Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 285/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IRC  
Valor do pedido: € 174.624,87
Tema: IRC – Encargos Financeiros; SGPS; Financiamento a participada.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Suzana Fernandes da Costa e Ana Teixeira de Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 18 de Abril de 2019, A..., SGPS, S.A., NIPC ..., com sede na ..., n.º..., ... esquerdo, ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., no montante de €174.624,87 e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de € 21.290.38, e da demonstração de acerto de contas n.º 2013..., relativas ao ano de 2009, assim como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que teve os referidos actos de liquidação como objecto, e ainda, do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,60, e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante de € 21.290,38   n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., referentes ao exercício de 2009.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 77.º da LGT;

ii.            preterição de formalidade legal essencial, em violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;

iii.           os serviços de inspecção tributária não cumpriram com o ónus da prova que sobre si recaía nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, pelo que deve a não demonstração da efectiva obtenção dos proveitos ser valorada a favor da Requerente; 

iv.           erro sobre os pressupostos de facto e de direito, em virtude de não se ter verificado qualquer proveito não declarado, estando antes em causa, a imputação a uma participada da Requerente de custos financeiros, sem que essa imputação tenha tido qualquer impacto no resultado fiscal da Requerente, pelo que devem ser anulados os actos de liquidação por violação dos artigos 13.º, 103.º, n.º 1, 104.º, n.º 2 e 266.º da CRP, dos artigos 55.º e 58.º da LGT , do artigo 46.º do CPPT e artigo 5.º e 6.º do RCPIT;

v.            a inspecção tributária de que foi objecto a Requerente é, materialmente, uma inspecção externa porque tem por base notas de débito obtidas em actos de inspeção efectuados em instalações ou dependências de um terceiro, pelo que, entende a Requerente, não foram respeitadas as formalidades que a lei prevê para a sua execução, verificando-se, portanto, uma nulidade da liquidação, nos termos do disposto na alínea l) do artigo 161.º do CPA;

vi.           ausência de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, nomeadamente, no que respeita à culpa da Requerente no atraso na liquidação de imposto, pelo que se viola o disposto no n.º 1 artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, bem como o artigo 268.º, n.º 3 da CRP;

vii.          ilegalidade da decisão de recurso hierárquico por défice instrutório, por violação do artigo 266.º, n.º 1 da CRP e os artigos 58.º e 72.º da LGT.

 

3.            No dia 18-04-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 11-06-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 02-07-2019.

 

7.            No dia 23-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            No dia 20-02-2020, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações entretanto determinadas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, inscrita no cadastro com o CAE 64202 – actividades de sociedades gestoras de participações sociais não financeiras (principal) e 070220 – outras actividades consultoria para os negócios e a gestão.

2-            A Requerente encontra-se, em sede de IVA, enquadrada no regime normal trimestral e, em sede de IRC, no regime geral de tributação.

3-            A Requerente detém participações maioritárias num conjunto de sociedades ligadas à construção civil, entre as quais a sociedade B..., S.A. da qual detém 96% do capital social.

4-            A actividade das suas participadas exige elevados níveis de financiamento em virtude dos projectos de construção exigirem avultados investimentos na fase da aquisição de terrenos, licenciamento e construção e os proveitos se encontrarem concentrados na fase de comercialização dos projectos.

5-            Para fazer face às necessidades de financiamento das suas participadas, a Requerente utilizou capitais próprios e recorreu a crédito junto do sector bancário, através de empréstimos, transferindo para as suas participadas, a dívida de capital e a responsabilidade pelos respectivos encargos financeiros.

6-            Em 17-10-2005, a Requerente celebrou com o Banco C..., S.A. um contrato de mútuo através do qual aquela instituição bancária lhe concedeu um empréstimo no montante de € 7.500.000,00.

7-            Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do contrato de mútuo, “o empréstimo vence juros à taxa EURIBOR a três meses, arredondada para 1/8 de ponto percentual superior, acrescida de um “spread” de 1,25%”.

8-            Nos termos do artigo 6.º do contrato de mútuo, “os juros serão liquidados e pagos semestral e postecipadamente, vencendo-se a primeira prestação seis meses após a celebração deste contrato”.

9-            A Requerente utilizou capitais próprios e o empréstimo para financiar as suas participadas, entre as quais a B..., S.A., para que esta pudesse fazer face aos encargos de construção e conclusão dos empreendimentos imobiliários que promovia nas Ruas ... e ..., em Lisboa.

10-         A sociedade B..., S.A. já não conseguia obter financiamento junto da banca, em virtude do seu nível de endividamento.

11-         A Requerente transferiu, a título de suprimentos, para a B..., S.A., a dívida originalmente contraída junto do Banco C...  através de Acordos de Confissão de Dívidas:

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €1.900.000,00 datado de 02-12-2005;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €750.000,00 datado de 09-01-2006;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €1.850.000,00 datado de 31-03-2006;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €500.000,00 datado de 30-04-2006;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €500.000,00 datado de 30-06-2006;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €1.050.000,00 datado de 30-08-2006;

             Acordo de Confissão de Dívidas no valor de €45.000,00 datado de 30-09-2006;

12-         Do total de €6.595.000,00, €100.000,00 foram cedidos à B..., S.A., com recurso a capitais próprios, e €6.495.000,00 correspondem à transferência do empréstimo.

13-         Nos termos da cláusula terceira, número um dos acordos de confissão de dívida, a quantia em dívida seria “acrescida das despesas e valores suportados e a suportar pela PRIMEIRA OUTORGANTE, com a obtenção do financiamento junto do Banco C... tais como juros, impostos, despesas bancárias, etc. e das quais a SEGUNDA OUTORGANTE também se confessa devedora à PRIMEIRA OUTORGANTE”.

14-         Nos termos da cláusula terceira, número dois dos Acordos de Confissão de Dívida, “As despesas e valores suportados pela PRIMEIRA OUTORGANTE referidos no número anterior serão pagos àquela pela SEGUNDA OUTORGANTE, anualmente até 31 de dezembro de cada ano”.

15-         Os juros e demais encargos mencionados nos acordos de confissão de dívida são juros e encargos que a Requerente estava obrigada a pagar ao Banco C..., no âmbito do contrato de mútuo celebrado.

16-         A sociedade B..., S.A. pagou à Requerente todos os encargos por esta suportados junto do Banco C... .

17-         Em 30-04-2009, a Requerente obteve um financiamento bancário junto do Banco C..., SA, no valor de €7.500.000,00 para liquidar as suas responsabilidades perante o Banco  C... (...).

18-         Como contrapartida do empréstimo concedido, a Requerente ficou obrigada ao pagamento de “juros à taxa EURIBOR a seis meses, apurada através da média aritmética simples das cotações diárias das taxas Euribor de igual periodicidade à taxa Euribor atrás indicada que vigorarem no mês anterior à data de início de cada período de contagem de juros, arredondada à milésima (...) acrescida de um “spread” de um vírgula setenta e cinco pontos percentuais”.

19-         Nos termos do artigo 6.º do contrato de mútuo com hipoteca, os juros são “liquidados, contados e pagos semestral e postecipadamente, vencendo-se a primeira prestação no trigésimo mês, após a celebração do contrato”.

20-         A Requerente suportou com referência ao contrato celebrado em 17-10-2005, encargos financeiros no valor de €360.649,33 que por sua vez imputou às suas participadas, através das seguintes notas de débito:

             Nota de débito n.º 3, no valor de €312.322,32;

             Nota de débito n.º 4, no valor de €41.835,32;

             Nota de débito n.º 5, no valor de €6.491,69.

21-         Na sequência dos empréstimos celebrados com as referidas instituições bancárias, a Requerente imputou ao exercício de 2009:

             os custos financeiros com o contrato celebrado em 17-10-2005, com o Banco C..., SA, liquidados nesse exercício;

             os custos financeiros com o contrato celebrado em 30-04-2009, com o Banco B..., SA, devidos com referência ao exercício de 2009, mas liquidados posteriormente.

22-         A Requerente imputou à participada B..., S.A. os seguintes encargos financeiros:

             Nota de débito n.º 3, no valor de €312.322,22, com referência aos custos financeiros com o contrato celebrado em 17-10-2005, com o Banco C..., SA;

             Nota de débito n.º 6, no valor de €306.352,12 com referência aos custos financeiros com o contrato celebrado em 30-04-2009, com o Banco C..., S.A.

23-         Os encargos financeiros imputáveis ao exercício de 2009, com referência à nota de débito n.º 3, e liquidados neste exercício, são os seguintes:

 

24-         Ao montante de €360.609,06 acrescem €40,26 derivados do saldo da conta inicial no saldo bancário e da não contabilização de uma comissão de renovação da conta (€50,00), perfazendo o valor de €360.649,33.

25-         A Requerente imputou os referidos custos/encargos, no valor de €360.649,33, à suas participadas, através da emissão das Notas de Débito, na proporção do respectivo financiamento.

26-         Os encargos suportados pela Requerente com o financiamento contraído junto do Banco C..., em 30-04-2009, ascenderam a € 353.366,28.

27-         Estes encargos foram imputados na Nota de Débito n.º 6 à B..., S.A. na proporção do respectivo financiamento.

28-         A sociedade B..., S.A., na conta POC 68110406 – Juros, registou valores a título de gastos de exercício (juros) suportados por notas de débito n.º 3 e 6 emitidas pela Requerente que se encontram relacionados com a Conta POC 2689983 – Credores Diversos – A... .

29-         Com referência ao período de tributação de 2009, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22, com a data de 12-05-2010, tendo sido emitida a liquidação n.º 2010... .

30-         No âmbito de uma acção inspectiva externa, ao exercício de 2009, à sua participada B..., S.A., a Requerente foi informada pelos Serviços de Inspecção Tributária de que “constatou-se que os juros debitados por A... não foram por esta contabilizados como proveitos/rendimentos. Pelo que para corrigir a situação a A... poderá enviar declarações de substituição de todos os exercícios em que se verificam estas faltas. Optando por esta situação será uma regularização voluntária, com benefícios ao nível da redução das coimas”.

31-         Em 03-10-2013, a Requerente respondeu que “os documentos contabilísticos emitidos pela empresa B..., S.A. foram NOTAS DE DÉBITO (e não facturas) referentes a juros e outros encargos da responsabilidade da B..., S.A. assim a NOTA DE DÉBITO não gere qualquer tipo de proveito ou acréscimo patrimonial na empresa A... mas tão somente uma transferência de custos entre empresa mãe e subsidiária, será que mesmo assim estamos perante um proveito ou uma dedução ao custo” tendo solicitado que “tal como nos indicou a alegada incorreção fiscal na empresa A..., nos informe das incorreções tributárias que V. Exa entende ter detectado no âmbito da acção de inspecção à empresa em referência, por forma a que possamos analisar a razão das mesmas e, eventualmente, até proceder às regularizações voluntárias que consideramos devidas”.

32-         Em 04-10-2013, os Serviços de Inspecção Tributária indicaram quanto à A..: Para justificar a situação, apresentar as notas de débito ou avisos de lançamento do banco com a identificação dos encargos financeiros que, segundo me foi dado a entender, foram debitados à A...”.

33-         A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva interna, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2013..., que incidiu sobre o exercício de 2009 e que “resulta do facto de ter sido constatada a emissão de notas de débito, contabilizadas a título de custo do exercício numa empresa participada, a B..., S.A., no âmbito do procedimento inspectivo OI2013..., sem que resulte da IES da A... que tenha registado o proveito correspondente”.

34-         Através do Ofício n.º..., de 22-10-2013, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do projecto de relatório de inspecção e para, querendo, exercer o direito de audição.

35-         Em 11-11-2013, a Requerente exerceu direito de audição.

36-         Através do Ofício n.º..., de 26-11-2013, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária do qual resultaram correcções à matéria tributável no montante de €583.664,84, uma vez que a AT considerou existir falta de relevação de proveitos financeiros (€618.674,44) e falta de relevação de custos financeiros (35.009,60).

37-         Em 19-12-2013, a Requerente foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., no montante de €174.624,87 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2013..., no valor de €21.290,38 e da demonstração de acerto de contas n.º 2013..., da qual resultou valor a pagar de €174.624,87.

38-         A Requerente não procedeu ao pagamento das referidas liquidações, pelo que foi citada no processo de execução fiscal n.º ...2014..., instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa ..., para cobrança coerciva da dívida exequenda e acrescido.

39-         Na sequência disso, a Requerente requereu a suspensão do processo de execução fiscal constituindo hipoteca voluntária sobre bens imóveis.

40-         Em 16-05-2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC n.º 2013..., a liquidação de juros compensatórios n.º 2013... e a demonstração de acerto de contas n.º 2013... .

41-         Em 14-11-2014, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 12-11-2014, do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e para, querendo, exercer direito de audição.

42-         A Requerente não exerceu direito de audição prévia.

43-         Em 15-12-2014, a Requerente foi notificada do despacho que indeferiu a reclamação graciosa. 

44-         Em 12-01-2015, a Requerente apresentou recurso hierárquico tendo por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa o qual foi instaurado sob o n.º 2015....

45-         Em 30-03-2015 foi proposto o indeferimento total do recurso hierárquico bem como a dispensa do direito de audição, face ao disposto no n.º 3 do artigo 60.º da LGT e que “Perante o disposto na Circular supra e uma vez que no âmbito da ação inspetiva os gastos/encargos correspondentes aos proveitos objeto de correção não foram considerados, entendemos existir um erro imputável aos serviços que constitui fundamento de revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Deste modo, traduzindo-se a revisão oficiosa num poder-dever da AT, propõe-se a revisão oficiosa da liquidação aqui controvertida bem como a revisão das liquidações de IRC relativas aos períodos tributários de 2010 e 2011 (em apreço na reclamação graciosa n.º ...2014... e recurso hierárquico n.º 2015... da DSIRC) nos mesmos termos”.

46-         Em cumprimento do referido despacho foi promovida a instauração de revisão oficiosa à qual coube o n.º ...2015..., com vista à correcção da liquidação do período tributário de 2009.

47-         Com o objectivo de concretizar a decisão do recurso hierárquico, foram os Serviços de Inspeção Tributária chamados a identificar os encargos/gastos associados aos proveitos, tendo elaborado a seguinte informação:

 

48-         Esta informação conheceu despacho de concordância, proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo sido enviada à Divisão de Justiça Administrativa daquela mesma Direcção de Finanças.

49-         Através do Ofício n.º..., datado de 23-02-2016, Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa solicitou esclarecimentos quanto ao procedimento a adotar no que respeita à decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico n.º 2015....

50-         Em resposta ao solicitado, foi elaborada a informação n.º 2018... com o seguinte teor:

 

51-         A decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi notificada à Requerente em 18-02-2019, através do Ofício n.º..., de 15-02-2019 informando a Requerente de que foi instaurada revisão oficiosa com o n.º ...2015..., relativa ao IRC de 2009.

52-         Da decisão de indeferimento do recurso hierárquico consta, além do mais, o seguinte:

 

54-         Em 26-02-2019, a Requerente foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,68 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no valor de €21.206,50 e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., relativas ao exercício de 2009.

55-         A Requerente apresentou um pedido de certidão através do qual requereu informação sobre os fundamentos de facto e de direito, subjacentes ao acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019... e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., os seus concretos efeitos, prazos e meios de reacção contra os mesmos.

56-         Em 20-02-2019, foi anulado em sede de processo de execução fiscal o valor de €687,19.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

A prova testemunhal produzida não assumiu relevância nos juízos probatórios, porquanto estes assentaram, essencialmente, na prova documental disponível.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

i. da matéria de excepção

                a. da incompetência material do tribunal arbitral

Começa a Requerente por invocar a excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Funda a Requerida esta sua alegação, na circunstância de a Requerente invocar vícios próprios e inerentes à decisão de indeferimento do recurso hierárquico, reputando tal acto ilegal porque praticado com défice instrutório - falta de audição das testemunhas por si arroladas.

                Já a Requerente entende que tendo os tribunais arbitrais competência para conhecer de decisões de indeferimento que recaiam sobre pedidos que tenham como objecto a legalidade de um acto tributário, não deverá a excepção invocada proceder.

Ressalvado o respeito devido a outros entendimentos, julga-se que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apenas integra o objecto da presente acção arbitral na parte que incide sobre a legalidade da liquidação de imposto que lhes serviu de objecto, e não na parte que se reporte a vícios próprios de tal acto.

                Como explica Carla Castelo Trindade , “Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação (...)”.

                Prossegue a mesma Autora, esclarecendo que “os actos de segundo ou terceiro grau poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nessa medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa”.

                Decorrência do quanto se vem de expor, é que “não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária.” .

                Como exemplifica ainda a mesma Autora , integram-se nesses vícios próprios dos actos de segundo e terceiro grau, os vícios formais que os inquinem, incluindo a sua falta de fundamentação.

                Ou seja, e em suma, o artigo 2.º do RJAT toma como objecto da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como elementos proporcionadores da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º, n.º  1, al. a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

                Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de liquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a (i)legalidade do acto secundário de decisão da reclamação graciosa – cuja função principal no processo arbitral tributário é a de garantir a tempestividade da impugnação arbitral do acto primário – meramente reflexa ou derivada da (i)legalidade daquele.

                Deste modo, e pelo exposto, sendo o objecto da acção arbitral o acto de liquidação, e os actos de segundo e terceiro grau apenas e na medida em que incorporem a (i)legalidade daquele primeiro acto, não se incluindo aí, portanto, os vícios próprios de tal actos, incluindo vícios do respectivo procedimento, não poderá este Tribunal pronunciar-se sobre tal vício arguido pela Requerente.

                Não obstante, do exposto não decorrerá, julga-se, a pretendida, pela Requerida, incompetência material do tribunal arbitral.

                Com efeito, e conforme é pacífico há muito tempo, “a competência afere-se pelo pedido do autor, sendo uma questão a resolver, unicamente, de acordo com os termos da sua pretensão (compreendidos, aí, os respectivos fundamentos)” .

                Ora, tendo o recurso hierárquico em questão apreciado a legalidade do acto de liquidação, o conhecimento da respectiva legalidade é admissível no processo arbitral tributário, pelo que o tribunal arbitral é competente para conhecer o pedido relativo à sua anulação.

                A circunstância de – eventualmente, e no caso concreto ora em causa – algum ou alguns dos fundamentos invocados para aquela ilegalidade, por qualquer razão, incluindo não serem susceptíveis de ser conhecidos pelo tribunal, não serem aptos a fundar o pedido de anulação, não gerará a incompetência do Tribunal, mas meramente a improcedência do pedido.

                Assim, e face ao exposto, julga-se improcedente a arguida excepção dilatória da incompetência material do tribunal arbitral.

 

*

                b. da ineptidão da petição inicial

                Alega ainda a Requerida, como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, que

a petição inicial é inepta, pelo que, verifica-se a existência de uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos186.º n.ºs 1 e 2, alínea a), 278.º n.º 1 alínea b), 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea b) do CPC, aplicáveis nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Considera a Requerida que que a Requerente não identifica claramente qual o acto de liquidação que pretende ver anulado, uma vez que identifica dois actos de liquidação (n.º 2013... e n.º 2019...), mas imputa vícios só ao primeiro e termina pedindo a anulação daquelas duas liquidações, bem como, a anulação de uma decisão de indeferimento de recurso hierárquico.

                Ressalvado o respeito devido, julga-se não assistir, também aqui, razão à Requerida.

                Com efeito, como a própria Requerida reconhece, a Requerente identifica claramente os actos tributários cuja anulação pretende, pelo que o pedido se encontra devidamente formulado.

                De igual modo, os motivos que a Requerente entende justificarem a procedência do pedido formulado estão compreensivelmente expostos, em termos de a Requerida se ter pronunciado cabalmente a seu respeito, nos termos que entendeu, que em sede de Resposta, quer em sede de alegações.

                Daí que não se verifique qualquer ineptidão da petição inicial.

                A circunstância, que é aquilo que, em última instância parece estar subjacente à alegação da Requerida, de a(s) causa(s) de pedir poder(em) não ser idónea(s) a conduzir à procedência do pedido, não gerará a ineptidão da petição inicial, mas, unicamente e a verificar-se, a improcedência do(s) pedido(s).

                Assim, e face ao exposto, deverá improceder também a excepção ora em apreço.

 

***

 

ii. do fundo da causa

                Como se indicou já, a Requerente apresenta diversas questões a decidir, nomeadamente:

i.             vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 77.º da LGT;

ii.            preterição de formalidade legal essencial, em violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT;

iii.           os serviços de inspecção tributária não cumpriram com o ónus da prova que sobre si recaía nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, pelo que deve a não demonstração da efectiva obtenção dos proveitos ser valorada a favor da Requerente; 

iv.           erro sobre os pressupostos de facto e de direito, em virtude de não se ter verificado qualquer proveito não declarado, estando antes em causa, a imputação a uma participada da Requerente de custos financeiros, sem que essa imputação tenha tido qualquer impacto no resultado fiscal da Requerente, pelo que devem ser anulados os actos de liquidação por violação dos artigos 13.º, 103.º, n.º 1, 104.º, n.º 2 e 266.º da CRP, dos artigos 55.º e 58.º da LGT , do artigo 46.º do CPPT e artigo 5.º e 6.º do RCPIT;

v.            a inspecção tributária de que foi objecto a Requerente é, materialmente, uma inspecção externa porque tem por base notas de débito obtidas em actos de inspeção efectuados em instalações ou dependências de um terceiro, pelo que, entende a Requerente, não foram respeitadas as formalidades que a lei prevê para a sua execução, verificando-se, portanto, uma nulidade da liquidação, nos termos do disposto na alínea l) do artigo 161.º do CPA;

vi.           ausência de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, nomeadamente, no que respeita à culpa da Requerente no atraso na liquidação de imposto, pelo que se viola o disposto no n.º 1 artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, bem como o artigo 268.º, n.º 3 da CRP;

vii.          ilegalidade da decisão de recurso hierárquico por défice instrutório, por violação do artigo 266.º, n.º 1 da CRP e os artigos 58.º e 72.º da LGT.

Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

*

                A questão de fundo que se coloca nos presentes autos de processo arbitral, prende-se com o arguido erro sobre os pressupostos de facto e de direito, em virtude de não se ter verificado qualquer proveito não declarado, estando antes em causa, a imputação a uma participada da Requerente de custos financeiros, sem que essa imputação tenha tido qualquer impacto no resultado fiscal da Requerente.

                Em suma, a situação de facto apurada, e não contestada pela Requerida, em sede graciosa ou arbitral, reconduz-se a que a Requerente, perante a impossibilidade prática de, no que para o caso interessa, uma participada sua se financiar no mercado, optou por contrair ela própria o financiamento que reputou necessário, transferindo os fundos assim obtidos para a sua participada, e debitando-lhe os custos de financiamento.

                A AT, em sede inspectiva, considerou que as notas de débito emitidas pela Requerente à sua participada, por meio das quais lhe imputou os custos com o financiamento de que esta beneficiou, documentavam um rendimento da primeira, que deveria acrescer ao seu lucro tributável.

                Procedeu a AT da forma descrita, por entender, em resumo que a referida operação tem de ter obrigatoriamente reflexos contabilísticos nas Contas 6 e 7 o que a Requerente não respeitou.

                Ora, face à matéria de facto apurada, não se crê susceptível de subsistirem dúvidas de que a correcção ora sindicada, e contra a qual a Requerente se insurge deverá ser anulada.

                Como se apontou já, mesmo em sede graciosa (cfr. decisão do recurso hierárquico) a AT reconheceu que a Requerente se limitou a debitar à sua participada os custos proporcionais ao financiamento de que usufruiu, e que foi contraído, para esse mesmo efeito, pela Requerente.

                Assim sendo, como se apura que é, será, julga-se, evidente que inexiste qualquer rendimento a tributar, verificando-se, em rigor, a inexistência de facto tributário.

                Com efeito, ao contrário do que parece estar subjacente à fundamentação do RIT, não poderão enventuais incorrecções contabilísticas perpretradas pela Recorrente, justificar a sua sujeição a imposto. Tais incorrecções poderão relevar, e ser sancionadas, do ponto de vista contraordenacional, mas não do ponto de vista tributário, dado que o imposto, como se sabe, não se reveste de natureza sancionatória.

                A própria AT parece ter consciência do quanto se vem de referir, motivo, possivelmente, pelo qual, em sede de decisão do recurso hierárquico, e subsequentemente em sede arbitral, veio alegar que caso a Requerente não fosse uma SGPS, o facto de não ter contabilizado rendimentos e respectivos custos, em termos práticos, tornaria a operação irrelevante, invocando ainda a doutrina da Circular 7/2004.

                Todavia, a própria AT, na mesma decisão, concede expressamente que essa circunstância não foi considerada pelo Serviços de Inspecção Tributária.

                Ora esta circunstância pode ser enquadrada sob dois pontos de vista, sendo o mesmo, em qualquer dos casos, o resultado a que se chegará.

                Assim, e perscrutada a decisão do recurso hierárquico, não resulta claro se, de facto, a consideração da qualidade da Requerente enquanto SGPS, e a invocação da doutrina da Circular 7/2004, constitui um fundamento do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,60, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., ou se é, unicamente uma consideração adicional, da mera decisão de indeferir a pretensão da Requerente.

                No primeiro caso a referida liquidação terá carácter inovatório, procedendo à revogação por substituição do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., no montante de €174.624,87 e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2013... e da demonstração de acerto de contas n.º 2013... .

                No segundo caso, aquela primeira liquidação será, nos termos do artigo 53.º/1 do CPTA um acto meramente confirmativo, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica o acto primitivo que foi confirmado .

                Sendo este último o caso, é actualmente jurisprudência consolidada que “A legalidade de uma liquidação não pode ser sindicada judicialmente senão à luz do discurso que a AT externou para a fundamentar.” .

                Deste modo, a invocação do regime das SGPS e da doutrina da Circular 7/2004, integrará uma fundamentação a posteriori, legalmente proscrita e como tal inadmissível, pelo que não poderá nem deverá ser considerada e apreciada por este Tribunal arbitral.

                Neste contexto, tendo em conta os factos incontrovertidos apurados, à luz da fundamentação imprimida à liquidação , não se poderá concluir de outra maneira que não a efectiva verificação do arguido erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo, consequentemente, as liquidações objecto dos presentes autos ser anuladas, e procedendo, nessa mesma medida, o pedido arbitral.

                Caso se considerasse que o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,60, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., são actos inovatórios, tendo por fundamento a circunstância de a Requerente ser uma SGPS e a doutrina da Circular 7/2004, sempre se chegaria, como se referiu já, à mesma conclusão.

                Efectivamente, não só aquela liquidação teria sido praticada para lá do prazo de caducidade – vício este que não é de conhecimento oficioso, mas que poderia ser invocado em sede de oposição à execução fiscal – como enfermaria de défice de fundamentação, uma vez que não especifica qual a concreta norma dos 5 números do art.º 31.º do EBF vigente à data em que se funda, nem qual a parte da Circular 7/2004 que aplica e, designadamente, se procede à aplicação do método indirecto ali previsto, nos termos que têm sido reiteradamente tidos por ilegais pela jurisprudência.

                Deste modo, e pela via da falta de fundamentação, vício este arguido pela Requerente no presente processo arbitral, sempre se chegaria à conclusão da anulabilidade das correcções operadas pela a AT, e ora contestadas pela Requerente.

                Face ao exposto, considerando-se o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,60, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., referentes ao exercício de 2009, meramente confirmativo do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., no montante de €174.624,87 e da respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2013... e da demonstração de acerto de contas n.º 2013..., relativas ao ano de 2009, na parte em que o manteve, deverão todos os referidos actos ser anulados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, procedendo, por isso, o pedido arbitral.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar improcedentes as excepções arguidas pela Requerida;

b)           Anular o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2013..., no montante de €174.624,87 a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2013..., no montante de € 21.290.38, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013..., relativas ao ano de 2009, assim como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que teve os referidos actos de liquidação como objecto, e ainda, do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2019..., no montante de €173.937,60, e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e demonstração de acerto de contas n.º 2019..., referentes ao exercício de 2009

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 174.624,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de Junho de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Suzana Fernandes da Costa)

 

O Árbitro Vogal

(Ana Teixeira de Sousa)