Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 255/2019-T
Data da decisão: 2019-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 31.094,00
Tema: IS – Verba 28.1 – Terrenos para construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação fiscal..., vem, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B...– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO,  doravante designada por Requerente, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, com vista à anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo identificados nos autos, no montante total de €31.094,00.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 26.06.2019 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 26.06.2019.

 

 

A AT respondeu, defendendo a improcedência do pedido, pugnando pela manutenção do acto de liquidação de IS por consubstanciar correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

II.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

a)            O Fundo, aqui representado pela Requerente, é, nos termos do respectivo Regulamento de Gestão, um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, sendo a respectiva actividade hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro;

b)           O Fundo é proprietário do prédio urbano inscrito com o artigo matricial n.º ... – anterior artigo matricial n.º ... – da União das Freguesias de ... (..., ... e ...), concelho de ... e distrito de Santarém, inscrito na matriz como terreno para construção;

c)            O prédio é um lote de terreno para construção cuja edificação é para habitação;

d)           O Fundo foi notificado dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.º 2015..., n.º 2015..., n.º 2015... referentes aos anos 2014 e n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016... referentes ao ano 2015, no montante global de €31.094,00, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGIS;

e)           A Requerente procedeu ao pagamento do montante subjacente aos actos de liquidação de IS;

f)            A 9 de Janeiro de 2019, através do Ofício n.º..., o Fundo foi notificado do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.          MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a norma constante da verba 28.1 da TGIS subjacente aos actos de liquidação Sub Judice abrange o terreno para construção da Requerente.

 

Neste sentido defende a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

1.            A verba 28.1 da TGIS, na sua última redacção em vigor, prevê a tributação de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00;

2.            Assim, é entendimento da Requerente que a tributação em análise apenas seria aplicável nas situações em que i) tivesse sido efectivamente autorizada ou prevista a efectiva edificação do “terreno” no caso concreto ii) e tal edificação se destinasse a “habitação”;

3.            Deste modo, e ao contrário do entendimento da AT, a mera inscrição matricial dos prédios como “terreno para construção” não poderia legitimar a aplicação da verba 28.1 da TGIS face aos mesmos;

4.            Assim, para aplicação da actualmente revogada verba 28.1 da TGIS, afigurar-se-ia sempre necessário que existisse todo o processo administrativo associado à construção e, finalmente, uma licença/autorização de construção (válidas) e um projecto (aprovado) – cf. artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI –, sendo que o mesmo se deve destinar a habitação;

5.            O imóvel em apreço tem, simultaneamente, uma potencial afectação habitacional e comercial, conforme se comprova da análise à respectiva certidão permanente e alvará de loteamento;

6.            Neste sentido, e tendo o terreno em causa várias potenciais afectações, a detenção do mesmo pelo Fundo jamais configuraria, in casu, um facto tributário subsumível à regra de tributação consagrada na verba em análise, atendendo à redacção da norma;

7.            Atento o exposto, resulta evidente que as liquidações de Imposto do Selo sub judice, emitidas face àquele prédio, se afiguram manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas;

8.            Sem prescindir do quanto ficou supra exposto, atenta a actividade que desenvolve – nomeadamente, arrendamento de imóveis –, o Fundo é proprietário de múltiplos imóveis;

9.            Com efeito, tais imóveis destinam-se a ser vendidos ou arrendados, pelo que a titularidade do direito de propriedade sobre estes imóveis – nomeadamente, “terrenos para construção” –, não poderá jamais representar uma capacidade contributiva superior do Fundo;

10.          Pelo exposto, o Imposto do Selo previsto na referida verba não poderia jamais incidir sobre a propriedade dos prédios “adquiridos’” pelo Fundo no âmbito da sua actividade, nos termos acima descritos, conquanto nestas situações de facto não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação aqui em análise.

 

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.            Na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é “terreno para construção”, com afectação de “habitação”;

2.            Ora, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenham sido atribuídas a afectação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo;

3.            A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

4.            Sobre a matéria da determinação do VPT dos terrenos para construção, considera JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, in Lições sobre o Património e do IS, Almedina, Coimbra, 2011, pag. 100 e 101, que “A metodologia seguida no Código do IMI para a determinação do valor patrimonial dos imóveis é também muito próxima dos termos usados no mercado imobiliário para apurar o valor destes terrenos.

No mercado, o valor de um terreno para construção não depende apenas das suas características intrínsecas, como sejam a sua área e a sua localização ou a sua geografia.

Mais importante que isso é um fator que lhe é intrínseco e que depende dos poderes públicos, que é o seu potencial de construção, nomeadamente a volumetria autorizada e as características de uma realidade que ainda não existe, que é o prédio urbano que nele se vai poder construir. O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio.”

5.            Assim, os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação;

6.            Ou seja, o legislador não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”;

7.            Na delimitação legal da incidência objectiva fica patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios;

8.            Assim ao contrário do alegado pela requerente não se verifica qualquer ilegalidade nos atos impugnados, pelo contrário os mesmos foram praticados tendo em conta a aplicação da legislação em vigor aos elementos constantes da matriz predial sendo que a mesma é elaborada tendo em conta as declarações do Requerente.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

IV.          DECISÃO

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Atendendo às regras de interpretação da Lei, importa saber que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio aditar à TGIS a verba 28 e 28.1, criando a taxa de IS sobre prédios urbanos de elevado valor patrimonial. Mais tarde, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio alterar a redacção originária da verba 28.1 da TGIS, que passou a ter a seguinte redacção:

 

 “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI…… 1%.”

 

 

a)            Do âmbito de incidência da Verba 28.1 da TGIS

 

Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o âmbito de incidência da Verba 28.1. da TGIS foi alargado aos terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista seja para habitação.

 

De acordo com o estabelecido no artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI, os terrenos para construção são os terrenos situados, dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operações de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente, os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

 

O Valor Patrimonial Tributário (VPT) é, de acordo com o disposto nos artigos 45.º e 40.º-A do Código do IMI, determinado tendo em conta a afectação do terreno para construção, sendo em função da afectação, autorizada ou prevista, que se define o valor da área de implantação.

 

Assim, a verba 28.1. deve ser interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação (Vide, entre outros, Decisões do CAAD n.º 527/2015, 495/2015, 515/2015).

 

 

No caso sub judice, sendo o prédio da Requerente um terreno para construção cuja afectação, autorizada ou prevista, é a habitação, conforme resulta da Caderneta Predial Urbana, está o prédio sujeito à norma de incidência prevista na Verba 28.1. da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

b)     Da inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo

Alega, ainda, a Requerente que a verba 28.1. da TGIS é inaplicável ao Fundo, uma vez que os imóveis detidos pelo Fundo se destinam a ser vendidos ou arrendados, pelo que a titularidade do direito de propriedade sobre estes imóveis, não poderá jamais representar uma capacidade contributiva superior do Fundo.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no seu artigo 13.º o princípio da igualdade, nos seguintes termos:

 

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Estatui, por sua vez, o artigo 103.º da CRP, o seguinte:

 

1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

 

Nos termos do artigo 104.º da CRP:

 

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.

 

É à luz dos referidos normativos que deve ser apreciada a norma constante da verba 28 e 28.1. da TGIS, que determina a incidência de IS sobre terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI:

 

Da análise das normas constitucionais referenciadas resulta que o princípio constitucional da igualdade tributária constitui uma expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade, “que traduz não apenas uma igualdade formal – uma igualdade perante a lei, (…), mas também e sobretudo uma igualdade material – uma igualdade da lei, que obriga, em diversos termos, também o legislador.”

 

Assim, o princípio da igualdade fiscal desdobra-se em dois aspectos: o aspecto da generalidade dos impostos e o aspecto da uniformidade dos impostos.

 

Na vertente da generalidade dos impostos, o princípio da igualdade fiscal determina que o dever de pagar impostos é universal, enquanto que na vertente da uniformidade dos impostos implica o referido princípio a adopção de um mesmo critério para todos os contribuintes.

 

No fundo, “o princípio da igualdade fiscal exige que o que é (essencialmente) igual, seja tributado igualmente, e o que é (essencialmente) desigual, seja tributado, desigualmente na medida dessa desigualdade.”

 

Para aferir do que é igual e do que é desigual surge, então, o critério da capacidade contributiva, que se concretiza na vertente da igualdade horizontal quando impõe que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem o mesmo imposto, e na vertente da igualdade vertical, na medida em que conduz a que os contribuintes com diferente capacidade contributiva paguem impostos diferentes (qualitativa e/ou quantitativamente), sendo proibido o arbítrio.

 

A este propósito entende a Requerente que o IS sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional e de terrenos para construção, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00, à taxa de 1%, não evidencia, por si, uma capacidade contributiva superior à média que possa legitimar a imposição de um “imposto solidário”

 

Não assiste, no entanto, razão à Requerente.

 

Na verdade, do princípio da igualdade tributária não resulta a proibição da liberdade de opção por parte do Legislador da tributação de determinados factos tributários em detrimentos de outros, mas sim a proibição do arbítrio.

 

No caso em análise, o Legislador considerou que sobre os prédios urbanos habitacionais e (mais tarde) sobre os terrenos para construção cuja edificação seja para habitação deveria incidir a vulgarmente designada “taxa de luxo”, no âmbito do esforço de consolidação orçamental.

 

Pretendeu-se com a referida tributação repartir os sacrifícios exigidos aos proprietários de prédios habitacionais de elevado valor com aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho (Vide Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), acordado entre o Governo Português e FMI, a Comissão Europeia e o BCE).

 

A criação deste novo facto tributário ocorreu no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

 

Na verdade, através da verba 28.1. da TGIS pretende-se tributar a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos, revela maiores indicadores de riqueza, susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” – (Vide proposta de Lei n.º 96/XII).

 

Neste contexto, a tributação incide não só sobre terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, mas também sobre a edificação de prédio habitacional sobre terreno para construção, quando o VPT de tal prédio seja, posteriormente, elegível, nos termos da verba 28.1. da TGIS.

 

Também não procede o argumento da Requerente relativamente à discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, dado o contexto de esforço de consolidação orçamental subjacente à criação da norma e ao interesse público assim invocado.

 

Ademais, não só estão previstos benefícios fiscais em sede de IMI e de IMT, certamente aplicáveis à Requerente, no âmbito da sua actividade de comercialização de imóveis, não aplicáveis aos restantes contribuintes, como também estão excluídos de tributação em sede de IS os prédios afectos a actividades empresariais.

 

Tem sido entendido que “Só podem ser censurados com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (…) este princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (…) que, não eliminando “a liberdade de conformação legislativa” – entendida como a liberdade que ao legislador pertence de “definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” – compete aos tribunais não a faculdade de se subtraírem ao legislador, “ ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)”, mas sim a de “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de se credenciarem racionalmente.” 

 

Tendo em conta o exposto, considera-se que os factos tributários contemplados pela verba 28.1 da TGIS não foram escolhidos de forma arbitrária, sendo a sua opção justificada pelo contexto político-económico subjacente. Tal entendimento já foi, aliás, por diversas vezes, expresso pelo Tribunal Constitucional  que, no Acórdão n.º 590/2015, entendeu o seguinte:

“ não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. (…) a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade.

(…)

Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto á habitação, o que importa a conclusão de que (…) não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.0000,00.”

 

Pelas razões expostas acima, este Tribunal também não considera que se encontre beliscado o princípio da capacidade contributiva pela exclusão de outros prédios, para além dos contemplados na norma, que revelam igual capacidade contributiva.

 

Na verdade, o princípio da capacidade contributiva não vale de igual modo relativamente a todo o tipo de imposto, tendo uma expressão de 1.º grau nos impostos sobre o rendimento, uma expressão de 2.º grau nos impostos sobre o património e uma expressão de 3.º grau nos impostos sobre o consumo.

 

Deste modo, entende-se que quanto à tributação do património, o Legislador está essencialmente obrigado a contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3 da CRP), o que não o impede de proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos, sendo certo que de tal princípio não resulta a obrigação da existência de um imposto sobre o património com taxas progressivas (Vide Acórdão do TC n.º 568/2016, de 25.11.2016).

 

Atendendo ao princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de determinação do respeito pelo princípio da igualdade tributária, constata-se que o facto tributário eleito pelo legislador na verba 28.1. da TGIS é revelador de capacidade contributiva, havendo também conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado pelo Legislador.

 

De facto, a norma em análise elegeu como pressuposto económico o direito propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos ou terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, de valor patrimonial superior a €1.000.000,00 e a esse pressuposto económico fez corresponder uma taxa de 1%.

 

Em suma: tendo em conta que da caderneta predial urbana do prédio em análise consta que o terreno para construção está afecto à habitação e que o seu VPT é de €1.554.700,00, é aqui aplicável a taxa prevista na verba 28.1. da TGIS, devendo os actos de liquidação de IS ser mantidos na ordem jurídica.

 

 

VI.          DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e consequente anulação dos actos de liquidação de IS, relativos ao ano 201 e 2015, referente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da União das Freguesias de ..., concelho de ... e distrito de Santarém.

 

VII.         VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €31.094,00.

 

 

VIII.       CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2019

 

 

A Árbitro,

 

Magda Feliciano

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)