Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 282/2021-T
Data da decisão: 2021-11-29  IRC  
Valor do pedido: € 743.579,32
Tema: IRC. Pagamentos a territórios de tributação privilegiada. Competência territorial para inspeção tributária.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-07-2021, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com sede no ..., ..., ...-... Albufeira, com o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2020... do ato de liquidação de juros compensatórios subjacente, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas, referentes ao exercício de 2016, nos termos dos quais se apurou imposto a pagar no montante total de € 743.579,32.

A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-05-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-06-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-07-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 02-11-2021 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à construção e desenvolvimento de projetos imobiliário-turísticos, fazendo parte da sua atividade, entre outras, a promoção e exploração imobiliária-turística de empreendimentos turísticos e estabelecimentos conexos e similares, incluindo um aldeamento turístico, um estabelecimento hoteleiro, apartamentos turísticos e estabelecimentos de restauração e bebidas (documento n.º4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019..., foi a Requerente objeto de uma ação de inspeção interna, que visou a confirmação dos valores declarados, no exercício de 2016, em sede de IRC e IVA;
  3. Nessa inspeção foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.1. Credencial

A presente ação de inspeção ao sujeito passivo A..., S.A., adiante designado por A... ou sujeito passivo, com o NIF ..., com morada da sede em ...,  ..., ...-... Albufeira, pertencente à área do SF... de Albufeira, código ..., encontra-se credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., para o exercício de 2016.

Na data de início do presente procedimento inspetivo, a sede da A... ficava na ..., n.º ... - ..., em Lisboa. Nos termos do número 5 do artigo 10º do CPPT, para o qual se remete nos termos do artigo 4° do RCPITA, "Salvo disposição expressa em contrário, a competência do serviço determina-se no início do procedimento, sendo irrelevantes as alterações posteriores". Deste modo, a Direção de Finanças de Lisboa é o serviço competente para a prática destes atos de inspeção tributária, independentemente do sujeito passivo ter alterado a sua sede para a área territorial da competência da Direção de Finanças de Faro, no decorrer do presente procedimento inspetivo.

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Em 22 de julho de 2019 foi o sujeito passivo notificado, do teor do Ofício n.º..., de 17-07-2019, para provar que uma amostra das transferências que efetuou no exercício de 2016 a favor de entidades residentes em países, territórios e regiões com um regime fiscal claramente mais favorável cumpre os requisitos exigidos na alínea r) do número 1 do artigo 23"-A do Código do IRC para efeitos de aceitação da dedutibilidade fiscal de tais encargos. Os elementos fornecidos na resposta à notificação não foram suficientes, tendo sido solicitados novos elementos através de e-mail enviada a 02-06-2020. Em 2 de julho de 2020 foi o sujeito passivo novamente notificado, agora do teor do Ofício n.º ..., de 29-06-2020, para apresentar a prova atrás referida para uma amostra adicional dá transferências. Foi ainda notificado para apresentar: cópia dos documentos de suporte das operações registadas na conta de gastos # 6225100000 - Comissões, bem como cópia da escritura de venda do imóvel a que respeita cada comissão e os registos contabilísticos correspondentes; cópia de uma amostra de contratos de exploração turística celebrados com os adquirentes dos imóveis alienados no exercício e extratos de conta-corrente do IVA dedutível.

Da análise efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, com a profundidade que se considerou adequada, e considerando os esclarecimentos prestados, foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.

 

III.1. IRC - Correções ao lucro tributável

 

(...)

III.1.2. Gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada

III. 1.2.1. No exercido de 2016, a A... efetuou transferências bancárias a favor de entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime de tributação claramente mais favorável, entre as quais, as que a seguir se identificam:

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Descrição gerada automaticamente

 

III.1.2.2. Estabelece o artigo "23º-A - Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais" do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, na alínea r) do número 1, que:

"Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado."

Nos termos do número 8 do mesmo artigo, "a Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias."

III.1.2.3. Foi s A... notificada do teor dos Ofícios n.ºs..., de 17-07-2019 e..., de 29-06-2020, em conformidade com o número B do artigo 23"-A do Código do IRC, para provar que as transferências efetuadas cumpriam os requisitos exigidos na alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC, que se juntam em Anexo 4.

Foram assim solicitados, entre os elementos de prova:

- os documentos comprovativos dos pagamentos efetuados, a descrição das operações a que respeitam, os documentos comprovativos dessas operações e contratos celebrados com as referidas entidades subjacentes a essas operações;

- a contabilização de cada uma dessas operações;

- se os referidos pagamentos deram origem ao reconhecimento de um gasto, a identificação dos rendimentos que lhe estão associados, bem como a sua indispensabilidade para a realização dos mesmos e

- a demonstração da importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.

III.1.2.4. Na sequência dos elementos remetidos, verificámos que as transferências efetuadas deram origem ao reconhecimento de gastos na contabilidade da A..., como se resume no quadro seguinte:

llI.1.2.5. Os gastos registados na conta "6225100000 - FSE - Comissões" respeitam ao pagamento de comissões pelos serviços de intermediação na celebração de contratos imobiliários, relacionados com a comercialização de imóveis dos empreendimentos turísticos do B..., designadamente, do C... e do D..., conforme se evidencia no quadro seguinte:

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Descrição gerada automaticamente

III.1.2.5.1. Os elementos de prova apresentados pela A... na sequência da notificação efetuada compreenderam:

- os documentos comprovativos dos pagamentos efetuados e o seu registo contabilístico;

- as faturas de suporte às comissões pagas e o seu registo contabilístico;

- os contratos de prestação de serviços celebrados com a E... Limited (E…), com a F… (F…) e com a G…, Ltd. (G...);

- as escrituras de venda dos imóveis sobre os quais incidiram as comissões e o seu registo contabilístico e

- a descrição das operações a que respeitam as transferências.

 

A A... não demonstrou, conforme foi notificada, "a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a. prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado."

A A... não apresentou qualquer outro elemento de prova para além dos solicitados a título de "entre os elementos de prova".

III.1.2.5.2. De acordo com os elementos remetidos, confirmámos que:

- as transferências bancárias a favor da E..., F... e G... foram efetuadas (Anexo 6);

- o gasto registado na conta "6225100000- FSE - Comissões" encontra-se suportado documentalmente pelas faturas emitidas pelas referidas entidades, resumidas no quadro anterior (Anexo 7) e

- o gasto relaciona-se com a comercialização de imóveis dos empreendimentos turísticos do B..., designadamente, do C... e do D... registadas em Vendas (Anexo 8).

I11.1.2.5.3. Relativamente aos contratos de prestação de serviços celebrados entre a A... e as referidas entidades, por esta remetidos e que se juntam em Anexo 9, verificámos que possuem todos a mesma estrutura. Resumem-se no quadro seguinte, algumas das suas características:

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Descrição gerada automaticamente

Estas entidades são assim descritas nos referidos Contratos de prestação de serviços:

- E...: é uma sociedade estabelecida em Hong Kong, cuja atividade principal é ajudar clientes da China, Taiwan e Singapura a fazer investimentos em diferentes campos, com o objetivo de adquirirem o estatuto de residente no estrangeiro; com conhecimento de como operam os mercados imobiliários da China, Taiwan e Singapura, detendo, para além das licenças e autorizações legais necessárias e válidas, os contactos, know-how e conhecimento para ajudar a A... na promoção dos seus imóveis nesses mercados.

- F...: é uma sociedade estabelecida nos Emirados Árabes Unidas, cuja atividade principal é a compra e venda de bens imobiliários, com conhecimento de como operam os mercados imobiliários do Médio Oriente e da Ásia, detendo os contactos, know-how e conhecimento para ajudar a A... na promoção dos seus imóveis nesses mercados.

- G...: é uma sociedade estabelecida na Região Administrativa Especial de Macau, cuja atividade principal está focada em programas de investimento, como o Golden Visa, com conhecimento de como operam os mercados imobiliários da Ásia, detendo os contactos, know-how e conhecimento para ajudar a A... na promoção dos seus imóveis nesses mercados.

Na Cláusula 1ª dos referidos Contratos, vêm referidos os deveres dessas entidades para com a A..., dos quais destacamos:

- observar todos os termos, condições e preços definidos no Apêndice 12;

- colaborar na preparação de um plano de marketing e vendas com a A..., com respeito aos imóveis a vender, sabendo que o referido plano de marketing e vendas tem sempre de ser aprovado pela A...;

- informar a A... sobre as eventuais propostas de compra dos imóveis;

- não produzir, imprimir, publicar ou divulgar em qualquer meio de comunicação social, sem a aprovação prévia, expressa e escrita da A... .

De acordo com a Cláusula 5.ª dos referidos Contratos, a A... compromete-se, perante as referidas entidades, entre outros, a:

- informar as empresas de quaisquer alterações nos imóveis a vender;

- fornecer informação necessária e conveniente para a correia promoção e marketing dos imóveis nos referidos mercados.

De acordo com a Cláusula 5ª dos referidos Contratos, as referidas entidades concordam em implementar um procedimento de registo de clientes, nos seguintes termos:

- registo dos potenciais clientes;

- enviar o ficheiro à A... para aprovação, a qual decide se aprova ou não o potencial cliente e as informa no prazo de 10 dias; caso não o faça nesse prazo, o cliente potencial não é aprovado;

- a aprovação do potencial cliente não confere a essas entidades o direito s qualquer remuneração, mas esse direito apenas se verifica, entre outros, com a escritura de venda do Imóvel.

Na Cláusula 8ª dos referidos Contratos, estão definidos os custos suportados pelas referidas entidades e pela A... .

Assim, os seguintes custos são da responsabilidade exclusiva dessas entidades:

- os custos com a promoção e marketing dos imóveis a vender, incluindo toda a divulgação nos meios de comunicação social;

- os custos de qualquer natureza por estas incorridos para a prestação dos serviços previstos no contrato;

- os custos de marketing fly buys, incluindo: custo das viagens e custos administrativos relacionados com vistos, impostos e outros.

Os custos da responsabilidade exclusiva da A... são os seguintes:

- os custos com o transporte dos clientes potenciais, aprovados pela A..., desde o aeroporto de Faro até ao B...;

- os custos de alojamento, alimentação e bebidas e entretenimento dos potenciais clientes no B... e enquanto permanecerem no B... .

 

III.1.2.5.4. Relativamente à descrição das operações efetuadas com a E..., a A...  respondeu que as operações realizadas com a Chinesa Business referem-se a serviços de consultaria e marketing para os mercados Chineses e Singapura, conforme contrata e documentos em anexo". Em 02-06-2020 solicitámos esclarecimentos adicionais é A..., por e-mail, no qual referimos que "Os elementos fornecidos na resposta à notificação não foram suficientes. Solicitam-se elementos que provem a intervenção desta empresa na venda dos imóveis da A...". A A... apresentou "prints" de fotografias ilustrativas da participação de agentes da E... em feiras. Junta-se em Anexos 10 e 12, as respostas remetidas pela A... e em Anexo 11, o e-mail a solicitar esclarecimentos adicionais à A... .

Relativamente à descrição das operações efetuadas com a F... e a G..., remetida posteriormente, que se junta em Anexo 13, que entendemos ser naturalmente extensível à E..., dada a semelhança dos contratos, a A... respondeu que:

"A F... e a G... são entidades com sede nos Emirados Árabes Unidos e Macau, respetivamente, que operam nos mercados do Médio Oriente e Ásia e cuja atividade se centra na promoção e marketing de unidades turísticas e imobiliárias. O recurso a estos entidades permite, desde lago, ter acesso a uma vasta rede de contactos e conhecimento específico destes mercados e, bem assim, ultrapassar as especificidades culturais, o distanciamento e a limitação da língua.

Nos termos dos respetivos contratos, estas entidades são responsáveis por:

a. Custos e despesas relacionados com marketing e promoção das unidades de alojamento, incluindo e produção de todo o material promocional;

b. Custos e despesas de qualquer natureza incorridos pelas entidades para a prestação dos serviços previstos nos referidos contratos;

c. Custos e despesas relacionadas com visitas de inspeção, incluindo todas as despesas de viagens, vistos, taxas e quaisquer outros custos administrativos.

Os custos e despesas acima referidos englobam, por isso, todas as atividades de promoção nos respetivos mercados, bem como relacionados com o acompanhamento e deslocação dos potenciais investidores a Portugal.

Mais ainda, a remuneração pelos serviços prestados só é devida nos casos em que a transação e concretizada, não havendo assim lugar a remuneração para os casos de visitas de investidores em que a venda não se concretiza.

Desta forma, considerando o volume de despesas com todo o processo, incluindo viagens internacionais de longo curso, o nível de remuneração destas entidades é, por isso, superior ao praticado para serviços de promoção e marketing em território nacional.

Uma última nota para referir que a remuneração assumida pela A... está em consonância com os montantes suportados por outras entidades nacionais na angariação de investidores junto dos mesmos mercados e que tem vindo a ser acolhida pelos Tribunais - em particular, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) - onde se defendeu, entre outros, o processo n.º 694/2018-T, de 19.06.2019, que se refere a título de exemplo."

Em conjunto com esta descrição das operações, a A... não apresentou qualquer documento adicional.

III.1.2.5.5. O número 1 do artigo 23º do Código do IRC estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis:

"Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

Os números 3 e 4 do mesmo artigo estabelecem, respetivamente, que os gastos devem estar comprovados documentalmente, independentemente da sua natureza ou suporte e, em caso de aquisições de bens ou serviços, quais os elementos que os documentos comprovativos do gasto devem conter.

Contudo, o princípio geral da dedutibilidade dos gastos, sofre uma derrogação no caso de pagamentos a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, como forma de obviar a erosão da base tributável.

Assim, e com vista a lutar contra a evasão e a fraude fiscal internacional e no sentido de restringir a utilização de "paraísos fiscais", o legislador português optou por introduzir no nosso ordenamento jurídico medidas, genericamente designadas como de "anti-abuso", através de cláusulas específicas na lei. Estas normas visam claramente combater uma espécie de operações evasivas ou fraudulentas, por meio de pagamentos a favor de entidades não residentes e estabelecidas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, e tradicionalmente avessos à colaboração no sentido da prestação de informações para efeitos fiscais.

Neste contexto, foi introduzida a alínea r) do número 1 do artigo 23º-A no Código do IRC, que já transcrevemos anteriormente, mas que voltamos a citar:

"Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período da tributação:

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e al submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

A estatuição desta norma determina de imediato o princípio geral da não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos, consagrando, no entanto, uma cláusula de salvaguarda, que se opera mediante a prova, que cabe ao sujeito passivo, a quem caberá demonstrar o cumprimento, cumulativo de duas condições:

• Os gastos corresponderem a operações reais;

• Não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo, de modo a demonstrar que os gastas se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.

A este propósito transcreve-se parte do acórdão proferido em 19/02/2015, no processo n.º 08126/14 no Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas, em detrimento da fornia, cujo sumário se transcreve:

"No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente, contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posta em causa. O que deve ser objeto de prova é antes a efetiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C.. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a Justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercada', (sublinhado nosso)

Na falta da comprovação destes requisitas conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.

A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT, apresentando-se os meios de prova da efetividade do gasto e do caráter normal e não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos.

Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte o ónus da prova em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do número 1 do artigo 75º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé "as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal". E se o contribuinte não lograr produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação,

 

III.1.2.5.6. Na aplicação ao caso em concreto, há que determinar, em primeiro lugar, se a jurisdição de fiscalidade privilegiada se integra na previsão normativa da alínea r) do número 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, na redação em vigor em 2016.

Os Emirados Árabes Unidos e Hong Kong tratam-se de jurisdições constantes, respetivamente, dos números 22 e 31 da Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, aplicável ao exercício de 2016.

Deste modo, constatando-se que estão a ser pagas importâncias às sociedades F... e E..., residentes em jurisdições constantes da citada Portaria, ocorre a condição que determina a verificação do pressuposto para a subsunção no conceito de regime fiscal claramente mais favorável.

III.1.2.5.7. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita à exigência da realização efetiva das operações, entendemos que a A... não apresentou prova que permite concluir sobre a efetiva realização dos serviços que lhe foram debitados por essas sociedades.

A A... tem em seu poder as escrituras de venda dos imóveis, os contratos de prestação de serviços celebrados com entidades referidas, as faturas emitidas por essas entidades e os meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias.

Embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, ou seja, é necessário a evidência de todo um conjunto de ações, atuações e elementos justificativos complementares à documentação contabilisticamente relevante, de forma a afastar de forma concludente fundadas dúvidas sobre a efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular e assim permitir a aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos.

Da leitura dos contratos de prestações de serviços celebrados entre a A... e as entidades referidas podemos constatar que tais entidades encontram-se obrigadas contratualmente, entre outros, a informar a A... sobre as eventuais propostas de compra dos imóveis, a enviar um ficheiro à A... com o registo dos potenciais clientes, a colaborar na preparação de um plano de marketing e vendas com a A... com respeito aos imóveis a vender. A A..., por sua vez, tem de informar as referidas entidades no prazo de 10 dias após receber o dito ficheiro sobre a sua decisão de aprovar ou não o potencial cliente e caso não o faça nesse prazo, o cliente potencial não é aprovado. É também a A... que tem de aprovar o plano de marketing e vendas com respeito aos imóveis a vender. É também a A... que previamente aprova, de forma escrita e expressa, qualquer atividade de marketing desenvolvida pelas entidades referidas nesses mercados. A A... encontra-se obrigada contratualmente a informar tais empresas sobre quaisquer alterações nos imóveis a vender e a fornecer informação necessária e conveniente para a correia promoção e marketing dos imóveis nos referidos mercados.

Ou seja, exista um sem número de comunicações entre a A... e essas entidades, contratualmente estabelecidas, e a A... não apresentou nenhuma.

Na cláusula 8ª dos referidos contratos estão definidos os custos suportados pela A... e por essas entidades. Resumidamente, cabe a essas entidades, suportar os custos com a promoção e marketing dos imóveis a vender, as viagens dos clientes potenciais, os seus vistos e cabe à A..., suportar o gasto com a deslocação desses clientes desde o aeroporto de Faro até às instalações da A..., o alojamento, alimentação, bebidas e entretenimento desses clientes nas instalações da A... enquanto aí permanecerem.

A A... não apresentou nenhum documento de suporte a estes custos, como por exemplo: a deslocação dos potenciais clientes a Portugal (passagem aérea); o transporte entre o aeroporto e o B...; o alojamento, alimentação, bebidas e entretenimento no B...; a obtenção dos vistos de turismo para entrada em Portugal; a prestação de serviços de tradutores, advogados e motoristas em território português e outros recursos humanos envolvidos e a promoção e o marketing desenvolvidos.

Não obstante ter apresentado "prints" de fotografias que correspondem alegadamente a participação de agentes da E... em feiras, não é evidente que as mesmas estejam diretamente relacionadas com o serviço prestado por essa entidade.

A A...  foi notificada para "demonstrar a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado", mas não o fez.

Pelas razões atrás expostas, conclui-se pela inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades.

III.1.2.5.8. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita ao caráter anormal, conclui-se que não tendo o sujeito passivo provado a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem referido como comissões tem caráter normal face à atividade desenvolvida.

Também aqui o sujeito passivo não cumpre com o ónus que a lei lhe impõe.

III. 1.2.5.9. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita ao montante exagerado, conclui-se que não tendo o sujeito passivo provado a realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades, tem como consequência a impossibilidade da A... provar que aqueles encargos, que correspondem entre 12% e 17% do preço de venda dos imóveis, não são em montantes exagerados, isto é, que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados.

De referir que, para além dos gastos acima descritos, o sujeito passivo suportou comissões pagas a empresas sedeadas em território português de cerca de 2% a 5% do preço de venda dos mesmos imóveis.

III.1.2.5.10. Em conclusão, os elementos apresentados pelo sujeita passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado, conforme requer a alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC.

Face ao exposto, tendo em conta os factos apresentados anteriormente, propõe-se a não aceitação dos gastos registados na conta "6225100000 - FSE -Comissões" no exercício de 2016, debitados pelas sociedades E... e F..., no montante de € 559.550,00.

Em resumo:

 

III.1.2.5.11. Embora os serviços (aturados pela sociedade G..., entidade residente na Região Administrativa Especial de Macau, estejam fora do âmbito de aplicabilidade do disposto na alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC, em vigor em 2016, por esta jurisdição não integrar a Portaria n.º 292/2011 de 8 de novembro, aplicável ao exercício de 2016, foi o sujeito passivo igualmente notificado, como já referimos, para fazer prova efetiva de que os encargos pagos à referida entidade correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

À semelhança dos pagamentos às entidades E..., residente em Hong Kong e F..., residente nos Emirados Árabes Unidos, também no que diz respeito à entidade G..., residente na Região Administrativa Especial de Macau, verifica-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado.

Nos termos do número 1 do artigo 23º do Código do IRC são dedutíveis os gastos incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Havendo dúvidas que as operações foram efetivamente realizadas, e não tendo o sujeito passivo apresentado outros elementos que possibilitassem essa comprovação, o que poderia ter feito nos termos do número 3 do mesmo arti1go, propõe-se a não aceitação dos gastos registados na conta "6225100000 - FSE - Comissões" no exercício de 2016, debitados pala sociedade G..., no montante de € 124.000,00, conforme se resume no quadro seguinte:

 

 

III.1.2.6. Os gastos registados na conta "6221100000 - FSE - Trabalhos especializados" respeitam a trabalhos de consultoria de desenvolvimento (development consultancy), conforme se evidencia no quadro seguinte:

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III.1.2.6.1. Os elementos de prova apresentados pela A... na sequência da notificação efetuada compreenderam:

- o documento comprovativo do pagamento efetuado e o seu registo contabilístico;

- a fatura de suporte ao trabalho efetuado e o seu registo contabilístico;

- o contrato de prestação de serviços celebrado com a H... (H...) e

- a descrição das operações a que respeita a transferência.

Também neste caso, a A... não demonstrou, conforme foi notificada, "a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado, nem apresentou qualquer outro elemento de prova para além dos solicitados a título de "entre os elementos de prova".

III.1.2.6.2. De acordo com os elementos remetidos, confirmámos que:

- a transferência bancária a favor de H... foi efetuada (Anexo 14) e

- o gasto registado na conta "6221100000 - FSE - Trabalhos especializados" encontra-se suportado documentalmente pela fatura emitida pela referida entidade, resumida no quadra anterior (Anexo 15).

III.1.2.6.3. Relativamente ao contrato de prestação de serviços celebrado entre a A... e H..., que se junta em Anexo 16, resumem-se no quadro seguinte, algumas das suas características:

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Nos considerandos 1. a 4. do contrato referido, vem descrito que:

1. A A... é proprietária e detentora de diversos lotes de terreno situados no B..., no Algarve;

2. A A... é responsável pela construção e desenvolvimento, no B..., de apartamentos para venda a investidores individuais, compreendendo 84 apartamentos, 4 villas, com restaurante e outras infraestruturas;

3. A A... está interessada em contratar uma empresa especialista em consultoria de desenvolvimento, com o necessário conhecimento para a aconselhar em aspetos de desenvolvimento, incluindo, mas não limitado ao mix de produtos e tipos de apartamentos, restaurante e Infraestruturas;

4. A H... é uma empresa de consultoria com o conhecimento necessário para fornecer serviços especializados de consultoria de desenvolvimento tendo, para esses propósitos, o conhecimento técnico especializado e o pessoal adequado para os serviços requeridos.

Na cláusula 2ª do referido contrato, são descritas as obrigações da A...:

- fornecer à H... toda a informação e documentação necessária que permita a análise do projeto;

- ter disponível para a H... toda a documentação e planos relacionados cora o projeto.

Na cláusula 3ª do referido contrato, são descritas as obrigações da H... para com a A...:

- analisar os documentos do design do projeto e reportar as alterações recomendadas, incluindo o mix do produto, restaurante e outras infraestruturas;

- entregar à A... um relatório com as recomendações sobre o desenvolvimento proposto.

Na cláusula 6ª do referido contrato, são descritos os custos da responsabilidade exclusiva da H...:

- eventuais despesas com o recrutamento de peritos especializados em consultoria;

- eventuais custos com a organização e supervisão de toda a operação.

 

III.1.2.6.4. Relativamente à descrição da operação efetuada com a H..., a A... respondeu que "As operações realizadas com a H... referem-se a serviços de consultoria para o desenvolvimento de diversas áreas do B... incluindo, conceitos, exploração turística, restaurantes e SPA. Junto enviamos contrato e documentos de suporte. Aguardamos ainda do nosso departamento técnico mais informação que lhe possamos remeter.", resposta que se juntou no Anexo 10.

De referir que, posteriormente, não foi remetida informação adicional.

Em 02-06-2020 solicitámos esclarecimentos adicionais a A..., por e-mail, veja-se o Anexo 11, no qual referimos que "Os elementos fornecidos na resposta à notificação não foram suficientes. Solicitam-se elementos que provem a efetiva prestação deste serviço, que evidenciem o trabalho efetuado.

A A... remeteu-nos o relatório sobre o trabalho efetuado pela H..., que se junta em Anexo 17 (até à página 11). O relatório foi elaborado em junho de 2016 e compreende os seguintes pontos e anexos:

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Na introdução do Relatório, vem referido, entre outros, que:

- a A... é proprietária e detentora de diversos lotes de terreno situados no B..., no Algarve e contratou a H... para lhe prestar serviços especializados de consultoria de desenvolvimento;

- a A... é responsável pela construção e desenvolvimento, no B..., de aproximadamente 84 apartamentos para venda a investidores individuais, SPA, Restaurante, Lojas e outras infraestruturas, que integram o empreendimento turístico que vai ficar conhecido como D... .

No âmbito do Relatório, vêm referidos os serviços que a H... se propôs realizar:

- analisar o design do projeto e aconselhar sobre eventuais alterações;

- analisar o design do SPA e fazer observações e recomendações apropriadas;

- propor o m/x imobiliário e recomendações de aparthotel;

- conduzir a análise do mercado e propor o concept design para o novo restaurante;

- recomendar as lojas apropriadas ao mercado alvo do resort;

- fornecer recomendações sobre possíveis infraestruturas adicionais para complementar a oferta existente;

- analisar o equipamento do SPA, especificações e recomendações;

- preparar o posicionamento do SPA e o seu business plan, incluindo S.O.P.»

- participar em reuniões e conferências telefónicas por Skype;

- fornecer o apoio que a construtora A... necessitar.

 

No sumário executivo do Relatório, vem referido, entre outros, que:

- em resultado de numerosas reuniões, conferências telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada, a H... fez várias recomendações e forneceu documentação de suporte com o detalhe apropriado.

Nas especificações e design do projeto descritas no Relatório, vem referido que devido ao estádio avançado do design do projeto e dos licenciamentos aprovados pelas autoridades, a influência e as potenciais alterações são limitadas e restritas. No entanto, são propostas, entre outras, alterações nas suites 401 e 301, designadamente, abertura de portas, ligação a outra suite, utilização do sótão para terraço.

No mix do produto imobiliário e preçário recomendado descritos no Relatório, a H... recomenda qual deverá ser a % de alojamentos, com 2 e 3 quartos e o intervalo de preços de venda. Recomenda ainda a construção de um spa, que vai ficar a ser conhecido como "... SPA - ..."; um cabeleireiro, que vai ficar a ser conhecido como "..."; um restaurante de comida saudável, que vai ficar a ser conhecido como "..." e várias lojas: parafarmácia, joalharia, de roupa, desporto, souvenirs, vinho, florista e artigos de cortiça.

No modelo de negócio descrito no Relatório, refere-se que este se baseia na venda de imóveis classificados como apartamentos turísticos, com a obrigação de celebração de um contrato de cessão de exploração turística pelos adquirentes. Define quais os lermos comerciais que os acordos de arredamento devem conter, entre eles: o período de duração do contrato deve ser de 10 anos, renovados automaticamente e os direitos e 03 deveres dos adquirentes dos imóveis. A H... propõe que em troca, a A... garanta aos adquirentes dos imóveis, um mínimo de 5% de rendimento, nos primeiros 5 anos de duração do contrato; 3%, nos primeiros 10 e 1% nos primeiros 25 anos.

Nos serviços hoteleiros, operações e gestão descritos no Relatório, entre outros, a H... recomenda que seja feita uma adenda para a inclusão do D... no acordo de gestão existente, celebrado com a I... .

No SPA descrito no Relatório, vem referido que o spa e o centro de bem-estar foram desenhados por um especialista, em conformidade com o posicionamento pretendido para a marca. Devido à extensa natureza da análise foram colocados em anexo (Anexos 1 a 3) os respetivos detalhes, para revisão, como parte integrante desse relatório.

No novo restaurante descrito no Relatório, vem referida a sugestão da criação de um restaurante de comida saudável, em linha com a criação do spa e do centro de bem-estar. Foram anexadas ao relatório (Anexo 4), receitas de comidas e bebidas que são servidas em restaurantes de comida saudável sofisticados. O restaurante deve servir comida saudável, vegan e sem glúten, bem carno sumos, batidos e barras energéticas.

III.1.2.6.5. Tal como referimos no ponto III. 1.2.5.5. para os gastos com comissões pagos a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime de tributação claramente mais favorável, nos termos da alínea r) do numero 1 do artigo 23º do código do IRC, a A... tem de provar que os gastos em análise se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que só poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.

III. 1.2.6.6. Na aplicação ao caso em concreto, há que determinar, em primeiro lugar, se a jurisdição de fiscalidade privilegiada se integra na previsão normativa da alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC, na redação em vigor em 2016.

O Koweit trata-se de uma jurisdição constante do número 36 da Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, aplicável ao exercício de 2016.

Deste modo, constatando-se que estão a ser pagas Importâncias à sociedade H..., residente em jurisdição constante da citada Portaria, ocorre a condição que determina a verificação do pressuposto para a subsunção no conceito de regime fiscal claramente mais favorável.

III.1.2.6.7. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita à exigência da realização efetiva das operações, entendemos que a A... não apresentou prova que permita concluir sobre a efetiva realização dos serviços que lhe foram debitados pela H... .

A A... tem em seu poder o contrato de prestação de serviços celebrado com a H..., a fatura emitida e o meio de pagamento da fatura através de transferência bancária.

Embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, ou seja, é necessário a evidência de todo um conjunto de ações, atuações e elementos justificativos complementares à documentação contabilisticamente relevante, de forma a afastar de forma concludente fundadas dúvidas sobre a efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular e assim permitir a aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos.

A A... tem também em seu poder o relatório do trabalho efetuado pela H...

Da leitura do contrato de prestação de serviços celebrado entre a A... e a H... e do relatório do trabalho efetuado pela H..., verificámos algumas incoerências:

- o contrato de prestação de serviços foi celebrado em 01-06-2016 e no próprio mês de junho a H... elaborou o dito Relatório, quando no ponto sobre o sumário executivo vem referido que o relatório foi elaborado na sequência de "numerosas reuniões, conferencias telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada"!

- o alegado trabalho efetuado pela H... versa sobre o empreendimento turístico "D...", conforme vem descrito no Relatório e no contrato de prestação de serviços; questiona-se então, como é que as recomendações efetuadas no relatório, elaborado em junho de 2016, puderam ser implementadas, sabendo que este empreendimento turístico entrou em funcionamento em 23-06-2016!

- no Relatório elaborado em junho de 2016 vem referido no ponto relativo ao mix do produto imobiliário e preçário recomendado, qual a % de alojamentos recomendada com a tipologia de 2 e de 3 quartos, bem como o intervalo de preços a praticar; no entanto, o empreendimento entrou em funcionamento em junho, já completamente construído e a venda dos referidos empreendimentos já se havia iniciado no ano anterior, com a celebração de contratos promessa de compra e venda e a celebração de contratos de exploração turística com os adquirentes, estando os respetivos preços já fixados.

- no Relatório elaborado em junho de 2016 vem referido que o empreendimento turístico iria ser conhecido como "D...", o SPA como ...SPA - ...", o cabeleireiro como "..." e o restaurante de comida saudável como "..."; no entanto, no momento em que o empreendimento turístico entrou em funcionamento em 23-06-2016, essas infraestruturas foram inauguradas com essa designação!

- o modelo de negócio descrito no Relatório elaborado em junho de 2016, já se encontrava a ser aplicado desde 2015, com a celebração de contratos promessa de compra e venda e a celebração de contratos de exploração turística com os adquirentes.

Todas estas incoerências levantam dúvidas sobre a efetiva realização das operações e uma vez que a A... não forneceu mais elementos relacionados com a concretização deste relatório, consideramos que a prova não é suficiente.

Da leitura do referido contrato de prestações de serviços, verificámos que a H... encontra-se obrigada contratualmente, entre outros, a reportar as alterações recomendadas, para além do Relatório já referido. Por sua vez, a A... encontra-se obrigada contratualmente a fornecer à H... toda a informação e documentação necessária que permita a análise do projeto. Ou seja, existe um sem número de comunicações entre a A... e a H..., contratualmente estabelecidas, e a A... não apresentou nenhuma.

A A... foi notificada para "demonstrar a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado", mas não o fez.

Pelas razões atrás expostas, conclui-se pela inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades.

 

III.1.2.6.8. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita ao caráter anormal, conclui-se que não tendo o sujeita passivo provado a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem referido como consultoria de desenvolvimento tem caráter normal face à atividade desenvolvida. Também aqui o sujeito passivo não cumpre com o ónus que a lei lhe Impõe.

III.1.2.3.9. Na aferição, no caso em concreto, da obediência aos requisitos de dedutibilidade, no que respeita ao montante exagerado, conclui-se que não tendo o sujeito passivo provado a realização efetiva dos serviços debitados pela H..., tem como consequência a impossibilidade da A... provar que aqueles encargos não são em montantes exagerados, isto é que, de que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados.

III.1.2.6.10. Em conclusão, os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado, conforme requer a alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC. Face ao exposto, tendo em conta os factos apresentados anteriormente, propõe-se a não aceitação dos gastos registados na conta "6221100000 - FSE - Trabalhos especializados" no exercício de 2016, debitados pela sociedade H..., no montante de € 500.000,00, que em seguida se resume:

 

III.2. IRC - Correções ao imposto

III.2.1. Tributação autónoma

De acordo com os números 1 e 8 do artigo 88º do Código do IRC, na redação em vigor na data dos factos, são tributadas autonomamente, à taxa de 35%, "as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente maís favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado."

Conforme se descreveu no ponto III.1. deste relatório, a A... não apresentou prova de que os encargos faturados pelas sociedades E..., F... e H... correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado, pelo que aquelas despesas ficam sujeitas a tributação autónoma, propondo-se uma correção ao imposto no montante de € 609.577,50, conforme se resume no quadro seguinte:

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III.2.2. Derrama estadual

Dispõe o n.º 1 do artigo 87º-A do CIRC que 'Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1.500.000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (...), incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:"

Na sequência do referido e, uma vez que é proposta a alteração do lucro tributável do exercício de 2016, conforme descrito no ponto III.1. deste relatório, deverá ser igualmente corrigida a derrama estadual, de modo a cumprir o disposto no n.º 1 do artigo 87º-A do CIRC.

Pelo exposto, a derrama estadual corrigida é da € 100.412,59, o que se traduz numa correção ao montante inicialmente apurado pelo sujeito passivo de € 37.443,00, conforme apurado no quadro seguinte:

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(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

IX.1. O sujeito passivo foi notificado, nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 60º da LGT e do número 1 do artigo 60S do RCPITA, do teor do Ofício n.º ..., de 23-09-2020, conforme carta registada n.º RH...3PT, para exercer o direito de audição no prazo de 15 dias.

Dentro do prazo fixado, o sujeito passivo exerceu o direito de audição por forma escrita que deu entrada nestes Serviços com o registo n.º 2020..., de 12-10-2020, que se junta em Anexo 24.

IX.2. No âmbito do exercício do direito de audição prévia, o sujeito passivo expressou-se nos seguintes termos:

(...)

IX.2.4. Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos efetuados às sociedades E... e F... a A... refere que os serviços que pagou a estas entidades foram efetivamente prestados.

A A... refere, como já explicou no decorrer dos atos inspetivos, que recorreu a estas entidades com vista a ter acesso a uma vasta rede de contactos imobiliários e de conhecimento específico dos mercados em que operam (Hong-Kong e Emirados Árabes Unidos) e, bem assim, com vista a ultrapassar as especificidade? culturais, o distanciamento e a limitação da língua. Tais parcerias mostram-se essenciais na atividade imobiliária desenvolvida pela A..., uma vez que os investimentos oferecidos não estão disponíveis ao cidadão comum, sendo necessário recorrer a países e territórios com elevado poder de compra, como é o caso de Hong-Kong e dos Emirados Árabes Unidos.

A A...  refere, como já explicou no decorrer dos atos inspetivos, que com vista a estabelecer os termos das parcerias, foram celebrados contratos entre a A...  e as referidas entidades, através dos quais as mesmas se obrigavam a Incorrer em determinados custos, a saber (i) os custos e despesas relacionados com marketing e promoção das unidades de alojamento, incluindo a produção de todo o material promocional; (ii) os custos e despesas de qualquer natureza incorridos pelas entidades para a prestação dos serviços previstos nos referidos contratos; e (iii) os custos e despesas relacionadas com visitas de inspeção, incluindo todas as despesas de viagens, vistos, taxas s quaisquer outros custos administrativos. Por sua vez, a A... tinha os seguintes custos: (i) os custos com o transporte dos potenciais clientes, desde o aeroporto de Faro até 20 B... e (ii) os custos de alojamento, alimentação e bebidas e entretenimento dos potenciais clientes no B... . No caso concreto, a parceria estabelecida entre a A... e as referidas sociedades determinava que apenas haveria lugar ao pagamento de um fee de promoção e marketing no caso da efetiva concretização da venda das unidades de negócio.

Relativamente as parcerias que estabeleceu com as referidas sociedades, a A...  elenca os negócios que concretizou e junta documentos" que suportam os pedidos de reserva de alojamento para os potenciais compradores e para os agentes e as confirmações de entrada no hotel.

Acrescenta que, caso as sociedades em análise não tivessem intervindo, através de uma eficiente atividade de angariação, a A... não teria vendido as unidades de negócio em causa aos referidos compradores, pois sem aquela atividade os mesmos não teriam conhecimento de que a A... dispunha de unidades para venda.

A A... refere que toda a estrutura da empresa foi montada para prestar apoio aos potenciais investidores:

- tem um departamento de "..."

- todos os agentes que prestam serviços à A... apenas têm a obrigação dó identificar os clientes e convencê-los a deslocar-se ao B... para investir no mesmo;

- a partir do momento em que os clientes e o agente (externo) entram no B..., é-lhes alocado um "sales agent" (que trabalha para a empresa do grupo: J..., Sociedade Unipessoal, Lda. – J...I), que acompanha sempre os clientes e o agente (externo) e lhes mostra as várias unidades disponíveis para venda, sendo que por estes serviços a sociedade J... cobra um fee de promoção e marketing de 2%.

 São os próprios funcionários da A... quem assegura

- a marcação de reservas para os investidores:

- o transporte entre o aeroporto e o B...; e

- a preparação e celebração do contrato de exploração turística e concretização das escrituras.

A A... não tem em seu poder a prova da passagem aérea, nem da obtenção de vistos de turismo para entrada em Portugal dos potenciais investidores, nem suporte aos serviços de tradução porque não tem acesso a essa documentação que í da exclusiva responsabilidade das referidas sociedades conforme resulta dos contratos.

No que concerne ao valor das comissões pagas, a A... refere, como já explicou no decorrer dos atos inspetivos, que o volume de custos e despesas com todo o processo de angariação de clientes -incluindo viagens de longo curso, promoção e marketing nos mercados em que operam -, o nível de remuneração destas entidades é superior ao praticado para serviços de promoção e marketing em território nacional, pois implicam (i) custos bastante elevados com as viagens de longo curso e com vistos de turismo e (B) vários dias (entre a deslocação e estadia no B...) de ausência da sua normal atividade. Por esta razão, a A... entende que para verificar se há ou não exagero no valor do fee de promoção e marketing. não pode tomar-se como termo de comparação as percentagens das comissões cobradas habitualmente pelas empresas de intermediação imobiliária nacionais. Por fim, a A... considera que em face do contexto do mercado em que as referidas sociedades operam e do facto de não ter alternativa na obtenção dos serviços de angariação naqueles mercados (com a mesma qualidade e quantidade, a preços inferiores), sob pena de não conseguir ter acesso aos clientes que têm capacidade económica para adquirir imóveis de valor elevado, determina que os valores acordados não possam considerar-se anormais ou exagerados.

Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos efetuados à sociedade G... Ltd.. a A... refere que, se quanto às sociedades E... e F... há uma inversão do ónus da prova, por força da aplicação da alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC, quanto a esta caberá à Autoridade Tributária o ónus da prova da existência de todos os pressupostos para a correção proposta (conforme artigo 74º da LGT).

Considera que, nos termos do numero 1 do artigo 75º da LGT, segundo o qual "[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inserias na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo mm a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos", por essa razão cabe à Autoridade Tributária demonstrar que não ocorreu a operação realizada pela sociedade G... Ltd. e, bem assim, que a mesma tem um caráter anormal ou de montante exagerado. E estando em causa uma entidade sedeada em Macau, estando vigentes à data do procedimento inspetivo acordos que previam a troca de informações, poderia e deveria a Autoridade Tributária, em ordem a dar cumprimento ao seu ónus probatório acionar os mesmos, em ordem a apurar da efetiva (ou não) prestação de serviços - o que não fez, em clara violação do princípio do inquisitório a que alude o artigo 58º da LGT.

A A... acrescenta que, havendo dúvidas de que as operações foram efetivamente realizadas como é referido no projeto de correções, a Autoridade Tributária deverá abster-se de tributar.

Não obstante, a A... refere que sem o recurso à sociedade G... Ltd. não teria tido acesso ao investidor que adquiriu a unidade B62 e como tal não teria alienado a referida unidade de negócio. Junta Documento 11, com a troca de correspondência com a agente. Acrescenta que não há exagero no fee de promoção e marketing pago a essa sociedade - quando comparada com as comissões pagas aos agentes imobiliários portugueses - porque a atividade desenvolvida pela referida sociedade não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária (nacional), que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas por aquelas empresas (pagamento de viagens, pagamento de vistos, investimento na promoção e marketing e feiras no mercado em que operam).

Vem ainda a A... referir que em inspeção anterior, este assunto já tinha sido analisado (leia-se, o fee de promoção e marketing pago a entidades estrangeiras) e que a Autoridade Tributária não tinha posto em causa a sua dedutibilidade em sede de IRC. Ao fazê-lo agora, sem existir qualquer alteração dos pressupostos legais nem dos procedimentos da empresa, entra em clara contradição com a posição anteriormente assumida e viola a expetativa da empresa.

Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos à sociedade H... a A... refere que as alegadas 'incoerências" referidas no projeto de correções, são perfeitamente justificadas porquanto os serviços prestados pela referida sociedade são serviços continuados que foram sendo prestados ao longo dos anos - em particular, através da sua implementação no empreendimento turístico "D... no decurso do ano de 2015 e no primeiro semestre de 2016-, tendo culminado com a elaboração do relatório para documentar todo o trabalho efetuado. Quanto ao contrato celebrado entre a própria B a referida sociedade teve apenas como objetivo titular (por escrito) a relação contratual entre ambas as sociedades (justamente atendendo à prova exigida em sede de IRC).

Dada a especificidade e complexidade das soluções propostas no relatório efetuado pela referida sociedade - que foram efetivamente implementadas no empreendimento turístico -, a A... não compreende porque a Autoridade Tributária considera que não existiu uma efetiva prestação de serviços. Na ótica da A..., o desenvolvimento do projeto nos termos sugeridos pela referida sociedade mostrou-se essencial para manter o B... com à qualidade que tem atualmente (e com a manutenção das 5*). A A... considera que, ao contrário das alegações efetuadas no projeto de correções, não é possível demonstrar que a não intervenção da H... conduziria a um resultado diferente e tal seria sempre um mero exercício teórico.

Quanto ao valor do serviço, a A... entende que não se afigura anormal nem exagerado, uma vez que implicou o estudo e implementação de diversas especialidades; qualquer prestação de serviços semelhante seria obtida a preços muito similares ou até superiores.

Conclui que nenhuma das correções projetadas deverá ser mantida pelas razoes antes expostas. (§ 5º, artigos 28º a 85º, do direito de audição prévia)

1X.2.5. Sobre a tributação autónoma, a A... refere que sendo o projeto de relatório alterado nos termos por si sufragados, verifica-se que a tributação autónoma não pode ser mantida, devendo ser corrigida em conformidade e, em consequência, deve a Autoridade Tributária abster-se de promover as projetadas correções de IRC.

(§ 6º, artigos 86º e 87º, do direito de audição prévia)

 

(...)

IX.3. Em resposta ao direito de audição, resumido nos pontos anteriores, temos a referir o seguinte:

 

(...)

 

IX.3.4. Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos efetuados às sociedades E... (E...) e F... (F...) vem a A... referir em sede de direito de audição, resumido no ponto IX.2.4., que os serviços pagos a estas entidades foram efetivamente prestados. Para sustentar as suas afirmações, a A..., para além de reiterar as explicações já apresentadas no decorrer dos atos inspetivos sobre o motivo da realização de parcerias com estas entidades e sobre os termos das parcerias formalizados nos respetivos contratos, designadamente, os custos suportados por ambas as partes, vem elencar os negócios que concretizou com recurso às referidas entidades e juntar documentos de suporte.

Da análise aos documentos de suporte apresentados (Documentos 4 a 10 do direito de audição prévia), verificámos que correspondem a: (i) pedidos de reserva de alojamento, efetuados pelos funcionários da A..., (ii) confirmações de entrada no hotel l empreendimento turístico e (iii) correspondência trocada entre agentes e funcionários da A....

Da leitura aos documentos de suporte apresentados, concluímos que:

- nem em todos os negócios elencados, se verificou que os potenciais investidores estiveram alojados no B...;

- na maioria dos negócios elencados, os potenciais investidores estiveram alojados no B... em data anterior à realização da escritura de compra do respetivo imóvel;

- na maioria dos negócios elencados, os agentes estiveram alojados no B... em simultâneo com os potenciais investidores;

- em todos os negocieis elencados por suposta intervenção da E..., a referência efetuada aos agentes é "K...; num desses negócios, em que se verificou apenas "tour, sem alojamento", mas em que houve correspondência trocada com os funcionários da A..., o endereço de e-mail do agente é: "....

Não se questiona que os potenciais investidores tenham adquirido os imóveis e que tenham ficado alojados no B... antes de os adquirirem. Também não se está a questionar que os agentes tenham ficado alojados no B... em simultâneo com os potenciais investidores. Porém, o que não se considera provado com os documentos apresentados é a ligação destes agentes com a E... e a F.... No caso na E..., inclusive, a referência aos agentes é ... staff1 e a correspondência apresentada foi efetuada através de um endereço de e-mail português, ou seja, estes agentes aparentam pertencer a outra empresa. Conclui-se que não foi remetida prova suficiente de que foram a E... e a F..., entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, que prestaram efetivamente estes serviços.

No direito de audição, relativamente ao facto de toda a estrutura da empresa ter sido montada para prestar apoio aos potenciais investidores, a A... refere que todos os agentes que prestam serviços à A... apenas têm a obrigação de identificar os clientes e convencê-los a deslocar-se ao B... para investir no mesmo. Mas não é só isso que vem referido nos contratos que estabelecem os termos das parcerias efetuadas com as referidas entidades.

De acordo com esses contratos, como já referimos no projeto de correções, essas entidades encontram-se obrigadas a informar a A... sobre as eventuais propostas de compra dos imóveis, a enviar um ficheiro à A... com o registo dos potenciais clientes, a colaborar na preparação de um plano de marketing e vendas com a A... com respeito aos imóveis a vender. A A..., por sua vez, tem de informar as referidas entidades no prazo de 10 dias após receber o dito ficheiro sobre a sua decisão de aprovar ou não o potencial cliente e caso não o faça nesse prazo, o cliente potencial não é aprovado. é também a A... que tem de aprovar o plano de marketing e vendas com respeito aos imóveis a vender. é também a A... que previamente aprova, de forma escrita e expressa, qualquer atividade de marketing desenvolvida pelas entidades referidas nesses mercados. A A... encontra-se obrigada contratualmente a informar tais empresas sobre quaisquer alterações nos imóveis a vender e a fornecer informação necessária e conveniente para a correta promoção e marketing dos imóveis nos referidos mercados. Relativamente a estes elementos, não foi apresentada prova.

Veja-se neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 453/2019-T, de 07-05-2020, segundo a qual "... decerto haveria outros elementos para, com razoabilidade e fiabilidade, demonstrar a materialidade desses serviços, nomeadamente, a troca de correspondência, a apresentação de um modelo de prestação de serviços ou projeto de promoção, contactos efetuados, parceiros, cálculo e pagamento de comissões, ele..."; "Em suma, a inversão do ónus da prova faz recair integralmente sobre a Requerente a demonstração da efetividade dos gastos. Mas após a análise cuidada de toda a documentação apresentada, não encontrámos qualquer prova direta ou indireta da intervenção daquelas entidades na promoção dos imóveis na angariação dos compradores. Com efeito, num conjunto amplo de contratos celebrados, com um número considerável de intervenientes, não nos foi apresentada qualquer evidência de atividade efetiva destas entidades: o que fizeram, de que modo, quando e onde."

Veja-se também neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 102/2019-T, de 25-09-2019, segundo a qual «... A Requerente juntou aos autos um conjunto de elementos que comprovam, do ponto de vista formal, a realização das operações realizadas. Sucede que, dado o facto de as entidades que faturaram as comissões serem residentes em países com regimes de tributação mais favoráveis, e conforme resulta (entre outros) do Acórdão (leia-se Acórdão do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13) supra Identificada, era exigível à Requerente que fizesse prova da materialidade das operações. É certo que, como a Requerente indica, "o facto da requerente ter vendido os imóveis anteriormente referidas a cidadãos que, à data, tinham residência nos territórios das empresas angariadoras, é um aprova indireta, mas convincente, de que houve uma eficiente atividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a requerente dispunha de imóveis para venda.". No entanto, atenta a redação da norma legal aqui em causa, tal prova indireta não é suficiente, cabendo à Requerente apresentar elementos que comprovem a efetiva realização da operação. Ainda que não fosse exigível a apresentação de todos os elementos sugeridos pela AT (até porque, de facto, dificilmente a Requerente poderia ter acesso a dados como a identificação de recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor), sempre poderia ter disponibilizado elementos que permitissem demonstrar a materialidade das operações, como correspondência trocada relativamente a cada cliente ou evidência de informação sobre as vantagens do Investimento facultadas aos parceiros não residentes por estes facultada aos seus potenciais clientes.»

No que respeita ao valor das comissões pagas, a A... refere, tal como o fez no decorrer dos atos inspetivos, que o volume de custos e despesas com todo o processo de angariação de clientes destas entidades é superior ao suportado pelas empresas que operam no mercado nacional, porque implicam custos mais elevados com viagens de longo curso e vistos de turismo e vários dias de ausência da sua normal atividade. Porém, é a A... que tem de provar que as comissões entre 12% a 17% do preço de venda dos imóveis debitadas pelas referidas entidades constituem a justa remuneração dos serviços prestados. No entanto, nem no decorrer dos atos inspetivos nem em direito de audição prévia, a A... efetuou tal comprovação.

Face ao exposto, conclui-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado, conforme requer a alínea r) do número 1 do artigo 23º-A do Código do IRC, pelo que, propõe-se a não aceitação da pretensão do sujeito passivo e a manutenção da correção projetada.

Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos efetuados à sociedade G... Ltd. (G...) vem a A... dizer em direito de audição, resumido no ponto IX.2.4., que o ónus da prova da existência de todos os pressupostos para a correção proposta, no caso desta sociedade que tem sede em Macau, cabem à AT, em conformidade com o disposto no artigo 74º da LGT». Refere ainda que, de acordo com o número 1 do artigo 75º da LGT, cabe à AT demonstrar que não ocorreu a operação realizada e que a mesma tem um caráter anormal ou um montante exagerado. Estando em causa uma entidade sedeada em Macau, poderia e deveria a AT recorrer à troca de informações com Macau, prevista nos acordos em vigor à data do procedimento inspetivo, em ordem a apurar da efetiva (ou não) prestação de serviços.

No decorrer dos atos inspetivos, verificámos que a A... efetuou transferências para entidades residentes em países de tributação privilegiada, na qual se encontrava incluída a G... .

Para todos os efeitos, a Região Administrativa Especial de Macau é um ordenamento jurídico offshore expressamente identificado como tal pelo Banco de Portugal, ainda que não o seja em termos fiscais por não fazer parte da Portaria n.º 292/2011, aplicável à data dos factos. Aliado ao facto das transferências efetuadas para a G... serem de valor elevado, estavam reunidos alguns indícios de que a contabilidade da A... poderia não revelar exatamente a sua realidade.

Foi o sujeito passiva notificado, como referimos no projeto de correções, para provar que a operação foi realizada e que a mesma não tinha um caráter anormal ou um montante exagerado. No entanto, como aí referimos, o sujeito passivo não efetuou tal prova.

Neste sentido, a presunção referida no número 1 do artigo 75º da LGT fica afastada nos termos da alínea a) do número 2 do mesmo artigo38 e também pela alínea b) do mesmo articulado, uma vez que a A... não demonstrou que os indícios de que a sua contabilidade poderia não revelar exatamente a sua realidade não se verificavam.

Em sede de direito de audição, vem a A... apresentar o Documento 11, que se refere a correspondência trocada entre os agentes e os funcionários da A... . Como já referimos para a E... e para a F..., o documento apresentado não comprova a prestação de serviço pela G... . Permanecem dúvidas de que tenha sido a G... a prestar efetivamente esse serviço.

Por fim, temos a referir que não era necessário acionar os acordos entre Portugal e Macau à data em vigor, para apurar da efetiva (ou não) prestação de serviços, uma vez que a própria A... poderia fornecer esses elementos que, todavia, não veio a fornecer nem durante o decorrer dos atos inspetivos nem em sede de direito de audição.

Face ao exposto, conclui-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas, pelo que nos termos dos números 1 e 3 do artigo 23º do Código do IRC, propõe-se a não aceitação da pretensão do sujeito passivo e a manutenção da correção projetada.

Quanto à contradição com a posição anteriormente assumida na inspeção efetuada aos exercícios de 2013 e 2014, temos a referir que a análise efetuada na anterior inspeção não foi efetuada na ótica do presente procedimento inspetivo.

Sobre os gastos não dedutíveis por pagamentos a entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, na parte respeitante aos pagamentos efetuados à sociedade H... (H...). verificámos que em sede de direito de audição, a A... não trouxe quaisquer elementos que comprovem as suas alegações.

A A... alega que o relatório foi elaborado no final do trabalho efetuado, o qual foi sendo prestado de forma continuada ao longo de 2015 e do 1º semestre de 2016; que o contrato teve apenas por objetivo titular (por escrito) a relação contratual existente entre ambas as entidades s que as soluções propostas no relatório foram efetivamente implementadas no B...  Refere não compreender porque é que a AT considera que não existiu uma efetiva prestação de serviços e que, ao contrário das alegações efetuadas no projeto de correções, não é possível demonstrar que a não intervenção da referida sociedade teria conduzido a um resultado diferente.

Se o trabalho foi sendo prestado de forma continuada ao longo de 2015 e do 1º semestre de 2016, porque é que a A...  não apresentou prova que evidencie a prestação desse trabalho ao longo desse período? Como vem descrito no referido relatório, o relatório foi elaborado na sequência de "numerosas reuniões, conferências telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada". Não se compreende que a A... não tenha, entre outros, atas das reuniões havidas entre ambas as entidades, correspondência trocada com a H... (e-mails), relatórios preliminares do trabalho que foi sendo efetuado ao longo de um horizonte temporal de 18 meses!

Se o contrato teve apenas por objetivo titular (por escrito) a relação contratual existente entre ambas as entidades porque é que a A... não apresentou prova que evidencie a relação contratual entre as empresas? O desenvolvimento de um projeto desta dimensão não se inicia sem uma formalização de um acordo entre as partes, através de correspondência trocada entre as partes (e-mails), ainda que o contrato venha a ser reduzido a escrito mais tarde!

Não se questiona que as soluções propostas no relatório - entre elas, alterações nas suites 401 e 301, a construção de um spa (...SPA), um cabeleireiro (...), um restaurante de comida saudável (...) - tenham sido efetivamente implementadas no B... . Também não se questiona que estes serviços tenham sido prestados.

O que se questiona é que tenha sido a sociedade H..., com sede num território de tribulação privilegiada, que tenha prestado estes serviços. Quer no decorrer dos atos inspetivos, quer em sede de audição prévia, a A... não apresentou prova que evidencie a intervenção desta sociedade no trabalho implementado no B... .

Por fim, no projeto de correções não se pretendeu demonstrar que a não intervenção da referida sociedade teria conduzido a um resultado diferente. No projeto de correções conclui-se que, uma vez que a A... não forneceu mais elementos relacionados com a concretização do relatório (para além do próprio relatório), nem outros elementos de reporte de informação contratualmente estabelecidos, a prova não era e, continua a não ser, suficiente.

Face ao exposto, propõe-se a não aceitação da pretensão do sujeito passivo e a manutenção da correção projetada.

IX.3.5. Sobre a tributação autónoma, conforme se concluiu no ponto anterior, a A... não apresentou prova, quer no decorrer dos atos inspetivos, quer em sede de direito de audição, de que os encargos faturados pelas sociedades E..., F... e H... t correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm caráter anormal ou montante exagerado, pelo que se propõe a não aceitação da pretensão do sujeito passivo e a manutenção da correção projetada.

 

(...)

IX.4.1. IRC - Correções ao lucro tributável

Face ao exposto nos pontos anteriores, são as seguintes as correções ao Apuramento do Lucro Tributável no período em análise:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

IX.4.2. IRC -Correções ao imposto

Face ao exposto nos pontos anteriores, são as seguintes as correções ao Apuramento do Imposto em falta no período em análise:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

  1. Na sequência da inspeção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2016, e as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020..., 2020... e 2020..., bem como a respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2020 ... (documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O procedimento inspetivo foi iniciado com a notificação da Requerente para apresentação de documentos no dia 22-07-2019 (página 3 do RIT);
  3. Nessa data, a sede da Requerente situava-se na ..., n.º ... –..., em Lisboa (página 3 do RIT);
  4. Em 03-12-2019, a Requerente mudou a sua sede para Empreendimento B..., ..., ...-... Albufeira (página 11 do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou uma outra inspeção à Requerente relativa aos exercícios de 2013 e 2014, em que foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. Os gastos a que se reportam faturas em nome das sociedades E..., F... LLC e G... Ltd. respeitam ao pagamento de comissões - fees de promoção e marketing -, às referidas entidades, pelos serviços de intermediação e angariação de clientes para celebração de contratos venda de imóveis pela Requerente, situados nos empreendimentos turísticos do B... (documentos 9 a 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas L... e M...);
  7. A utilização dos serviços das sociedades E..., F... LLC e G... Ltd. foi necessária para a Requerente poder aceder ao mercado asiático, especialmente o chinês, para vender imóveis, por os idiomas aí falados serem obstáculo a contatos diretos do departamento de vendas da Requerente com os potenciais compradores (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  8. O mercado chinês e asiático foi muito importante para assegurar vendas no período posterior à crise económica iniciada em 2008 (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  9. Como estava acordado no respetivos contratos, a Requerente só pagou comissões às sociedades E..., F... LLC e G... Ltd. nos casos em as vendas com potenciais compradores por eles angariados se vieram a concretizar (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  10. Eram as sociedades E..., F... LLC e G... Ltd. que pagavam as viagens a Portugal dos potenciais compradores que cada uma delas angariava, nem como todas as despesas relativas às deslocações, inclusivamente intérpretes que acompanhavam sempre esses potenciais compradores e refeições, com exceção do alojamento quando era feito no resort da Requerente e transportes em território nacional quando era feito em veículos da Requerente (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  11. Se as vendas não se concretizassem, eram aquelas empresas que incorriam nos respetivos custos com os potenciais clientes que angariassem (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  12. Normalmente os potenciais compradores vinham como casais (depoimento da testemunha L...);
  13. O transporte dos potenciais compradores em território nacional era feito pela Requerente, em viaturas próprias da empresa, não havendo qualquer faturação relativa a esses transportes (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  14. Normalmente os potenciais clientes ficavam alojados no resort da Requerente, mas houve casos em que isso não sucedeu, designadamente em casos em que os potenciais compradores visitavam também imóveis de outras, além dos imóveis da Requerente (depoimento da testemunha L...);
  15. A Requerente não conhecia empresas de angariação de clientes n mercado chinês que cobrassem comissões de valor inferior às que aquelas empresas cobravam (depoimento da testemunha L...);
  16. Na maior parte das vezes os potenciais compradores acabavam por adquirir imóveis (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  17. Os potenciais compradores tinham por objeto criar condições para obterem Golden Visa (depoimento da testemunha M...);
  18. Os compradores originários da China e de países asiáticos foram essenciais para a retoma no mercado imobiliário (depoimento da testemunha M...);
  19. Os preços dos imóveis da Requerente foram incrementados de forma a comportarem as comissões pagas pela angariação (depoimento da testemunha M...);
  20. Havia agentes chineses que tinham estruturas em Portugal, com trabalhadores fixos (depoimento da testemunha M...);
  21. A Requerente celebrou com a E... o contrato que consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  22. Através da intermediação da E... foram efctuadas a residentes na República Popular da China as vendas de imóveis pertencentes à Requerente que se referem nas escrituras que constam dos documentos n.ºs 16 a 23 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  23.  Relativamente aos serviços de intermediação prestados pela da E... foram emitidos os documentos que contam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  24. Relativamente aos clientes angariados pela E... foram feitas reservas e confirmações de entradas em hotel que se referem nos documentos n.ºs 24 a 29 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  25. A E... fez publicidade dos imóveis da Requerente dirigida ao mercado chinês (documentos n.ºs 30 a 32 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas L... e M...);
  26. Relativamente a clientes residentes na República Popular da Cinha angariados pela E..., a Requerente pagou comissões no valor global de € 1.116.050,00 relativamente a vendas no valor total de € 6.565.000,00 (RIT e depoimentos das testemunhas L... e M...);
  27. A Requerente celebrou com a F... LLC o contrato que consta do documento n.º 33 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  28. Através da intermediação da F... LLC foram efectuadas a as vendas de imóveis pertencentes à Requerente que se referem nas escrituras que constam dos documentos n.ºs 34 e 35 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  29. Relativamente ao alojamento em Portugal dos intervenientes como compradores e representante de compradora referidos documentos n.ºs 34 e 35 (N... e O...), foram trocados os emails que constam do documento n.º 36 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  30.  A Requerente pagou à F... LLC comissões n valor total de € 425.250,00 relativas a vendas no valor total de € 4.725.000,00 (RIT e depoimentos das testemunhas L... e M...);
  31.  A Requerente celebrou com a G... Ltd o contrato que consta do documento n.º 37 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  32. Através de angariação efectuada pela G... Ltd foi efectuada, pelo preço de € 775.000,00, a venda a uma residente na República Popular da China de um imóvel pertencente à Requerente que se refere na escritura que consta do documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  33.  Relativamente à venda efectuada pela G... Ltd foram trocados os emails que constam do documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  34. A Requerente pagou à G... Ltd a quantia de € 124.000,00 pela prestação de serviços de angariação subjacentes à venda referida (RIT e depoimentos das testemunhas L... e M...);
  35. A Requerente apenas conseguiu efectuar as transações referidas em virtude da angariação efetuada pela empresas E..., F... e G..., não tendo meios próprios para levar ao conhecimento dos clientes por estas angariados que tinha os imóveis para venda (depoimentos das testemunhas L... e M...);
  36. Para estes mercados chinês e dos Emiratos Árabes Unidos não havia comissões de intermediação mais baratas do as que a Requerente obteve nos contratos que celebrou (depoimento da testemunha L...);
  37.  A E..., F... e G... tinham agentes em Portugal que acompanhavam permanentemente os potenciais compradores em território nacional, pagando a generalidade das despesas da sua estadia, quando não o alojamento não era fornecido pela Requerente (depoimento da testemunha M...);
  38. A Requerente efetuou um pagamento de € 500.000,00 à H... com fundamento em prestação de serviços de consultoria para o desenvolvimento de diversas áreas do B... (documentos n.ºs 12 a 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  39. A H... era uma empresa especializada no desenvolvimento de projectos relativos a empreendimentos do tipo dos da Requerente (depoimento da testemunha L...);
  40. As obras de desenvolvimento de diversas áreas do B... começaram 18 meses antes do relatório elaborado pela H... ter sido elaborado (depoimento da testemunha M...);
  41. A Requerente prestou, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2021..., instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IRC impugnada (Documento n.º 41 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  42. Em 03-05-2021, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que os serviços de consultadoria referidos no relatório tivessem sido prestados pela H... com base no contrato apresentado pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no RIT que não questiona que as soluções propostas no relatório tenham sido efetivamente implementadas no B... e que tenham sido prestados serviços de consultadoria, mas apenas que tenha sido a sociedade H... , com sede num território de tributação privilegiada, que tenha prestado esses serviços.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou dúvidas no RIT sobre a credibilidade do contrato e do relatório referido como base das obras realizadas pela Requerente, por incoerências, que referiu:

- o contrato de prestação de serviços foi celebrado em 01-06-2016 e no próprio mês de junho a H...  elaborou o dito Relatório, quando no ponto sobre o sumário executivo vem referido que o relatório foi elaborado na sequência de "numerosas reuniões, conferencias telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada"!

- o alegado trabalho efetuado pela H... versa sobre o empreendimento turístico "D...", conforme vem descrito no Relatório e no contrato de prestação de serviços; questiona-se então, como é que as recomendações efetuadas no relatório, elaborado em junho de 2016, puderam ser implementadas, sabendo que este empreendimento turístico entrou em funcionamento em 23-06-2016!

- no Relatório elaborado em junho de 2016 vem referido no ponto relativo ao mix do produto imobiliário e preçário recomendado, qual a % de alojamentos recomendada com a tipologia de 2 e de 3 quartos, bem como o intervalo de preços a praticar; no entanto, o empreendimento entrou em funcionamento em junho, já completamente construído e a venda dos referidos empreendimentos já se havia iniciado no ano anterior, com a celebração de contratos promessa de compra e venda e a celebração de contratos de exploração turística com os adquirentes, estando os respetivos preços já fixados.

- no Relatório elaborado em junho de 2016 vem referido que o empreendimento turístico iria ser conhecido como "D...", o SPA como "... SPA - ...", o cabeleireiro como "..." e o restaurante de comida saudável como "..."; no entanto, no momento em que o empreendimento turístico entrou em funcionamento em 23-06-2016, essas infraestruturas foram inauguradas com essa designação!

- o modelo de negócio descrito no Relatório elaborado em junho de 2016, já se encontrava a ser aplicado desde 2015, com a celebração de contratos promessa de compra e venda e a celebração de contratos de exploração turística com os adquirentes.

 

A Requerente diz, sobre estas alegadas incoerências, que

– «os serviços prestados pela H...serem serviços continuados, que foram sendo prestados ao longo dos anos - em particular, através da sua implementação no empreendimento turístico D..., no decurso de 2015 e no primeiro semestre de 2016 -, culminando com a elaboração do referido relatório (cfr. citado Documento 13), que acabou por adquirir uma vocação de “relatório final” da intervenção da referida sociedade, com o intuito de documentar todo o trabalho efetuado até então» (artigo 201.º do pedido de pronúncia arbitral); e

– «a celebração do contrato entre a Requerente e a H... teve apenas como objetivo titular, por escrito, a relação contratual estabelecida entre as duas sociedades e, bem assim, complementar a informação constante das faturas emitidas por referência ao referido projeto» (artigo 202.º pedido de pronúncia arbitral).

 

Assim, a própria Requerente reconhece que não foi com base no contrato, datado de 01-06-2016, que se estabeleceu a relação contratual que estará subjacente às obras referidas, nem que foi com base no relatório, datado de 15-06-2016, que elas foram efetuadas, pois foram iniciadas em 2014 e terminadas antes de 23-06-2016, data em que foram inauguradas as infra-estruturas.

Não se pode considerar normal, à face das «regras da experiência» que os Árbitros devem aplicar na «livre apreciação dos factos» [artigo 16.º, alínea e), do RJAT], que o contrato que fixa os termos de uma relação contratual seja elaborado depois de os serviços contratados estarem prestados.

Por outro lado, a ser verdade a tese da Requerente do contrato ser celebrado praticamente a final da relação contratual, o contrato, para corresponder à realidade e merecer credibildiade, deveria indicar isso, isto é, que os serviços que já tinham sido prestados e que o contrato tinha «como objetivo titular, por escrito, a relação contratual estabelecida entre as duas sociedades e, bem assim, complementar a informação constante das faturas emitidas por referência ao referido projeto».

Ora, no contrato não se refere essa prestação antecipada dos serviços, antes se refere que o contrato entra em vigor em 01-06-2016 e se manterá válido por seis meses (cláusula 4.ª).

Nem se compreende a referência, no plural, a «faturas emitidas por referência ao referido projeto», quando foi apresentada apenas uma fatura, que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo valor é de € 500.000,00, que é o valor referido no contrato.

Isto é, se houve outras faturas emitidas por referência ao projeto, não terão sido emitidas pela H... .

Para além disso, corroborando a falta de correspondência à realidade do teor do contrato, constata-se que nele se prevê que o pagamento fosse efetuado antecipadamente (cláusula 5.ª, n.º 2), o que não sucedeu, pois o pagamento só veio a ser efetuado em Outubro de 2016. E, neste contexto, aquela uma cláusula, no interesse da H..., que revela que ela, por cautela, não queria prestar os serviços antes de receber o pagamento, não se compagina com a falta de preocupação com o pagamento que revelaria a prestação antecipada de todos os serviços anteriormente.

            Para além disso, a Requerente diz que algumas das reuniões presenciais com a  H... foram efectuadas em Londres e no Dubai, «nas quais reuniram os vários intervenientes no processo de construção do empreendimento, onde eram discutidas todas as propostas efetuadas pela H...», mas não esclarece quem teria estado nessas reuniões, nem apresenta qualquer comprovativo dessa realização, inclusivamente das viagens que seriam necessárias para as realizar.

            A prova testemunhal apresentada pela Requerente também não confirma a prestação de serviços pela H... .

            Na verdade, a testemunha L..., que é no contrato indicada como sendo um dos intervenientes em representação da Requerente, disse que não teve envolvimento neste projeto, não tendo mostrado conhecimento concreto de que tenha sido a H... a prestar os serviços, invocando que não é a sua área de intervenção. Disse que pensa que é evidente que houve um processo contínuo no sentido de se

chegar àquele resultado final e que ninguém aceita pagar por serviços não prestados, mas trata-se de deduções extraídas do fato de ter havido um relatório em nome daquela empresa.

            A testemunha M... disse que apenas conhece o relatório e o resultado final, que considera de grande relevo para a empresa pelo seu carácter inovador, mas não fez parte de todo o trabalho que antecedeu o relatório e a  implementação. Disse que houve reuniões e telefonemas, «de certeza», mas, como não participou em qualquer deles, não tem conhecimento directo de que foram com representantes da H... . Quanto à atividade a que se dedica esta empresa, referiu-se a ela, «tanto quanto sabe», o que não revela que teve conhecimento direto dos serviços concretamente prestados.

Por último, como pertinentemente diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, a existir a prestação de serviços pela H..., ao longo de cerca de 18 meses, mesmo sem a formalização do contrato, seria normal que existissem outros documentos relativos a essa prestação, no mínimo emails ou outra correspondência, e a Requerente não apresenta nenhum, apesar de saber que o que está em causa, por ser o que a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona, é comprovar que os serviços foram efectuados pela H... e não por outra entidade.

            Afigura-se ao Tribunal Arbitral que esta falta de comprovação de qualquer contato anterior à elaboração do contrato e do relatório relativamente a serviços que se teriam prolongado por cerca de 18 meses aponta decisivamente no sentido de que não foi a H... que prestou os serviços.

            Assim, perante as referidas incoerências e insuficiência de prova de que os serviços foram prestados pela H..., é convicção dos Árbitros que os serviços não foram prestados por esta empresa e que a elaboração do contrato teve apenas em vista documentar um gasto em sede de IRC, como, aliás, a própria Requerente de alguma forma reconhece no artigo 80.º do exercício do direito de audição, ao dizer que ele teve  «apenas como objetivo titular (por escrito) a relação contratual entre ambas as sociedades (justamente atendendo à prova exigida em sede de IRC)».

            Pelo exposto, não se considera provado que o pagamento efetuado H... tenha por base serviços por esta efetuados.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de fato

 

Os fatos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

As testemunhas L... e M... aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos fatos dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

 

3. Matéria de direito

           

A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício de 2016, em que fez várias correções à matéria tributável de IRC relativas a despesas com contratos de prestação de serviços por empresas de mediação imobiliária e uma consultora.

A Requerente imputa às correções vício de incompetência territorial da entidade que efetuou a acção inspetiva e vícios de violação de lei, designadamente os artigos 23.º, 23.º.A, alínea r), e 88.º, n.º 8 do CIRC.

            O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 O vício de incompetência territorial da Autoridade Tributária e Aduaneira é de natureza procedimental e uma eventual a anulação com base nele, não obsta necessariamente à renovação do ato anulado, com supressão do vício.

 Assim, no caso em apreço, justifica-se que se inicie a apreciação pelos vícios imputados pela Requerente que constituem violação de lei substantiva.

           

 

3.1. Despesas relativas a contratos de mediação imobiliária

 

As empresas de mediação imobiliária com quem a Requerente fez contratos são a E... (E…), a F…(F…) e com a G…, Ltd. (G...).

            As despesas de intermediação debitadas à Requerente correspondem entre 12% e 17% do preço de venda dos imóveis.

 

3.1.1. Despesas debitadas à Requerente pela E... e pela F...

 

A E... tem sede em Hong-Kong, a F... tem sede nos Emiratos Árabes Unidos.

Hong-Kong e Emiratos Árabes Unidos estão incluídos nos números 22 e 31 da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, pelo que as despesas referidas se enquadram na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A e no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

A alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, na redação vigente em 2016, estabelece o seguinte:

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

 

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

O artigo 88.º, n.º 8, do CIRC, na redação vigente em 2016, estabelece o seguinte:

 

Artigo 88.º

 

Taxas de tributação autónoma

 

(...)

 

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

 

Trata-se de «uma reacção de carácter anti-abusivo, que contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efectivamente realizadas”», «visam-se as operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação, ao nível da prova pela Administração Fiscal». ( [1] )

Este regime, que «consiste na inversão do ónus da prova quando se esteja perante importâncias pagas ou devidas por entidades residentes em território português a entidades residentes nesses territórios», foi introduzido no CIRC pelo Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro, quanto à não dedutibilidade em IRC, como medida «antiabuso com vista a contrariar a deslocalização de rendimentos para territórios que lhes assegurem um regime fiscal privilegiado».( [2] )

«A necessidade da instituição deste regime entre nós era, por demais, evidente. Efectivamente, não se justificava que a Administração Fiscal, relativamente a operações que estatisticamente se sabe serem normalmente simuladas e destinadas a propiciar uma evasão fiscal, se visse obrigada a demonstrar em cada caso a falsidade da operação para proceder à cobrança do imposto. Na verdade, o princípio jurídico de que deve suportar o encargo da prova a parte que mais facilmente esta em condições de a realizar também se deve aplicar a relação jurídica fiscal. Daí que a regra deva ser antes o estabelecimento do ónus de o contribuinte demonstrar que os negócios que celebra com entidades instaladas em paraísos fiscais correspondem a operações efectivamente realizadas e não possuem carácter anormal ou exagerado». ( [3] )

A Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando estes regimes previstos na alínea r) do artigo 23.º-A e no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, não aceitou essas despesas para a formação do lucro tributável do exercício de 2016, no valor global de € 559.550,00, e aplicou a este valor a tributação autónoma de 35%, pelas seguintes razões, em suma (pontos III.1.2.5.7., III.1.2.5.8. e III.1.2.5.9. do RIT):

– não existe «prova da realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades»;

– «não tendo o sujeito passivo provado a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem referido como comissões tem caráter normal face à atividade desenvolvida»;

– «não tendo o sujeito passivo provado a realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades, tem como consequência a impossibilidade da A... provar que aqueles encargos, que correspondem entre 12% e 17% do preço de venda dos imóveis, não são em montantes exagerados, isto é, que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados. De referir que, para além dos gastos acima descritos, o sujeito passivo suportou comissões pagas a empresas sedeadas em território português de cerca de 2% a 5% do preço de venda dos mesmos imóveis».

 

No exercício do direito de audição, a Requerente apresentou documentos relativos a pedidos de reserva de alojamento, efetuados pelos funcionários da Requerente, confirmações de entrada no hotel/empreendimento turístico e correspondência trocada entre agentes e funcionários da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve as correcções, dizendo o seguinte, em suma:

Não se questiona que os potenciais investidores tenham adquirido os imóveis e que tenham ficado alojados no B... antes de os adquirirem. Também não se está a questionar que os agentes tenham ficado alojados no B... em simultâneo com os potenciais investidores. Porém, o que não se considera provado com os documentos apresentados é a ligação destes agentes com no caso na E..., inclusive, a referência aos agentes é ... staff1 e a correspondência apresentada foi efetuada através de um endereço de e-mail português, ou seja, estes agentes aparentam pertencer a outra empresa. Conclui-se que não foi remetida prova suficiente de que foram a E... e a F..., entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, que prestaram efetivamente estes serviços.

 

 

No presente processo, a Requerente defende, em suma, que fez a prova de que as operações se realizaram e que os montantes pagos não são anormais nem exagerados.

            No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no RIT, que entende não ter sido prejudicada apela prova testemunhal.

 

3.1.1.1. Prova da realização das operações pela E... e pela F...

 

A prova testemunhal produzida na reunião aponta manifestamente no sentido de terem sido realizadas as atividades de angariação de clientes pelas empresas E... e F... e é corroborada pelos documentos juntos pela Requerentes relativas a deslocações a Portugal e pelas próprias escrituras de vendas efetuadas a compradores residentes na China e nos Emiratos Árabes Unidos, onde aquelas empresas estão sedeadas.

Na verdade, o fato de terem sido celebrados contratos com clientes residentes na China e Emiratos Árabes Undos indicia que houve atividades de angariação realizada por empresas sedeadas nesses países, pois, à face do que consta dos autos, é essa a única explicação para que esses clientes tivessem conhecimento dos imóveis que a Requerente tinha para venda.

Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira, após o exercício do direito de audição pela Requerente referiu que «não se questiona que os potenciais investidores tenham adquirido os imóveis e que tenham ficado alojados no B... antes de os adquirirem. Também não se está a questionar que os agentes tenham ficado alojados no B... em simultâneo com os potenciais investidores. Porém, o que não se considera provado com os documentos apresentados é a ligação destes agentes com a E... e a F... . No caso na E..., inclusive, a referência aos agentes é ... staff1 e a correspondência apresentada foi efetuada através de um endereço de e-mail português, ou seja, estes agentes aparentam pertencer a outra empresa. Conclui-se que não foi remetida prova suficiente de que foram a E... e a F..., entidades residentes em territórios de tributação privilegiada, que prestaram efetivamente estes serviços».

Quanto ao facto de um dos agentes ter um email português, foi explicado pela testemunha M... que alguns deles têm estruturas em Portugal.

Por outro lado, não se vê razão para duvidar que esses agentes tenham ligações às empresas com as quais a Requerente fez contratos de angariação e que emitiram as faturas relativas às comissões, o que até é indiciado pelo fato, expressamente referido com não questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de «que os agentes tenham ficado alojados no B... em simultâneo com os potenciais investidores».

            Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos àquelas empresas correspondem a operações efetivamente realizadas.

            Por outro lado, afigura-se manifestamente desajustada para aferir da realidade da atividade de angariação, a argumentação da Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT:

Resumidamente, cabe a essas entidades, suportar os custos com a promoção e marketing dos imóveis a vender, as viagens dos clientes potenciais, os seus vistos e cabe à A..., suportar o gasto com a deslocação desses clientes desde o aeroporto de Faro até às instalações da A..., o alojamento, alimentação, bebidas e entretenimento desses clientes nas instalações da A... enquanto aí permanecerem.

A A... não apresentou nenhum documento de suporte a estes custos, como por exemplo: a deslocação dos potenciais clientes a Portugal (passagem aérea); o transporte entre o aeroporto e o B...; o alojamento, alimentação, bebidas e entretenimento no B...; a obtenção dos vistos de turismo para entrada em Portugal; a prestação de serviços de tradutores, advogados e motoristas em território português e outros recursos humanos envolvidos e a promoção e o marketing desenvolvidos.

Não obstante ter apresentado "prints" de fotografias que correspondem alegadamente a participação de agentes da E... em feiras, não é evidente que as mesmas estejam diretamente relacionadas com c serviço prestado por essa entidade.

A A... foi notificada para "demonstrar a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado", mas não o fez.

Pelas razões atrás expostas, conclui-se pela inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades.

 

            Na verdade, para além de os comprovativos das despesas suportadas por empresas prestadoras de serviços serem informações e documentação que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não se justificaria mesmo qualquer preocupação do adquirente na comprovação dessas despesas, quando estão em causa pagamentos que são efetuados apenas em função dos resultados e consistem numa percentagem das vendas e não na específica remuneração de despesas efetuadas perla empresa angariadora.

            Aliás, quanto à invocada necessidade de prova do gastos suportado «com a deslocação desses clientes desde o aeroporto de Faro até às instalações da  A...», tendo ela sido feita em veículos da própria Requerente, é uma exigência manifestamente exagerada e inadequada, pois, na sua literalidade, implicaria a prova de todas as despesas gerais suportadas com os veículos e motoristas e cálculo da imputação das parcelas desse custos que poderiam ser imputadas a cada um dos transportes, numa situação em que não está em causa a dedutibilidade dessas despesas, mas sim, apenas, a das comissões pagas.

            O mesmo exagero e inadequação é evidente quanto à prova do gasto suportado pela Requerente c0m «alimentação, bebidas e entretenimento desses clientes nas instalações da A...», que não tem qualquer relevo para prova da atividade de angariação.

            Assim, é de considerar provado que os pagamentos correspondem a operações efetivamente realizadas.

 

3.1.1.2. Prova da não anormalidade dos pagamentos

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no ponto III.1.2.5.8. do RIT, o seguinte:

(...) no que respeita ao caráter anormal, conclui-se que não tendo o sujeito passivo provado a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem referido como comissões tem caráter normal face à atividade desenvolvida.

Também aqui o sujeito passivo não cumpre com o ónus que a lei lhe impõe.

 

            Pelo que se referiu, é de considera provado que ocorreu atividade de angariação de clientes pela E... e pela F..., pelo que fica sem suporte a conclusão que a Autoridade Tributária e Aduaneira formulou sobre a falta de prova da não anormalidade das operações.

De resto, tendo havido actividade de angariação desenvolvida pela E... e pela F..., o que seria anormal seria não haver qualquer pagamento.

Não se verifica assim a falta de prova da não anormalidade das despesas referidas.

 

3.1.1.3. Prova da não exagero do montante

 

O último requisito exigido para afastamento da aplicação regime do artigo 23.º, n.º 1, alínea f) e 88.º, n.º 8 do CIRC é a prova de que o montante pago não é exagerado.

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que não se provou que os montantes pagos à E... e à F... não são exagerados, dizendo o seguinte, no ponto III.1.2.5.9 do RIT:

 

(..)conclui-se que não tendo o sujeito passivo provado a realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades, tem como consequência a impossibilidade da A... provar que aqueles encargos, que correspondem entre 12% e 17% do preço de venda dos imóveis, não são em montantes exagerados, isto é, que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados.

De referir que, para além dos gastos acima descritos, o sujeito passivo suportou comissões pagas a empresas sedeadas em território português de cerca de 2% a 5% do preço de venda dos mesmos imóveis.

 

A comparação com os valores das comissões pagas a empresas sedeadas em território português é manifestamente inadequada, pois, como resulta da prova produzida, a angariação dos clientes na China ou nos Emiratos Árabes Unidos, envolve um conjunto considerável de despesas que não têm de se suportadas pelas empresas de intermediação imobiliária quanto a clientes residentes em território nacional.

            Na verdade, como resulta dos contratos e da prova produzida eram a E... e a F... quem suportava todas as despesas de transporte dos potenciais compradores até ao território nacional, bem como as despesas com vistos, intérpretes, advogados e pagavam despesas.

Por outro lado, só havendo pagamento de comissões quando as vendas se concretizavam, a remuneração adequada dos serviços da E... e da F... teria de exceder essas despesas, para compensar as que fossem suportadas nas situações em que da atividade de angariação não resultasse aquisição de imóveis, com o consequente pagamento de comissões.

Assim, o critério invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de comparação com comissões cobradas a mediadoras imobiliárias nacionais, é claramente desajustado pois, não se trata de situações comparáveis.

            Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efetuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspetiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.

            Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo que pretende obter um determinado serviço o podia obter por quantia inferior.

            Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender os imóveis, que tinham preços altos, a clientes dos mercados chinês e asiático, por serem aí que se encontravam em quantidade os potenciais compradores com elevado poder de compra e que mostravam especialmente acentuada disposição para fazerem aquisições de imóveis de valor elevado por estas lhes permitirem acederem aos vistos Gold.

            Para além disso, resulta da prova produzida que esses clientes pagavam os preços que a Requerente apresentava, apesar de terem sido consideravelmente incrementados, de forma a compensar o acréscimo dos valores das comissões.

            A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, para aceder aos mercados chinês e asiático, onde existiam esses clientes com elevado poder de compra e especial apetência para fazerem aquisições de imóveis de valor elevado.

            A prova produzida é também no sentido de que não era possível à Requerente obter serviços de angariação de clientes nesses mercados com pagamento de comissões inferiores.

            Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e a Requerente não encontrado alternativas a preços inferiores, para serviços com a mesma qualidade e quantidade.

            A razoabilidade dos pagamentos efetuados pela Requerente é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser economicamente afetada pelos pagamentos de comissões que fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o valor que pagava em comissões era incluído nos valores das vendas, sendo suportado pelos vendedores.

            Nestas condições, os pagamentos das comissões não se podem considerar exagerados, pois estão justificados pela necessidade de obtenção desses especiais serviços de angariação e a Requerente não ter encontrado alternativas a preços inferiores.

 

3.1.1.4. Conclusão sobre os pagamentos à E... e à F...

 

Do exposto conclui-se que a Requerente fez a prova de as operações com a E... e a F...  foram realizadas e que os pagamentos efetuados não foram anormais ou exagerados.

Por isso, é ilegal a correção efetuada quanto aos pagamentos a estas empresas, quer para efeitos de dedutibilidade em IRC quer a nível de tributações autónomas.

 

3.1.2. Despesas debitadas pela G...

 

A empresa G... é residente na Região Administrativa Especial de Macau, que não estava incluída na lista que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, pelo que não é aplicável às despesas de intermediação imobiliária que debitou à Requerente o regime da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A, nem o do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade daquelas despesas como gastos, pelas seguintes razões, em suma (ponto 1.2.5.11. do RIT):

– «verifica-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado»;

– «nos termos do número 1 do artigo 23º do Código do IRC são dedutíveis os gastos incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Havendo dúvidas que as operações foram efetivamente realizadas, e não tendo o sujeito passivo apresentado outros elementos que possibilitassem essa comprovação, o que poderia ter feito nos termos do número 3 do mesmo arti1go, propõe-se a não aceitação dos gastos registados na conta "6225100000 - FSE - Comissões" no exercício de 2016, debitados pala sociedade G..., no montante de € 124.000,00».

 

Valem também quanto às correções feitas em relação à G... as considerações que se fizeram no ponto anterior sobre a prova da atividade de angariação de uma cliente residente na República Popular da China que adquiriu um imóvel a Requerente.

Também neste caso a prova testemunhal é esclarecedora e não se vislumbra qualquer outra explicação para aquela cliente ter conhecimento de que a Requerente tinha o imóvel para venda.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente a esta correção que «nos termos do número 1 do artigo 23º do Código do IRC são dedutíveis os gastos incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Havendo dúvidas que as operações foram efetivamente realizadas, e não tendo o sujeito passivo apresentado outros elementos que possibilitassem essa comprovação, o que poderia ter feito nos termos do número 3 do mesmo artigo, propõe-se a não aceitação dos gastos registados na conta "6225100000 - FSE - Comissões" no exercício de 2016, debitados pala sociedade G..., no montante de € 124.000,00».

Provando-se que foram realizados os serviços de angariação, esta correção enferma de erro sobre os pressupostos de fato que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

            A isto acresce que, neste caso, não se está perante uma empresa sedeada em qualquer dos países ou territórios indicados na Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, pelo que, estando devidamente contabilizada a despesa, se houvesse dúvida sobre a sua realização, teria de ser valorada processualmente contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do preceituado nos artigos 75.º, n.º 1, da LGT.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto à correção efetuada relativamente à fatura emitida pela G... .

 

3.1.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação quanto às correções ao lucro tributável e tributações autónomas relativas aos pagamentos efetuados à E..., a F... e quanto à correção ao lucro tributável relativa à G..., por vícios que impedem a renovação do ato impugnado, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC),  o conhecimento dos restantes vícios que são imputados pela Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente a estas correções.

 

 

3.2. Pagamento à H... (H...)

 

A Requerente registo na sua contabilidade, na conta "6221100000 - FSE - Trabalhos especializados" trabalhos de consultoria de desenvolvimento (development consultancy) imputados à H..., com sede no Koweit.

O Koweit está incluído na lista de países com tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, que consta da Portaria n.º 292/2011, de 30 de Dezembro, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou as já citadas normas do artigo 23.º-A , alínea r), e 88.º, n.º 8, do CIRC e concluiu que «os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado» (ponto III.1.2.6.10. do RIT).

No projeto de RIT a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou esta conclusão com os seguintes argumentos, em suma:

(...)

– a A... tem em seu poder o contrato de prestação de serviços celebrado com a H..., a fatura emitida e o meio de pagamento da fatura através de transferência bancária.

– A A... tem também em seu poder o relatório do trabalho efetuado pela H..., mas notam-se «incoerências», porque o contrato de prestação de serviços foi celebrado em 01-06-2016 e no próprio mês de junho a H... elaborou o dito Relatório, quando no ponto sobre o sumário executivo vem referido que o relatório foi elaborado na sequência de "numerosas reuniões, conferencias telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada"!

– o relatório foi elaborado em Junho de 2016 e o que nele se propõe já estava a ser implementado desde 2015 com a celebração de contratos promessa de compra e venda e a celebração de contratos de exploração turística com os adquirentes;

– existe um sem número de comunicações entre a A... e a H..., contratualmente estabelecidas, e a A... não apresentou nenhuma;

– a A... foi notificada para "demonstrar a importância real das vantagens auferidas pelos contratos em causa e a prova de que os gastos suportados constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado", mas não o fez.

Pelas razões atrás expostas, conclui-se pela inexistência de prova da realização efetiva dos serviços debitados por essas entidades;

– não tendo o sujeita passivo provado a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem referido como consultoria de desenvolvimento tem caráter normal face à atividade desenvolvida nem que aqueles encargos não são em montantes exagerados, isto é que, de que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados.

 

            Após o exercício do direito de audição pela Requerente sobre o projeto de RIT, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correção, pelas seguintes razões, em suma:

 

Se o trabalho foi sendo prestado de forma continuada ao longo de 2015 e do 1º semestre de 2016, porque é que a A... não apresentou prova que evidencie a prestação desse trabalho ao longo desse período? Como vem descrito no referido relatório, o relatório foi elaborado na sequência de "numerosas reuniões, conferências telefónicas por Skype, pesquisa de mercado e análise detalhada". Não se compreende que a A... não tenha, entre outros, atas das reuniões havidas entre ambas as entidades, correspondência trocada com a H... (e-mails), relatórios preliminares do trabalho que foi sendo efetuado ao longo de um horizonte temporal de 18 meses!

Se o contrato teve apenas por objetivo titular (por escrito) a relação contratual existente entre ambas as entidades porque é que a A... não apresentou prova que evidencie a relação contratual entre as empresas? O desenvolvimento de um projeto desta dimensão não se inicia sem uma formalização de um acordo entre as partes, através de correspondência trocada entre as partes (e-mails), ainda que o contrato venha a ser reduzido a escrito mais tarde!

Não se questiona que as soluções propostas no relatório - entre elas, alterações nas suites 401 e 301, a construção de um spa (... SPA), um cabeleireiro (...), um restaurante de comida saudável (...) - tenham sido efetivamente implementadas no B... . Também não se questiona que estes serviços tenham sido prestados.

O que se questiona é que tenha sido a sociedade H..., com sede num território de tribulação privilegiada, que tenha prestado estes serviços. Quer no decorrer dos atos inspetivos, quer em sede de audição prévia, a A... não apresentou prova que evidencie a intervenção desta sociedade no trabalho implementado no B... .

Por fim, no projeto de correções não se pretendeu demonstrar que a não intervenção da referida sociedade teria conduzido a um resultado diferente. No projeto de correções conclui-se que, uma vez que a A... não forneceu mais elementos relacionados com a concretização do relatório (para além do próprio relatório), nem outros elementos de reporte de informação contratualmente estabelecidos, a prova não era e, continua a não ser, suficiente.

 

            Como se conclui dos esclarecimentos posteriores ao exercício do direito e audição, a fundamentação da correção não é a falta de prova de que «estes serviços tenham sido prestados», mas sim que a falta de prova de «que tenha sido a sociedade H..., com sede num território de tribulação privilegiada, que tenha prestado estes serviços», fundamento que a Autoridade Tributária e Aduaneira reafirma no presente processo.

            A Requerente defende o seguinte, em suma:

– os serviços prestados pela H... estão especificados no relatório final que consta do documento n.º 13;

– os serviços foram continuados, sendo prestados ao longo dos anos, em particular no decurso de 2015 e no primeiro semestre de 2016, que acabou por adquirir uma vocação de “relatório final” da intervenção da referida sociedade, com o intuito de documentar todo o trabalho efetuado até então;

– a celebração do contrato entre a Requerente e a H... teve apenas como objetivo titular, por escrito, a relação contratual estabelecida entre as duas sociedades e, bem assim, complementar a informação constante das faturas emitidas por referência ao referido projeto;

– não é exigido legalmente que a prestação de serviços de consultadoria seja precedida de contrato escrito;

– embora os contraentes não tenham adotado, ab initio, a forma escrita, não estão impedidos de o fazer posteriormente (quando, para mais, apresentam uma justificação perfeitamente válida para terem tomado a decisão de posteriormente reduzirem a escrito os termos da sua relação contratual), apondo-lhe a data da sua celebração que, logicamente (e em conformidade com a realidade), sempre seria posterior à do efetivo início da relação negocial;

– tendo os Serviços de Inspeção Tributária aceitado a efetiva prestação dos serviços de consultoria (de design), teriam, forçosamente, de aceitar que os mesmos foram prestados pela H..., porquanto (i) não é minimamente usual que uma determinada entidade prepare e permita a utilização de ideias constantes de relatórios com determinadas propostas (que se inserem no escopo da sua actividade) a título gratuito e, ainda, (ii) também não é expectável que uma outra entidade elabore e permita a utilização e concretização prática das suas ideias, aceitando que as mesmas sejam atribuídas a outra entidade;

– as reuniões foram mantidas essencialmente por meios à distância - tendo algumas dessas reuniões ocorrido presencialmente em Londres e no Dubai -, nas quais reuniram os vários intervenientes no processo de construção do empreendimento, onde eram discutidas todas as propostas efetuadas pela H... e neste tipo de operações não se justifica, nem, sequer, é habitual, a realização de quaisquer atas de reuniões.

 

Pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de fato, não se provou que a H... tivesse prestado os serviços de consultadoria que lhe foram pagos pela Requerente.

Como também se referiu no ponto 3.1.1., relativamente a pagamentos deste tipo, efetuados a empresas com sede em países incluídos na lista que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, inverte-se o ónus da prova, pelo que o estatuído na alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A e no n.º 8 do artigo 88.ºdo CIRC apenas é afastado caso se faça a prova de os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

Está-se perante normas especiais, sobre a inversão do ónus da prova, pelo que só pode ser afastada a sua aplicação quando a prova exigida for feita, não bastando para a anulação dos actos tributários que as apliquem a mera dúvida fundada, a que se reporta o artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que, de resto, nem se coloca no caso em apreço.

Na verdade, neste caso, não se está perante uma situação de non liquet, pois, como se refere na fundamentação da decisão da matéria de fato, a prova produzida aponta no sentido de os serviços não terem sido prestados pela H... e de a elaboração do contrato ter apenas em vista documentar um gasto em sede de IRC, para satisfazer «a prova exigida em sede de IRC», como referiu a Requerente no exercício do direito de audição.

Justifica decisivamente esta conclusão, o fato de a Requerente não ter apresentado prova de qualquer contato com essa empresa, por qualquer via de correspondência, anterior à celebração do contrato, o que não é normal uma relação que se prolongou por mais de um ano e meio e em que está em causa pagamento de serviços de valor muito elevado.

Por outro lado, sendo o fundamento da inversão do ónus da prova, nestes casos, a presunção de que os pagamentos efetuados a empresas sedeadas em territórios de tributação privilegiada são «normalmente simuladas e destinadas a propiciar uma evasão fiscal» ( [4] ) e têm em vista a «deslocalização de rendimentos para territórios que lhes assegurem um regime fiscal privilegiado» ( [5] ), não tem qualquer relevo a afirmação da Requerente de que «não é expectável que uma outra entidade elabore e permita a utilização e concretização prática das suas ideias, aceitando que as mesmas sejam atribuídas a outra entidade», pois essa aparente anormalidade é explicada pela existência de intenção  de evasão fiscal, que legalmente se presume.

Assim, no caso em apreço, não se tendo provado que os serviços de consultadoria a que se reporta o pagamento de € 500.000,00 à H... tenham sido por esta prestados, não merece censura o decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quer à correção relativa à não dedutibilidade daquela quantia para determinação do lucro tributável, quer à aplicação da respetiva tributação autónoma.

            Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a estas questões da não dedutibilidade da quantia paga à H... e à aplicação da respectiva tributação autónoma.

 

 

3.3. Questão da incompetência territorial

 

A ação inspetiva foi efetuada pela Direção de Finanças de Lisboa.

Quando se iniciou a acção a inspeção, a Requerente tinha a sua sede na área dessa Direção de Finanças, mas, no decurso da inspeção, alterou a sua sede para a área da Direção de Finanças de Faro.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, no RIT, que «nos termos do número 5 do artigo 10º do CPPT, para o qual se remete nos termos do artigo 4° do RCPITA, "Salvo disposição expressa em contrário, a competência do serviço determina-se no início do procedimento, sendo irrelevantes as alterações posteriores". Deste modo, a Direção de Finanças de Lisboa é o serviço competente para a prática destes atos de inspeção tributária, independentemente do sujeito passivo ter alterado a sua sede para a área territorial da competência da Direção de Finanças de Faro, no decorrer do presente procedimento inspetivo».

Assim, foram os serviços da Direção de Finanças de Lisboa que continuaram e concluíram a ação inspetiva.

A Requerente defende que ocorre incompetência da Direção de Finanças de Lisboa pelas seguintes razões, em suma:

– artigo 4.º do RCPITA apenas admite a remissão, a título subsidiário, para o CPPT (cf. a alínea b) do referido preceito legal) quando exista um caso omisso, o que não é o caso em apreço, porquanto o RCPITA regula expressamente no Capítulo I do seu Título II (em particular os seus artigos 16.º e 17.º) a competência material e territorial para a prática dos atos de inspeção, prevendo inclusive uma norma que versa sobre a extensão da competência, que teria aplicação à situação vertente;

– o RCPITA, por conter uma regulação especial para o concreto contexto da inspeção tributária, em matéria de competência, prevalecerá sobre as disposições atinentes ao procedimento tributário em geral, no que respeita à competência para a prática de atos nesse âmbito, plasmadas no CPPT;

– neste caso, não houve extensão expressa da competência a órgão não competente;

– não ocorreu extensão da competência nem credenciação da Direção de Finanças de Lisboa para a prática de actos inspectivos fora da sua área territorial.

 

Os artigos 4.º, 16.ºe 17.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), na redacão anterior à Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, estabelecem o seguinte:

Artigo 4.º

Direito subsidiário

Aos casos omissos no presente diploma aplicam-se, de acordo com a natureza das matérias:

  1. A lei geral tributária;
  2. O Código de Procedimento e de Processo Tributário;
  3. Os demais códigos e leis tributárias, incluindo os regimes gerais das infracções tributárias e dos benefícios fiscais;
  4. A Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira e respetivos diplomas regulamentares; 
  5. O Código do Procedimento Administrativo.

 

Artigo 16º
Competência material e territorial


1 - São competentes para a prática dos atos de inspeção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira:

a) A Unidade dos Grandes Contribuintes, relativamente aos sujeitos passivos que de acordo com os critérios definidos sejam considerados como grandes contribuintes;

b) As direções de serviços de inspeção tributária que nos termos da orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira integram a área operativa da inspeção tributária, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que sejam selecionados no âmbito das suas competências ou designados pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira; 

c) As unidades orgânicas desconcentradas, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial.

 

Artigo 17.º

Extensão da competência

Os actos de inspecção podem estender-se a áreas territoriais diversas das previstas no artigo anterior ou ser efectuados por outro serviço, mediante decisão fundamentada da entidade que os tiver ordenado.

 

O artigo 10.º, n.º 5, do CPPT estabelece o seguinte:

 

  Artigo 10.º

Competências da administração tributária

5 - Salvo disposição expressa em contrário, a competência do serviço determina-se no início do procedimento, sendo irrelevantes as alterações posteriores

 

É inequívoco que, à face deste n.º 5 do artigo 10.º do CPPT, a competência dos serviços dos Autoridade Tributária e Aduaneira se mantém, desde que exista no início do procedimento.

Por outro lado, como resulta do teor desta norma, o seu regime só é afastado se existir «disposição expressa em contrário».

No entanto, como diz a Requerente, esta norma aplica-se diretamente aos procedimentos tributários previstos no CPPT, só sendo aplicável aos procedimentos de inspeção, como direito subsidiário, por via da alínea b) do artigo 4.º do RCPITA.

Com efeito, por força do artigo 64.º, n.º 6, da LGT,  «o exercício do direito de inspecção tributária constará do diploma regulamentar próprio», pelo que há uma preferência legislativa pela aplicação do regime especial que consta do RCPITA.

Assim, o regime do CPPT só é aplicável se existir um caso omisso, ao abrigo do artigo 4.º, alínea b), do RCPITA.

Porém, é claro que os artigos 16.º e 17.º do RCPITA não prevêem esta situação de alteração dos pressupostos da competência no decurso da inspeção.

Por outro lado, o artigo 17.º do RCPITA, não se reporta a situações de alterações dos pressupostos da competência, mas sim à extensão da competência para a prática de atos de inspeção em áreas territoriais diferentes daquela que determina a competência territorial.

Isto é, a extensão de competência prevista neste artigo 17.º do RCPITA não é uma extensão da competência para o próprio procedimento inspetivo, mas sim a competência para atos de inspeção que tenham de ser praticados pela entidade competente fora da sua área de competência territorial, no âmbito de um procedimento inspetivo para que é originariamente competente.

Por isso, está-se perante uma norma cujo campo de aplicação se restringe necessariamente às inspeções externas, que ocorrem «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso» [artigo 13.º, alínea b) do RCPITA].

Ora, no caso em apreço, foi efetuada uma inspeção interna, nos termos do artigo 13.º, alínea a) do RCPITA, pois os atos de inspeção efetuaram-se «exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento», tendo todos o atos de inspeção sido praticados nos serviços da área territorial da Direção de Finanças de Lisboa.

Por isso, está-se fora do campo de aplicação do referido artigo 17.º do RCPITA.

A extensão da competência que se verificou na inspeção relativa aos anos de 2013 e 2014, que se refere no respetivo Relatório da Inspeção Tributária que  consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, verificou-se em situação completamente distinta, pois aí tratou-se de atribuir à Direção de Finanças de Faro, que carecia de competência originária, competência para uma inspeção que cabia à Direção de Finanças de Lisboa, por a sede da Requerente se situar na área desta.

Assim, não estando previsto no RCPITA um regime especial para as situações de alteração da sede do sujeito passivo no decurso do procedimento inspetivo, verifica-se um caso omisso, que determina a aplicação da legislação subsidiária prevista no artigo 4.º deste diploma, que conduz a aplicação do n.º 5 do artigo 10.º do CPPT, pertinentemente invocado no RIT como fundamento da manutenção da competência da Direção de Finanças de Lisboa para o procedimento.

            Pelo exposto, improcede o vício de incompetência territorial da Direção de Finanças de Lisboa.

 

3.4. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afetam esta, justificando-se também a sua anulação, nas partes correspondentes às correcções e tributação autónoma anuladas.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia bancária para suspender execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da liquidação impugnada e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando O príncipe se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes à liquidação impugnada são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois esta foi de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, quanto à parte da liquidação correspondente às correções e tributação autónoma anuladas.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exato da indemnização, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular a liquidação de IRC, derrama estadual e tributações autónomas n.º 2020 ..., relativa ao exercício de 2016, e as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020..., 2020 ... e 2020..., bem como a respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2020..., nas partes correspondentes às correções relativas a comissões dos contratos de mediação imobiliária, que se referem nos pontos 3.1., 3.1.1., 3.1.1.1, 3.1.1.2., 3.1.1.3., 3.1.14. e 3.1.2. deste acórdão;
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão do pagamento à H... (H...) referida no ponto 3.2. deste acórdão e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao pedido de anulação com este fundamento;
  4. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de incompetência e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao pedido de anulação com este fundamento;
  5. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o montante que for liquidado em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 743.579,32, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Quanto ao IRC, são anuladas as correções no valor global de € 683.550, efetuadas relativamente à E... e F... no valor conjunto de € 559.550,00 (ponto III.1.2.3.10. do RIT) e a correção relativa à G..., no valor de € 124.000,00 (ponto III.1.2.5.11),  o que equivale em IRC (21%) e derrama estadual (3%) a cerca de € 164.052,00. ( [6] )

Procede ainda o pedido de pronúncia arbitral quanto às tributações autónomas nos valores de € 285.740,00 e € 148.837,50 relativas aos pagamentos de comissões efetuados pela E... e F... (ponto III.2.1. do RIT).

Improcede quanto à correção no valor de € 500.000,00 relativa a H... (a que corresponde em IRC e derrama estadual o valor aproximado de € 120.000,00) e quanto à respetiva tributação autónoma no valor de € 175.000,00.

Assim, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de valor de € 598.629,50 (164.052,00 + 285.740,00 + 148.837,50) e improcede quanto ao valor de € 295.000,00 (120.000,00 + 175.000,00).

Isto é, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto à percentagem de 66,99% e improcede na percentagem de 33,01%.

Pelo exposto, reparte-se a responsabilidade por custas atribuindo à Requerente a percentagem de 33,01% e à Autoridade Tributária e Aduaneira a percentagem de 66,99%.

 

 

Lisboa, 29-11-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Mariana Vargas)

 

(Clotilde Celorico Palma)

 



[1] GUSTAVO COURINHA, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, Almedina, 2009, página 93.

[2] Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37/95.

[3] LUÍS MENEZES LEITÃO, A introdução na legislação portuguesa de medidas destinadas a reprimir a evasão fiscal internacional. O Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 377, páginas 99-100.

[4] Como se refere no artigo já citado de LUÍS MENEZES LEITÃO.

[5] Como se refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37/05, de 14 de Fevereiro.

[6] A Requerente não se refere a derrama municipal.