Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2020-T
Data da decisão: 2021-01-21  Selo  
Valor do pedido: € 29.973,76
Tema: Imposto do Selo – isenção do artigo 6.º alínea e) do Código. Usucapião.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I – Quando o legislador veio, no artigo 1º n.º 3 do Código do Imposto do Selo, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a aquisição por usucapião, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza, visando apenas alargar a base de incidência, equiparando a usucapião às transmissões gratuitas, o que equivale a uma ficção legal para efeitos fiscais.

II – O artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo, ao isentar de imposto do selo o conjugue ou unido de facto, descendentes e ascendentes, remetendo para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários, significa que por mera interpretação declarativa se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da referida isenção.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

No dia 14-05-2020, A..., contribuinte n.º..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, B..., contribuinte n.º..., residente na Avenida ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, C..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., cx. postal..., ..., ...-... Almancil, D..., contribuinte n.º..., residente na Avenida ..., n.º ..., -..., ...-... Lisboa, E..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., n.º..., R/C esquerdo, ..., ...-... Odivelas, F..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, G..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa, H..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...-... Lisboa, e I..., contribuinte n.º..., residente na  ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.151,48 €, n.º ... no valor de 2.961,83 €, n.º ... no valor de 2.691,72 €, n.º ... no valor de 3.009,22 €, n.º ... no valor de 2.781,75 €, n.º ... no valor de 5.459,25 €, n.º ... no valor de 2.729,63€, n.º ... no valor de 2.729,63 € e n.º ... no valor de 5.459,25€.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 15-05-2020 e notificado à Requerida na mesma data.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designada como árbitro, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 07-07-2020, a Dra. Suzana Fernandes da Costa, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06-08-2020.

Em 06-08-2020, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta. No mesmo despacho, foi ainda notificada a Requerida para informar se estava ou não de acordo com a dispensa de reunião e com a dispensa de alegações.

Em 02-10-2020, a Requerida enviou requerimento aos autos a requerer a prorrogação do prazo de apresentação de resposta e junção do processo administrativo por mais 10 dias.

No dia 06-10-2020, foi proferido despacho a prorrogar o prazo para apresentação da resposta por 10 dias, ao abrigo dos artigos 16º alínea c), 19º n.º 2 e 29º n.º 2 do RJAT.

A Requerida apresentou a sua resposta em 13-10-2020 e juntou aos autos o processo administrativo em 15-10-2020.

Em 21-10-2020, os Requerentes juntaram aos autos requerimento ao abrigo do direito ao contraditório previsto no artigo 16º alínea a) do RJAT onde solicitam a prestação de declarações de parte nos termos do artigo 466º n.º 1 do Código do Processo Civil, por todos os Requerentes e quanto aos pontos 8 a 16 da petição inicial.

Em 23-10-2020, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para se pronunciar em 10 dias, sobre o requerimento apresentado pelos Requerentes em 20-10-2020.

Em 11-11-2020, foi proferido novo despacho a ordenar a notificação dos Requerentes para, em 10 dias, indicar os pontos e os concretos Requerentes que pretendem prestar declarações de parte.

No dia 17-11-2020, os Requerentes enviaram requerimento a informar que as declarações de parte seriam prestadas por A... e F... e versaria sobre os pontos 8 a 15 do pedido de pronúncia arbitral.

Na mesma data, foi proferido despacho a agendar para o dia 30-11-2020, pelas 14:30 horas, a realização da reunião arbitral e a prestação das declarações de parte. No mesmo despacho foi referido que a diligência se realizaria através de plataforma digital, e que os Requerentes deveriam comparecer nas instalações do CAAD, salvo se estiverem numa das condições previstas no n.º 4 do artigo 6º-A da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03.

Em 23-11-2020, foi proferido despacho a dar sem efeito a reunião agendada para 30-11-2020, em virtude da publicação do Decreto n.º 9/2020 de 21-11-2020 e do encerramento do CAAD no referido dia. A reunião ficou agendada, pelo referido despacho, para o dia 11-12-2020 pelas 14:30 horas.

No dia 11-12-2020 realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. O representante dos Requerentes declarou prescindir das declarações de parte do Requerente F... . Foram prestadas declarações de parte pelo Requerente A... . Foram notificadas os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias. O Tribunal designou ainda o dia 21-01-2020 para a prolação da decisão arbitral, e foram advertidos os Requerentes que até à data da prolação da decisão arbitral deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o pagamento ao CAAD.

Os Requerentes juntaram aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 14-12-2020.

Em 18-12-2020, os Requerentes apresentaram as suas alegações, e a Requerida juntou as suas alegações em 11-01-2021.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não se verificam exceções.

Foi pedida a coligação de autores e a cumulação de pedidos, que de seguida se decidirá.

O artigo 3º do RJAT, com a epígrafe “cumulação e pedidos, coligação de autores e impugnação judicial”, refere no seu n.º 1 que: “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

No presente processo, e tendo em conta os factos descritos no pedido arbitral, é possível a coligação de autores e a cumulação de pedidos por a procedência dos pedidos formulados depender essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nos termos do artigo 3º n.º 1 do RJAT e dos artigos 71º, 72º e 104º do CPPT. Com efeito as liquidações têm em comum factos tributários homólogos, semelhantes e do mesmo tipo, designadamente resultantes da mesma escritura pública de justificação da aquisição por usucapião, e previstos nas mesmas normas de Direito Fiscal substantivo, pelo que todas as liquidações impugnadas se baseiam na mesma disciplina normativa. Assim a coligação de autores e a cumulação de pedidos são admissíveis, pelo que se admitem.

 

2. Posição das partes

 

No entender dos Requerentes, as liquidações objeto do pedido arbitral  são ilegais pelo facto de a AT  não ter considerado a isenção automática prevista no artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo – o que decorreria de diversa jurisprudência (nomeadamente acórdãos do STA de 20-02-2013 do processo n.º 01112/12, de 09-07-2014 do processo n.º 269/14, de 16-03-2016 do processo n.º 86/16, de 29-03-2017 do processo n.º 1372/16, de 10-01-2018 do processo n.º 565/17, e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 05-02-2012 do processo n.º 0746/11).

Os Requerentes alegam que a aquisição por usucapião resultou da transmissão da posse em benefício de cônjuges ou descendentes (os Requerentes).

Os Requerentes referem que as liquidações de Imposto do Selo em causa nestes autos dizem respeito à aquisição por usucapião de diferentes quotas-partes nos seguintes prédios urbanos:

- prédio urbano sito na Rua..., n.º..., freguesia  ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

- prédio urbano sito na Rua ..., n.º ... e ..., freguesia de ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

- prédio urbano sito na Rua ..., n.º .../..., freguesia de ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

Os Requerentes alegam que a sua posse sobre os referidos imóveis foi transmitida pelos seus ascendentes diretos, ininterruptamente, de geração em geração, tanto por doação verbal como por via sucessória, desde pelo menos 27-03-1889, data em que J... os recebeu por morte de seu pai, K... . Como o ativo translativo fora sempre verbal, os Requerentes afirmam que celebraram a escritura pública de justificação notarial da aquisição por usucapião, por forma a obter um título que lhes permitisse registar os prédios na Conservatória do Registo Predial.

Os Requerentes afirmam que se encontram isentos de Imposto do Selo quanto à escritura de justificação notarial de aquisição por usucapião, nos termos do artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo que prevê a isenção no caso de cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que sejam beneficiários.

Alegam os Requerentes que a referida isenção de Imposto do Selo é automática, produzindo efeitos imediatos.

No final, os Requerentes referem que procederam ao pagamento das liquidações de Imposto do Selo em causa nestes autos e pedem a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Já a Requerida, na sua resposta, apresentou defesa por impugnação, pugnando pela manutenção na ordem jurídica das liquidações de Imposto do Selo.

A Requerida sustenta a sua posição na Instrução de Serviço n.º ... Série I de 22-12-2017, para afirmar que depende da demonstração casuística e concreta da verificação dos pressupostos da norma do artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo, a aplicabilidade da isenção subjetiva nela prevista, sendo que a escritura pública de justificação notarial será insuficiente para demonstrar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na referida norma. E alega que os Requerentes apenas apresentaram a escritura pública de justificação notarial, não tendo apresentado qualquer outro meio de prova adicional.

 

3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            Em 17-12-2019, foi outorgada escritura pública de justificação, pela qual os Requerentes declararam ser donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes prédios urbanos e nas proporções adiantes referidas, conforme cópia junta ao pedido arbitral como documento 10:

- prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., freguesia ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

- prédio urbano sito na Rua ..., n.º ... e ..., freguesia ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...;

- prédio urbano sito na Rua ..., n.º .../..., freguesia ... (extinta), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .

2.            Na escritura de justificação notarial consta que “ditos prédios entraram na posse material e efetiva dos pais e sogros que a seguir se identificam dos aqui primeiro a décimo outorgantes:

- L... casado no regime da separação de bens com M...– (pais de A...) – N... casado no regime da comunhão geral de bens com O..., - (pais de B...), -N..., casado com Q... sob o regime da comunhão geral de bens, (pais de C...) – R... casado com S... sob o regime da comunhão geral, (sogros de T... (- U...casada com P... sob o regime da comunhão geral de bens (pais de V...) – W... casado com X... no regime da comunhão geral de bens (pais de E...) – Y... casada com Z... no regime da comunhão geral de bens (pais de F...) – AA..., divorciado, ao tempo casado com BB... sob o regime da separação de bens (poais de G...) – CC... divorciada de DD... desde 7/2/1975, (pais de H...; e – EE... casada com FF... sob o regime da comunhão geral de bens, (pais de I...) respetivamente.

Na verdade, em data que desconhecem, mas, seguramente, anteriormente ao ano de mil novecentos e oitenta e cinco, no seguimento de ajuste verbal de partilhas dos ditos prédios, que fizeram entre si, aqueles mencionados “pais e sogros”, em dia e mês que todos os ora outorgantes não podem precisar, mas com toda a certeza no ano de mil novecentos e oitenta e cinco ajustaram verbalmente com os aqui primeiro ao décimo outorgantes fazer a favor deles em comum e nas proporções adiante referidas doações dos bens imóveis supra identificados com dispensa da colação não o tendo, contudo, feito de forma escrita, pelo que não ficaram a dispor de título formal que lhes permitisse e permita obter a inscrição de aquisição a seu favor daqueles referidos prédios no registo predial;

Que, porém, eles, do primeiro, ao décimo outorgantes entraram a partir daquele ano de mil novecentos e oitenta e cinco na posse material e efectiva dos mesmos referidos prédios, posse que, desde então, vêm mantendo até hoje, portanto há mais de trinta anos, sem qualquer interrupção, recebendo ali a correspondência que a eles lhes é para ali endereçada suportando do seu bolso os consumos de água e eletricidade neles efectuados, assim como as inerentes despesas de manutenção e conservação, pagando os impostos e taxas devidos em consequência da propriedade de tais prédios, considerando serem eles os únicos proprietários em compropriedade dos prédios em causa, convicção certa que é partilhada por familiares, parentes, vizinhos e amigos;

Que esta posse foi, portanto, adquirida por eles justificantes sem violência e tem vindo sempre a ser exercida pacificamente e à vista de toda a gente, continuamente, sem oposição de quem quer que seja, agindo eles na total convicção de serem efectivamente os únicos proprietários dos supra identificados prédios;

Que, por conseguinte, esta posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública, exercida em nome deles ora justificantes desde o referido ano de mil novecentos e oitenta e cinco conduziu à aquisição por eles do direito de propriedade daqueles prédios por usucapião, o que ora invocam, para justificação do seu direito de propriedade sobre os mesmos prédios, para efeitos da sua primeira inscrição no registo predial, dado que aquela forma de aquisição não pode, por sua natureza, ser comprovada por qualquer outro título forma extrajudicial.

Mais disseram do primeiro ao décimo outorgantes:

Que são donos dos acima identificados prédios nas seguintes proporções:

O Primeiro Outorgante A..., 227/3456 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios;

O Segundo Outorgante B..., 625/6912 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios;

A Terceira Outorgante C..., 71/864 avos indivisos, de cada um dos três identificados prédios;

A Quarta Outorgante T..., 587/6912 avos indivisos, de casa um dos três identificados prédios;

A Quinta Outorgante W..., 635/6912 avos indivisos, de cada um dos três identificados prédios;

A Sexta Outorgante E... 587/6912 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios;

O Sétimo Outorgante F..., 2/12 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios;

A Oitava Outorgante G..., 1/12 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios.

A Nona Outorgante H..., 1/12 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios;

O Décimo Outorgante I..., 2/12 avos indivisos de cada um dos três identificados prédios”.

3.            Em 27-03-1989, foi celebrada escritura de partilha de K..., através da qual J... recebeu os imóveis acima identificados, por morte de seu pai K..., conforme documento 11 junto ao pedido arbitral.

4.            O Requerente GG... é neto de HH..., que por sua vez é filho de J..., conforme documentos 12 e 13 juntos ao pedido arbitral.

5.            O Requerente B... é neto de HH..., que por sua vez é filho de J..., conforme documentos 13 e 14 juntos ao pedido arbitral.

6.            A Requerente C... é neta de II..., que por sua vez é filho de HH... , que por sua vez é filho de J..., conforme documentos 13, 15 e 16 juntos ao pedido arbitral.

7.            A Requerente D... é neta de JJ... , que por sua vez é filha de HH... , que por sua vez é filho de J..., conforme documentos 13, 17 e 18 juntos ao pedido arbitral.

8.            A Requerente E... é neta de KK..., que por sua vez é filha de HH..., que por sua vez é filho de J..., conforme documentos 13, 19 e 20 juntos ao pedido arbitral.

9.            O Requerente F... é neto de LL..., que por sua vez é filha de J..., conforme documentos 21 e 22 juntos ao pedido arbitral.

10.          A Requerente G... é filha de AA..., que por sua vez é neto de LL..., que por sua vez é filha de J..., conforme documentos 22, 23 e 24 juntos ao pedido arbitral.

11.          A Requerente H... é filha de CC..., que por sua vez é neta de LL..., que por sua vez é filha de J..., conforme documentos 22, 25 e 26 juntos ao pedido arbitral.

12.          O Requerente I... é neto de LL..., que por sua vez é filha de J..., conforme documentos 22 e 27 juntos ao pedido arbitral.

13.          O Requerente GG... foi notificado da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.151,48 €, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.

14.          O Requerente B... foi notificado da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.961,83 €, conforme documento 2 junto ao pedido arbitral.

15.          A Requerente C... foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.691,72 €, conforme documento 3 junto ao pedido arbitral.

16.          A Requerente D... foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 3.009,22 €, conforme documento 4 junto ao pedido arbitral.

17.          A Requerente E... foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.781,75 €, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral.

18.          O Requerente F... foi notificado da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 5.459,25 €, conforme documento 6 junto ao pedido arbitral.

19.          A Requerente G... foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.729,63 €, conforme documento 7 junto ao pedido arbitral.

20.          A Requerente H... foi notificada da liquidação de Imposto do Selo n.º... no valor de 2.729,63 €, conforme documento 8 junto ao pedido arbitral.

21.          O Requerente I... foi notificado da liquidação de Imposto do Selo n.º ... no valor de 5.459,25 €, conforme documento 9 junto ao pedido arbitral.

22.          Todos os Requerentes procederam ao pagamento do Imposto do Selo liquidado.

23.          Os Requerentes interpuseram o presente pedido de pronúncia arbitral em 14-05-2020.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, no processo administrativo, nas declarações de parte produzidas em audiência de julgamento e na posição das partes demonstrada nas peças processuais produzidas.

 

4. Matéria de direito:

4.1. Objeto e âmbito do presente processo

 

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se se aplica a isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo, quanto ao Imposto do Selo suportado pelos Requerentes aquando da celebração da escritura de justificação notarial de aquisição por usucapião.

Em relação à definição de usucapião, o artigo 1287º do Código Civil refere que a usucapião corresponde à posse do direito de propriedade ou de outros direitos de gozo, mantida por um certo lapso de tempo, facultando ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação. E invocada a usucapião, os seus efeitos retroagem à data do início da posse, sendo que a posse se consubstancia, entre outros factos, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício desse direito, conforme artigos 1288º, 1317º alínea c) e 1263º do Código Civil.

De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2017, do processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S2, “ a usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido”.

Analisemos agora as disposições legais do Código do Imposto de Selo que possam ser aplicadas neste processo.

No artigo 1.º n.º 3 alínea a) do Código do Imposto do Selo determina-se que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, entre outras, as que tenham por objeto o “direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião”.

Por sua vez, no artigo 2.º n.º 2 do Código do Imposto do Selo, com a epígrafe “incidência subjectiva”, estipula-se que são sujeitos passivos do imposto “nas transmissões gratuitas” as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: “a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários”.

No que respeita ao encargo do imposto, encontra-se legalmente estabelecido que este constitui um encargo a suportar: (i) nas situações referidas no mencionado artigo 1.º o “titular do interesse económico” e que este é, nas transmissões por morte, a herança e os legatários; nas restantes transmissões gratuitas ou no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens (artigo 3.º do Código do Imposto do Selo).

O artigo 5.º n.º 1 alínea r) do Código do Imposto do Selo, por sua vez, determina que nas aquisições por usucapião a obrigação tributária se considera constituída na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de Justificação nos termos do Código do Registo Predial.

Por fim, determina o artigo 6.º do mesmo diploma, com a epígrafe "Isenções subjectivas", que estão isentos de Imposto do selo, quando este constitua seu encargo: “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários”.

Sobre a questão que se coloca neste processo, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 02-05-2012, do processo n.º 0746/11, que entendeu que  quando o legislador afirma, no artigo 1º nº 3 do Código do Imposto do Selo, que para efeitos da verba 1.2 da tabela geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a aquisição por usucapião, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza, visando apenas alargar a base de incidência, equiparando a usucapião às transmissões gratuitas, o que equivale a uma ficção legal para efeitos fiscais., tal como se refere na decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07-06-2018, do processo n.º 1119/15.9BELSB.

 No entender daquela decisão do STA, é de entender como irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, por esta se constituir com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial ( alínea r) do artigo 5º do Código do Imposto do Selo), incluindo o imposto sobre o ato de aquisição por usucapião. Em conformidade, ao se isentar no artigo 6º, alínea e), do CIS, de imposto de selo o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, remetendo para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários, significa que por mera interpretação declarativa se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da referida isenção, devendo, inclusive, considerar-se como contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito, quaisquer outras interpretações ou entendimentos assentes nestes normativos por essas outras interpretações implicarem a admissão de que o legislador fiscal pode utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente.

Conclui o aludido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário que:

(…) Em face do exposto, não podemos deixar de concluir no sentido do consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13/10/2010, proc n°0431/2010, que, “por um lado, a alínea a) do n°3 do artigo 1° do Código do Imposto de Selo, considera, desde sempre, transmissões gratuitas os casos de aquisição por usucapião de imóveis (…) E, por outro lado, o teor da alínea e) do artigo 6° do Código do Imposto de Selo é muito claro e de sentido unívoco: o cônjuge está isento do imposto de selo, quando o imposto constitua encargo seu — como teria de acontecer no caso, se não houvesse isenção legal a favor do cônjuge. E, assim, poderemos, a propósito, formular o seguinte silogismo: se o cônjuge está isento de imposto de selo nas transmissões gratuitas; e, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma transmissão gratuita; a aquisição por usucapião pelo cônjuge está isenta de imposto de selo.”

Assim, a jurisprudência tem entendido pela aplicabilidade da isenção a que se refere o artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo às situações em que a justificação notarial tenha tido como único escopo o reatamento do trato sucessivo com vista a suprir a falta de título, conforme, entre outros, o acórdão do STA de 20-02-2013 do processo n.º 01112/12, de 20-03-2017 do processo n.º 01372/16, de 12-10-2016 do processo n.º 0718/15, de 13-10-2010 do processo n.º 0431/10 e de 20-05-2020 do processo n.º 0121/16.8BEMDL.

Entendendo este tribunal que na isenção prevista no artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo está incluída a usucapião, importa agora se se verifica a relação de parentesco para que se possa aplicar a referida isenção de Imposto do Selo.

Determina ao artigo 74.º, 1 da Lei Geral Tributária que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Consta da matéria provada (pontos 4 a 12) a relação de parentesco entre os Requerentes e os proprietários originários dos imóveis, bem como a proporção da propriedade que lhes diz respeito.

A Requerida, na sua resposta, faz referência à Instrução de Serviço n.º 40 054 Série I, de 22-12-2017, da Direção de Serviços do IMT, para fundamentar a sua posição de que a escritura pública de justificação notarial é insuficiente para demonstrar a verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo. No entendimento da AT, a escritura de justificação notarial não é suficiente para provar a relação entre o anterior titular e o justificante, bem como que os pressupostos da figura de usucapião se verificaram em relação aos anteriores titulares.

Desde logo se diga que esta Instrução de Serviço a que alude a AT não tem a força de lei, tratando-se de um simples despacho interno que não pode sobrepor-se a uma norma vigente no ordenamento jurídico português, sob pena de violação do princípio da primazia da lei (artigo 1132º da Constituição da República Portuguesa).

Ora, as circulares consistem em orientações administrativas de carater genérico, através das quais os serviços da administração pública procedem a uma interpretação de normas tributárias, sendo necessário referi-las para aplicação a cada situação concreta.  

Segundo Casalta Nabais (in Direito Fiscal, pág. 201) trata-se “de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios (…), quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem a interpretação de preceitos legais (ou regulamentares). É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato” .

Este tribunal entende que os Requerentes lograram provar que os referidos prédios entraram na posse material e efetiva dos seus pais e sogros em data anterior a mil novecentos e oitenta e cinco, no seguimento de ajuste verbal de partilhas dos ditos prédios, e que os pressupostos da figura de usucapião se verificaram em relação aos anteriores titulares – pontos 1 a 12 dos factos provados.

Tendo os Requerentes provado que os pressupostos de que dependa a isenção de Imposto do Selo previstos no artigo 6º alínea e) do Código do Imposto do Selo se verificaram, cumpre concluir que as liquidações emitidas aos Requerentes e objeto do presente processo arbitral estariam abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, pelo que, sendo ilegais, devem ser anuladas, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

5. Juros indemnizatórios

Os Requerentes pedem que seja condenada a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º n.º 1 da LGT.

Dispõe o artigo 43.º n.º 1 da LGT que: “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

O artigo 100º da LGT refere que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade das liquidações controvertidas é imputável à AT.

Assim, o Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data do pagamento do imposto até integral reembolso.

 

6. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral, quanto às liquidações de Imposto do Selo n.º ... no valor de 2.151,48 €, n.º ... no valor de 2.961,83 €, n.º... no valor de 2.691,72 €, n.º ... no valor de 3.009,22€, n.º... no valor de 2.781,75 €, n.º ... no valor de 5.459,25 €, n.º ... no valor de 2.729,63€, n.º ... no valor de 2.729,63 € e n.º ... no valor de 5.459,25€;

b)           Julgar procedente o pedido de condenação da AT a reembolsar à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, e ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo;

c)            Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

7. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em 29.973,76 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.530,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 21 de janeiro de 2021.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

A Juiz-Árbitro

(Suzana Fernandes da Costa)