Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 29/2021-T
Data da decisão: 2021-11-08  IRS  
Valor do pedido: € 58.695,25
Tema: IRS – Micro, pequena e média empresa; Tributação de mais-valias; Artigo 43.º-3 e 4, do CIRS
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SUMÁRIO:

 

I.               O n.º 3 do art. 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.

 

II.            O n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos de aplicação do supra referido regime de exclusão de tributação, remete a definição de micro e pequenas empresas para os termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, (alterado pelo Decreto Lei n.º 143/2009, de 16 de Julho), diploma que regula a certificação das PME pelo IAPMEI, sendo que os requisitos materiais para essa qualificação se encontram fixados no respectivo anexo.

 

III.          A certificação pelo IAPMEI da qualidade da empresa, não possui um carácter constitutivo.

 

IV.          A qualificação de micro, pequena e media empresa, para efeitos de aplicação dos n.ºs 3 e 4, do art.º 43.º do CIRS, depende essencialmente da verificação de um conjunto de requisitos materiais, quais sejam, por um lado o número de trabalhadores e por outro, de limiares financeiros, o volume de negócios, ou o total do Balanço.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro singular Dr. António Pragal Colaço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21/5/2021, decide o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A... nif ..., e B..., nif ..., casados, doravante designados por (Requerentes), residentes na Rua ..., n.º..., ...,  ..., ... ... ..., vieram em 12.01.2021, requerer a constituição de tribunal arbitral, com pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida e declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IRS do ano de 2018, n.º 2020..., de 04/04/2020 e demonstração de acerto de contas n.º 2020 ... de 16/04/2020, que inclui a liquidação de juros compensatórios,  no valor global de EUR 58.695,25 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), nos termos dos artigos 2.º e 10.º do DL n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação conferida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), emanado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT).

 

2.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 12.01.2021.

 

3.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Singular, o Dr. António Pragal Colaço que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4.            Em 3/5/2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21/5/2021.

 

6.            A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, deduziu Resposta introduzida no sistema electrónico da CAAD no dia 21/06/2021, onde por impugnação, sustentou a improcedência da pretensão da Requerente e tendo procedido também à junção do processo administrativo.

 

7.            Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações finais, através de despacho proferido em 22/06/2021, tendo fixado a data para a prolacção da decisão final no dia 10 de Outubro de 2021.

 

8.            Por despacho arbitral exarado no dia 7/10/2021, foi determinado o dia 15/11/2021 como nova data limite para a prolacção da decisão final.

 

II.            DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Na sua resposta, a Requerida AT impugnou de mérito, defendendo a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do correspectivo acto de liquidação, devendo em consequência o acto impugnado ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.

 

III.          DO SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

III.          Matéria de facto:

 

I.             Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            A... nif..., e B..., nif ..., são casados, e residem na Rua ..., n.º..., ...,  ..., ...  ... ..., sendo o seu domicílio fiscal da competência do Serviço Local de Finanças de ...;

 

2.               O Requerente marido era sócio da sociedade comercial denominada C... LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na  ..., n.º ..., ...-... ..., freguesia de ..., concelho de Felgueiras, na qual detinha uma quota do valor nominal de EUR 25.000,00 representativa de 25% do capital social da sociedade, documento número 2 junto com o PPA;

 

3.            A C... LDA, é uma sociedade por quotas com o capital social, à data do

facto, de cem mil euros que tem por objeto social a fabricação de calçado de couro e pele, documento número 2 junto com o PPA;

 

4.            Por escritura lavrada no dia 31/01/2018, no cartório notarial do Notário D..., os Requerentes cederam à própria sociedade a dita quota de vinte e cinco mil euros pelo preço de quatrocentos e cinquenta mil euros, documento número 3 junto com o PPA;

 

5.            A quota alienada em 31/1/2018 havia sido subscrita na sua integralidade em 13/7/1994, data da constituição da sociedade, certidão permanente junta como documento número 2 com o PPA e pág. 170 do PA;

 

6.            Em 16/07/2019, os Requerentes submeteram, através do portal da AT, a declaração de rendimentos Modelo 3, na qual declararam os rendimentos obtidos em 2018, incluindo os relativos aos ganhos de mais-valias resultantes da alienação da participação social, documento número 6 junto com o PPA;

 

7.            No anexo G à declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, os Requerentes declararam no quadro 9B, campo 9001, do anexo G, os valores relativos à aquisição e alienação, da participação social, detida na C..., LDA, documento número 6 junto com o PPA;

 

8.            No campo 9601 do referido anexo assinalaram o facto de a participação social alienada respeitar a uma pequena empresa, documento número 6 junto com o PPA;

 

9.            Em 27/01/2020 os Requerentes foram notificados do projeto de correção e convidados a, querendo, substituir a declaração de IRS apresentada com base na informação seguinte:

“Alineou quota da sociedade C... LDA, NIPC ... indicando no quadro 9B do anexo G que se trata de Micro ou pequena entidade, no entanto, de acordo com a certificação do IAPMEI tem o estatuto de média. Deve apagar quadro 9B do anexo G e declarar a venda no quando 9A nos dois sujeitos passivos”, documento número 7 junto com o PPA;

 

10.          Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia e defenderam que de acordo com os dados constantes da declaração anual de informação empresarial simplificada (IES) apresentada pela sociedade C... LDA NIPC..., a mesma deve ser classificada como pequena empresa, cfr. PA, págs. 86 e segs;

 

11.          Em 06/03/2020, pelo ofício n.º 300.396, os Requerentes foram notificados da decisão de conversão em definitivo da proposta de correção da declaração modelo 3 apresentada com referência ao ano de 2018, com fundamento na informação dos serviços de 05/03/2020, que no essencial dizia:

“(…) No ano de 2017 a sociedade C... LDA, teve 67 pessoas remuneradas ao seu serviço como se obtém da consulta à declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) não cumprindo assim o requisito do número de efetivos para ser considerada micro ou pequena empresa, sendo de classificar como média por ter menos de 250 trabalhadores, conforme artigo 2.º do Anexo ao Decreto Lei n.º 372/2007.

Esta classificação está conforme com a certificação emitida pelo IAPMEI.

Em conclusão, a classificação como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do art.º 43.º do CIRS, ou seja, considerar em 50% do seu valor o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, deverá ser efectuada apenas de acordo com os critérios definidos no Decreto-lei n.º 372/2007, conforme n.º 4 do art.º 43.º do CIRS).

Como de acordo com o artigo 2.º do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007, a certificação emitida pelo IAPMEI, a sociedade é de classificar como média empresa, deverá ser corrigida a declaração de rendimentos…. do ano de 2018, no sentido de retirar a informação do campo 9601 do quadro 9 do anexo G, uma vez que as quotas alienadas respeitam a uma entidade classificada como média empresa, não podendo assim beneficiar da redução em 50% da mais-valia apurada com a alienação das quotas da sociedade “C... LDA”, documento número 8 junto com o PPA;

 

12.          Em 05/03/2020 foi emitido pelo Chefe de Divisão, por delegação, o seguinte despacho “Concordo com o constante na informação, no sentido da não consideração da qualidade de Micro ou pequena empresa, com os fundamentos propostos”, documento número 8 junto com o PPA;

 

13.          Foi emitido pela Requerida o ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2018, n.º 2020..., de 04/04/2020 e demonstração de acerto de contas n.º 2020... de 16/04/2020, que inclui a liquidação de juros compensatórios, no valor global de EUR 58.695,25 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos);

 

14.          O Requerente procedeu ao pagamento do imposto, juros compensatórios e moratórios, no dia 18/8/2020, no processo executivo 4.../2020-..., documento número 9 junto com o PPA;

 

15.          Conforme IES -  Informação Empresarial Simplificada apresentado em 12/7/2018 e referente ao exercício económico-fiscal de 2017,  a sociedade “C... LDA” apresentou no ano de 2017 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.282,637,54,  (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.195,997,16, (p. 5 da IES), e tinha 67  trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES).

 

16.          Conforme IES - Informação Empresarial Simplificada apresentado em 11/7/2019 e referente ao exercício económico-fiscal de 2018, a sociedade “C... LDA” apresentou no ano de 2018 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.880,434,59,  (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.187,927,49, (p. 5 da IES), e tinha 76  trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES), cfr. PA;

 

17.          A sociedade C... LDA está classificada como média empresa pelo IAPMEI, cfr, pág. 180 e segs do PA;

 

II.            Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

III.          Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo processo administrativo junto pela Requerida, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

IV.          Do Direito

 

A questão a dirimir nos presentes autos é a seguinte:

Se a sociedade é uma micro, pequena ou média empresa e em caso afirmativo quanto a ser micro, ou pequena empresa, se o alienante particular goza do benefício da redução da tributação previsto no art.º 43.º, n.º 3, do CIRS?

 

Em causa nos autos está a tributação dos Requerentes em sede de IRS, relativamente à mais-valia apurada, no período de tributação de 2018, com a venda das suas participações sociais na sociedade C... LDA, à própria sociedade, sendo tal mais-valia de €375.000,00.

 

Alegam os Requerentes que, por se qualificar a sociedade C... LDA como micro e pequena empresa, a mais-valia deveria ser tributável em sede de IRS apenas em 50% do seu valor, ou seja, em €187.500,00.

 

Vejamos então.

 

Dado que a questão jurídica a decidir nestes autos se cifra em primeira linha, essencialmente, numa pura questão de interpretação dos textos legais pertinentes, importa dar conta dos enunciados normativos que compõem o quadro jurídico relevante, o qual é constituído pelo disposto no Código do IRS e no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, na redação ratione temporis aplicável (relativa a 2018).

 

Em sede de CIRS, relevam aqui, antes de mais, a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, segundo a qual: “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”, a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º segundo a qual: “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo (1) a sua remição e amortização com redução de capital, de partes sociais; (2) A extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais; (3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC; (4) O reembolso de obrigações e outros títulos de dívida; e (5) O resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos;

Por sua vez a al. a) do n.º 4 deste mesmo art. 10.º, segundo a qual: “O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1”.

 

Determina, depois, o art. 43.º do CIRS (na redação dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26/07), no que para aqui importa, o seguinte:

 

“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

 

(...)

 

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

 

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro. (...)”.

 

Decorre assim do art.º 43.º, n.º 3 do CIRS, que, no caso de transmissão de participações sociais relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, o valor tributável é de apenas 50% da mais-valia.

 

Determina por sua vez o n.º 4 do art.º 43.º do CIRS, que se entende por micro e pequenas empresas as entidades definidas nos termos do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 26 de Julho e 81/2017, de 30 de Junho), diploma que define o procedimento de certificação por via electrónica de micro, pequenas e médias empresas, da competência do IAPMEI.

 

Em conformidade com o disposto no art.º 2.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, verifica-se que a qualidade de micro, pequena ou média empresa depende, essencialmente, da verificação de um conjunto de requisitos materiais – (i) o número de pessoas empregues; e (ii) o volume de negócios anual; (ou) (iii) o balanço total anual.

 

A qualificação como micro ou pequena empresa, para efeitos de aplicação do regime em apreço, deve assentar na realidade material das entidades cujas participações sociais são objecto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais previsto no Anexo à data de alienação.

 

Temos assim como assente que a qualificação deve ser feita com base numa perspectiva material e não formal.

 

Cumpre referir que, à data da alienação das respectivas participações sociais, a sociedade C... LDA, se encontrava certificada pelo IAPMEI, a entidade com competência legalmente atribuída para o fazer, com o estatuto de “média” empresa, e não de pequena ou micro empresa.

 

Contudo, não é de atribuir à certificação pelo IAPMEI um carácter constitutivo.

 

De resto, a certificação do estatuto de micro e pequena empresa pelo IAPMEI não é, sequer, exigível como condição de redução da base de tributação a 50% da mais-valia mobiliária, nos termos do art. 43º, n.ºs 3 e 4 do CIRS.

 

Pelo que, efectivamente, o que importa dirimir é se a sociedade preenchia, ou não, os requisitos materiais, previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, para que pudesse ser qualificada como micro ou pequena empresa e, portanto, beneficiar da tributação em apenas 50% da mais-valia, nos termos previstos no art.º 43.º, n.º 3 do CIRS.

 

O n.º 2 do art.º 2.º do Anexo ao Decreto Lei n.º 372/2007, define-nos o que é uma micro empresa, uma pequena empresa e uma média empresa.

Artigo 2.º

Efetivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas

1 — A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

2 — Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

3 — Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.

Reproduzido em matriz:

                N.º TRABALHADORES                    VOLUME NEGOCIOS ANUAL UNIDADE: MILHÕES                            TOTAL BALANÇO ANUAL

UNIDADE: MILHÕES

MICRO EMPRESA             <10       

E             < ou = 2               

OU         < ou = 2

PEQUENA EMPRESA       <50       

E             < ou = 10             

OU         < ou = 10

MEDIA EMPRESA             <250     

E             < ou = 50             

OU         < ou = 43

 

Deste modo, por força deste enunciado, tudo se passa como se o legislador tivesse consignado no n.º 4 do art. 43.º do CIRS o seguinte:

 

“Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequena empresa a entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma atividade económica [art. 1.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007], e que, no caso da micro empresa, emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros [n.º 3 do art. 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007] e que, no caso da pequena empresa, emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros [n.º 2 do art. 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007], sendo os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual [n.º 1 do art. 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007]” .

 

É que o que está em causa no n.º 4 do art. 43.º do CIRS é evidentemente uma remissão, portanto, o clássico expediente técnico-legislativo usado pelo legislador para evitar, a repetição de normas. Com efeito, como é sabido, são normas remissivas (ou indiretas) “aquelas em que o legislador, em vez de regular diretamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal (remissão intra-sistemática)”.

 

Mais especificamente, trata-se na proposição normativa em análise constante do n.º 4 do art. 43.º do CIRS de uma remissão para efeitos da definição da hipótese legal.

 

Antes de subsumirmos os factos do presente processo às previsões normativas assim estatuídas, encontramos no nosso ordenamento jurídico uma técnica autónoma pela positiva, que utiliza a técnica dos dois limites de três preenchidos para atribuir determinada qualificação.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, consideram-se microentidades aquelas entidades que não ultrapassem dois dos três limites seguintes:

- Total do balanço: € 350 000;

- Volume de negócios líquido: € 700 000;

- Número médio de empregados durante o período: 10.

Consideram-se pequenas entidades aquelas entidades que, à data do balanço, não ultrapassem dois dos três limites seguintes:

- Total do balanço: € 4 000 000;

- Volume de negócios líquido: € 8 000 000;

- Número médio de empregados durante o período: 50.

Consideram -se médias entidades aquelas entidades que, à data do balanço, não ultrapassem dois dos três limites seguintes:

- Total do balanço: € 20 000 000;

- Volume de negócios líquido: € 40 000 000;

- Número médio de empregados durante o período: 250.

Consideram-se grandes entidades aquelas entidades que, à data do balanço, ultrapassem dois dos três limites referidos no número anterior.

Conforme se constata, o limite de empregados para as microentidades é de 10 e para as pequenas entidades é de 50, sendo um número médio durante o período.

Quanto ao conceito de empregados para efeitos da aplicação dos referidos limites, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) já emitiu um entendimento específico para esse enquadramento, que está disponível no sítio de internet dessa entidade na área das Perguntas Frequentes (FAQ) do setor empresarial (FAQ n.º 18).

A CNC entende que, para efeitos da verificação dos limites referidos na alínea c) dos n.º 1, 2 e 3 dos artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, com redação do Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, deve ser tido em conta o estabelecido no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, cujos artigos 2.º e artigo 5.º do respetivo anexo de seguida se reproduzem:

"Artigo 2.º

Para efeitos do presente decreto-lei, a definição de PME, bem como os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respetivo estatuto, constam do seu anexo, que dele faz parte integrante, e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio.

Artigo 5.º

Os efetivos correspondem ao número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado. O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em frações de UTA. Os efetivos são compostos: a) Pelos assalariados; b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional; c) Pelos proprietários-gestores; d) Pelos sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma. Os aprendizes ou estudantes em formação profissional titulares de um contrato de aprendizagem ou de formação profissional não são contabilizados nos efetivos. A duração das licenças de maternidade ou parentais não é contabilizada."

Como se constata, os gerentes das empresas, remunerados, que exerçam a respetiva atividade na empresa são considerados como empregados para o limite referido.

 

No entanto, é facto assente que a sociedade C... LDA, possuía 67 trabalhadores ao momento relevante da transmissão da participação social pelos Requerentes, não tendo sequer sido posto em causa pelos mesmos esse facto que resulta da sua própria descrição factual emergente do PPA.

 

Além disso esta previsão normativa que também se “agarra” ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, respeita à classificação para efeitos contabilísticos em matéria de SNC e não para efeitos de aplicação do art.º 43.º do CIRS.

 

Conforme o facto número 13 dado como provado, no IES - Informação Empresarial Simplificada apresentado em 12/7/2018 e referente ao exercício económico-fiscal de 2017, a sociedade “C... LDA” apresentou no ano de 2017 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.282,637,54,  (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.195,997,16, (p. 5 da IES), e tinha 67  trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES).

 

Basta ter 67 trabalhadores (ultrapassar o limiar dos 50), para ser logo classificada de média empresa.

 

O termo “e” é uma conjunção coordenativa aditiva e o termo “ou” é uma conjunção coordenativa alternativa, logo o número de trabalhadores é elemento autónomo de qualificação da natureza da empresa, sendo que os outros dois é que são alternativos.

 

Daqui se conclui que a sociedade/empresa C... LDA é uma média empresa.

 

 

V.           Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal o seguinte:

 

a.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter o acto tributário impugnado objecto dos autos e

 

b.            Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

VI.          Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 58.695,25 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).

 

VII.         Custas

 

Nos termos dos art.s 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 8 de Novembro de 2021

 

O Árbitro Singular

António Pragal Colaço