Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 295/2021-T
Data da decisão: 2021-12-23  IMT  
Valor do pedido: € 67.279,88
Tema: IMT - Regime Fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento (FIAH).
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SUMÁRIO:

 

1.            O regime jurídico dos FIIAH concede isenções de pagamento de IMT, que caducam na eventualidade de os fundos alienarem os imóveis que beneficiaram daquelas isenções sem que tenham sido efetivamente destinados a arrendamento para habitação permanente nos termos do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH ou não os tendo alienado também não tenham concretizado o seu arrendamento efetivo.

2.            Da norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 resulta que, caso os prédios adquiridos na vigência da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, não sejam objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos, contados a partir de 1 de janeiro de 2014, ou, sejam alienados dentro desse prazo, os FIIAH perdem o direito à isenção de IMT e de Imposto do Selo prevista no artigo 8.º, n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, aprovado por aquela Lei.”

3.            A revogação dos nºs 15 e 16 do artigo 8º. do Regime jurídico dos FIIAH, pelo artigo 6.º do Decreto-Lei nº. 7/2015, de 13 de janeiro, não impede a caducidade das isenções de IMT dos imóveis adquiridos pelos Fundos antes de 1 de janeiro de 2014 e alienados ou não afetos efetivamente a habitação no período de três anos decorridos após 1 de janeiro de 2014.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

 

1.            Em 10 de maio de 2021 o A...- Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, titular do número de identificação fiscal ..., aqui representado pela sua sociedade gestora B... -Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., NIPC..., com sede na ..., nº. ..., ..., ...-... ..., doravante designada por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

 

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. C... e a Requerida é representada pela jurista, Dr.ª D... .

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 20 de julho de 2021.

 

4.            Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal, a legalidade das decisões de indeferimento proferidas pela Direção de Finanças de Santarém e, bem assim, pelo Serviço de Finanças de Loures-..., notificadas à Requerente através de ofícios enviados por correio registado, respetivamente, em 9 e 15 de fevereiro de 2021, que recaíram sobre o pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e respetivos juros compensatórios n.º..., no valor de € 1.570,00 (mil quinhentos e setenta euros); n.º..., no valor de € 503,12 (quinhentos e três euros e doze cêntimos); n.º..., no valor de € 5.739,58 (cinco mil, setecentos e trinta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos); n.º..., no valor de € 1.290,93 (mil duzentos e noventa euros e noventa e três cêntimos); e n.º..., no valor de € 58.176,26 (cinquenta e oito mil, cento e setenta e euros e vinte e seis cêntimos), tudo num total de € 67.279,88 (sessenta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), todos praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) por referência a imóveis adquiridos pelo Fundo em data anterior a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo dos n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

 

5.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

 

6.            O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 20 de julho de 2021, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme a comunicação da constituição do tribunal arbitral coletivo que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

 

7.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 30 de setembro de 2021.

 

8.            Em 11 de outubro de 2021 o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“Atendendo a que o processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, não  foram suscitadas exceções de que caiba conhecer preliminarmente, nem há irregularidades a suprir e estando em causa uma questão de direito, afigura-se que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, pelo que, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º desse Regime, e determina-se o prosseguimento do processo para a apresentação de alegações escritas facultativas, pelo prazo sucessivo de dez dias.”

 

9.            Nesse mesmo despacho, o Tribunal fixou o dia 20 de janeiro de 2022 como data para a prolação da decisão arbitral, tendo, ainda, advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

10.          Não tendo sido apresentadas Alegações por qualquer das partes, a Requerida, em 7 de dezembro de 2021 apresentou Requerimento em que solicitava a junção aos autos do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 24-11-2021 (processo n.º 23/21.6BALSB), no âmbito do recurso de oposição de acórdãos interposto pelo Requerente arbitral na sequência da decisão proferida no processo n.º 56/2020-T, citada pela Requerida na sua Resposta.

 

11.          Face ao teor do presente requerimento e ao pedido de junção aos autos da jurisprudência referenciada, o Tribunal Arbitral proferiu, em 13 de dezembro de 2021, o seguinte Despacho:

“A junção de documentos apenas é possível até ao encerramento da discussão (artigo 425.º do CPC a contrario), o que, no caso, já ocorreu, e a admitir-se a junção do documento, como é requerido, implicaria a notificação da Requerente para o exercício do contraditório, quando o processo se encontra já pronto para julgamento. Acresce que, em sede de direito, o tribunal tem sempre a possibilidade de consultar a jurisprudência, incluindo o acórdão do STA que se pretende agora juntar. Não há, por conseguinte, motivo para admitir a pretendida junção de documento.”

 

12.          O presente processo seguiu, assim, a tramitação já anteriormente fixada pelo Tribunal.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

13.          A Requerente sustenta o seu pedido de declaração de ilegalidade das decisões de indeferimento proferidas pela Direção de Finanças de Santarém e, bem assim, pelo Serviço de Finanças de Loures-..., notificadas à REQUERENTE através de ofícios enviados por correio registado, respetivamente, em 9 e 15 de fevereiro de 2021, que recaíram sobre o pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de IMT e respetivos juros compensatórios n.º..., no valor de € 1.570,00 (mil quinhentos e setenta euros); n.º..., no valor de € 503,12 (quinhentos e três euros e doze cêntimos); n.º..., no valor de € 5.739,58 (cinco mil, setecentos e trinta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos); n.º..., no valor de € 1.290,93 (mil duzentos e noventa euros e noventa e três cêntimos); e n.º..., tudo no valor de € 58.176,26 (cinquenta e oito mil, cento e setenta e euros e vinte e seis cêntimos), tudo num total de € 67.279,88 (sessenta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), todos praticados pela AT por referência a imóveis adquiridos pelo FUNDO em data anterior a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo dos n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, no seguinte:

 

14.          O FUNDO representado pela REQUERENTE foi constituído, em 19 de novembro de 2009 (após autorização da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), como Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional («FIIAH»), ao abrigo do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional («REFIIAH»), aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Vd. DOC. 1), tendo nesse âmbito adquirido um conjunto alargado de imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente.

 

15.          A aquisição dos referidos imóveis beneficiou, neste contexto, da isenção de IMT consagrada na alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do REFIIAH, que determinava o seguinte: «Ficam isentos do IMT: a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1»

 

16.          Porém, no decurso dos anos de 2016 e de 2017, a AT procedeu, por referência aos referidos imóveis, à emissão de atos liquidação de IMT e de juros compensatórios, ao abrigo dos n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (regime que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014 e cujo regime transitório, constante do n.º 2 do artigo 236.º daquele diploma legal, determinou ser «igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014»).

 

17.          A Direção de Finanças de Santarém entendeu indeferir, especificamente, o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMT e juros compensatórios referentes aos seguintes imóveis:

 

N.º de matriz do imóvel Data de aquisição pelo Fundo    N.º Liquidação / DUC     Data Liquidação                Valor global (IMT e Juros)     Fundamento legal           Facto ocorrido  N.º de Docs.

U-...

(...)       

31-12-2012        

...           

09/02/2017        

€ 1.570,00           Artigo 8.º, n.º 15, do REFIIAH     Não arrendamento até 01/2017                Docs.

2 a 4

U-.../...

               

31-12-2013        

...           

19/12/2016        

€ 503,12               Artigo 8.º, n.º 16, do REFIIAH     Venda em

20-01-2015         Docs.

5 a 7

 

18.          Paralelamente, também o Serviço de Finanças de Loures entendeu dever indeferir o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMT e juros compensatórios relativos aos seguintes imóveis:

 

N.º de matriz do imóvel Data de aquisição pelo Fundo    N.º Liquidação / DUC     Data Liquidação                Valor global (IMT e Juros)     Fundamento legal           Facto ocorrido  N.º de Docs.

U-...

...

               

31-12-2012        

...           

02/11/2017        

€ 5.739,58           Artigo 8.º, n.º 16, do REFIIAH     Venda em

14-12-2016         Docs.

8 a 12

U-...

(.../...) 

31-12-2012        

...           

14/09/2017        

€ 1.290,93           Artigo 8.º, n.º 16, do REFIIAH     Não arrendamento até 01/2017                Docs.

13 a 17

U-...

(.../

...)         

31-12-2012        

...           

20/12/2016        

€ 58.176,26         Artigo 8.º, n.º 16, do REFIIAH     Venda em

19-06-2015         Docs.

18 a 22

 

 

19.          Face à legislação aplicável a Requerente entende que:

“Neste sentido, como se extraí claramente da redação inicial do regime tributário aplicável aos FIIAH, «As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1 [ou seja, pelos «FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores»]» ficavam isentas de IMT, sem necessidade de verificação de qualquer outro requisito adicional (cf. alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do REFIIAH).

 

20.          A Requerente refere que todos os imóveis aqui em causa foram:

“….adquiridos pelo FUNDO em data anterior a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo dos n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (regime que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014 e cujo regime transitório, constante do n.º 2 do artigo 236.º daquele diploma legal, determinou ser «igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014»).

 

21.          Contudo, a AT entende que face ao regime previsto no artigo 8.º do REFIIAH, na redação dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e no regime transitório previsto no n.º 2 do artigo 236.º deste último diploma legal, resulta o seguinte

 

i). O ato de liquidação de IMT consubstanciado no documento n.o 2 foi praticado ao abrigo do n.º 15 do artigo 8º. acima citado, ou seja, em razão do seu não arrendamento nos 3 anos subsequentes ao dia 1 de janeiro de 2014);

 

ii). Os restantes atos de liquidação de IMT, consubstanciados nos documentos n.os 5, 8, 13 e 18, foram praticados ao abrigo no n.º 16 do citado artigo 8.º do REFIIAH i.e, em consequência da sua alienação antes de decorrido o prazo de 3 anos contado a partir do dia 1 de janeiro de 2014).

 

22.          Contudo, a Requerente manifesta o seu desacordo relativamente à totalidade das liquidações efetuadas pela Autoridade Tributária, porquanto:

“…a aplicação do novo regime introduzido pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a imóveis adquiridos — como se verifica com todos os imóveis aqui em causa — antes da sua entrada em vigor (ou seja, em data anterior a 1 de janeiro de 2014), consubstancia uma violação ao princípio da proteção da confiança ínsito no princípio fundamental do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), encontrando-se os atos assim praticados (em concreto, os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral) feridos do vício de nulidade, por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo («CPA»).

 

23.          Invocando Doutrina e Jurisprudência relevantes a Requerente remete para a posição do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, nomeadamente quando ali se consagra que:

“…. o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de esclarecer, «a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH consagrado no artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação da referida Lei n.º 83-C/2013, com o sentido de que há lugar à liquidação de IMT e de Imposto de Selo (por caducidade das respetivas isenções respetivas previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º) relativamente a imóveis que, tendo sido adquiridos por fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, em momento anterior a 1 de janeiro de 2014, sejam vendidos antes de decorrido o prazo de 3 anos (previsto naquele primeiro preceito) contados a partir de 1 de janeiro de 2014, sem que tenham sido objeto de contrato de arrendamento habitacional» configura uma manifesta violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da CRP (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 175/2018, de 5 de abril de 2018 e n.º 489/2018, de 9 de outubro de 2018).

 

24.          Considerando ainda que: “…foi precisamente o apontado conteúdo essencial do princípio fundamental do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP que o Tribunal Constitucional considerou violado pelo regime transitório previsto no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (cf. cit. Acórdãos n.os 175/2018 e 489/2018).”

25.          E conclui do seguinte modo:

“A esta luz, traduzindo os atos tributários sob apreciação a aplicação daquele específico regime jurídico violador do conteúdo essencial do artigo 2.º da CRP, deverão os mesmos considerar-se nulos por força da referida alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, ou seja, por «(…) ofend[erem] o conteúdo essencial de um direito fundamental».”

 

26.          Prossegue a Requerente os seus intentos assacando às liquidações efetuadas outro vício de ilegalidade, por não se consideram como verificadas as condições invocadas pela AT para dar como caducadas as isenções de IMT em causa.

27.          Estão em causa as seguintes situações já referenciadas:

“Nos casos dos atos de liquidação de IMT consubstanciados nos documentos n.os 2 e 13, i.e., no não arrendamento do imóvel no prazo de 3 anos a contar de 1 de janeiro de 2014, tendo a causa justificativa da caducidade da isenção se consolidado, somente, a partir do dia 1 de janeiro de 2017 (ou seja, no 3.º aniversário posterior a 1 de janeiro de 2014);

No caso do ato de IMT consubstanciado no documento n.o 8, a causa justificativa da caducidade das isenções circunscreve-se à venda do respetivo imóvel, alienação esta que ocorreu após o dia 1 de julho de 2015.”

 

28.          Ou seja, entende a Requerente que as circunstâncias determinantes da caducidade das isenções ocorreram após 1 de julho de 2015, data de produção de efeitos da alteração do regime legal aplicável, e como tal já não possuíam a virtualidade de determinar tal caducidade.

 

29.          Ou de outro modo:

“a partir do dia 1 de janeiro de 2015, o não arrendamento no prazo de 3 anos a contar de 1 de janeiro de 2014, ou a alienação dos imóveis adquiridos antes de decorrido este mesmo prazo, deixaram de determinar a caducidade das isenções de IMT anteriormente concedidas, na medida em que as normas legais que previam este efeito — os n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH — foram revogadas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro.”

 

30.          Ou ainda:

“O mesmo é dizer que as circunstâncias que a Administração tributária entendeu serem suscetíveis de determinar a caducidade das isenções de IMT concedidas ao FUNDO, eram, afinal, totalmente irrelevantes e inidóneas para este efeito, em virtude de os n.os 14 a 16 do artigo 8.º do REFIIAH terem deixado de vigorar a partir do dia 1 de julho de 2015.»

 

31.          E desse modo concluindo:

“Por conseguinte, tendo em consideração que as disposições normativas identificadas pela Administração tributária para praticar os identificados atos de liquidação de IMT se encontravam, no momento relevante para a sua aplicação, revogadas, impor-se-á concluir, sem mais, pela ilegalidade de tais atos e pela consequente necessidade, também por esta razão, da sua anulação.”

 

32.          Requerendo, a final, o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado e que se proceda, igualmente, ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

33.          Relativamente à invocada inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013,

34.          Após o enquadramento legislativo do regime em causa, particularmente dos seus aspetos fiscais, a Requerida refere que:

“o regime jurídico aplicável dos FIIAH e das SIIAH foi aprovado tendo em vista não só a criação destas entidades jurídicas, mas também a definição de um regime tributário especialmente favorável que lhes permitisse cumprir a função de apoio às famílias e ao sistema bancário face a problemas emergentes de contratos de crédito à habitação, designadamente, o incumprimento contratual decorrente de vicissitudes económicas (situação económica difícil dos agregados familiares, sobre-endividamento e do aumento de taxas de juro), e também como forma de evitar o aumento do crédito “mal parado”.

 

35.          Sendo intenção do legislador facilitar e incentivar a colocação de imóveis no mercado de arrendamento a requerida reforça que tal se ficou a dever também e acima de tudo para “… permitir às famílias oneradas com prestações dos empréstimos à sua habitação própria e permanente, alienar o imóvel ao Fundo (e de aí permanecerem), assim vendo reduzidos os seus encargos por contrapartida de uma renda de valor inferior à prestação que antes tinham, com a possibilidade de mais tarde exercerem a opção (re) compra do mesmo.”

 

36.          “… a AT entendeu que, tratando-se de benefício dependente de reconhecimento, não bastaria a integração dos prédios na carteira do Fundo e a mera intenção do fim a que se destinavam – o arrendamento –, exigindo não só a sua verificação mas também a sua comprovação, através de contrato de arrendamento celebrado entre as partes, com o qual se permitia, inclusive, aferir e determinar o período de vigência do benefício.”

 

37.          Após uma inicial interpretação, denominada pela Requerida como “simplista” do âmbito da isenção fiscal atribuída os Fundos, de que “….a isenção era reconhecida apenas por integrarem o património do Fundo, independentemente do destino efetivo do arrendamento se verificar,

 

38.          … a Requerida entende que esta interpretação que a AT vinha fazendo tem pleno cabimento constitucional, como ficou consagrado no Acórdão n.º 175/2018 do Tribunal Constitucional (TC), que transcreve:

«[…] no que toca aos benefícios fiscais consagrados na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro isenções de IMT e Imposto de selo, a causa do benefício só pode residir na efetiva disponibilização do imóvel adquirido para arrendamento habitacional.

A atividade fomentada, isto é, a atividade cuja realização aquelas isenções se propõem incentivar não é a mera aquisição do imóvel, ainda que acompanhada da declaração do propósito de o afetar ao arrendamento habitacional; é sim a colocação no mercado de arrendamento habitacional do imóvel adquirido, sendo essa, em definitivo, a atividade cujo exercício se pretendeu estimular através da concessão dos referidos benefícios.»

 

39.          Prosseguindo, mais se refere no acórdão:

«Existe, pelo contrário, um conjunto suficientemente convincente de elementos que apontam para a ideia de que as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontravam sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário: a não disponibilização do imóvel para arrendamento habitacional do imóvel adquirido pelo fundo em momento ulterior ao da respetiva aquisição, determinava a caducidade do benefício, com consequente renascimento da correspondente obrigação tributária.»

 

40.          Se já era essa a interpretação do texto normativo a Requerida entende que com as alterações efetuadas a partir da aprovação do OE para 2014, “…o legislador manteve a parte enunciativa desse regime, concretizando, no entanto, sob inovação, o conceito do destino efetivo dos prédios, o prazo em que os Fundos deveriam comprovar esse destino e que prédios é que se deveriam considerar abrangidos pelas normas aditadas.”

 

41.          Ou seja, o legislador concretizou em lei aquilo que já era o entendimento e os procedimentos da própria AT, “…aplicando, de acordo com o n.º 2 do Art.º 236.º da LOE 2014, o mesmo prazo de comprovação dos pressupostos também aos prédios adquiridos antes de 1 de janeiro de 2014,

 

42.          “… passando a subordinar as aquisições de prédios ocorridas a partir de 1 de janeiro de 2014 às normas aditadas, a qual prescreve a aplicação de novos pressupostos para a aplicação da isenção em matéria de IMT e de Imposto.”

 

43.          “Simultaneamente, da referida norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 resulta que, caso os prédios adquiridos na vigência da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, não sejam objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos, contados a partir de 1 de janeiro de 2014, ou, sejam alienados dentro desse prazo, os FIIAH e SIIAH perdem o direito à isenção de IMT e de Imposto do Selo prevista no artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a), e 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, aprovado por aquela Lei.”

 

44.          A Requerida conclui que, nestas circunstâncias:

“O que releva, pois, é o facto de, em virtude da retroatividade imposta pelo n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, as isenções concedidas ao abrigo da versão originária da Lei que aprovou o regime jurídico especialmente aplicável aos FIIAH e às SIIAH caducarem, não apenas se o imóvel adquirido não for disponibilizado para arrendamento habitacional em momento posterior ao da respetiva aquisição, mas também se, não obstante aquela disponibilização, nenhum contrato de arrendamento vier a ser efetivamente celebrado por razões não imputáveis ao fundo e/ou o imóvel adquirido acabar por ser alienado na sequência dessa impossibilidade, dentro dos três anos subsequentes à entrada em vigor da nova lei.”

 

45.          Continua a Requerida:

“Ao vir a ser determinada, pelo n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, a caducidade dos benefícios, no caso de o imóvel adquirido, apesar de disponibilizado para arrendamento habitacional, não vir a ser efetivamente arrendado dentro de determinado prazo por razões não imputáveis ao fundo e/ou acabar por ser por essa razão alienado de modo a minimiza eventuais prejuízos decorrentes da impossibilidade da sua rentabilização, o TC conclui que “(…) a lei nova transfere para os fundos o risco inerente ao funcionamento do mercado em termos que não só não tinham paralelo no domínio da lei antiga como não eram, em face dos que aí se previam, de modo algum antecipáveis”, concluindo em seguida que a aplicação retroativa desta norma frusta as expetativas legitimas dos fundos imobiliários na manutenção do regime fiscal em vigor à data de aquisição dos imóveis, pelo que, não havendo qualquer interesse constitucionalmente protegido que justifique a lesão da confiança dos fundos imobiliários, será forçoso concluir pela inconstitucionalidade da referida norma, por violação do princípio da tutela da confiança.”

 

46.          Concluindo:

Desta forma, decidiu o TC, no Acórdão nº 175/2018, “[j]ulgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014”.

 

47.          Assim sendo:

“Atento ao juízo de inconstitucionalidade e aos fundamentos do mencionado acórdão do TC, a tributação assente neste aditamento (Lei n.º 83-C/2013, de 31.12) e neste regime transitório (art.º 236.º, n.º 2 da aludida Lei), é violadora do Art.º 103.º n.º 3 da CRP e do princípio da tutela da confiança jurídica, uma vez que os n.ºs 14 a 16.º do Art.º 8.º do Regime dos FIIAH vem alargar o espectro da incidência do IMT e IS, já que impõe novos requisitos necessários à concessão das isenções, pelo que só deverão ter reflexo nas aquisições de imóveis a partir de 01.01.2014.”

 

48.          Embora a Requerida entenda que relativamente às aquisições anteriores a 1 de janeiro de 2014, a alienação dos imóveis ocorrida antes de decorrido o prazo de três anos contados desde 1 de janeiro de 2014 não faz caducar a isenção, o que é facto que se e entende que “…a AT tem o poder-dever de exigir ao sujeito passivo prova de que:

1. O imóvel foi efetivamente disponibilizado para arrendamento habitacional após a aquisição e antes da alienação (ainda que nenhum contrato de arrendamento tivesse sido celebrado por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado), e

2. Que a alienação foi a única alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização.

 

49.          Recordando que os factos em causa e a declaração de caducidade do benefício se deveu à circunstância de aos prédios em causa, adquiridos pelo FUNDO em data anterior a 1 de janeiro de 2014 terem sido alienados pelo Fundo ou não se tenha verificado o seu arrendamento sem que em nenhum momento tenha sido feita prova dos factos acima mencionados a requerida conclui que:

“…os atos de liquidação de IMT e juros compensatórios, não merecem qualquer censura, visto que foram emitidos de acordo com as normas vigentes, ora invocadas, e aplicáveis ao caso concreto.”

 

50.          Termina invocando a seu favor a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 56/2020-T, que parcialmente transcreve e em cujo sumário ficou consagrado que:

“VI. O regime jurídico dos FIIAH concede isenções de pagamento de IMT, IS e IMI que caducam na eventualidade de os fundos alienarem os imóveis que beneficiaram daquelas isenções sem que tenham sido efectivamente destinados a arrendamento para habitação permanente nos termos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH.”

 

51.          A Requerida aborda de seguida a outra questão em causa nos presentes autos a qual se prende com a revogação dos n.ºs 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro.

 

52.          Recorde-se que a Requerente é de entendimento que as normas legais constantes dos n.ºs 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH já se encontravam revogadas pelo artigo 6.º do DL n.º 7/2015, de 13 de janeiro, à data das liquidações em causa nos presentes autos, razão pela qual defende a sua ilegalidade.

 

53.          Por seu turno, a Requerida entende que tais normas não foram nem expressa nem tacitamente revogadas para recordar que estão em confronto:

 

54.          Por um lado, a norma constante dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, aditadas pelo LOE/2014, as quais estabelecem regras de caducidade dos benefícios concedidos aos fundos

 

55.          E, por outro lado, a norma constante do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, diploma que procedeu à revisão do regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), que altera o n.º 12 daquele artigo 8.º, mantendo os restantes números do artigo, omitindo, porém, os n.ºs 14 a 16.

 

56.          Entendendo a Requerida não se verificar qualquer incompatibilidade entre as normas em questão e defende que também não estamos perante uma situação de revogação tácita com a cobertura do nº. 3 do artigo 7º. do Código Civil, já que “[o] âmbito de aplicação dos dois diplomas – regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH e regime fiscal dos OIC – não é coincidente, assumindo-se o novo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 como geral face ao regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH.”

 

57.          Concluindo que: “…o novo regime fiscal aplica-se a todos os OIC, exceto aos FIIAH e SIIAH abrangidos pelo regime especial aprovado pela LOE/2009, com as alterações introduzidas pelo LOE/2014.”

 

58.          “Ora, estando em causa norma geral posterior e norma especial anterior, dispõe o já citado n.º 3 do art.º 7.º do Código Civil que só há revogação se houver intenção inequívoca do legislador nesse sentido, não se podendo presumir que a lei geral, por ser posterior, revoga a lei especial. “

 

59.          No caso em concreto não resulta qualquer intenção do legislador de revogar as normas de caducidade dos benefícios fiscais concedidos aos FIIAH e SIIAH em matéria de impostos sobre o património, pelo que se conclui pela não revogação da lei especial pela lei geral.

 

60.          Outro argumento no sentido da não revogação das normas em análise reside no facto de o novo regime dos OIC ter sido aprovado por diploma de governo.

 

61.          A caducidade de benefícios fiscais configura matéria sujeita ao princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 1 do artigo 8.º da LGT, incluindo-se na reserva relativa de competência da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

 

62.          Nesse sentido, foi previamente concedida autorização legislativa para revisão do regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, a qual consta do artigo 241.º da LOE/2014 e respetiva Declaração de Retificação.

 

63.          A revogação das regras de caducidade dos benefícios fiscais atribuídos aos FIIAH, introduzidas pela LOE/2014, extravasa por completo o objeto, mas também o sentido e a extensão desta autorização.

 

64.          Deste modo, conclui-se pela não revogação dos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial dos FIIAH e SIIAH e bem assim se conclui que a norma transitória constante do artigo 236.º da LOE/2014 se mantém vigente.

 

65.          Neste mesmo sentido, se pronunciou o Centro de Estudos Fiscais, através do parecer n.º 32/2017, de 26-05-2017 cujas conclusões foram transcritas na Resposta da Requerida.

 

IV. Saneamento

 

66.          O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

67.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes e os documentos juntos aos autos.

 

b.            Factos dados como provados

 

68.          Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A.           O A...- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, gerido pela Requerente é um fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, constituído em 19 de novembro de 2009 (após autorização da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), ao abrigo do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento, aprovado pelos artigos 102º a 104º. Da Lei nº. 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Docº. nº. 1 -;

B.            No exercício da sua atividade, a Requerente adquire diversos imóveis com vista à sua integração no património dos fundos de investimento imobiliário que gere, incluindo-se aqui o Fundo. – Por acordo das Partes - ;

C.            Assim foram adquiridos pelo Fundo os seguintes imóveis:

Em 2012

- Adquiriu em 31-12-2012, o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia e concelho de ..., com valor patrimonial de € 66.973,75, pelo preço de € 157.500,00.

- Adquiriu em 31-12-2012, o prédio urbano, destinado a habitação, sito no ..., ..., ...-... ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia e concelho de ..., com valor patrimonial de € 175.505,99, pelo preço de € 198.610,00 (alienado pelo fundo em 14-12-2016).

- Adquiriu em 31-12-2012, a fração autónoma “F”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na ..., n.º ..., ..., em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de ..., concelho de Palmela, com valor patrimonial de € 60.351,38, pelo preço de € 110.750,00.

- Adquiriu em 31-12-2012, a fração autónoma “C”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, com valor patrimonial de € 328.590,55, pelo preço de € 920.000,00 (alienado pelo fundo em 19-06-2015).

Em 2013

- Adquiriu em 31-12-2013, a fração autónoma “B”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ..., da freguesia e concelho de ..., com valor patrimonial de € 43.680,00, pelo preço de € 47.000,00 (alienado pelo fundo em 20-01-2015).

D. No decurso de 2016 e de 2017, a AT procedeu à emissão dos atos de liquidação de IMT e de juros compensatórios, acima já melhor identificados, no montante total de € 67.279,88, ao abrigo dos n.ºs 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (regime que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014), com o seguintes fundamentos:

             Liquidação de IMT n.º..., de 09-02-2017, no montante de € 1.570,00: prédio urbano (artigo n.º...) não foi objeto de arrendamento;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 09-02-2017 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...];

             Liquidação de IMT n.º..., de 19-12-2016, no montante de € 503,12: a fração “B” do prédio urbano (artigo n.º...) foi alienado em 20-01-2015;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 19-12-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º..., de 02-11-2017, no montante de € 5.739,58: o prédio urbano (artigo n.º...) foi alienado em 14-12-2016;

[Declaração Modelo 1 n.º..., de 13-12-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º ..., de 14-09-2017, no montante de € 1.290,93: a fração “F” do prédio urbano (artigo n.º...) não foi objeto de arrendamento;

[Declaração Modelo 1 n.º..., de 31-01-2017 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º..., de 20-12-2016, no montante de € 58.176,26: a fração “C” do prédio urbano (artigo n.º...) foi alienado em 19-06-2015;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 23-11-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

D.           A Requerente apresentou em 17 de abril de 2019, diversos pedidos de revisão oficiosa, foi notificadas dos respetivos projetos de indeferimento, exerceu os direitos de audição previstos na lei e foram proferidos em cada um dos procedimentos de revisão oficiosa acima assinalados decisão final de indeferimento, conforme quadro infra:

 

 

E.            O Fundo procedeu ao pagamento integral da liquidação de IMT supra identificada. – Por acordo das Partes -.

F.            A Requerente apresentou em 10 de maio de 2021 e em representação do Fundo o presente pedido e pronúncia arbitral.

 

VI. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

VII. Fundamentos de direito

 

69.          Quer quanto à delimitação das questões a decidir, quer quanto à apreciação dos vícios invocados pela Requerente, referimos desde já que vamos acompanhar de perto, o que sobre estas matérias se decidiu no Acórdão tirado no Procº. nº. 56/2020.

 

70.          Começando, pela delimitação das questões a decidir.

 

71.          No que respeita à ordem do conhecimento dos vícios dos atos que a Requerente pretende ver sindicados, determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, que o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos atos impugnados e, posteriormente, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Quanto aos primeiros a ordem de apreciação dos vícios deverá ser efetuada, segundo o prudente critério do julgador, em função daqueles cuja procedência determine uma tutela mais estável e eficaz dos interesses dos ofendidos, tal como decorre do artigo 124.º, n.º 2, alínea a), do CPPT. Quanto aos segundos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, conforme dispõe o artigo o 124.º, n.º 2, alínea b), do CPPT.

 

72.          No seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou que “…a aplicação do novo regime introduzido pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a imóveis adquiridos — como se verifica com todos os imóveis aqui em causa — antes da sua entrada em vigor (ou seja, em data anterior a 1 de janeiro de 2014), consubstancia uma violação ao princípio da proteção da confiança ínsito no princípio fundamental do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), encontrando-se os atos assim praticados (em concreto, os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral) feridos do vício de nulidade, por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo («CPA»).

 

73.          A alegada inconstitucionalidade da interpretação efetuada pela AT consiste num vício que, a ser julgado procedente, determina a anulabilidade dos atos de liquidação emitidos e já não a sua nulidade, como vem invocado pela própria Requerente, mas tal como se refere, por exemplo, na decisão do TCA Norte de 26 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º 00354/08.0BEPRT, tendo em conta que no caso ora em questão não se atentava, como se verá, contra o conteúdo essencial de nenhum direito fundamental. A conclusão de que uma eventual violação dos princípios da proteção da confiança não inquinam o ato tributário de um vício conducente à sua nulidade, porquanto não atentam contra o conteúdo essencial de um direito fundamental, é igualmente acolhida pela doutrina. A título de exemplo, refere JORGE LOPES DE SOUSA, em Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 5.ª ed., Vol. I, Áreas Editores, 2006, págs. 881 e ss., que “[u]ma ofensa deste tipo [conducente à nulidade do ato por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental] só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários”.

 

74.          Dito isto, e tendo em conta que todos os vícios imputados aos atos de liquidação impugnados são vícios conducentes à anulabilidade do ato, o seu conhecimento será efetuado pela ordem estabelecida pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, de tal modo que começar-se-á pela apreciação do vício imputado à ilegalidade das correções ao IMT propostas pelos serviços de inspeção tributária, por errónea interpretação do regime jurídico dos FIIAH, no âmbito da qual é suscitada a inconstitucionalidade material daquela interpretação por violação dos princípios da confiança, terminado por se apreciar o outro alegado vício de ilegalidade, por inexistência dos pressupostos que determinaram o reconhecimento por pate da AT da caducidade da isenção de IMT na aquisição dos imóveis pelo fundo.

 

75.          Está em causa nos presentes autos aplicação em concreto das seguintes disposições legais.

 

76.          O REFIIAH foi aprovado e encontra-se vertido nos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).

 

77.          De acordo com o n.º 1 do artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, na sua redação inicial, «A constituição e o funcionamento dos FIIAH, bem como a comercialização das respetivas unidades de participação, regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de Março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 252/2003, de 17 de Outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as especificidades constantes (…)», entre outros, do seguinte artigo:

Artigo 8.º - Regime tributário

… … …

6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

… … …”

 

78.          O artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio acrescentar três novos números ao referido artigo 8.º do REFIIAH (os n.os 14, 15 e 16), os quais se transcrevem de seguida:

«14 – Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior».

 

79.          A referida alteração ao artigo 8.º do REFIIAH entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, tendo sido acompanhada do seguinte regime transitório, vertido no artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro:

«1 – O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 2 – Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014».

 

80.          Finalmente, e ainda no que se refere à evolução do REFIIAH, verifica-se que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu à «alteração ao regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional», nos seguintes termos:

«O artigo 8.º do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado pelo artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 8.º

1 a 11 - [...]

12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de se verificar, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares ser tributados às taxas previstas no artigo 22.º-A do referido diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes.

13 - [...].”»

 

 

Da violação ao princípio da proteção da confiança ínsito no princípio fundamental do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»)

 

 

81.          Recorde-se que a Requerente não concorda que, aquilo a que denomina de novas condições impostas por lei para se manter o benefício de isenção de IMT, se apliquem aos imóveis adquiridos antes da lei nova entrar em vigor – 1 de janeiro de 2014 - porque, tal regime, a ser aplicado violaria o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio fundamental do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.

 

82.          E di-lo expressamente deste modo:

“…a aplicação do novo regime introduzido pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a imóveis adquiridos — como se verifica com todos os imóveis aqui em causa — antes da sua entrada em vigor (ou seja, em data anterior a 1 de janeiro de 2014), consubstancia uma violação ao princípio da proteção da confiança ínsito no princípio fundamental do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), encontrando-se os atos assim praticados (em concreto, os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral) feridos do vício de nulidade, por força da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo («CPA»).

 

83.          Cita a favor desta sua posição a jurisprudência ado Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão nº. 175/2018. De 5 de Abril e 489/2018 de 9 de novembro, que confirma que a aplicação de tal regime violaria o princípio da proteção da confiança.

 

84.          A Requerida faz diversas transcrições dessa mesma jurisprudência do Tribunal Constitucional, com ela naturalmente se conformando, mas apelando ao facto de, mesmo assim, ser seu entendimento de que “…a AT tem o poder-dever de exigir ao sujeito passivo prova de que:

1. O imóvel foi efetivamente disponibilizado para arrendamento habitacional após a aquisição e antes da alienação (ainda que nenhum contrato de arrendamento tivesse sido celebrado por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado), e

2. Que a alienação foi a única alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização.

 

85.          E conclui não ter essa prova sido efetuada nas situações sobre escrutínio nos presentes autos, é inevitável concluir pela caducidade das isenções atribuídas ao Fundos nas diversa aquisições efetuadas.

 

86.          Mas tal parece resultar mais da interpretação e aplicação da lei anterior (Lei nº. 64-A/2008, de 31 de dezembro) do que das alterações que nela foram introduzidas pela lei nova (nº. 2 do artigo 236º. da Lei nº. 83-C/2013 e nºs 14 a 16 do artigo 8º. do Regime dos FIIAH)

 

87.          Aqui chegados, importa, como faz a Decisão arbitral tirada no Procº. nº. 56/2020 perceber se a fundamentação dos atos tributários aqui em causa, faz apelo ou recurso às normas que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais, por uma retroatividade inadmissível e violadora do princípio da confiança.

 

88.          Ou seja, se utilizou para o efeito como fundamentação o regime consagrado pelo, recorde-se, nº. 2 do artigo 236º. da Lei nº. 83-C/2013 e nºs 14 a 16 do artigo 8º. do Regime dos FIIAH.

 

89.          Eis o que consta do Probatório sobre este aspeto:

 

«D. Porém, no decurso de 2016 e de 2017, a AT procedeu à emissão dos atos de liquidação de IMT e de juros compensatórios, acima já melhor identificados, no montante total de € 67.279,88, ao abrigo dos n.ºs 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH, na redação que lhe foi dada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (regime que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014), com o seguintes fundamentos:

             Liquidação de IMT n.º..., de 09-02-2017, no montante de € 1.570,00: prédio urbano (artigo n.º ...) não foi objeto de arrendamento;

[Declaração Modelo 1 n.º..., de 09-02-2017 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...];

             Liquidação de IMT n.º ..., de 19-12-2016, no montante de € 503,12: a fração “B” do prédio urbano (artigo n.º ...) foi alienado em 20-01-2015;

[Declaração Modelo 1 n.º..., de 19-12-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º ..., de 02-11-2017, no montante de € 5.739,58: o prédio urbano (artigo n.º ...) foi alienado em 14-12-2016;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 13-12-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º..., de 14-09-2017, no montante de € 1.290,93: a fração “F” do prédio urbano (artigo n.º ...) não foi objeto de arrendamento;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 31-01-2017 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]

             Liquidação de IMT n.º ..., de 20-12-2016, no montante de € 58.176,26: a fração “C” do prédio urbano (artigo n.º ...) foi alienado em 19-06-2015;

[Declaração Modelo 1 n.º ..., de 23-11-2016 – Procedimento de Revisão Oficiosa n.º ...2020...]»

90.          Ora aquilo que tem sido invocado pela jurisprudência arbitral é que a AT nas liquidações em causa não fez uso da lei novo/regime transitório, tudo decorrendo no âmbito de interpretação e aplicação do regime já previsto no do artigo 8º. do Regime dos FIIAH), mas no contexto da Lei nº. 64-A/2008, de 31 de dezembro.

91.          Esse enquadramento merece o cuidado da Decisão proferida no Procº. nº. 56/2020- T do CAAD, que com a devida vénia transcrevemos:

 

92.          Naquele processo o comportamento da AT é assim enquadrado:

“Pelo contrário, verifica-se que a AT, seja nos actos de liquidação seja no relatório de inspecção tributária, fundamenta a caducidade das referidas isenções com base no não cumprimento dos requisitos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, em concreto, com a alienação dos imóveis que implicou a frustração do objectivo das isenções de IMT, IS e IMI, isto é, com a não destinação dos imóveis para arrendamento para habitação própria e permanente.”

 

93.          Ou seja, nada de apelar à lei nova, para justificar a liquidação do IMT.

 

94.          Acontece que o Acórdão do CAAD preferido no Procº. nº. 56/2020-T que temos vindo a acompanhar foi objeto de Recurso por parte da aí Requerente, com base em oposição de Acórdãos, para o Supremo Tribunal Administrativo.

 

95.          Constitui Acórdão fundamento a Decisão também proferida pelo CAAD neste caso referente ao Procº. nº. 583/2019-T.

 

96.          O STA entendeu estarem verificadas as condições exigidas por lei para admissibilidade do Recurso, sendo de salientar que aquele Tribunal superior faz uma resenha de todas as decisões proferidas sobre esta matéria, buscando o verdeiro alcance das mesmas, o que se revela não só como muito útil, mas mesmo absolutamente necessário, como o prova o facto de, no presente processo, cada uma das partes invocar uma mesma decisão do Tribunal Constitucional a seu favor (Acórdão nº. 175/2018, de 5 de abril de 2018), quando as posições que Requerente e Requerida devem são, na verdade, diametralmente opostas.

 

97.          E, sobre esta matéria o STA concluiu da seguinte forma:

“1.6.1.1.1. De tudo quanto se transcreveu e sumariou resulta evidente que o Tribunal Constitucional apenas julgou a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º da LOE 2014, bem como do segmento normativo interpretativo que se pode extrair da conjugação dessa norma com a do n.º 16 do artigo 8.º da Lei nº 64-A/2008, na redacção dada pela Lei 83-C/2013, considerando expressamente que estas normas violavam o princípio da protecção da confiança legítima (o artigo 2.º da CRP) sempre que interpretadas e aplicadas no sentido de que o benefício fiscal consagrado no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH caducava se os imóveis que, tendo sido adquiridos por fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, em momento anterior a 1 de Janeiro de 2014, fossem vendidos antes de decorrido o prazo de 3 anos contados a partir de 1 de Janeiro de 2014, sem que tivessem sido objecto de contrato de arrendamento habitacional.”

 

98.          E, no contexto do Recurso em apreciação, o STA marca vincadamente as diferentes posições do Acórdão recorrido com o Acórdão fundamento e o seu enquadramento no âmbito da apreciação da inconstitucionalidade das normas em causa, concluindo, como veremos que não ser tratará das mesmas normas, nem com o mesmo alcance.

 

99.          E relativamente ao Acórdão fundamento (Procº. 583/2019-T, de 12 de maio de 2021) citamos:

“Ou seja, a decisão arbitral fundamento concluiu da jurisprudência constitucional que não é apenas o n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que é inconstitucional por impor um condição nova ao benefício fiscal com efeitos retroactivos, mas que também a redacção original do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH não pode ser interpretada como já contemplando uma condicionalidade de arrendamento efectivo do prédio.”

 

100.       E sobre a posição do Acórdão recorrido (Procº. 56/2020-T, de 5 de janeiro de 2021) o STA conclui o seguinte:

“Já a decisão arbitral recorrida (proferida em 05.01.2021) concluiu que a jurisprudência do Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido que lhe é dado pela decisão arbitral fundamento, mas sim no sentido inverso, e convoca para o efeito as passagens dos pontos 11 e 22 do já mencionado acórdão n.º 175/18, onde se afirma, com relevância para o juízo a firmar sobre a questão, entre outras coisas, o seguinte: Pode, por isso, legitimamente duvidar-se de que, antes mesmo das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, a mera declaração de vontade expressa no ato de aquisição pelo fundo, ainda que conforme à respetiva vontade real, constituísse, tal como entendeu o Tribunal a quo, o único pressuposto da condição nesse caso necessariamente suspensiva aposta aos benefícios concedidos na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH. Existe, pelo contrário, um conjunto suficientemente convincente de elementos que apontam para a ideia de que as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontravam sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário: a não disponibilização do imóvel para arrendamento habitacional do imóvel adquirido pelo fundo em momento ulterior ao da respetiva aquisição determinava a caducidade do benefício, com consequente renascimento da correspondente obrigação tributária Em suma: mesmo atentando nos argumentos invocados na sentença recorrida, encontramo-nos longe de poder afirmar com segurança que o pressuposto de aplicação da norma excecional isentiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente tinha, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, a mesma natureza instantânea que o ato de aquisição do imóvel; o conjunto de elementos acima considerados aponta, ao invés, para a conclusão de que se tratava, já então, de um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efetiva disponibilização do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício.”

 

101.       Ora continua assim o STA:

“Destas passagens daquele aresto do Tribunal Constitucional, a decisão arbitral recorrida conclui que o julgamento de inconstitucionalidade por violação da protecção da confiança legítima se limita ao segmento normativo interpretativo a extrair do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH na parte respeitante à imposição da condição do prazo de 3 anos para a efectivação do arrendamento e não à condicionante de imposição de efectivação de um arrendamento. Esta conclusão é clara na seguinte passagem da decisão arbitral recorrida: “Da leitura das considerações efectuadas pelo Tribunal Constitucional não restam dúvidas de que apesar de as isenções estabelecidas no artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, na redacção inicialmente conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não referirem expressamente a necessidade de efectivação de arrendamento para habitação própria e permanente dos imóveis adquiridos pelos FIIAH, é essa a ratio legis subjacente à previsão daquelas isenções. Dito de outro modo, não restam dúvidas de que a concessão das isenções de IMT, IS e IMI em virtude de os imóveis adquiridos pelos FIIAH serem “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” materializa a concessão de um benefício fiscal de forma automática, embora sujeita a um condição resolutiva, que se consubstancia na efectiva celebração de contratos de arrendamento para habitação própria e permanente.”

 

102.       Ou seja, a inconstitucionalidade reside na condição que resulta na fixação de um prazo de três anos para a efetivação do arrendamento e não se aplica à própria condicionante de imposição de efetivação de um arrendamento, que essa não fica inquinada pelo juízo de inconstitucionalidade e sempre existiu, já no domínio da Lei nº. 64-A/2008, ou seja, mesmo antes das diversas alterações que essas normas foram sofrendo.

 

103.       Da análise que faz das diversas questões de direito colocadas ao juízo do STA, este tribunal conclui o seguinte:

i). que a divergência interpretativa entre as decisões arbitrais se centra na interpretação a extrair do artº. 8º. do regime do FIIAH, mas na redação em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei nº. 83-C/2013;

ii).  que a interpretação desta norma não foi objeto de qualquer decisão por parte do Tribunal Constitucional, já que aquele Tribunal julgou apenas a questão dos efeitos retroativos das alterações introduzidas naquela normativo pela Lei nº. 83-C/2013 e

iii).  que não constitui objeto do recurso para o STA a interpretação que cada um dos Acórdãos do CAAD faz do teor da jurisprudência constitucional.

 

104.       Desse modo consagra que apenas pode apreciar da primeira questão fundamental de direito colocada pela Recorrente, a saber:

“9º. Quanto à primeira questão de direito, a decisão arbitral recorrida entendeu que não merecia censura a interpretação sufragada pela administração tributária no sentido ser justificável a exigência de um pressuposto legal complementar ao requisito da efetivação do arrendamento habitacional permanente, relativo à necessidade de serem adquiridos imóveis com intuito de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias com a prestação de empréstimos à habitação, a fim de ser possível beneficiar das isenções em sede de IMT, IS e IMI;

10.º Já no acórdão-fundamento, entendeu-se que não se encontrava, no âmbito do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, tal exigência por parte do legislador, pelo que o ponto de vista expendido no relatório de inspeção não podia ter acolhimento como fundamento para determinar a caducidade das isenções;” (Alegações de recurso, transcritas no Acórdão do STA em análise)

 

105.       Feita a análise à questão que se coloca o acórdão conclui do seguinte modo:

2.5. Assim, pelos fundamentos antes enunciados, cumpre concluir que as normas dos artigos 8.º, n.ºs 6, 7 e 8 do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, devem ser interpretadas no sentido de que instituíram um benefício fiscal cuja finalidade primeira era a garantia do direito à habitação e que visava apoiar os titulares de empréstimos à habitação na conversão destes encargos em regimes de arrendamento, para o que instituiu um benefício fiscal complexo, do qual faziam parte, como estímulo à dinamização daquele mercado de arrendamento, as isenções de IMI, IMT e IS a favor dos FIIAH. Estas isenções fiscais, contudo, estavam condicionadas à destinação dos imóveis integrados naqueles fundos ao regime do arrendamento. Daqui decorria a caducidade daqueles benefícios - leia-se isenções fiscais - , ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 14.º do EBF, sempre que os imóveis viessem a ser alienados sem terem sido efectivamente afectos a arrendamento para habitação permanente.”

 

106.       E continua:

“Como já explicámos, o benefício fiscal tinha em si uma natureza condicionada (funcionalizada à realização dos fins do arrendamento) e uma eficácia resolutiva em caso de não cumprimento da condição. É por isso que, como também se explica no acórdão recorrido, a necessidade de cumprimento da condição (i. e., o arrendamento prévio do imóvel) já decorria do disposto no segmento normativo interpretativo resultante da conjugação dos n.º 6, 7 e 8 do artigo 8.º do FIIAH com o n.º 2 do artigo 14.º da LGT, porquanto aí se dispõe expressamente que os titulares de benefícios fiscais são sempre obrigados a revelar à AT os pressupostos em que repousa o benefício ou a cumprir as obrigações previstas na lei, sob pena de esses benefícios ficarem sem efeito.”

 

107.       Para terminar do seguinte modo:

“Assim, tendo o benefício como pressuposto legal a destinação do imóvel a arrendamento habitacional permanente, o FIIAH teria sempre que fazer prova junto da AT do cumprimento daquele pressuposto (da condição legal) ou, em caso de “justo impedimento” (por exemplo, por não ter tido resposta do mercado, ou seja, por nenhum interessado ter apresentado proposta para arrendar o imóvel), de solicitar uma autorização para promover a alienação do bem apesar de não estar cumprida a condição. Caso contrário, a ter lugar a alienação do imóvel sem se ter preenchido a condição (sem o bem ter sido arrendado) e sem se ter obtido a autorização, os benefícios fiscais (ou seja, as isenções de IMT, IS e IMI) teriam de considerar-se sem efeito, o mesmo é dizer que aqueles benefícios fiscais caducariam.”

 

108.       Lavrando de seguida a Decisão final:

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em admitir o recurso, manter o decidido na decisão arbitral recorrida e fixar a seguinte jurisprudência: “As isenções fiscais dos n.ºs 6 (IMI), 7 (IMT) e 8 (IS) do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação”.

 

 

109.       É a jurisprudência que seguimos e respeitamos nesta decisão arbitral.

 

110.       Assim concluindo, como o fazemos nos presentes autos, tratando-se neste caso concreto de um único vício.

 “Em face do exposto, consideram-se improcedente o vício imputados pela Requerente aos atos de liquidação em questão, não merecendo censura a interpretação sufragada pela AT no que a este concreto ponto diz respeito.”

 

E prosseguimos agora para apreciação da segunda questão controvertida.

 

111.       Como se referiu a Requerente entende que se extraí claramente da redação inicial do regime tributário aplicável aos FIIAH, «As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1 [ou seja, pelos «FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores»]» ficavam isentas de IMT, sem necessidade de verificação de qualquer outro requisito adicional (cf. alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do REFIIAH).

 

112.       Recordemos que estão em causa as duas seguintes situações:

 

i)             “Nos casos dos atos de liquidação de IMT consubstanciados nos documentos n.os 2 e 13, i.e., no não arrendamento do imóvel no prazo de 3 anos a contar de 1 de janeiro de 2014, tendo a causa justificativa da caducidade da isenção se consolidado, somente, a partir do dia 1 de janeiro de 2017 (ou seja, no 3.º ano posterior a 1 de janeiro de 2014);

 

ii)            No caso do ato de IMT consubstanciado no documento n.o 8, a causa justificativa da caducidade das isenções circunscreve-se à venda do respetivo imóvel, alienação esta que ocorreu após o dia 1 de julho de 2015.”

 

113.       E nesse contexto a Requerente entende que as circunstâncias determinantes da caducidade das isenções ocorreram após 1 de julho de 2015, data de produção de efeitos da alteração do regime legal aplicável, e como tal já não possuíam a virtualidade de determinar tal caducidade.

 

114.       Ou de outro modo:

“a partir do dia 1 de janeiro de 2015, o não arrendamento no prazo de 3 anos a contar de 1 de janeiro de 2014, ou a alienação dos imóveis adquiridos antes de decorrido este mesmo prazo, deixaram de determinar a caducidade das isenções de IMT anteriormente concedidas, na medida em que as normas legais que previam este efeito — os n.os 15 e 16 do artigo 8.º do REFIIAH — foram revogadas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro.”

 

115.       Está em causa a relevância da revogação, a partir do dia 1 de julho de 2015, dos n.os 15 e 16 do artigo 8º. do RIIAH.

 

116.       A Requerente entende que, nos casos de arrendamento a causa justificativa da caducidade da isenção se consolidava, somente, a partir do dia 1 de janeiro de 2017 (ou seja, no 3.º ano posterior a 1 de janeiro de 2014) e a essa data o regime que o permitiria - n.os 15 e 16 do artigo 8º. do RIIAH -, já se encontrava revogado.

 

117.       E nos casos de venda a Requerente entende que causa justificativa da caducidade das isenções circunscreve-se à venda do respetivo imóvel e essa alienação que ocorreu após o dia 1 de julho de 2015, data em que o regime que determinaria a caducidade da isenção já se encontrava revogado.

 

118.       A isto contrapõe a Requerida manifestando a seu Parecer no sentido de que tais normas não se encontrariam revogadas ao tempo em que foi determina pela AT a caducidade das isenções em de IMT em causa.

 

119.       Estão em confronto as citadas normas dos nº.s 14 a 16 do artigo 8º. do Regime, aditadas pelo OE 2014, em contraposição com a norma constante do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, diploma que procedeu à revisão do regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), que altera o n.º 12 daquele artigo 8.º, mantendo os restantes números do artigo, omitindo, porém, os n.ºs 14 a 16.

 

120.       A Requerida entende que não se verifica qualquer incompatibilidade entre as normas em questão e defende que também não estamos perante uma situação de revogação tácita com a cobertura do nº. 3 do artº. 7º. do Código Civil, já que

“O âmbito de aplicação dos dois diplomas – regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH e regime fiscal dos OIC – não é coincidente, assumindo-se o novo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 como geral face ao regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH.”

 

121.       Desse modo concluindo que:

“…o novo regime fiscal aplica-se a todos os OIC, exceto aos FIIAH e SIIAH abrangidos pelo regime especial aprovado pela LOE/2009, com as alterações introduzidas pelo LOE/2014.”

 

122.       A Requerida entende que, no caso em concreto, não resulta qualquer intenção do legislador de revogar as normas de caducidade dos benefícios fiscais concedidos aos FIIAH e SIIAH em matéria de impostos sobre o património, pelo que se conclui pela não revogação da lei especial pela lei geral.

 

123.       Outro argumento no sentido da não revogação das normas em análise reside no facto de o novo regime dos OIC ter sido aprovado por diploma de governo.

 

124.       A caducidade de benefícios fiscais configura matéria sujeita ao princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 1 do artigo 8.º da LGT, incluindo-se na reserva relativa de competência da Assembleia da República, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

 

125.       Nesse sentido, foi previamente concedida autorização legislativa para revisão do regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, a qual consta do artigo 241.º da LOE/2014 e respetiva Declaração de Retificação.

 

126.       A revogação das regras de caducidade dos benefícios fiscais atribuídos aos FIIAH e SIIAH, introduzidas pela LOE/2014, extravasa por completo o objeto, mas também o sentido e a extensão desta autorização.

 

127.       Deste modo, conclui-se pela não revogação dos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial dos FIIAH e SIIAH e bem assim se conclui que a norma transitória constante do artigo 236.º da LOE/2014 se mantém vigente.

 

128.       Neste mesmo sentido, se pronunciou o Centro de Estudos Fiscais, através do parecer n.º 32/2017, de 26-05-2017, cujas conclusões se citam:

«IV – CONCLUSÕES

52 – A ausência de qualquer referência, no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, aos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial dos FIIAH e SIIAH, é ambivalente, pois tanto permite revelar o incumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do anexo II da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2011 – caso se visasse a manutenção daquelas disposições -, como permite revelar o incumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 7 deste artigo – caso se visasse a revogação daquelas disposições -, de modo que este aspeto da norma é imprestável como argumento interpretativo decisivo.

53 – A ausência de qualquer referência, no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º7/2015, aos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial dos FIIAH e SIIAH, não equivale à revogação expressa daqueles números uma vez que não estamos em posse de qualquer declaração de uma lei posterior que expresse tal efeito, não se observando, igualmente, a revogação tácita dos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial , nem, tão pouco, o Decreto-Lei n.º 7/2015 regulou toda a matéria do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, de modo a que pudéssemos estar perante a substituição global desse regime especial por aquele decreto-lei.

54 – Julgamos que a imperfeita adesão do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015 ao n.º 4 do artigo 10.º do anexo II da Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2011 constitui um lapso legístico, lapso esse que, não implicando per se qualquer sanção jurídica que afete a produção de efeitos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, e ainda que torne um pouco mais exigente a interpretação deste artigo, não constitui, em si mesmo, um argumento suficientemente persuasivo, inviabilizando assim o caminho hermenêutico segundo o qual esta disposição revogou os n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH.

55 – Adicionalmente, insistir-se na hipótese interpretativa da revogação, a qual consideramos um equívoco hermenêutico, implica que se fira de inconstitucionalidade orgânica esse segmento do artigo 6.º do Decreto-Lei 7/2015 por violação da respetiva lei autorização (o artigo 241.º da Lei 83-C/2013), resultado esse que, ao não contribuir para a unidade do sistema jurídico a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, sempre aconselhará a que, identificando-se a polissemia de sentidos nesse ato normativo – in casu a revogação ou a manutenção dos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial dos FIIAH e SIIAH -, deva procurar-se interpretar tal norma de acordo com a Constituição, o que, no nosso caso, vale por dizer que se deve privilegiar a interpretação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 7/2015 que recuse o intento revogatório dirigido aos n.ºs 14 a 16 do art.º 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH.»

 

129.       Revê-se o presente Tribunal na argumentação aqui expendida pela Requerida, bem sustentada no transcrito Parecer do Centro de Estudos Fiscais, desse modo se concluindo pela não verificação da invocada revogação pelo artigo 6.º do DL n.º 7/2015, de 13 de janeiro, dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH, introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), pelo que deverá a presente alegação do Requerente igualmente improceder.

 

130.       Nestes termos, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral da Requerente fica prejudicado o conhecimento do peticionado pagamento de juros indemnizatórios, em virtude de os atos de liquidação sindicados nos presentes autos não padecerem de qualquer ilegalidade, nem se encontrarem os mesmos feridos de erro dos serviços da AT que o justifique.

 

 

VIII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter-se as decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, bem como manterem-se os atos de liquidação de IMT ao Fundo, referentes aos anos de 2016 e 2017.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 67.279,88 (sessenta e sete mil, duzentos e setenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de dezembro de 2021

***

Os Árbitros

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

José Ramos Alexandre

Jorge Carita