnação por alegada inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário deve ser julgada improcedente.

 

III. SANEAMENTO

 

a. Questões prévias

 

A Requerida invoca que o Requerente não imputou aos atos sindicados qualquer vício específico das liquidações de IMI, questionando apenas o VPT, cuja fixação configura um ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação de IMI. Neste âmbito, invoca o artigo 15.º, n.º 2 do Código do IMI, segundo o qual, nos prédios urbanos, categoria em que se inserem os terrenos para construção, a avaliação é direta, e o artigo 86.º, n.º 1 da LGT, que refere que a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa direta. Aduz que os atos de fixação dos valores patrimoniais são, nos termos estipulados no artigo 134.º, n.º 1 do CPPT, objeto de impugnação autónoma, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

Consequentemente, a Requerida sustenta que, na medida em que a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. Não haverá, assim, a possibilidade legal de apreciação do ato de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação. O entendimento da Requerida é, prima facie, correto, verificando-se o efeito preclusivo, caso o sujeito passivo, que não concorde com a determinação de um dado VPT, não use, em tempo, os meios próprios de reação previstos na lei.

 

Estes meios são, primeiramente, administrativos, de acordo com o disposto no artigo 86.º, n.º 2 da LGT, que estabelece que a “impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”. Tratando-se da avaliação de prédios urbanos, o sujeito passivo que não se conforme com o resultado da avaliação direta pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado, como prescreve o artigo 76.º, n.º 1 do Código do IMI. É do resultado das segundas avaliações que cabe impugnação judicial, a seguir os termos definidos no CPPT, como contém, de forma expressa, o artigo 77.º, n.º 1 do Código do IMI. A impugnação dos atos de fixação de valores patrimoniais é regida pelo artigo 134.º do CPPT, podendo fundar-se em qualquer ilegalidade, compreendendo o erro de facto e de direito. Como antes referido, este último preceito consagra, para este efeito, no seu n.º 1, o prazo de três meses e estipula no n.º 7 que a impugnação não tem efeito suspensivo e só pode “ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

 

A este respeito refere a fundamentação das decisões arbitrais n.ºs 487/2020-T e 540/2002-T, de 10 de maio de 2021 e de 30 de abril de 2021, o seguinte: “[…] os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI). A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos: – de 30-06-1999, processo n.º 023160; – de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; – de 06-02-2011, processo n.º 037/11; – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; – de 5-2-2015, processo n.º 08/13; – de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; – de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.”

 

No caso concreto, as ilegalidades que o Requerente imputa aos atos de liquidação de IMI controvertidos (ou, dito de outro modo, a causa de pedir da presente ação) referem-se unicamente à sua base de incidência, à fixação do VPT desses terrenos, que é posto em causa por ter sido calculado de acordo com uma fórmula incorreta. De notar que a aplicação, pela AT, de uma específica fórmula de cálculo de avaliação dos terrenos para construção não é, como o Requerente afirma na réplica, uma questão prévia, distinta e separável dessa avaliação, pois a avaliação consiste precisamente na aplicação da dita fórmula, e a mesma, em caso de discordância, poderia (e deveria) ter sido rebatida em sede de segundas avaliações.

 

Afigura-se, pois, inequívoco que o Requerente pretende a anulação das liquidações de IMI por vício do ato de fixação do VPT. Encontrando-se o objeto do processo configurado nestes moldes, é aplicável a jurisprudência citada. Não porque o Requerente tenha impugnado diretamente o ato de fixação do VPT, pois dirige o seu pedido aos atos de liquidação, mas porque o fundamento (único) que invoca para a invalidade (parcial) destes atos de liquidação respeita tão-só ao VPT fixado, o qual tem como pressuposto. E, como acabado de se referir, o legislador estabeleceu um regime específico para a contestação do ato – destacável – (e procedimento) de fixação do VPT, que constitui um desvio, por opção legislativa, ao regime da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT, não cabendo a sua apreciação na impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI. Também não se identifica paralelismo com a situação de erro nas inscrições matriciais que podem ser objeto de pedidos de correção (e de impugnação) a todo o tempo – v. artigos 134.º, n.ºs 3 a 5 CPPT e 130.º, n.º 3 do Código do IMI – conforme confirmado por diversa jurisprudência arbitral e do Supremo Tribunal Administrativo referenciada pelo Requerente. De facto, esta jurisprudência sublinha que a exigência de esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação não se aplica aos casos em que a impugnação não se funde na errónea fixação do valor patrimonial, i.e., “em que o sujeito passivo não discorda da quantificação do valor patrimonial”, o que não sucede manifestamente na situação vertente. Desta forma, quando esteja em discussão essa discordância do procedimento de avaliação conducente à fixação do VPT, tal exigência se mantém – v. acórdãos do Supremo de 29 de março de 2017, processo n.º 0312/15; de 2 de março de 2016, processo n.º 930/13; de 15 de janeiro de 2014, processo n.º 1101/13; de 8 de janeiro de 2014, processo n.º 1685/13; de 19 de outubro de 2011, processo n.º 311/11; de 16 de abril de 2008, processo n.º 4/08; e de 6 de novembro de 2002, processo n.º 968/0212 .

 

No entanto, como se aprofunda de seguida na apreciação do mérito da causa, o legislador mitigou o mencionado efeito preclusivo, contemplando uma válvula de escape do sistema, ao instituir o poder/dever de revisão oficiosa dos atos tributários ilegais, independentemente de ser desencadeado por iniciativa da AT ou dos sujeitos passivos. Assim, conquanto se verifiquem determinados pressupostos, designadamente o “erro imputável aos serviços”, admite-se a revisão dos atos tributários no quadro do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, ponto que será de seguida analisado, logo após a fixação da matéria de facto.

 

b. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           O Fundo é um fundo especial de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, gerido e administrado pela ora Requerente.

B.            No âmbito da sua actividade, o Fundo é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.

C.            À data dos factos, o Fundo era proprietário dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... .

D.           O Fundo foi notificado dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI:

i. Liquidações com os n.os..., ... e ... referentes ao ano 2015, emitidas a 12.03.2016, 10.06.2016, 08.10.2016, no montante total de € 315.600,25;

ii. Liquidações com os n.os ..., ... e ... referentes ao ano 2016, emitidas a 22.03.2017, a 10.06.2017 e a 24.10.2017 no montante total de € 321.073,99;

iii. Liquidações com os n.os ..., ..., ..., ..., ... e ... referentes ao ano 2017, emitidas a 20.03.2018, 23.06.2018, 21.06.2018, 22.10.2018, no montante total de € 623.114,19; e,

iv. Liquidações com os n.os..., ..., ..., ..., ... e ... referentes ao ano 2018, emitidas a 04.04.2019, 17.07.2019, 02.10.2019, 17.10.2019, no montante total de € 297.195,31.

E.            O Fundo procedeu ao pagamento das liquidações de IMI supra identificadas.

F.            As liquidações de IMI sub judice contabilizaram, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Fundo, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto.

G.           Em 28-06-2010, os terrenos inscritos na matriz predial da freguesia de ... sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... foram avaliados por iniciativa do SP.

H.           Em 12-05-2007 foi avaliado o terreno inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo U-..., por iniciativa do SP.

I.             Em 24-01-2011 foi avaliado o terreno inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob os artigos U-..., por iniciativa do SP.

J.             Na avaliação dos terrenos inscritos na matriz sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... da freguesia de ..., foi considerado o coeficiente de localização de 2,00 e o coeficiente de afetação relativo a serviços de 1,10, para efeitos de determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários.

K.            Na avaliação do terreno inscrito na matriz sob o artigo U-..., da freguesia de ..., foi considerado o coeficiente de localização de 2,00 e o coeficiente de afetação relativo a Habitação de 1,10, para efeitos de determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários.

L.            Não há registo de que a contribuinte tenha solicitado a realização de segundas avaliações ou que tenha impugnado judicialmente os atos de avaliação que constam das cadernetas prediais juntas no documento 4 apresentado pela Requerente junto com o pedido de pronúncia arbitral.

M.          Face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das cadernetas prediais urbanas junta sob a designação de Documento 5, e detalhado nas Tabelas 1, 2 e 3 infra expostas:

 

N. A Requerente apresentou, no dia 27 de Novembro de 2020 (cf. Documento 1), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um Pedido de Revisão Oficiosa destes actos tributários.

 

O. O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

 

P. Em 12.05.2021, foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a este processo.

 

b.            Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

c.            Motivação da decisão sobre a matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, considerando as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada. No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições consensuais assumidas pelas Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões decidendas estritamente de direito.

 

V. DO MÉRITO

 

a. Admissibilidade da revisão oficiosa das liquidações de IMI

 

O ato de fixação do VPT é regulado no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).

 

Importa, contudo, saber se o condicionamento da impugnação ao esgotamento dos meios graciosos tem como consequência a consolidação das liquidações efetuadas ao abrigo desse VPT, isto é, a impossibilidade (jurídica) de estas serem alteradas com fundamento no VPT (só o podendo ser as geradas depois da alteração do VPT, com efeitos apenas para o futuro). Antecipamos já uma resposta negativa a esta questão, com os fundamentos que se aduzem de seguida.

 

Em primeiro lugar, recordam-se as palavras do TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

 

É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

Neste contexto, chama-se a atenção para o artigo 78.º da LGT que, sob a epígrafe “Revisão dos atos tributários”, na parte relevante para a apreciação das questões decidendas, dispõe o seguinte: “1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. 2 – [revogado] 3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. 4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. […]”

 

O instituto da revisão oficiosa está, de igual modo, previsto no artigo 115.º do Código do IMI (“Revisão oficiosa da liquidação e anulação”) que, no seu n.º 1, alínea c), determina que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas […] c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.

 

Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.

 

Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI  - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal . Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”, porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. Neste sentido, segundo o citado acórdão do TCA Sul [processo n.º 2765/12.8BELRS]: “ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

 

Esta posição tem eco na decisão arbitral n.º 500/2020-T, de 24 de junho de 2021, com os fundamentos que parcialmente se transcrevem: “Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido. Fazemos nosso o entendimento do TCAS no acórdão que pôs termo ao processo 2765/12, de 31-10-2019, segundo o qual a errada fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação. […] Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]. (…) Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. Mesmo que assim não se entenda, sempre teríamos que a revisão oficiosa seria possível com fundamento no disposto nº 4 do art.º 78º da LGT: o apuramento da matéria coletável consubstanciar «injustiça grave ou notória». No caso, verificam-se os dois pressupostos legais: a gravidade, pois o imposto liquidado será mais de 35% superior ao devido no caso da A... quase 60% superior ao devido no caso da B...; a notoriedade, uma vez que estão em causa questões de direito, sendo que o cálculo do VPT foi feito de forma que contraria frontalmente jurisprudência consolidada do STA. Não está em causa um qualquer “comportamento negligente do contribuinte”, pois que este(s) nenhuma intervenção tiveram na fixação dos VPT’s em causa. Note-se, por último, que a “negligência” que a lei se refere é relativa ao contributo do contribuinte para o “erro” e não à negligência na utilização atempada dos meios normais de reação. Assim, mesmo admitindo – o que não se concede – que o pedido de revisão oficiosa apenas poderia ser feito ao abrigo do n.º 4 do art.º 78º da LGT, temos que, sempre seria tempestivo (as liquidações em causa relativas a 2016 – as mais antigas - são datadas de 2017, tendo os pedidos de revisão oficiosa das liquidações sido apresentados, respetivamente, em , em 02.03.2020 e 04.03.2020, ou seja, dentro dos três anos posteriores aos dos atos tributários cuja revisão se pretendia.”

 

Concordamos com esta posição, verificando-se, na situação dos autos, erro imputável aos serviços, na medida em que (como adiante analisado), não obstante a Requerida ter efetuado as liquidações de IMI com base nos VPT que constavam das matrizes, a 31 de dezembro do ano em causa, como determina o artigo 113.º, n.º 1 do Código do IMI , esta incorreu em erro de direito no procedimento de avaliação e fixação do VPT, que condicionou diretamente a sobrevalorização dos VPT e a liquidação de IMI em excesso e, em consequência, o pagamento de prestação tributária indevida. Interessa sublinhar que, para este desfecho, não contribuiu o Requerente. Efetivamente a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que o Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coordena com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral pois mesmo relativamente aos atos praticados em 2016 (referentes ao ano de 2015), o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no ano de 2020 (27 de novembro, em concreto).

 

b.  Sobre a aplicação indevida do artigo 38.º do Código do IMI aos terrenos para construção

A problemática da aplicação aos prédios urbanos classificados como terrenos para construção dos coeficientes de afetação, localização e qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º do Código do IMI para os prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, e, bem assim, da respetiva fórmula matemática, foi amplamente debatida e tem sido decidida por jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da sua inadmissibilidade.

 

Com efeito, aquele tribunal tem considerado que a fórmula contemplada no artigo 38.º do Código do IMI apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí identificados para habitação, comércio, indústria e serviços, não tendo o legislador incluído os terrenos para construção, que também classifica de prédios urbanos no artigo 6.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código. Relativamente aos terrenos para construção, foi consagrada uma norma específica, o artigo 45.º do Código do IMI, “onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do n.º 3 do artigo 42. Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal”, nos termos explicitados pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de outubro de 2019, processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, para o qual se remete.

 

Continua este aresto com a seguinte fundamentação, que nos merece total concordância:

“O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade. Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI. Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário. A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP. A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação. É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo. O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)”.

 

Concordando, e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído. Com o devido respeito, tal como se fez no já referido acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016 tirado no rec. nº 01083/13 não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no art.º 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária. Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência (…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto. Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…). Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes. Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (art.º 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

 

Como se referiu, estamos perante jurisprudência constante que se acompanha, reiterada em acórdãos do Pleno, cujos processos infra se referenciam: − processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021 − processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019 − processo n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019 − Pleno – processo n.º 016/10.9BELLE, de 3 de julho de 2019 − processo n.º 0398/08.2BECTB, de 14 de novembro de 2018 − processo n.º 0986/16, de 16 de maio de 2018 − processo n.º 01461/17, de 31 de janeiro de 2018 − processo n.º 0897/16, de 28 de junho de 2017 − processo n.º 01107/16, de 5 de abril de 2017 − processo n.º 0127/15, de 15 de março de 2017 − Pleno – processo n.º 01083/13, de 21 de setembro de 2016 − processo n.º 0824/15, de 20 de abril de 2016 − processo n.º 0765/09, de 18 de novembro de 2009.

 

Todos os acórdãos enumerados, relativos ao tema da avaliação de terrenos para construção, regulado pelo artigo 45.º do Código do IMI, julgam não ser de aplicar os coeficientes ou características que não se encontrem especificamente previstas neste preceito, nomeadamente os contemplados no artigo 38.º deste Código, suscetíveis de alterar a base tributária e de interferir na incidência do imposto, por tal configurar aplicação analógica.

 

Considera-se, também, ser de afastar o coeficiente de localização, em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI, pois, de outro modo tal fator [de localização] relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção (v. também a decisão arbitral n.º 500/2020-T). Refere, neste âmbito, o acórdão (do Pleno) do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 016/10, de 3 de julho de 2019: “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.”

 

À face do exposto, tem de concluir-se em consonância com a Requerente, no sentido de que a Requerida não devia ter aplicado aos terrenos para construção acima identificados os coeficientes de localização, qualidade e conforto e de afetação que geraram a liquidação de imposto em excesso, julgando-se a ação procedente nesta parte.

 

EM SÍNTESE:

 

- Os atos tributários de liquidação de IMI objeto desta ação e acima identificados, são parcialmente anuláveis por vício substantivo de erro nos pressupostos de direito, na parte em que tiveram como pressuposto valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes de qualidade e conforto, coeficientes de localização e coeficientes de afetação ao abrigo da fórmula do artigo 38.º do Código do IMI, quando, à data dos factos, tais normas eram inaplicáveis aos terrenos para construção [cf. o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT].

- Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por ilegalidade substantiva (erro de direito) dos atos impugnados fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, nomeadamente a que se refere aos vícios de inconstitucionalidade arguidos pelo Requerente, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

- Quanto ao reembolso da prestação tributária e pagamento de juros indemnizatórios, o Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade (parcial) dos atos de liquidação de IMI, a restituição da importância paga em excesso, que quantifica em € 315.886,72, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, uma vez que procedeu ao pagamento da quantia liquidada. A restituição do imposto pago indevidamente é uma consequência da anulação parcial dos atos de liquidação impugnados. Quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”. O artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão, salvo se o atraso não for imputável à AT (v. acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4 de novembro de 2020). Na situação vertente, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que as liquidações de IMI padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual o Requerente em nada contribuiu. Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 27 de novembro de 2020, os correspondentes juros indemnizatórios, calculados com base no citado valor pago em excesso (€ 315.886,72), apenas se começam a contar a partir de 27 de novembro de 2021.

 

VI. Decisão

 

Tendo em conta o supra exposto, o Tribunal decide:

(a) Julgar improcedente a exceção suscitada pela Requerida;

(b) Julgar procedente o pedido arbitral, com a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IMI supra identificados e, bem assim, a anulação dos atos silentes (de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa) que ficcionadamente os confirmaram;

(c) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida à restituição da prestação tributária paga em excesso, no montante de € 315.886,72; e

(d) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância de € 315.886,72 a contar de 27.11.2020, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, tudo com as legais consequências.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 315.886,72 (trezentos e quinze mil, oitocentos e oitenta e seis euros e setenta e dois cêntimos).

 

VIII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do mencionado RCPAT, sendo a mesma devida pela Requerida em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de fevereiro de 2022

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

(Árbitra Presidente)

 

José Nunes Barata

(Árbitro Adjunto)

 

Raquel Franco

(Árbitra Adjunta, Relatora)